quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Eric Hobsbawn e Richard Horsley: As agitações camponesas do século I e os líderes messiânicos


Este artigo pretende investigar como Jesus se comportou na sociedade de seu tempo, abordar a sua atitude política e social e utilizar-se da corrente historiográfica da Escola dos Annales. Segundo a revolução dos Annales, a interdisciplinaridade passou a ser explorada e outras fontes de estudo passaram a ser consideradas históricas.

Geografia, Arqueologia, Antropologia, Sociologia, Economia, História, entre outras, poderiam juntas alcançar resultados científicos de grande fecundidade para suas respectivas áreas. Quando se desliga Jesus Cristo do seu contexto social, produz-se um mito. Se estudado dentro deste contexto histórico de aguda opressão e profunda crise de valores, cria-se um líder social, um libertador. Jesus, revolucionário social e político, um homem que dedicou sua vida a pregar uma revolução social na Palestina, dirigindo-se aos pobres camponeses e outros oprimidos de seu tempo, subjugados pelo domínio do Império Romano e seus associados locais da elite judaica, chamando os para uma revolução que só teria sucesso se partisse da conscientização da situação de opressão em que viviam.


A figura de Jesus Cristo é uma das mais intrigantes, questionadas e controvertidas de todos os tempos. Sem dúvida alguma, a maior parte dos registros sobre Jesus Cristo está na Bíblia Sagrada, mas há menções feitas por historiadores e estudiosos judeus e não-judeus. Há quem insista que Jesus se restringiu a comunicar uma mensagem religiosa sem cunho político ou ideológico. Se compreendido dentro do contexto político, econômico e social do imperialismo romano de sua época, sua pregação assumiria a expectativa da libertação política e social. Jesus de Nazaré, revolucionário social e político, foi um homem que dedicou sua vida a pregar uma revolução social na Palestina, dirigindo-se aos pobres camponeses e a outros oprimidos de seu tempo (CROSSAN, 1995), subjugados pelo domínio do Império Romano e de seus associados locais da elite judaica, chamando os para uma revolução que só teria sucesso se partisse da conscientização da situação de opressão em que viviam.


Ao longo deste artigo serão abordados temas sobre a cultura, a política, a sociedade e a economia da Palestina do século I no intuito de se poder decifrar Jesus, o homem judeu de Nazaré, o Jesus Histórico que emerge da interação do individuo e contexto.


A PALESTINA NO TEMPO DE JESUS


O termo Palestina, em poucas palavras, significa terra dos filisteus. Há, contudo, segundo Daniel Rops controvérsias sobre a utilização desse termo para designar tal região. Segundo o pensador, o termo designava um povo vencido do qual as terras haviam sido conquistadas. Assim o real nome que os israelitas usavam para indicar a palestina, na linguagem nobre, idioma religioso e histórico, era: País de Canaã. Esse termo servia para designar a terra prometida por Javé e conquistada a expensas de guerras. Portanto, o termo Palestina significa, do ponto de vista religioso, para o povo da época, o País de Canaã, a terra prometida por Javé. Do ponto de vista etimológico, Terra dos filisteus. A Palestina no tempo de Jesus possuía uma extensão de terra mediana, era uma estreita área situada entre a África e a Ásia, funcionando como uma espécie de ponte entre essas regiões. Suas coordenadas geográficas estão nos paralelos de 31 e 33 ao norte e nos meridianos 32 e 34 ao leste.


Com um território menor que o estado do Espírito Santo, possuía uma superfície de cerca de 34.000 Km2 e cerca de 650 mil habitantes. Encontrava-se dividida em áreas menores: Judéia, Samaria e Galiléia, à oeste; Ituréia, ao norte; Gualanítade, Batanéia, Traconítide, Auranítide, Decápole e Peréia, à leste; e Iduméia ao sul. Todo esse território era margeado pelo Mar Mediterrâneo, no extremo oeste. Ao Leste estava o Rio Jordão que desemboca no Mar Morto, ao sul. Entrecortando toda região havia uma cadeia de montanhas e montes com 600 mts de altura, sendo que os mais altos estavam situados na Galiléia e no Hermon. Em 63 a.C., através do general Pompeu, Roma chega ao Oriente Médio. A política expansionista romana teve inicialmente como objetivos básicos a defesa frente a povos vizinhos rivais e a obtenção de mais terras necessárias à agricultura e ao pastoreio, mas logo se revelou uma fonte valiosa de riquezas em metais preciosos e em escravos. Como resultado, em cinco séculos de guerras, a dominação romana se estendeu a grande parte da Europa, da Ásia e da África.


Assim a Palestina passa a fazer parte do Império Romano. Herodes, o Grande (37- 4 a.C.) obtém de Roma o título de Idumeu, rei da Judéia. É no seu reinado, por volta do ano 7 ou 6 a.C., alguns anos antes da morte do Rei Herodes, o Grande (4 a.C.) e durante o governo do imperador romano Augusto, que ocorre nascimento de Jesus de Nazaré. Durante a vida de Jesus, a Palestina foi governada, principalmente, pela Dinastia Herodiana.


Devido a sua posição geográfica estratégica, a Palestina era região de passagem. Por ela circulavam soldados, comerciantes, mensageiros, diplomatas. Essa região possuía importantes centros urbanos, como Cesaréia e Jerusalém, que concentravam indivíduos e atividades econômicas. Como em outras áreas do Império, existiam vias e portos, que facilitavam as comunicações e transporte de mercadorias e pessoas.


A economia da palestina subsistia, basicamente, da agricultura e da atividade pesqueira. Banhada pelo Mediterrâneo, cortada por rios e possuindo lagos, não é difícil constatar a variedade de peixes e seu papel para o abastecimento interno e até exportação. Quanto à pecuária, a região possuía rebanhos de ovelhas, cordeiros e bois. Existia nas pequenas cidades um comércio local (feiras), onde se fazia troca de produto (escambo). A economia monetária, ou seja, a circulação de dinheiro era muito reduzida. Contudo, havia grandes mercados, como o de Jerusalém, com o controle de grandes comerciantes. Eram mercados atacadistas que faziam importações como o mercado do templo. O comércio, tanto interno quanto externo, também era praticado. O comércio interno, pouco conhecido, consistia nas trocas locais e, sobretudo, visava ao abastecimento das grandes cidades. Quanto ao externo, importavam-se produtos de luxo, consumidos pelas elites e pelo Templo. Por outro lado, exportavam-se alimentos – frutas, óleo, vinho, peixes – e manufaturas, como perfumes, além do betume.


A produção baseava-se no trabalho escravo. Os escravos não eram considerados pessoas, mas coisas de que seu dono podia dispor conforme lhe conviesse, comprando os e vendendo-os. Havia escravos por toda parte. Dois terços da população de Corinto era formada por escravos, cerca de 400 mil pessoas. Por não conseguir pagar uma dívida, alguém poderia tornar-se escravo. Ademais, a corte romana obrigava a população a pagar impostos. O sistema de impostos era o canal principal pelo qual o povo era explorado por colonizadores romanos. A situação era aflitiva para a maioria da população, pois, para sustentar seus projetos arquitetônicos, a vida de luxo da corte e os presentes à família imperial, Herodes impôs aos súditos uma carga pesada de impostos que eles só cumpriam com enorme dificuldade. Apesar da presença ameaçadora de suas fortalezas e do aparato de sua cruel polícia secreta, a oposição popular a seu governo fervilhava e quase vinha à tona.


Roma, na época, um império muito extenso e muito preocupado com seus próprios problemas, não estava em condições de ali instalar o aparelho administrativo necessário para um governo direto. O regime era brutal e autocrático. Ao assumir o controle direto da Judéia, mais de dois mil rebeldes foram crucificados. O templo foi saqueado e destruído. Impostos pesados foram criados. A maior parte das fontes históricas (materiais ou literárias) indicam que as relações político-econômicas na Palestina faziam parte do que se chamou de relações redistributivas ou tributárias. Os impostos eram cobrados tanto por romanos quanto por judeus. Os impostos romanos dividiam-se em diretos, cobrados dos produtos da terra (entre 20 a 25%), os de capitalização ou pessoal, que era o denário, e indiretos, que compreendiam os direitos de alfândega, de barreira (na entrada das cidades) e pedágio (pontes, atravessadouros de rios e encruzilhadas).


Esses últimos eram arrendados, por isso muito altos. Os impostos judaicos eram os do templo, destinados à manutenção do santuário e dos sacerdotes; o primeiro dízimo, a décima parte do primeiro produto da terra (ou primícias) e da agropecuária; o segundo dízimo, que deveria ser gasto em festa e beneficência, a ser pago no primeiro, segundo, quarto, quinto anos numa série de sete anos e cobrado do produto da terra e do gado; o terceiro dízimo ou dízimo dos pobres, a ser pago no terceiro e sexto anos, destinado aos órfãos, viúvas e prosélitos; as rendas do quarto ano, que prescrevia que o produtor, ao colher o produto da terra nos três primeiros anos, gastaria o resultado dessa primeira colheita em Jerusalém.


O aparelho de Estado em Jerusalém exercia forte controle sobre a economia de todo o país. A ordem fiscal, a pública, o direito e a justiça constituíam os três setores básicos em que o poder era exercido. Os judeus suportavam muito mal as pesadas imposições romanas. Os romanos garantiam a segurança do transporte do imposto judaico do Templo. A ordem pública era assegurada, internamente, pelos romanos. A sociedade palestina podia ser dividida, naquele período, em quatro grandes grupos: os ricos, grandes proprietários, comerciantes ou elementos provenientes do alto clero; os grupos médios, sacerdotes, pequenos e médios proprietários rurais ou comerciantes; os pobres, trabalhadores em geral, seja no campo ou nas cidades; e os miseráveis, mendigos, escravos ou excluídos sociais, como ladrões.


Contudo, as diferenças sociais na palestina não se pautavam somente na riqueza ou pobreza do indivíduo, mas em diversos outros critérios, como sexo, função religiosa, conhecimento, pureza étnica, entre outros. Em meados do século I, calcula-se entre 50 e 80 milhões os habitantes do Império Romano, dos quais cerca de 90% viviam no campo.


A sociedade era piramidal. A classe alta era composta por funcionários, por detentores do Estado: Sumo Sacerdote, Sinédrio e Estado romano, o rei Herodes, o governador Pôncio Pilatos e a Corte. Esse era o primeiro pólo da classe rica. O segundo estrato da classe rica era constituído pelos proprietários de terra, pelos latifundiários. No próprio Evangelho muitas vezes aparece a referência aos anciãos - famílias tradicionais, donas de terras. Por fim, havia os grandes comerciantes do mercado importador-exportador, do mercado atacadista, sobretudo de Jerusalém. Depois da classe rica, vinham os remediados. Eram os artesãos qualificados dos grandes centros urbanos. Jerusalém deveria ter de 35 a 40 mil habitantes. Nazaré, de 20 a 30 famílias. Toda a Palestina, a sociedade em que Jesus viveu, deveria ter de 600 a 800 mil habitantes.


Por fim, a classe baixa, formada pelo povo. Eram artesãos do interior, diaristas, arrendatários rurais, escravos, criados, e também existia toda a sorte de marginalizados: leprosos (os últimos dos últimos), doentes, mendigos, órfãos, viúvas, estropiados, loucos, possessos. Chamavam de possessas as pessoas que, por causa de sua condição social, ficavam loucas. Isso mostra o nível a que estava reduzido o povo, o grau de deterioração das condições de vida. Jesus certamente pertencia à classe pobre, precisava trabalhar duro para seu sustento. Um carpinteiro, marceneiro em Nazaré, ocuparia algum lugar de nível inferior do grupo médio, um lugar equivalente a um operário da classe média baixa.


JESUS E AS TENSÕES SOCIAIS DO SEU MEIO


A situação social na Galiléia ficou explosiva a partir do governo de Herodes Antipas. As provas extraídas da literatura rabínica e de documentos legais do período indicam que o endividamento rural aumentou de forma significativa em todo o período herodiano, com lavradores desesperados pedindo empréstimos aos funcionários da administração herodiana e à aristocracia sacerdotal (hipotecas sobre as terras). Em muitos casos, essa ação legal transformava aldeãos outrora livres, que cultivavam a terra dos antepassados, em meeiros permanentemente empobrecidos, que ganhavam a vida com dificuldade em vastas propriedades aristocráticas (as quais aumentavam rapidamente) (HORSLEY. 2000).


As agitações camponesas do século I oscilavam entre os líderes messiânicos – que recorriam à violência, mas por trás dela se escondia uma causa divina – e os bandidos – que operaram apenas no âmbito humano. O banditismo social foi um dos fenômenos de maior ocorrência na história, além de ser um dos mais uniformes. Ele apareceu nas sociedades agrárias, onde existia uma enorme quantidade de camponeses e trabalhadores sem terra governados, oprimidos e explorados por representantes de outra classe social: senhores de terra, cidades, governos, juristas ou até mesmo bancos. (HOBSBAWM, 1976).


Em sociedades agrárias, sob certas condições de crise econômica severa, causadas por fatores como fome, altos impostos ou anexação de terras, o banditismo pode atingir proporções epidêmicas. Ele pode surgir também quando se provocam rupturas em uma sociedade tradicional pela imposição de uma nova política ou sistema econômico.


Jesus nasceu nesse contexto de revolta contra Roma. Sua pregação incluiu a resistência ao Império Romano. Por isso, segundo Richard A. Horsley, Jesus só pode ser compreendido dentro do contexto do imperialismo romano de sua época. Em sua vida e em sua missão, influenciou e também se deixou influenciar pela cultura do seu tempo. Ele era judeu e marcado pela vida, costumes e modo de ser dos judeus, ainda que com sua missão vá transcender a história de sua gente, dando à sua doutrina um caráter de universalidade e transcendendo até mesmo aos critérios de tempo e de lugar.


Durante o governo de Antipas cresceu o latifúndio em prejuízo das pequenas propriedades comunitárias que eram a característica do sistema tradicional dos judeus. A produção agrícola da Galiléia começou a orientar-se não mais a partir das necessidades das famílias como antes, mas sim, a partir das exigências do mercado. A arqueologia provou a existência de grandes propriedades que visavam a um maior excedente de produção para poder exportar. Os muitos impostos faziam diminuir a rentabilidade das pequenas propriedades. Quando Jesus Cristo iniciou sua pregação foi visto como mais um dentre os diversos grupos que já possuíam interpretações próprias da lei. Contudo, a mensagem de Cristo mostrou-se revolucionária.


De acordo com o artigo “Democracia e poder”, Jesus imprimiu outra ótica ao poder. Para ele, não se tratava de uma função de mando, e sim de serviço: Os reis das nações as dominam e os que as tiranizam são chamados Benfeitores. Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós torne-se como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve. [...] Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve![...] (BÍBLIA, Lc, 22, 24-27)


A REVOLUÇÃO SOCIAL DE JESUS NA PALESTINA DO SÉCULO I


É nesse contexto sócio político e religioso que Jesus tentará implantar sua doutrina, pelos caminhos oferecidos pela liderança carismática e da desobediência civil. Desobediência civil é uma forma particular de desobediência, na medida em que é executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça da lei e com o fim de induzir o legislador a mudá-la. Como tal é acompanhada por parte de quem a cumpre de justificativas com a pretensão de que seja considerada, não apenas como lícita, mas como obrigatória e seja tolerada pelas autoridades públicas diferentemente de quaisquer outras transgressões. Enquanto a desobediência comum é um ato que desintegra o ordenamento e deve ser impedida ou eliminada a fim de que o ordenamento seja reintegrado em seu estado original, a desobediência civil é um ato que tem em mira, em última instância, mudar o ordenamento, sendo, no final das contas, mais um ato inovador do que destruidor [...].


A proposta de Jesus de Nazaré é a divisão da riqueza. Jesus não é contra a riqueza como tal. Também não é contra a terra. É contra a concentração da terra nas mãos de poucos. Vale lembrar que a relação da propriedade de terra na Palestina nos tempos de Jesus era a situação do latifúndio, da concentração da propriedade da terra. Então sua proposta é a partilha: [...] a terra, a principal fonte de sobrevivência para a população do Império, inclusive aquela da Palestina, era muito mal distribuída... Na Judéia e no Egito a situação da população rural “livre” era mais desfavorável que a dos escravos nas propriedades de senhores romanos. Em consonância com o discurso político moderno, Jesus de Nazaré estava no processo de efetuar a revolução política que transformaria a ordem imperial romana na Palestina. O seu movimento político estava realizando a revolução social nas comunidades rurais da Galiléia (CROSSAN, 1994).


A revolução proposta por Jesus era um processo de longo prazo, amplo e profundo. Ela deveria ocorrer no interior das consciências, exteriorizando-se como transformação radical de toda a existência. Sua meta era realizar o Reino de Deus na Terra. Jesus formulou uma proposta de sociedade ao criticar o modelo predominante na Palestina do século I, quando a riqueza de uns poucos resultava da pobreza de muitos: Isto é, o reino de Deus não é apenas o tema que abarca a declaração profética de Jesus sobre o julgamento contra os governantes romanos e os seus dependentes em Jerusalém, mas esse aspecto de julgamento do reino tinha uma contraparte construtiva de libertação, novas forças e renovação para o povo. No discurso político moderno, no aspecto de julgamento do Reino de Deus, Jesus proclamava que Deus estava no processo de efetuar a “revolução política” que transtornaria a ordem imperial romana na Palestina. Então, no aspecto construtivo, na confiança de que Deus estava cuidando da ordem política dominante, Jesus e o seu movimento estavam realizando a “revolução social” que Deus estava tornando possível e forte nas comunidades rurais da Galiléia [...].


Este é o antigo sonho camponês de igualitarismo radical. O igualitarismo radical do Reino de Deus de Jesus é mais assustador que qualquer outra idéia. Colocando a visão e o programa de Jesus de volta na matriz de onde saiu, o antigo e universal sonho camponês de um mundo justo e igual pode ser concretizado. Por meio de pregação objetiva e popular, contando parábolas e fazendo denúncias, Jesus tinha como projeto despertar a consciência do povo em relação à opressão. O império romano, percebendo a força de sua atuação político revolucionária, mandou crucificá-lo e iniciou um processo de perseguição aos seus seguidores. Muitos movimentos de resistência tinham, na origem, um caráter meramente social, mas ganharam, depois, a dimensão religiosa messiânica. A crescente revolta judaica contra a ocupação romana foi, com freqüência, atribuída ao sempre vivo espírito nacionalista judaico e à sua imorredoura fé na libertação messiânica, mas historicamente é condicionada e ocasionada pela inabilidade dos procuradores e até mesmo de alguns Imperadores.


A atuação de Jesus aconteceu em uma situação social, econômica, política, cultural e religiosa bem configurada. Ele não realizou a sua missão desconhecendo sua época, o que seria impensável para um judeu tão próximo do povo, assim como Jesus demonstrou durante toda a sua vida pública. Um estudo sobre as condições de vida dos camponeses palestinos da época de Jesus, mostra a violência brutal que sofriam. Fraudes, roubos, trabalhos forçados, endividamento, perda da terra através da manipulação das dívidas atingiam a muitos. Existia uma violência epidêmica na Palestina. Jesus não convidava a uma revolução política, mas pregava uma revolução social perigosa. Jesus de Nazaré pretendia uma libertação plena. Tinha um projeto social amplo para atender a todas as pessoas. Contemplava o indivíduo, considerando-o como sujeito e, ao mesmo tempo, coletividade estabelecidas às regras mínimas de convivência, baseadas na caridade. Caridade que não se restringiu a dar coisas. Caridade como compartilhamento de sentimentos e de espaços físicos ou simbólicos, de um exercício de boa convivência, de respeito a si mesmo e ao próximo visto como igual.


A doutrina social de Jesus é, em sua essência, bastante simples, pois parte de princípios e valores que podem ser considerados universais, que visam ao bem viver, daí assimiláveis pelos mais simples do povo, desde que altas autoridades não manipulem ou façam adaptações de seus ensinamentos como tem acontecido ao longo dos séculos.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Lee Strobel entrevista: De Bruce Metzger à Craig Blomberg

  • ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL COM O HISTORIADOR BRUCE METZGER

    Encontrei-me com Bruce Metzger em um sábado à tarde, no seu refúgio predileto: a biblioteca do Seminário Teológico de Princeton. Com um sorriso, ele diz que "gosta de tirar o pó dos livros".
    Na verdade, ele é autor de alguns dos melhores livros que ali estão, principalmente quando o assunto é o Novo Testamento. No total, Metzger escreveu ou editou 50 livros, dentre eles The New Testament: its background, growth, and content [O Novo Testamento: seu cenário, desenvolvimento e conteúdo]; The text of the New Testament [O texto do Novo Testamento]; The canon of the New Testament [O cânon do Novo Testamento]; Manuscripts of the GreekBible [Manuscritos da Bíblia grega]; Textual commentary on the Greek New Testament [Comentário textual sobre o Novo Testamento grego]; Introduction to the apocrypha [Introdução aos apócrifos] e The Oxford companion to the Bible [O guia bíblico Oxford]. Muitos desses livros foram traduzidos para o alemão, chinês, japonês, coreano, malaio e outras línguas. Ele é também co-editor da The new Oxford annotated Bible with the apocrypha [A nova Bíblia Oxford anotada com os apócrifos] e editor geral de mais de 25 volumes da série New Testament tools and studies [O Novo Testamento: ferramentas e estudos].

    Para ser sincero com o senhor, quando soube que não havia nenhum exemplar original do Novo Testamento, fiquei muito cético. Se tudo que temos são cópias de cópias, pensei, como ter certeza de que o Novo Testamento que temos hoje é, no mínimo, semelhante aos escritos originais? Como o senhor responderia a isso?
    Não é só a Bíblia que está nessa situação, outros documentos antigos que chegaram até nós também estão — replicou ele. — A vantagem do Novo Testamento, principalmente quando comparado com outros escritos antigos, é que muitas cópias sobreviveram.

    Qual a importância disso?
    Bem, quanto maior o número de cópias em harmonia umas com as outras, sobretudo se provêm de áreas geográficas diferentes, tanto maior a possibilidade de confrontá-las, o que nos permite visualizar como seriam os documentos originais. A única forma possível de harmonizá-los seria pela ascendência de todos eles à mesma árvore genealógica que representaria a descendência dos manuscritos.

    Muito bem — eu disse —, compreendi por que é importante que existam várias cópias. Mas e quanto à idade dos documentos? Não há dúvida de que isso também é importante, não é verdade?
    Exatamente — respondeu Metzger —, mas esse elemento é outro dado que favorece o Novo Testamento. Temos cópias que datam de algumas gerações posteriores ao escrito dos originais, ao passo que, no caso de outros textos antigos, talvez cinco, oito ou dez séculos tenham se passado entre o original e as cópias mais antigas que sobreviveram. Além dos manuscritos gregos, temos também a tradução dos evangelhos para outras línguas numa época relativamente antiga: para o latim, o siríaco e o copta. Além disso, temos o que podemos chamar de traduções secundárias feitas pouco depois, como a armênia e a gótica. Há várias outras além dessas: a georgiana, a etíope e uma grande variedade.

    De que forma isso nos ajuda?
    Mesmo que não tivéssemos nenhum manuscrito grego hoje, se juntássemos as informações fornecidas por essas traduções que remontam a um período muito antigo, seria possível reproduzir o conteúdo do Novo Testamento. Além disso, mesmo que perdêssemos todos os manuscritos gregos e as traduções mais antigas, ainda seria possível reproduzir o conteúdo do Novo Testamento com base na multiplicidade de citações e comentários, sermões, cartas etc. dos antigos pais da igreja.

    Quando o senhor fala da multiplicidade de manuscritos — prossegui —, de que modo isso contrasta com outros livros antigos normalmente reputados pelos eruditos por confiáveis? Por exemplo, fale-me de escritos de autores da época de Jesus.
    Veja o caso de Tácito, o historiador romano que escreveu os Anais por volta de 116 d.C. — começou. — Seus primeiros seis livros existem hoje em apenas um manuscrito, copiado mais ou menos em 850 d.C. Os livros 11 a 16 estão em outro manuscrito do século xi. Os livros 7 a 10 estão perdidos. Portanto, há um intervalo muito longo entre o tempo em que Tácito colheu suas informações e as escreveu e as únicas cópias existentes. Com relação a Josefo, historiador do século I, temos nove manuscritos gregos de sua obra Guerra dos judeus, todos eles cópias feitas nos séculos X a XII. Existe uma tradução latina do século IV e textos russos dos séculos XI ou XII.

    Só para comparar, quantos manuscritos do Novo Testamento grego existem ainda hoje?
    Há mais de 5 mil catalogados

    Isso é incomum no mundo antigo? Qual seria o segundo colocado? — perguntei.
    O volume de material do Novo Testamento é quase constrangedor em relação a outras obras da Antigüidade — disse ele. — O que mais se aproxima é a Ilíada de Homero, que era a bíblia dos antigos gregos. Há menos de 650 manuscritos hoje em dia. Alguns são muito fragmentários. Eles chegaram a nós a partir dos séculos 11 e m d.C. Se levarmos em conta que Homero redigiu seu épico em aproximadamente 800 a.C, veremos que o intervalo é bastante longo.

    Minha curiosidade em relação aos manuscritos do Novo Testamento fora despertada. Pedi a Metzger que me descrevesse alguns deles.
    Os mais antigos são fragmentos de papiros, que era um tipo de material para escrita feito da planta do papiro que crescia às margens do delta do Nilo, no Egito — disse Metzger. — Existem atualmente 99 fragmentos de papiros com uma ou mais passagens ou livros do Novo Testamento. Os mais importantes já descobertos são os papiros Chester Beatty, achados por volta de 1930. Destes, o número 1 apresenta partes dos quatro evangelhos e do livro de Atos, datando do século III d.C. O papiro número 2 contém grandes porções de oito cartas de Paulo além de trechos de Hebreus, e a data gira em torno de 200 d.C. O papiro número 3 compreende uma seção enorme do livro de Apocalipse, com data do século III d.C. Um outro grupo de manuscritos de papiros importantes foi comprado por um bibliófilo suíço, Martin Bodmer. O mais antigo deles, de aproximadamente 200 d.C, contém cerca de dois terços do evangelho de João. Um outro papiro, com partes dos evangelhos de Lucas e João, é do século III d.C.

    De todo o Novo Testamento — eu disse —, qual é a parte mais antiga que temos hoje?
    Um fragmento do evangelho de João com parte do capítulo 18. Tem cinco versículos, três de um lado, dois de outro e mede cerca de 6,5 por nove centímetros — disse Metzger.

    Como foi descoberto?
    Foi comprado no Egito em 1920, mas passou despercebido durante anos em meio a outros fragmentos de papiros semelhantes. Em 1934, porém, C. H. Roberts, do Saint Johris College, de Oxford, trabalhava na classificação de papiros na Biblioteca John Rylands, em Manchester, na Inglaterra, quando percebeu imediatamente que havia deparado com um papiro em que se achava preservado um trecho do evangelho de João. Pelo estilo da escrita, ele foi capaz de datá-lo.

    E a que conclusão ele chegou? — perguntei. — É muito antigo?
    Ele concluiu que o manuscrito era de cerca de 100 a 150 d.C. Muitos outros paleógrafos famosos, como sir Frederic Kenyon, sir Harold Bell, Adolf Deissmann, W. H. P. Hatch, Ulrich Wilcken e outros, concordam com sua avaliação. Deissmann estava convencido de que o manuscrito remontava pelo menos ao reinado do imperador Adriano, nos anos 117 a 138 d.C, ou até mesmo ao do imperador Trajano, entre os anos 98 e 117 d.C.

    Era uma descoberta formidável, porque os teólogos alemães céticos do século passado haviam postulado enfaticamente que o quarto evangelho não fora redigido pelo menos até o ano 160 — numa época já bem distante dos eventos do tempo de Jesus para que pudesse ter alguma utilidade histórica. Com isso, influenciaram gerações de estudiosos, que zombavam da confiabilidade desse evangelho.
    Isso sem dúvida põe fim à essa teoria — comentei.
    Realmente — disse Metzger. — Temos aqui um fragmento muito antigo do evangelho de João proveniente de uma comunidade das margens do rio Nilo, no Egito, muito distante de Éfeso, na Ásia Menor, onde o evangelho provavelmente foi escrito.
    Essa descoberta fez com que as pontos de vista populares da história fossem revistos, colocando o evangelho de João muito mais próximo dos dias em que Jesus caminhou pela terra.

    Embora os manuscritos de papiros constituam as cópias mais antigas do Novo Testamento, existem também cópias antigas escritas em pergaminhos, feitos de pele de gado, ovelhas, cabras e antílopes.
    Temos os chamados manuscritos unciais, escritos inteiramente em letras gregas maiúsculas — Metzger explicou. — Temos hoje 306 exemplares, muitos dos quais remontam ao início do século III. Os mais importantes são o Códice sinaítico, que é o único com o Novo Testamento completo em letras unciais, e o Códice Vaticano, bastante incompleto. Ambos são de cerca de 350 d.C. Um novo estilo de escritura, de natureza mais cursiva, emergiu por volta de 800 d.C. É chamado de minúscula, e há cerca de 2 856 manuscritos desse tipo. Há também os lecionários, que contêm as Escrituras do Novo Testamento na seqüência de leitura prescrita pela igreja primitiva em determinadas épocas do ano. Um total de 2 403 desses manuscritos já foram catalogados. Com isso, o total geral de manuscritos gregos chega a 5 664.

    De acordo com Metzger, além dos documentos gregos existem milhares de outros manuscritos antigos do Novo Testamento em outras línguas. Existem entre 8 e 10 mil manuscritos da Vulgata latina, mais um total de 8 mil em etíope, eslavo antigo e armênio. No total, há cerca de 24 mil manuscritos.

    Qual a sua opinião diante disso? — perguntei-lhe, buscando confirmar claramente o que julgava ter ouvido. — No que se refere à multiplicidade de manuscritos e ao intervalo de tempo entre os originais e nossos primeiros exemplares, qual a situação do Novo Testamento perante outras obras bem conhecidas da Antigüidade?
    Muito boa — respondeu ele. — Podemos confiar imensamente na fidelidade do material que chegou até nós, principalmente se o compararmos a qualquer outra obra literária antiga.

    Essa conclusão é compartilhada por estudiosos eminentes de todo o mundo. De acordo com o falecido F. F. Bruce, autor de Merece confiança o Novo Testamento?, "no mundo não há qualquer corpo de literatura antiga que, à semelhança do Novo Testamento, desfrute uma tão grande riqueza de confirmação textual".

    Metzger já mencionara o nome de sir Frederic Kenyon, ex-diretor do Museu Britânico e autor de The paleography of Greek papyrí [A paleografia dos papiros gregos]. Segundo Kenyon, "em nenhum outro caso o intervalo de tempo entre a composição do livro e a data dos manuscritos mais antigos são tão próximos como no caso do Novo Testamento".

    Sua conclusão: "Não resta agora mais nenhuma dúvida de que as Escrituras chegaram até nós praticamente com o mesmo conteúdo dos escritos originais".

    Dada a semelhança de escrita das letras gregas — eu disse — e as condições primitivas nas quais trabalhavam os escribas, era grande a possibilidade de que eles introduzissem erros nos textos.
    Exato — concordou Metzger.

    Então é provável que existam milhares de variações nos manuscritos antigos que possuímos, não é mesmo?
    Exato.

    Isso significa então que não podemos confiar neles? — perguntei num tom mais de acusação que de interrogação.
    Não, senhor, não significa que não podemos confiar neles — respondeu Metzger categoricamente. — Em primeiro lugar, os óculos só foram inventados em 1373, em Veneza. Tenho certeza de que muitos dos antigos escribas sofriam de astigmatismo. Acrescente-se a isso a dificuldade que era, independentemente das circunstâncias, ler manuscritos já apagados, cuja tinta havia perdido a nitidez. Havia também outros perigos — falta de atenção da parte dos escribas, por exemplo. Portanto, embora a maior parte dos escribas fosse escrupulosamente cuidadosa, alguns erros acabavam passando.

    Mas— Metzger estava pronto a acrescentar — há outros fatos que compensam isso. Por exemplo, às vezes a memória do escriba pregava-lhe peças. Entre olhar o que tinha de copiar e, em seguida, escrever o que lera, ele podia acabar mudando a ordem das palavras. Ele escrevia exatamente as palavras que lera, porém na seqüência errada. Isso não deve ser motivo para se alarme, já que o grego, ao contrário de outras línguas, como o inglês ou o português, é uma língua que admite flexões.

    Isso quer dizer que... — interrompi.
    Que faz uma enorme diferença em português se você disser: "O cachorro morde o homem" ou: "O homem morde o cachorro". A ordem das palavras é importante em português, mas não no grego. Uma palavra pode funcionar como sujeito da oração independentemente de onde esteja colocada. Conseqüentemente, o significado da oração não fica truncado se as palavras não estiverem na ordem que consideramos correta. Existe, portanto, uma certa variação entre um manuscrito e outro, mas, em geral, são variações de somenos importância. As diferenças de grafia seriam um outro exemplo.

    Mesmo assim, o número de "variações" ou de "diferenças" entre os manuscritos era preocupante. Eu já tinha visto algumas estimativas da ordem de 200 mil variações. Metzger, contudo, não deu muita importância a essa quantidade.
    O número parece grande, mas engana um pouco pelo modo como as variações são computadas — disse ele, explicando que, se uma única palavra for escrita incorretamente em 2 mil manuscritos, contabilizam-se 2 mil variações.

    Quantas doutrinas da igreja estão em risco por causa das variações?
    Não sei de nenhuma doutrina que esteja em risco — respondeu ele com convicção.

    Nenhuma?
    Nenhuma — ele repetiu. — Os testemunhas-de-jeová batem à sua porta e lhe dizem: "Sua Bíblia está errada em 1João 5.7,8, onde se lê: 'o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um' (NVI, nota de rodapé). Eles dirão que não é assim que esse texto aparece nos manuscritos mais antigos. E é verdade mesmo. Acho que essas palavras só aparecem em cerca de sete ou oito cópias, todas dos séculos XV ou XVI. Admito que esse texto não faz parte do que o autor de 1João foi inspirado a escrever. Isso, porém, não invalida o testemunho sólido da Bíblia acerca da Trindade. No batismo de Jesus, o Pai fala, seu Filho amado é batizado e o Espírito Santo desce sobre ele. No final de 2Coríntios, Paulo diz: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês". A Trindade aparece representada em muitos lugares.

    Então as variações, sempre que ocorrem, normalmente são de importância secundária, e não primordial?
    Sim, sim, é isso mesmo. Os estudiosos trabalham muito cuidadosamente para tentar solucioná-las, devolvendo-lhes o significado original. As variações mais significativas não solapam nenhuma doutrina da igreja. Qualquer Bíblia que se preza vem com notas que indicam as variações de texto mais importantes. Mas, como eu já disse, esses casos são raros.
    São tão raros que estudiosos como Norman Geisler e William Nix chegaram à seguinte conclusão: "... o Novo Testamento não só sobreviveu em um número maior de manuscrito, mais que qualquer outro livro da Antigüidade, mas sobreviveu em forma muito mais pura (99,5% de pureza) que qualquer outra obra grandiosa, sagrada ou não".

    Todavia, mesmo que seja verdade que a transmissão do Novo Testamento ao longo da história tenha sido sem precedentes em sua confiabilidade, como saber se temos de fato o material completo?
    E quanto às alegações de que os concílios da igreja teriam eliminado documentos igualmente legítimos porque não gostavam da imagem que eles pintavam de Jesus? Como saber se os 27 livros do Novo Testamento representam o que há de melhor e mais confiável em termos de informação? Por que nossas Bíblias trazem os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, enquanto muitos outros evangelhos antigos — o Evangelho de Filipe, dos Egípcios, da Verdade, da Natividade de Maria — foram excluídos?
    Era hora de nos voltarmos para a questão do "cânon", uma palavra de origem grega que significa "regra", "norma" ou "padrão" e que descreve os livros aceitos como oficiais pela igreja e incluídos no Novo Testamento. Metzger é considerado a principal autoridade nessa área.

    Como foi que os primeiros líderes da igreja determinaram quais livros seriam autorizados e quais deveriam ser excluídos? — perguntei. — Que critérios foram utilizados para saber que documentos deveriam ser incluídos no Novo Testamento?
    A igreja primitiva tinha basicamente três critérios — disse ele. — Em primeiro lugar, os livros tinham de ter autoridade apostólica, quer dizer, tinham de ter sido escritos ou pelos próprios apóstolos, que foram testemunhas oculares acerca do que escreveram, ou por seus seguidores. Portanto, no caso de Marcos e Lucas, embora não pertencessem ao grupo dos 12, diz uma antiga tradição que Marcos foi ajudante de Pedro, e Lucas, companheiro de Paulo.

    Em segundo lugar, havia o critério de conformidade com o que era conhecido como regra de fé. Isto é, o documento estava em harmonia com a tradição cristã básica que a igreja reconhecia normativa. E, em terceiro lugar, procurava-se estabelecer se um documento em especial gozara de aceitação e uso contínuos por toda a igreja.

    Eles simplesmente aplicavam esses critérios e pronto? — perguntei.
    Bem, não seria muito correto dizer que esses critérios eram simplesmente aplicados de modo automático — respondeu Metzger. — É claro que havia diferentes opiniões sobre quais critérios deveriam pesar mais. O que chama mais a atenção, porém, é que, apesar de a periferia do cânon ter permanecido instável durante algum tempo, havia um alto grau de unanimidade no tocante à maior parte do Novo Testamento durante os dois primeiros séculos. Foi o que aconteceu em diversas congregações espalhadas em uma área muito ampla.

    Então — eu disse — os quatro evangelhos que temos no Novo Testamento pautaram-se por esses critérios, ao passo que os outros não?
    Sim — confirmou Metzger. — Foi, se é que se pode falar assim, como se fosse uma espécie de "sobrevivência do mais apto". Quando se referia ao cânon, Arthur Darby Nock costumava dizer aos seus alunos em Harvard: "As estradas de maior trânsito da Europa são as melhores; por isso o trânsito é tão intenso". É uma boa analogia. O comentarista britânico William Barclay formulou o pensamento da seguinte maneira: 'A verdade pura e simples é que os livros do Novo Testamento entraram para o cânon porque não havia como impedi-los de entrar". Podemos estar certos de que nenhum outro livro antigo pode se comparar ao Novo Testamento em termos de importância para a história ou a doutrina cristãs. Quando estudamos a história primitiva do cânon, saímos convencidos de que é no Novo Testamento que encontramos as fontes mais fidedignas para a história de Jesus. Os que fixaram os limites do cânon tinham uma perspectiva clara e equilibrada do evangelho de Cristo. Leia os outros documentos e veja por si mesmo. Eles foram escritos depois dos quatro evangelhos, nos séculos II a VI, muito tempo depois de Jesus, e, em geral, são muito banais. Seus nomes, como o Evangelho de Pedro e o de Maria, não correspondem aos autores verdadeiros. Por outro lado, os quatro evangelhos do Novo Testamento foram prontamente aceitos com notável unanimidade como portadores de conteúdo autêntico.

    Mas eu sabia que alguns estudiosos liberais, principalmente os pertencentes ao propalado Seminário Jesus, advogavam a inclusão do Evangelho de Tome em pé de igualdade com os outros quatro evangelhos tradicionais. Será que esse evangelho misterioso fora vítima de guerras políticas dentro da igreja, tendo sido finalmente excluído por causa de suas doutrinas pouco populares? Achei que tinha de testar Metzger nesse ponto.

    Dr. Metzger, o Evangelho de Tome, encontrado em meio aos documentos de Nag Hammadi, descobertos no Egito em 1945, alega conter "as sentenças ocultas que o Jesus vivo pronunciou e Judas Tome, o Gêmeo, registrou". Por que esse evangelho não foi aceito pela igreja?
    O Evangelho de Tome veio à luz no século V, em uma cópia em copta, que eu traduzi para o inglês — disse ele. — Contém 114 sentenças atribuídas a Jesus, mas nenhuma narrativa do que Jesus fez. Parece ter sido escrito em grego, na Síria, por volta de 140 d.C. Em alguns casos, creio que esse evangelho relata corretamente as palavras de Jesus, com pequenas modificações.

    Por favor, explique melhor — eu disse.
    Por exemplo, no evangelho de Tome (sent. 32), Jesus diz: "Uma cidade construída sobre alta montanha e fortificada não pode cair, nem pode estar oculta". Aqui, foi acrescentado o adjetivo "alto," mas o restante está em conformidade com o evangelho de Mateus. Ou quando Jesus diz: "Dêem a César as coisas que são de César e dêem a Deus as coisas que são de Deus, e me dêem o que é meu". Nesse caso, a última frase foi acrescentada. Todavia, existem coisas em Tome que são totalmente estranhas aos evangelhos canônicos. Jesus diz: "Cortem a madeira, ali estou. Ergam uma pedra, e me acharão ali". Isso é panteísmo, a idéia segundo a qual Jesus é coextensivo à substância deste mundo. Isso se opõe a tudo o que encontramos nos evangelhos canônicos. O evangelho de Tome termina com uma nota onde se lê: "Simão Pedro disse a eles: 'Maria deveria deixar-nos, pois as mulheres não são dignas da vida'. Jesus disse: 'Eu a guiarei para fazer dela homem, de modo que também ela possa tornar-se um espírito vivo semelhante a vocês homens. Pois toda mulher que se tornar homem entrará no reino do céu".
    Ora, esse não é o Jesus que conhecemos dos quatro evangelhos canônicos — concluiu enfaticamente.

    E quanto à acusação de que Tomé teria sido excluído propositadamente dos concílios da igreja por algum tipo de conspiração para silenciá-lo? — perguntei.

    Não há base histórica para isso — disse Metzger. — O que os sínodos e concílios fizeram no século v e nos seguintes foi ratificar o que já tinha sido acatado pelos cristãos em toda parte. Não é certo dizer que o Evangelho de Tome teria sido excluído por algum decreto do concilio. O certo é que o Evangelho de Tome excluiu a si mesmo! Ele não estava de acordo com os outros testemunhos sobre Jesus que os cristãos primitivos consideravam dignos de confiança.

    Então o senhor discordaria de quem quer que tentasse elevar Tome ao mesmo status dos quatro evangelhos? — perguntei-lhe.
    Sim, discordaria enfaticamente. Creio que a igreja primitiva agiu de modo sensato ao descartá-lo. Aceitá-lo agora, parece-me, seria aceitar algo de valor inferior aos outros evangelhos — replicou Metzger. — Mas não me entenda mal. Acho que o Evangelho de Tome é um documento interessante, embora contenha idéias panteístas e preconceituosas que sem dúvida o tornam indigno da companhia dos demais. É preciso entender que o cânon não resultou de uma série de disputas envolvendo políticas da igreja. O cânon, na verdade, é uma separação decorrente da visão intuitiva dos cristãos. Eles ouviam a voz do Bom Pastor no evangelho de João; mas, em Tome, ela soava obscura e distorcida em meio a uma porção de outras coisas. Quando o cânon foi oficialmente fixado, ele simplesmente ratificou o que a percepção generalizada da igreja já havia determinado. Como se vê, o cânon é uma lista de livros autorizados mais do que uma lista autorizada de livros. Esses documentos não têm autoridade pelo fato de terem sido escolhidos; cada um deles já tinha autoridade antes de serem
    postos todos juntos. A igreja primitiva simplesmente foi sensível e percebeu que os relatos tinham autoridade. Se alguém disser que o cânon foi fixado só depois que os concílios e as igrejas fizeram seu pronunciamento, é como se dissesse: "Vamos pedir a várias academias de músicos para que digam que a música de Bach e Beethoven é maravilhosa". Eu diria: "Obrigado por nada! Sabíamos disso antes mesmo que o pronunciamento fosse feito". Sabemos disso porque temos a percepção do que é boa música e do que não é. O mesmo vale para o cânon.

    Mesmo assim, ressaltei que alguns livros do Novo Testamento, principalmente Tiago, Hebreus e Apocalipse, demoraram mais para ser aceitos do que os demais.
    Isso seria motivo para que suspeitássemos deles? — perguntei-lhe.
    Na minha opinião, isso demonstra apenas como a igreja primitiva era cautelosa — foi a resposta. — Eles não se deixavam fascinar por qualquer documento novo com alguma referência sobre Jesus. Isso é prova de deliberação e de análise cuidadosa. E claro que, ainda hoje, setores da igreja síria recusam-se a aceitar o livro de Apocalipse, mas os fiéis daquela igreja são cristãos. Para mim, o livro de Apocalipse é uma parte maravilhosa das Escrituras.

    Metzger fora persuasivo. Não havia nenhuma dúvida que pudesse pôr sob suspeita o fato de que o texto do Novo Testamento havia chegado até nós com seu conteúdo preservado. Um dos predecessores ilustres de Metzger no Seminário Teológico de Princeton foi Benjamin Warfield, detentor de quatro doutorados e professor de teologia sistemática até sua morte em 1921. Ele dizia o seguinte:

    Se comparamos o presente estado do texto do Novo Testamento com o de qualquer outra obra antiga, não há como não considerá-lo maravilhosamente correto. Foi grande o cuidado com que o Novo Testamento foi copiado — um cuidado que, sem dúvida, foi fruto de uma reverência genuína por suas palavras sagradas [...] O Novo Testamento não tem paralelo com nenhum escrito antigo no que se refere ao grau de pureza com que seu texto foi efetivamente transmitido e é usado.

    Com relação aos documentos que foram acolhidos pelo Novo Testamento, não há, de modo geral, nenhuma polêmica séria acerca da natureza da autoridade de 20 dos 27 livros que o compõem — de Mateus a Filemom, e mais 1 Pedro e 1João. Incluem-se aí também, é claro, os quatro evangelhos, que representam as biografias de Jesus. Os sete livros restantes "... foram aceitos plena e definitivamente...", de acordo com Geisler e Nix.

    No tocante às pseudepígrafes, a proliferação de evangelhos, epístolas e apocalipses nos primeiros séculos depois de Cristo, entre os quais o evangelho de Nicodemos, Barnabé, Bartolomeu, André, a epístola de Paulo aos Laodicenses, o apocalipse de Estevão e outros, "praticamente nenhum pai da igreja, cânon ou concilio declarou que um desses livros seria canônico. [...] O conteúdo deles resume-se em ensinos heréticos, eivados de erros". De fato, aceitei o desafio de Metzger e li vários deles.

    Comparados à qualidade do testemunho ocular de Mateus, Marcos, Lucas e João, com seu cuidado, sobriedade e precisão, aqueles livros realmente merecem as palavras que lhes dedicou Eusébio, o historiador da igreja primitiva: "totalmente absurdos e ímpios".

    Eles estavam distantes demais do ministério de Jesus para dar alguma contribuição realmente significativa à minha investigação, já que foram escritos tardiamente, nos séculos V e VI. Além do quê, seu caráter freqüentemente mítico os desqualifica como documentos históricos confiáveis.

    Todos esse anos de estudos, de erudição, escrevendo livros e se aprofundando nas minúcias do texto do Novo Testamento: que efeito teve tudo isso sobre sua fé pessoal? — perguntei-lhe.
    Oh — disse ele —, fico feliz por ter a oportunidade de falar sobre o assunto. Quando vejo a coerência de todo esse material que chegou até nós em uma multiplicidade de cópias, algumas delas antiqüíssimas, a base de minha fé pessoal só pode crescer.

    Então — eu disse — a erudição não apagou sua fé... Metzger me interrompeu antes que eu pudesse concluir a
    frase.
    Pelo contrário: ressaltou. Ela ajudou a edificá-la. Sempre me questionei, aprofundei-me nos textos, estudei-os do começo ao fim, e hoje digo com certeza que minha fé em Jesus repousa sobre uma base muito sólida.

    Ele fez uma pausa enquanto seus olhos me sondavam o rosto. Em seguida, acrescentou enfaticamente:
    Muito sólida.
    ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL COM O HISTORIADOR CRAIG BLOMBERG
  • Craig Blomberg é considerado uma das autoridades mais importantes do país nas biografias de Jesus, os quatro evangelhos. Doutorou-se em Novo Testamento pela Aberdeeen University, Escócia, tornando-se posteriormente pesquisador sênior da Tyndale House, na Universidade de Cambridge, Inglaterra, onde integrou um grupo de elite formado por estudiosos internacionais responsáveis por uma série de trabalhos muito elogiados sobre Jesus. Há 12 anos leciona Novo Testamento no prestigioso seminário de Denver.

    Dentre os livros que escreveu, podemos citar Jesus and the gospels: interpreting the parables [Jesus e os evangelhos: a interpretação das parábolas]; How wide the divide? [Qual o tamanho da divisão?], além de comentários sobre o evangelho de Mateus e 1Coríntios. Participou também da edição do sexto volume de Gospel perspectives [Perspectivas dos evangelhos], que trata exaustivamente dos milagres de Jesus. E co-autor ainda de Introductíon to biblical interpretation [Introdução à interpretação bíblica]. Contribuiu com alguns capítulos sobre a historicidade dos evangelhos para o livro Reasonable faith [Fé racional] e escreveu o elogiado Jesus under fire [Jesus sob cerco]. Blomberg é membro da Sociedade para o Estudo do Novo Testamento, da Sociedade de Literatura Bíblica e do Instituto de Pesquisas Bíblicas.

    É possível ser inteligente e crítico e ainda assim acreditar que os quatro evangelhos foram escritos pelas pessoas que dão nome a eles?
    A resposta é sim — disse convicto. O que importa é reconhecer que, rigorosamente falando, os evangelhos são anônimos. Mas o testemunho uniforme da igreja primitiva é que Mateus, também conhecido por Levi, o coletor de impostos, e um dos 12 discípulos, escreveu o primeiro evangelho do Novo Testamento; João Marcos, companheiro de Pedro, é autor do evangelho que chamamos de Marcos; Lucas, o "médico amado" segundo Paulo, escreveu tanto o evangelho que leva seu nome quanto os Atos dos Apóstolos.

    Em que medida a crença de serem eles os autores era consensual?
    Não se sabe de ninguém mais que pudesse tê-los escrito. Pelo que tudo indica, a autoria desses três evangelhos não era motivo de disputa.

    Perdoe meu ceticismo — eu disse. — Será que alguém não teria algum motivo para mentir, dizendo que aquelas pessoas escreveram os evangelhos, quando na verdade não o fizeram?
    Blomberg fez que não com a cabeça.
    Não acho provável. Lembre-se de que aquelas personagens eram. Marcos e Lucas nem sequer pertenciam ao grupo dos 12. Mateus sim, mas era odiado porque fora coletor de impostos; portanto, depois de Judas Iscariotes (que traiu Jesus!), seria ele a figura mais abominável. Compare isso com o que aconteceu quando os fantasiosos evangelhos apócrifos foram escritos muito depois. As pessoas atribuíram sua autoria a personagens conhecidos e exemplares: Filipe, Pedro, Maria, Tiago. Esses nomes tinham muito mais prestígio que os de Mateus, Marcos e Lucas. Respondendo então à sua pergunta, não haveria por que conferir a autoria a esses três indivíduos menos respeitáveis se não fossem de fato os verdadeiros autores.

    E João? Ele era muito importante; na verdade, João não era tão-somente um dos 12 discípulos, ele era um dos três apóstolos mais íntimos de Jesus, juntamente com Tiago e Pedro.
    Sim, ele é uma exceção. E o mais interessante é que o evangelho de João é o único sobre o qual paira uma certa dúvida quanto à autoria.

    E qual é exatamente a objeção?
    Não há dúvida quanto ao nome do autor: era João mesmo — respondeu Blomberg. — A questão é que não se sabe se foi João, o apóstolo, ou se foi outro. Segundo o testemunho de um escritor cristão chamado Papias, em aproximadamente 125 d.C, havia João, o apóstolo, e João, o ancião, mas o contexto não deixa claro se ele se referia a uma única pessoa de duas perspectivas distintas ou a pessoas diferentes. Fora essa exceção, todos os demais testemunhos afirmam unanimemente que foi João, o apóstolo, o filho de Zebedeu, quem escreveu o evangelho.

    Mas você acha que foi ele mesmo quem escreveu?
    Sim, creio que grande parte do material remonta ao apóstolo — disse ele. — Todavia, se você ler com bastante atenção o evangelho, observará nos últimos versículos indícios de que eles talvez tenham sido finalizados por um editor. Eu, pessoalmente, não vejo problema algum no fato de que alguém próximo a João tenha dado aos versículos finais uma formulação tal que fosse capaz de conferir ao documento inteiro uma uniformidade estilística. Seja como for — sublinhou — o evangelho de João baseou-se sem dúvida alguma no testemunho ocular, a exemplo dos outros três.

    Vamos voltar a Marcos, Mateus e Lucas — eu disse. — Que provas específicas o senhor tem de que são eles os autores dos evangelhos?
    Uma vez mais, o testemunho mais antigo e possivelmente mais significativo é o de Papias, que, por volta de 125 d.C, afirmou especificamente que Marcos havia registrado com muito cuidado e precisão o que Pedro testemunhara pessoalmente. Na verdade, ele disse que Marcos "não cometeu erro nenhum" e não acrescentou "nenhuma falsa declaração". Ele disse que Mateus preservara também os escritos sobre Jesus. Depois, Ireneu, escrevendo aproximadamente em 180 d.C, confirmou a autoria tradicional. Vejamos o que ele diz — disse ele pegando um livro e abrindo-o nas palavras de Ireneu:

    ... Mateus publicou entre os hebreus, na língua deles, o escrito dos Evangelhos, quando Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundaram a Igreja. Depois da morte deles, também Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu por escrito o que pedro anunciava. Por sua parte, Lucas, o companheiro de Paulo, punha num livro o evangelho pregado por ele. E depois, João, o discípulo do Senhor, aquele que tinha recostado a cabeça ao peito dele, também publicou o seu Evangelho, quando morava em Éfeso, na Ásia.

    Muito bem, deixe-me ver se entendi direito. Sabendo-se com certeza que os evangelhos foram escritos pelos apóstolos Mateus e João, por Marcos, companheiro do apóstolo Pedro, e por Lucas, o historiador, companheiro de Paulo e um tipo de jornalista do século 1, podemos afirmar que os acontecimentos por eles registrados baseiam-se em testemunhos diretos e indiretos.
    Exatamente.

    Quando vou à livraria, não encontro na seção de biografias o mesmo tipo de literatura com que deparo nos evangelhos — eu disse. —Quando, atualmente, alguém escreve uma biografia, vasculha a vida inteira do biografado. Mas veja o caso de Marcos — ele não fala do nascimento de Jesus e não diz absolutamente nada sobre a mocidade do Salvador. Em vez disso, concentra-se em um período de três anos e passa metade de seu evangelho tratando dos eventos que culminaram na última semana de Cristo. Como o senhor explica isso?
    Existem aí dois motivos — disse Blomberg, erguendo ao ar uma das mãos e reproduzindo num gesto com os dedos o número mencionado. O primeiro é literário, e o segundo é teológico. Com relação ao primeiro motivo, era assim que as pessoas escreviam biografias no mundo antigo. Eles não tinham essa percepção que temos hoje de que deviam dar igual importância a todas as fases da vida do indivíduo; ou que deviam contar a história em seqüência estritamente cronológica; tampouco achavam que tinham de citar literalmente o que dissera o biografado, bastava que a essência do que ele havia dito ficasse preservada. Os antigos gregos e hebreus nem sequer tinham um sinal para denotar a interrogação. Para eles, o registro da história só valia a pena porque as suas personagens tinham lições a ensinar. O biógrafo, portanto, se demorava nas partes da vida do biografado que considerava exemplares, paradigmáticas, que pudessem servir de ajuda a outras pessoas e que dessem sentido a determinado período da história.

    E qual seria o motivo teológico?
    É uma decorrência do que acabei de dizer. Para os cristãos, embora a vida de Jesus, seus ensinamentos e milagres sejam maravilhosos, não teriam sentido algum se Cristo não tivesse de fato morrido e ressuscitado dos mortos, para expiação e perdão dos pecados da humanidade. Marcos, portanto, autor do evangelho que é provavelmente o mais antigo, dedica quase metade de sua narrativa aos eventos que levarão àquele período de uma semana cujo clímax será a morte e ressurreição de Cristo. Dada a importância da crucificação — concluiu — a composição do evangelho está perfeitamente de acordo com a literatura antiga.

    Além dos quatro evangelhos, os especialistas sempre se referem ao que chamam Q, inicial da palavra alemã Quelle, que significa "fonte".
    Pelas semelhanças de linguagem e conteúdo, supõe-se que Mateus e Lucas tenham se baseado em Marcos para escrever seu evangelho. Além disso, os estudiosos acham também que Mateus e Lucas teriam igualmente absorvido material desse Q misterioso, ausente do livro de Marcos.
    Como se pode definir exatamente esse Q?
    Não passa de uma hipótese. Com poucas exceções, seriam apenas dizeres e ensinamentos de Jesus que teriam formado talvez um documento independente. Um gênero literário muito em voga na época consistia em agrupar os dizeres de professores proeminentes. É mais ou menos o que se faz com os grandes sucessos de um cantor ou cantora quando são reunidos em um único disco e chamados O melhor de... Isso é que deve ter sido o Q. Pelo menos, a teoria é essa.

    Todavia, se Q for anterior a Mateus e a Lucas, talvez contenha material mais antigo sobre Jesus. Quem sabe então, pensei, pudesse lançar nova luz sobre quem foi Jesus realmente.
    Escute — eu disse — se isolássemos o material de Q, que retrato de Jesus teríamos?
    Bem, não se esqueça de que o documento Q era uma coleção de citações e, portanto, não tinha material de narrativa capaz de fornecer uma imagem muito ampla de Jesus.

    Seja como for, Jesus faz ali algumas declarações de peso, por exemplo, a de que era a personificação da sabedoria e que, por seu intermédio, Deus julgaria toda a humanidade, fosse aceito ou rejeitado por ela. Recentemente, um livro acadêmico defendeu a seguinte tese: se todos os dizeres de Q fossem isoladas, seria obtida a mesma imagem de Jesus que se encontra disseminada nos evangelhos: a de alguém que fazia afirmações audaciosas sobre si mesmo.
    Ele é visto como fazedor de milagres?
    Lembre-se, repito, de que as histórias de milagres não figuram isoladamente, já que são encontradas normalmente em meio à narrativa, e Q é essencialmente uma lista de citações.
    Blomberg fez uma pausa, pegou uma Bíblia de capa de couro de cima da escrivaninha e folheou ruidosamente suas páginas gastas.
    Mas, por exemplo, em Lucas 7.18-23 e Mateus 11.2-6, lemos que João Batista enviou seus mensageiros a Jesus para que lhe perguntassem se era realmente o Cristo, o Messias que esperavam. Jesus respondeu-lhes basicamente o seguinte: "Digam-lhe que reflita sobre meus milagres; digam-lhe o que vocês viram: os cegos vêem, os surdos ouvem, os paralíticos andam e aos pobres foram pregadas as boas novas".
    Portanto, mesmo em Q — concluiu —, há claramente a consciência do ministério de miraculoso de Jesus.

    Por que Mateus, supostamente uma testemunha ocular dos feitos de Jesus, teria acrescentado ao seu evangelho parte do que Marcos escrevera, quando todos sabem que Marcos não testemunhou pessoalmente o ministério de Jesus?
    Se o evangelho de Mateus tivesse sido escrito de fato por uma testemunha ocular, é de se supor que ele confiasse em suas observações.
    É algo que só faz sentido se Marcos estivesse realmente baseando seu relato nas lembranças de Pedro, que foi testemunha ocular — disse ele. — Como você mesmo disse, Pedro pertencia ao círculo íntimo de Jesus. Ele ouviu e viu coisas que os outros discípulos não puderam ver nem ouvir. Portanto, seria lógico que Mateus, embora testemunha ocular, confiasse na versão dos fatos que Pedro transmitira a Marcos.

    Satisfeito com as observações iniciais de Blomberg relativas aos três primeiros evangelhos — chamados sinóticos, palavra que significa "ver ao mesmo tempo", por causa da semelhança de suas linhas gerais e do modo como se inter-relacionam — passei a me preocupar em seguida com o evangelho de João. Quem quer que leia os quatro evangelhos perceberá prontamente que existem diferenças óbvias entre os sinóticos e o evangelho de João. Será que isso implica a existência de contradições irreconciliáveis entre eles?
    O senhor poderia me explicar as diferenças entre os evangelhos sinóticos e o evangelho de João?
    Que pergunta extraordinária! Um dia espero escrever um livro inteiro só sobre esse tópico.
    Bem, é verdade que João é mais diferente do que semelhante aos sinóticos — disse ele inicialmente. —Apenas umas poucas histórias mais importantes que aparecem nos outros três evangelhos surgem novamente em João, muito embora haja uma diferença bastante significativa com relação à última semana de Cristo. Daquele ponto em diante, os paralelos são muito mais próximos. O estilo lingüístico parece também sofrer uma modificação muito significativa. Em João, Jesus emprega uma terminologia diferente. Ele faz longos sermões, a cristologia parece ser de qualidade superior — isto é, afirma mais diretamente e com mais ênfase que Jesus é um com o Pai, que é o próprio Deus, o Caminho, a Verdade, a Vida, a Ressurreição e a Vida.

    A que se devem as diferenças?
    Durante muitos anos, supôs-se que João soubesse tudo o que Mateus, Marcos e Lucas tinham escrito, portanto achava desnecessária a repetição e por isso optou por complementá-los. Mais recentemente, prevalece a opinião de que João é em grande parte independente dos outros três evangelhos, o que explicaria não somente as escolhas diferentes de material como também as diferentes perspectivas de Jesus.

    Existem algumas particularidades teológicas em João?
    Sem dúvida, mas será que merecem ser chamadas de contradições? Creio que a resposta é não, porque grande parte dos temas mais importantes ou específicos de João têm paralelos em Mateus, Marcos e Lucas, embora sejam bem menos desenvolvidos.

    João afirma muito explicitamente que Jesus é Deus, o que alguns atribuem ao fato de ter ele escrito depois dos demais e de ter começado a dar um colorido às coisas — eu disse. — Será possível encontrar nos sinóticos o tema da divindade?
    Sim, é possível — disse ele. — É mais implícito, mas pode-se encontrá-lo ali também. Lembra-se de quando Jesus caminhou sobre as águas? Está lá em Mateus 14.22-33 e Marcos 6.45-52. A maior parte das traduções em inglês ocultam o grego ao verter da seguinte forma as palavras de Cristo: "Não temam, sou eu". Na verdade, o grego diz literalmente: "Não temam, eu sou". Essas duas últimas palavras são idênticas às que Jesus pronuncia em João 8.58, quando toma sobre si o nome divino Eu Sou, que é como Deus se revelou a Moisés na sarça ardente, em Êxodo 3.14. Portanto, Jesus se revela como aquele que tem o mesmo poder divino sobre a natureza que tem IAVÉ, o Deus do Antigo Testamento. Balancei a cabeça concordando.

    Esse é um exemplo — eu disse. — O senhor teria outros?
    Sim, os outros são do mesmo tipo — disse Blomberg. — Por exemplo, o título que Jesus mais aplica a si mesmo nos primeiros três evangelhos é "Filho do Homem" e ...

    Ergui a mão pedindo-lhe que esperasse um pouco.
    Um momento — eu disse. Abri minha valise e peguei um livro. Folheei-o até localizar o que estava procurando. — Segundo Karen Armstrong, a ex-freira autora do best-seller A history of God [Uma história de Deus], o termo "Filho do Homem", ao que parece, servia simplesmente para "enfatizar a fraqueza e a mortalidade da condição humana"; portanto, ao empregá-lo, Jesus nada mais fazia que chamar a atenção para o fato de que "ele era um ser humano frágil que um dia haveria de sofrer e morrer". Se isso for verdade — eu disse —, não me parece que a expressão seja uma declaração de divindade muito convincente.
    Olhe — disse ele peremptório —, ao contrário da crença popular, "Filho do Homem" não se refere originariamente à humanidade de Jesus. Pelo contrário, trata-se de uma alusão direta a Daniel 7.13,14.
    Dito isso, abriu o Antigo Testamento e leu as palavras do profeta Daniel:

    Em minha visão à noite, vi alguém semelhante a um filho de homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi conduzido à sua presença. Ele recebeu autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído.

    Veja, portanto, o que Jesus faz quando aplica a si mesmo a expressão "Filho do Homem" — prosseguiu. — Estamos diante de alguém que se aproxima de Deus, na sala do trono celestial, alguém a quem é concedida autoridade e domínio universais. Isso faz de "Filho do Homem" um título de grande exaltação, e não de mera humanidade.

    Mais tarde, deparei com um comentário de outro erudito, William Lane Craig, que eu viria a entrevistar para este livro, e que fazia a mesma observação.

    É muito comum a idéia de a expressão "Filho do Homem" ser usada em referência à humanidade de Jesus, assim como a expressão contrária, Filho de Deus, remeter à sua divindade. Acontece que a realidade é o oposto.
    O Filho do Homem era uma figura divina do livro de Daniel, no Antigo Testamento, que surgiria no final do mundo para julgar a humanidade e reinar para todo o sempre. Portanto, autodenominar-se Filho do Homem seria, na verdade, reivindicar para si a divindade.

    Blomberg prosseguiu:
    Além disso, Jesus se diz capaz de perdoar pecados nos evangelhos sinóticos, algo que só Deus pode fazer. Jesus aceita que lhe dirijam orações e adoração. Ele diz: "Quem, pois, me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante do meu Pai que está nos céus". O julgamento final baseia-se na tomada de posição de um indivíduo perante quem? Um simples ser humano? Não. Essa seria uma reivindicação muito arrogante. O julgamento final baseia-se na tomada de posição do indivíduo perante Jesus por este ser Deus. Como você pode ver, há todo tipo de material nos sinóticos relacionado à divindade de Cristo, que em João se torna mais explícito.

    Será que o fato de João escrever com uma preocupação teológica maior teria prejudicado o material histórico de seu evangelho, tornando-o menos confiável?
    Não creio que João seja mais teológico — ressaltou Blomberg. — Simplesmente sua ênfase teológica gira em torno de outras questões. Mateus, Marcos e Lucas têm, cada um, ângulos teológicos distintos que desejam destacar. Lucas, o teólogo dos pobres, tem preocupações sociais; Mateus é o teólogo que procura entender a relação do cristianismo com o judaísmo; Marcos mostra Jesus como o servo sofredor. Uma lista que procurasse determinar as diferenças entre as teologias de Mateus, Marcos e Lucas ficaria bem comprida.

    Muito bem, mas será que essas motivações teológicas não colocam em dúvida a capacidade e disposição dos apóstolos de informar com precisão o que aconteceu? Não é possível que a pauta teológica deles os levasse a dar um colorido à história no momento de registrá-la, chegando mesmo a distorcê-la?
    Muita gente distorce a história para adequá-la aos seus propósitos ideológicos. Infelizmente, as pessoas acham que isso sempre acontece, o que é um erro. No mundo antigo, a idéia de uma história escrita sem paixão, de maneira objetiva, com o único propósito de registrar os acontecimentos, sem que houvesse algum objetivo ideológico, era algo inédito. Ninguém escrevia história se não pudesse aprender algo com ela.

    Suponho então que, diante disso, tudo se torna muito suspeito — sugeri sorrindo.
    Sob certo aspecto, sim — disse ele. — Mas, se podemos reconstruir de modo razoavelmente seguro a história com base em vários outros tipos de fontes antigas, poderemos igualmente fazê-lo com os evangelhos, muito embora eles também sejam ideológicos.
    Vamos tomar um paralelo moderno colhido na experiência da comunidade judaica, que poderá ajudar a esclarecer o que quero dizer. Algumas pessoas, normalmente movidas pelo anti-semitismo, negam ou atenuam os horrores do Holocausto. Todavia, foram os estudiosos judeus que fundaram museus, escrevei, a livros, preservaram artefatos e registraram os depoimentos de testemunhas oculares sobre o Holocausto. Claro que seu propósito é ideológico — a saber, certificar-se de que tal atrocidade nunca mais se repita —, mas foram também extremamente fiéis e objetivos na documentação dessa verdade histórica. O cristianismo baseou-se igualmente em certas alegações históricas segundo as quais Deus teria entrado no espaço e no tempo na pessoa de Jesus de Nazaré, portanto a ideologia que os cristãos tentavam promover exigia um arcabouço histórico bastante meticuloso.

    Uma coisa é dizer que os evangelhos procedem direta ou indiretamente do testemunho ocular; outra coisa é afirmar que a informação neles contida ficou preservada de modo confiável até que fosse finalmente registrada por escrito anos mais tarde. Eu sabia que esse era um dos principais pontos em disputa, por isso queria desafiar Blomberg, o quanto antes, com essa questão.
    Peguei novamente o livro de Karen Armstrong, A history of God, e lhe disse:
    Ouça o que mais diz a autora:

    Sabemos muito pouco sobre Jesus. O primeiro relato mais abrangente sobre sua vida aparece no evangelho segundo São Marcos, que só foi escrito por volta do ano 70, cerca de 40 anos depois de sua morte. Àquela altura, os fatos históricos achavam-se misturados a elementos míticos que expressavam o significado que Jesus havia adquirido para seus seguidores. É esse significado, basicamente, que o evangelista nos apresenta, e não uma descrição direta e confiável.

    Alguns estudiosos dizem que os evangelhos foram escritos muito depois dos acontecimentos por eles registrados. Com isso, as lendas que se desenvolveram durante esse período acabaram por contaminar sua redação, alçando Jesus de simples professor sábio ao mitológico Filho de Deus. O senhor acha razoável essa hipótese ou será que existem indícios suficientes de que a composição dos evangelhos é anterior a essa data, ou seja, antes que a lenda pudesse corromper totalmente o que ficou registrado?:
    Temos duas questões distintas aqui, e é importante que as conservemos assim. Estou certo que temos indícios suficientes para fixar a data da redação dos evangelhos em um período mais antigo. Mas, mesmo que não tivéssemos, o argumento de Armstrong seria falho do mesmo jeito.

    Por quê?
    As datas estabelecidas no meio acadêmico, mesmo nos círculos mais liberais, situam Marcos nos anos na década de 70, Mateus e Lucas na década de 80, e João na década de 90. Observe que essas datas ainda estão dentro do período de vida de várias pessoas que foram testemunhas oculares da vida de Jesus, inclusive daquelas que lhe foram hostis, e que por isso poderiam atuar como parâmetro de correção caso houvesse em circulação algum ensinamento falso sobre Jesus. Conseqüentemente, essas datas mais recentes para os evangelhos não são assim tão recentes. Na verdade, é possível fazer uma comparação muito instrutiva. As duas biografias mais antigas de Alexandre, o Grande, foram escritas por Ariano e Plutarco depois de mais de 400 anos da morte de Alexandre, ocorrida em 323 a.C, e mesmo assim os historiadores as consideram muito confiáveis. É claro que surgiu um material lendário com o decorrer do tempo, mas isso só aconteceu nos séculos posteriores aos dois autores. Por outras palavras, nos primeiros 500 anos, a história de Alexandre ficou quase intacta. O material lendário começou a aparecer nos 500 anos seguintes. Portanto, comparativamente, é insignificante saber se os evangelhos foram escritos 60 ou 30 anos depois da morte de Jesus. Na verdade, a questão praticamente inexiste.

    Vamos admitir, por enquanto, que seja isso mesmo, mas voltemos à data de registro dos evangelhos — eu disse. — O senhor acredita que eles foram escritos possivelmente antes da data mencionada?
    Sim, antes — disse Blomberg. — Podemos confirmar isso pelo livro de Atos, escrito por Lucas. Atos termina, aparentemente, sem uma conclusão. Paulo é a personagem principal do livro, e se encontra preso em Roma. É assim, abruptamente, que o livro acaba. O que acontece com Paulo? Atos não nos diz, provavelmente porque o livro foi escrito antes da morte dele.
    Isso significa que o livro de Atos não pode ser posterior a 62 d.C. Assim, podemos recuar a partir desse ponto. Uma vez que Atos é o segundo tomo de um volume duplo, sabemos que o primeiro tomo — o evangelho de Lucas — deve ter sido escrito antes dessa data. E já que Lucas inclui parte do evangelho de Marcos, isto significa que Marcos é ainda mais antigo. Se trabalharmos com a margem aproximada de um ano para cada um, chegaremos à conclusão de que Marcos foi escrito por volta de 60 d.C, talvez até mesmo em fins da década de 50. Se Jesus foi morto em 30 ou 33 d.C, temos aí um intervalo de, no máximo, 30 anos aproximadamente.

    Vejamos se é possível recuar mais ainda no tempo — disse, virando-me para Blomberg. De que época datam os primeiros testemunhos mais importantes sobre a expiação, a ressurreição e a relação única de Jesus Cristo com Deus?
    É bom lembrar que os livros do Novo Testamento não estão em ordem cronológica — disse Blomberg inicialmente. Os evangelhos foram escritos praticamente depois das cartas de Paulo, cujo ministério epistolar começou por volta do fim da década de 40. A maior parte de suas cartas mais importantes são da década de 50. Para saber qual a informação mais antiga, vamos às cartas de Paulo com a seguinte pergunta: "Existem sinais aqui de que fontes mais antigas teriam sido usadas na redação dessas cartas?".

    E o que encontramos?
    Descobrimos que Paulo havia abraçado alguns credos, confissões de fé ou hinos da igreja cristã mais antiga. Esses elementos remontam ao alvorecer da igreja pouco depois da ressurreição. Os credos mais famosos são os de Filipenses 2.6-11, que fala de Jesus como tendo a mesma natureza de Deus, e Colossenses 1.15-20, onde Jesus é descrito como a "imagem do Deus invisível", que criou todas as coisas e por meio de quem todas as coisas foram reconciliadas com Deus, "estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz". Essas passagens sem dúvida são importantes porque mostram o tipo de crença que tinham os primeiros cristãos em relação a Jesus. Todavia, talvez o credo mais importante no que se refere ao Jesus histórico seja o de 1Coríntios 15, onde Paulo usa uma linguagem técnica para indicar que estava transmitindo essa tradição oral de uma forma relativamente fixa.

    “Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos. ”

    Essa é a questão — disse Blomberg. — Se a crucificação ocorreu em 30 d.C, a conversão de Paulo se deu aproximadamente em 32. Ele foi então levado imediatamente para Damasco, onde se encontrou com um cristão chamado Ananias e alguns outros discípulos. Seu primeiro encontro com os apóstolos em Jerusalém teria ocorrido em 35 d.C. Em algum momento desse período, Paulo recebeu esse credo, que fora formulado pela igreja primitiva e era usado por ela. Temos aqui, portanto, os principais fatos sobre a morte de Jesus pelos nossos pecados, além de uma lista detalhada daqueles para quem ele apareceu ressuscitado — tudo isso se dá no intervalo de dois a cinco anos depois dos eventos propriamente ditos! Não se trata aí de mitologia elaborada cerca de 40 anos ou mais depois, conforme pretende Armstrong. Pode-se perfeitamente argumentar a favor da crença na ressurreição, muito embora não haja nenhum registro escrito, que ela remonta aos dois anos posteriores ao evento. Isso é de suma importância.
    Não estamos comparando 30 ou 60 anos com os 500 anos normalmente aceitos para outros dados — estamos falando de dois anos!

    .Será que esses autores do século 1 estavam preocupados em registrar com precisão o que de fato aconteceu?
    Ele fez que sim com a cabeça.
    Sim, estavam — disse ele. — Pode-se ver isso no início do evangelho de Lucas, que se parece muito com os prefácios de outras obras da Antigüidade, biográficas ou históricas, dignas de confiança.
    Blomberg abriu a Bíblia e leu a introdução do evangelho de Lucas:

    “Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas certeza das coisas que te foram ensinadas.”

    Como podemos ver, Lucas diz claramente que ele pretendia escrever com precisão sobre as coisas que havia investigado e que comprovara com o respaldo extremamente confiável de testemunhas.

    E quanto aos outros evangelhos? Eles não começam com declarações desse tipo. Isso significa então que os autores não tinham a mesma intenção?
    É verdade que Marcos e Mateus não afirmam isso explicitamente — disse Blomberg. — No entanto, estão próximos de Lucas em termos de gênero, o que nos leva a crer que o objetivo histórico de Lucas refletiria muito de perto o deles.

    E João?
    A única afirmação do propósito dos evangelhos está em João 20.31: "Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome".

    Isto me parece muito mais uma declaração teológica que histórica — objetei.
    Admito que sim — disse Blomberg. — Mas se o indivíduo acha que primeiro precisa estar suficientemente convencido para depois crer, é preciso que a teologia proceda de fatos históricos exatos. Além do mais, há uma prova implícita que não pode passar despercebida. Pense no modo como os evangelhos foram escritos — de maneira sóbria e responsável, com detalhes incidentais apurados, com cuidado e precisão óbvios. Não encontramos neles os rebuscamentos exóticos e a presença evidente da mitologia que vemos em vários outros escritos antigos.

    Mas será que foi isso mesmo que aconteceu? Alguns críticos procuram fomentar um ambiente de idéias contraditórias e concorrentes.
    Na opinião deles, os primeiros cristãos estavam convencidos de que presenciariam ainda em vida o retorno de Jesus para a consumação da história, por isso não achavam que fosse necessário preservar algum registro histórico sobre a vida de Jesus ou sobre seus ensinamentos. Afinal de contas, por que se dar ao trabalho de escrever se ele em breve voltaria para pôr fim ao mundo e consumar a história?
    Portanto — eu disse —, anos mais tarde, quando ficou evidente que Jesus não retornaria logo, os cristãos se deram conta de que não possuíam nenhum material confiável em que pudessem se basear para escrever os evangelhos. Nada fora registrado com objetivos históricos. Não foi isso o que aconteceu de fato?
    Existem ao longo da história, sem dúvida nenhuma, seitas e grupos, inclusive religiosos, para os quais esse argumento é válido, mas não para os primeiros cristãos — disse Blomberg.

    Por que não? — perguntei desafiando-o. — O que tornava o cristianismo tão diferente?
    Em primeiro lugar, acho que a premissa é um tanto exagerada. A verdade é que a maior parte dos ensinamentos de Jesus pressupõem um lapso significativo de tempo antes do fim do mundo. Em segundo lugar, mesmo que alguns dos seguidores de Jesus acreditassem que ele fosse voltar sem demora, lembre-se de que o cristianismo saiu do judaísmo. Durante oito séculos, os judeus viveram entre a tensão dos freqüentes discursos dos profetas de que o "Dia do Senhor" estava próximo e a marcha ininterrupta da história de Israel. E, mesmo assim, os seguidores daqueles profetas registraram, preservaram as palavras deles e as tinham em alta conta. Uma vez que os seguidores de Jesus o consideravam muito superior a um profeta, parece bastante lógico supor que tenham feito a mesma coisa.

    Alguns eruditos dizem que era crença comum entre os primeiros cristãos que o Cristo fisicamente ausente dirigia-se à sua igreja por meio de mensagens, ou "profecias". Uma vez que essas profecias gozavam da mesma autoridade que tinham as palavras de Jesus durante sua existência terrena, os cristãos primitivos não faziam distinção entre os novos discursos e os que o Jesus histórico proferira. Conseqüentemente, esses dois materiais distintos aparecem juntos nos evangelhos, portanto não sabemos qual deles procede de fato do Jesus histórico. Esse é o tipo de crítica que atormenta muita gente. O que o senhor tem a dizer a esse respeito?
    Esse argumento tem menos fundamento histórico que o anterior — disse Blomberg com um sorriso. — Na verdade, o próprio Novo Testamento desmente essa hipótese. Existem algumas passagens que fazem referência a profecias primitivas, mas elas nunca se confundem com as palavras de Cristo. Em 1Coríntios 7, por exemplo, Paulo distingue claramente a palavra que transmite do Senhor e a que procede do Jesus histórico. No livro de Apocalipse, pode-se distinguir perfeitamente todas as vezes em que Jesus fala diretamente com o profeta, o apóstolo João, conforme supõe a tradição, e as vezes em que João relata suas visões inspiradas. E, em 1Coríntios 14, quando Paulo discute os critérios da verdadeira profecia, ele fala da responsabilidade que tem a igreja local de testar os profetas. Com base em seus antecedentes judaicos, sabemos que, entre os critérios da verdadeira profecia de que fala o apóstolo, estava o seu cumprimento ou não, além do fato de que ela deveria estar de acordo com as palavras anteriormente reveladas pelo Senhor. O argumento mais forte, porém, é o que não encontramos nos evangelhos. Depois da ascensão de Cristo, diversas controvérsias rondaram ameaçadoramente a igreja primitiva: os crentes deveriam ou não ser circuncida-dos? Como disciplinar o falar em línguas? Como conservar unidos judeus e gentios? Quais as funções mais adequadas às mulheres no ministério? Os crentes podiam se divorciar de seus cônjuges não-cristãos? Essas questões poderiam ter sido muito bem resolvidas se os cristãos primitivos simplesmente lessem nos evangelhos o que Jesus lhes havia dito sobre o mundo. Isso, porém, nunca aconteceu. A persistência dessas controvérsias é sinal de que os cristãos estavam interessados em distinguir o que acontecera durante a vida de Jesus e o que fora debatido posteriormente nas igrejas.

    O senhor não concorda que lapsos de memória, o desejo de as coisas serem de determinada maneira e o desenvolvimento de material lendário poderiam ter contaminado de modo irreparável a tradição vinculada a Jesus antes que os evangelhos fossem escritos?
    Temos de nos lembrar de que estamos em terra estrangeira, num tempo e lugar remotos, em uma cultura que não havia inventado ainda o computador e nem mesmo a máquina impressora. Os livros — ou melhor, os pergaminhos de papiro — eram relativamente raros. Portanto, a educação, o aprendizado, a adoração e o ensino nas comunidades religiosas eram ministrados oralmente. Alguns rabinos ficaram famosos porque sabiam de cor todo o Antigo Testamento. Logo, os discípulos seriam perfeitamente capazes de guardar na memória — e passar adiante com precisão — muito mais do que aparece nos quatro evangelhos somados.

    Espere um pouco — objetei. — Esse tipo de memorização parece realmente incrível. Como isso é possível?
    Sim, é difícil para nós hoje conseguirmos imaginar como isso podia ser possível — admitiu Blomberg —, mas aquela cultura era oral e enfatizava muito a memorização. Lembre-se de que 80 a 90% das palavras de Jesus estavam originaria-mente em forma poética. Isso não significa que havia rimas, mas havia métrica, com versos harmônicos, paralelismos, e assim por diante — o que teria facilitado muito a memorização. Outra coisa que precisa ser dita é que a definição de memorização era mais flexível naquele tempo. Os estudos de culturas com tradição oral mostram que era possível introduzir variações em partes da história conforme a ocasião — incluir ou excluir detalhes, parafrasear este ou aquele trecho, explicar esta ou aquela parte, e assim por diante. De acordo com um estudo, cerca de 30 a 40% de toda tradição sagrada transmitida oralmente no antigo Oriente Médio apresenta variações de uma ocasião para a outra. Todavia, certos pontos nunca se alteravam, e a comunidade podia intervir para corrigir o narrador caso ele reproduzisse erroneamente os aspectos importantes da história. É...
    É uma coincidência interessante: essa variação de 10 a 40% é praticamente a mesma que constatamos em qualquer passagem dos sinóticos.

    O que o senhor está querendo dizer?
    Estou querendo dizer que, provavelmente, muitas das semelhanças e das diferenças entre os sinóticos podem ser atribuídas ao fato de que os discípulos e outros cristãos primitivos devem ter memorizado muito do que Jesus disse e fez, mas sentiam-se à vontade para relatar aqueles episódios de diferentes maneiras, embora preservassem sempre a importância dos ensinamentos e dos atos originais de Jesus.

    Você provavelmente já brincou de telefone-sem-fio: alguém cochicha alguma coisa no seu ouvido — por exemplo: "Você é o meu melhor amigo" —, depois, você cochicha a mesma coisa no ouvido do vizinho e assim por diante até completar a volta por todo o círculo de participantes. No fim, a mensagem sai completamente distorcida, por exemplo: "Você é o meu pior amigo".
    Simplificando bastante — eu disse a Blomberg —, essa não é uma boa analogia para o que provavelmente aconteceu com a tradição oral sobre Jesus?
    Não, de maneira alguma — ele disse. — Eu explico por quê. Quem procura memorizar com atenção alguma coisa e só resolve passá-la adiante depois de ter certeza que a sabe de cor faz algo bem diferente do que a brincadeira do telefone-sem-fio propõe. Na brincadeira, boa parte da diversão se deve ao fato de que a pessoa talvez não tenha entendido direito a mensagem que lhe cochicharam, e a regra não lhe permite pedir à pessoa que repita a frase. Logo em seguida, a mensagem é passada adiante, sempre sussurrada, o que aumenta mais ainda a possibilidade de distorções pelo caminho. No fim das contas, depois de passar por todo o círculo, o resultado será engraçado, sem dúvida nenhuma.

    Por que então — perguntei a Blomberg — não podemos aplicar essa analogia à transmissão da tradição oral?
    Se fôssemos transportar a brincadeira para o contexto da comunidade do século I, teríamos de submetê-la aos seus critérios. Isso significa que cada pessoa repetiria em alto e bom som o que ouvira do vizinho e em seguida pediria ao primeiro que passara a informação que a confirmasse: "Está correto o que eu disse?". Se não estivesse, ele se corrigiria. A comunidade monitoraria constantemente a reprodução da mensagem e interferiria sempre que fosse preciso fazer alguma correção. Isso preservaria a integridade da mensagem. E o resultado seria muito diferente do da brincadeira infantil.

    Será que havia algum indício de desonestidade ou de imoralidade que pudesse macular sua capacidade ou sua disposição de transmitir com precisão a história?
    Simplesmente não existem provas de que aqueles homens não fossem pessoas de muito caráter — disse ele. Observamos como narram as palavras e ações do homem que exigiu deles um nível de integridade tão severo quanto o de qualquer outra religião de que se tem notícia. Aqueles homens estavam tão determinados a viver sua fé que dez deles, do grupo de 11 apóstolos, tiveram mortes terríveis, o que demonstra sua grandeza de caráter. Em termos de honestidade, verdade, virtude e moralidade, essas pessoas tinham uma bagagem de dar inveja.

    Eis aqui um teste no qual, dizem os céticos, os evangelhos sempre são reprovados. Afinal, eles não se contradizem? Não há discrepâncias inconciliáveis entre os vários relatos evangélicos? E, se há, como é que podemos confiar no que dizem?
    Blomberg concordou que os evangelhos parecem estar em contradição em inúmeros pontos.
    As incongruências vão de pequenas variações no fraseado até as contradições aparentes mais famosas — disse ele. — Na minha opinião, se você admite os elementos que mencionei anteriormente, ou seja, a paráfrase, a abreviação, os acréscimos explicativos, a seleção e a omissão, os evangelhos se mostram muito harmoniosos entre si pelos padrões antigos, que são os únicos pelos quais devemos julgá-los.

    Ironicamente — ressaltei —, se os evangelhos fossem exatamente idênticos, palavra por palavra, os críticos acusariam seus autores de estar mancomunados, para que suas histórias saíssem exatamente iguais, o que os colocaria sob suspeita.
    Exatamente — concordou Blomberg. — Se os evangelhos fossem 100% harmoniosos, isso os impossibilitaria de ser testemunhos independentes. As pessoas diriam então só haver um testemunho, os demais seriam só imitação.

    Lembrei-me instantaneamente das palavras de Simon Greenleaf, da Faculdade de Direito de Harvard, uma das personagens mais importantes da história do direito e autor de um tratado muito influente sobre a prova. Depois de estudar o nível de harmonia dos quatro evangelistas, ele deu seu parecer:

    Existe um volume significativo de discrepância, o que aponta para o fato de os autores não poderem ter estabelecido nenhum tipo de acordo entre si; por outro lado, há também uma harmonia de tal magnitude que demonstra sua condição de narradores independentes de uma transação de grande importância.

    Para Hans Stier, estudioso alemão da escola historiográfica clássica, a harmonia dos dados básicos e a divergência de detalhes são sinais de credibilidade, uma vez que as narrativas fabricadas costumam ser integralmente consistentes e harmônicas. "Todo historiador", diz ele, "torna-se muito cético no momento em que algo extraordinário só aparece relatado em narrativas completamente isentas de contradições".

    Em Mateus, lemos que um centurião foi pessoalmente a Jesus e lhe pediu que curasse seu servo. Lucas, porém, nos diz que o centurião mandou que os anciãos fossem até Jesus. Naturalmente trata-se de uma contradição, não é verdade?
    Acho que não — respondeu Blomberg. — Pense da seguinte forma: no mundo atual, ouvimos no noticiário "que o presidente declarou hoje...", quando na verdade o discurso foi redigido por alguém encarregado de escrevê-lo e lido pelo secretário de imprensa — e, com um pouco de sorte, talvez o presidente tivesse a oportunidade de vê-lo em um certo momento entre a primeira e a segunda etapa. Nem por isso podemos dizer que a reportagem estava errada.

    Da mesma forma, no mundo antigo, era perfeitamente compreensível e aceitável que se atribuíssem às pessoas ações que, na verdade, foram praticadas por seus subordinados ou emissários — no presente caso, pelos anciãos do povo judeu.

    Então, em outras palavras, o senhor está dizendo que tanto Mateus quanto Lucas têm razão?
    Exatamente — disse ele.

    E quanto à afirmação de Marcos e Lucas, segundo a qual Jesus enviara alguns demônios para uma vara de porcos em Gerasa, enquanto Mateus refere-se a Gadara. As pessoas dizem que a contradição é óbvia nesse caso e que não há como resolvê-la: trata-se de dois lugares diferentes. Caso encerrado.
    É melhor não dar o caso por encerrado tão cedo — disse Blomberg com um sorriso sutil. — Uma possível solução para isso é que um dos lugares mencionados era uma cidade, e o outro, uma província.

    Acho que a coisa é um pouco mais complicada — eu disse. — A cidade de Gerasa nem sequer ficava perto do mar da Galiléia. Mas foi exatamente para lá que os demônios se dirigiram depois de entrar nos porcos, precipitando-os para a morte de cima de um penhasco.
    Muito bem, boa questão — disse Blomberg. — Mas existem ruínas de uma cidade cujo sítio de escavação fica exatamente na margem oriental do mar da Galiléia. A forma que o nome da cidade geralmente toma (em inglês) é "Khersa". No entanto, como toda palavra hebraica traduzida ou transliterada para o grego, é provável que soasse bem próxima de "Gerasa". Portanto, o episódio pode ter ocorrido em Khersa (cuja grafia em grego acabou dando "Gerasa"), na província de Gadara.

    Ponto seu. Mas há um problema que não é nada fácil de resolver: as discrepâncias entre as genealogias de Jesus em Mateus e Lucas? Os céticos normalmente as consideram totalmente inconciliáveis.
    Trata-se de um outro caso de múltiplas opções — disse Blomberg.

    E que opções são essas?
    Segundo as duas mais comumente aceitas, Mateus refletiria a linhagem de José, já que a maior parte do primeiro capítulo adota a perspectiva de José que, como pai adotivo, seria o antepassado legal por meio de quem a linhagem real de Jesus seria traçada. São esses os temas que importam a Mateus. Lucas, por sua vez, teria traçado a genealogia de Jesus com base na linhagem de Maria. E, já que ambos são descendentes de Davi, basta recuar mais um pouco para ver que ambas as linhagens acabam convergindo. A outra opção postula que ambas as genealogias refletem a linhagem de José, porque têm como objetivo o estabelecimento de rotinas legais necessárias. Uma delas, porém, seria a linhagem humana de José (evangelho de Lucas), ao passo que a outra seria a linhagem legal de José, sendo que ambas divergem nos pontos em que determinam antepassados que não tiveram descendentes diretos. Estes eram obrigados a suscitar descendência por meio de várias práticas previstas no Antigo Testamento. O problema torna-se maior porque alguns nomes são omitidos, o que era perfeitamente aceitável pelos padrões do mundo antigo. Existem ainda variantes textuais: nomes que, traduzidos de uma língua para outra, geralmente recebiam grafias diferentes e eram facilmente confundidos com os de outros indivíduos.

    Não podemos subestimar o fato de essas pessoas amarem Jesus — eu disse enfaticamente. — Não eram observadores neutros; eram seguidores fiéis a Cristo. Será que isso não poderia levá-los a fazer certas modificações para que Jesus parecesse bom?
    Admitamos que a situação possibilite isso — disse Blomberg. — Mas também as pessoas são capazes de honrar e respeitar alguém a tal ponto que se sintam impelidas a registrar sua vida com a maior integridade possível. Essa seria a forma de demonstrar seu amor por tal pessoa. E é o que eu acho que aconteceu aqui. Além disso, esses discípulos nada tinham a ganhar exceto críticas, o ostracismo e o martírio. Com certeza nada lucraram financeiramente. Na verdade, foram pressionados a ficar quietos, a negar a Jesus, a diminuí-lo, e até mesmo a esquecer que um dia o conheceram.
    No entanto, por causa de sua integridade, proclamaram o que viram, ainda que com isso tivessem de sofrer e morrer.

    Os autores dos evangelhos registraram algum tipo de material que poderia ser fonte de embaraço ou o acobertaram para que parecesse decente? Será que inseriram em seu relato alguma coisa incômoda ou de difícil explicação?
    Há de fato muito o que dizer a esse respeito — ele respondeu. — Grande parte dos ensinamentos de Jesus consiste em palavras duras. Alguns ensinamentos exigem muito no plano ético. Se eu tivesse de inventar uma religião para satisfazer minha fantasia, provavelmente não cobraria de mim mesmo perfeição igual à do meu Pai celestial, tampouco diria que a lascívia que sinto no coração já é, por si mesma, adultério.

    Porém — objetei —, outras religiões também fazem exigências muito duras.
    Sim, é verdade, por isso mesmo as exigências mais duras eram as que colocavam as maiores dificuldades para o que a igreja se propunha a ensinar sobre Jesus.

    Dê-me alguns exemplos, por favor — pedi.
    Por exemplo, em Marcos 6.5, lemos que Jesus não pôde fazer muitos milagres em Nazaré porque as pessoas dali eram incrédulas, o que parecia limitar seu poder. Jesus disse em Marcos 13.32 que não sabia a hora de seu retorno, o que parece limitar sua onisciência. Atualmente, essas declarações não são mais problema para a teologia, porque Paulo, em Filipenses 2.5-8, nos diz que Deus, em Cristo, quis, de maneira espontânea e consciente, limitar o exercício independente de seus atributos divinos. Mas, se pudesse passar pela história dos evangelhos sem lhe dar muita atenção, seria muito mais conveniente deixar de fora todo esse material, o que me pouparia o trabalho de ter de explicá-lo. O batismo de Jesus é outro exemplo. Existe uma explicação para que Jesus, que não tinha pecados, se deixasse batizar, mas por que não facilitar as coisas e deixar esse episódio de fora? Na cruz, Jesus gritou: "Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?". Teria sido muito melhor para os evangelistas omitir essa passagem, já que ela dá margem a tantas perguntas.

    Também há muito material constrangedor sobre os discípulos — acrescentei.
    Sem dúvida — disse Blomberg. — Sempre que Marcos fala de Pedro, o tom é bem pouco elogioso. E olhe que Pedro era o líder! Os discípulos quase sempre entendiam mal o que Jesus queria dizer. Tiago e João queriam os lugares à direita e à esquerda de Jesus, por isso Cristo lhes deu lições muito duras para mostrar-lhes que o líder é quem deve servir primeiro. Eles se comportavam como um bando de egoístas, interesseiros e tolos na maior parte das vezes.

    Quando os evangelhos falam de pessoas, lugares e acontecimentos, é possível confirmar as informações dos evangelistas por meio de fontes independentes? Normalmente, esse tipo de corroboração é inestimável sempre que se quer avaliar se um autor tem ou não comprometimento com a precisão.
    Sim, é possível, e quanto mais exploramos esse tópico, tanto mais os detalhes se confirmam — respondeu Blomberg. — Nos últimos séculos, a arqueologia trouxe à luz, inúmeras vezes, descobertas que confirmaram referências específicas dos evangelhos, principalmente de João — ironicamente, o que desperta mais desconfianças!
    Claro que existem algumas questões que ainda não foram resolvidas; por vezes, a arqueologia surgiu com novos problemas, mas que são pouquíssimos se comparados com o número de exemplos que corroboram as informações dos evangelistas. Além disso, sabemos por meio de fontes não-cristãs muitos fatos sobre Jesus que confirmam os principais ensinamentos e ocorrências de sua vida. E, se considerarmos que os historiadores antigos lidavam, na maior parte das vezes, só com legisladores políticos, imperadores, reis, batalhas militares, autoridades religiosas e movimentos filosóficos de grande importância, é notável o quanto podemos aprender sobre Jesus e seus seguidores, ainda que não se encaixem em nenhuma dessas categorias na época em que os historiadores escreveram seus livros.

    Esse teste faz a seguinte pergunta: Haveria outras pessoas presentes que poderiam contradizer ou corrigir os evangelhos, caso apresentassem alguma distorção ou erro? Em outras palavras, temos algum exemplo de contemporâneos de Jesus que teriam se queixado dos relatos evangélicos por conterem erros?
    Muitas pessoas tinham motivos para querer desacreditar o movimento e, se tivessem mais competência para escrever a história, certamente o fariam — disse Blomberg. — No entanto, veja o que disseram seus adversários. Nos escritos judeus tardios, Jesus é chamado de o feiticeiro que desviou Israel, o reconhecimento de que ele fez de fato obras maravilhosas, embora os autores coloquem em dúvida a fonte de seu poder. Essa seria a oportunidade perfeita para dizer alguma coisa do tipo: "Os cristãos vão lhe dizer que ele fez milagres, mas nós estamos de prova que ele não fez". Nunca vemos, porém, seus opositores dizer esse tipo de coisa. Em vez disso, eles admitem implicitamente que é verdade o que lemos nos evangelhos, ou seja, que Jesus fez milagres.

    Será que esse movimento cristão teria fincado raízes precisamente em Jerusalém, no lugar exato onde Jesus passou a maior parte de seu ministério, foi crucificado, morreu e ressurgiu, se as pessoas que o conheceram soubessem que os discípulos estavam exagerando ou distorcendo as coisas que ele fez?
    Creio que não — respondeu Blomberg. — Sabemos que o movimento foi inicialmente muito vulnerável, frágil e perseguido. Os críticos poderiam ter-se aproveitado dessa situação para atacá-lo, acusando-o de falsidades e distorções. Mas — concluiu Blomberg com ênfase — não é isso o que acontece.

    E quanto à sua fé pessoal? De que modo as suas pesquisas afetaram as coisas em que o senhor crê?
    Elas a fortaleceram, sem dúvida nenhuma. Sei pelos meus estudos que são muitos os indícios que apontam para a confiabilidade do relato evangélico. Sabe, é irônico: a Bíblia louva a fé que dispensa as provas. Lembre-se da resposta de Jesus a Tome: "Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram". Sei que as provas nunca podem compelir ou coagir a fé. Não podemos tomar o lugar do Espírito Santo, o que é sempre uma preocupação dos cristãos quando ouvem discussões desse tipo. Sabe, há muitas histórias de estudiosos especializados no Novo Testamento que não eram cristãos, mas pelo estudo dessas mesmas questões chegaram a Cristo pela fé. Muitos outros eruditos, que eram cristãos, tiveram sua fé fortalecida, mais solidificada e mais bem fundamentada por causa das provas: é nessa categoria que eu me encaixo.

    ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL AO HISTORIADOR E ARQUEÓLOGO EDWIN YAMAUCHI
  • Quando entrei no imponente edifício de alvenaria da Universidade de Miami, onde está localizado o escritório de Edwin Yamauchi, na pitoresca Oxford, Ohio, passei sob um arco de pedra onde se lia a seguinte inscrição: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Como um dos principais especialistas do país em história antiga, Yamauchi passou boa parte de sua vida em busca da verdade histórica.
    Nascido no Havaí, em 1937, filho de imigrantes de Okinawa, Yamauchi é de origem humilde. Seu pai morreu logo depois do ataque dos japoneses a Pearl Harbor, obrigando sua mãe a ganhar o sustento com a parca remuneração que recebia das famílias abastadas. Embora não tivesse educação formal, ela incentivou o filho a ler e a estudar, presenteando-o com livros cheios de belas ilustrações, o que acabou instilando nele um amor duradouro pelo conhecimento.
    Não há dúvida de que suas conquistas acadêmicas são impressionantes. Depois de se formar em hebraico e estudos helenísticos, Yamauchi fez mestrado e doutorado em estudos mediterrâneos na Brandeis University.
    Yamauchi é membro de oito instituições, dentre elas a Rutgers Research Council, a National Endowment for the Humanities, a American Philosophical Society e outras. Ele estudou 22 línguas, entre as quais árabe, chinês, egípcio, russo, siríaco, ugarítico e até comanche.
    No total, já apresentou 71 monografias perante sociedades de pesquisa; ensinou em mais de cem seminários, universidades e faculdades, como Yale, Princeton e Cornell; foi dirigente e depois presidente do Instituto de Pesquisas Bíblicas e presidente da Conferência sobre Fé e História; publicou 80 artigos em 37 periódicos acadêmicos.
    Em 1968, participou das primeiras escavações no templo de Herodes, em Jerusalém. Encontraram-se ali provas da destruição do templo em 70 d.C. A arqueologia também é tema de vários de seus livros, como, por exemplo, The stones and the Scriptures [As pedras e as Escrituras], The Scriptures and Archeology [As Escrituras e a arqueologia] e The world of the first Christians [O mundo dos primeiros cristãos].

    Como historiador, de que modo o senhor avalia a confiabilidade histórica dos evangelhos?
    De modo geral, os evangelhos são fontes de excelente qualidade — disse ele. Na verdade, eles são as fontes mais confiáveis, completas e fidedignas sobre Jesus. As fontes incidentais realmente não apresentam informações muito detalhadas; todavia, são valiosas enquanto provas corroborativas.

    Muito bem — eu disse —, é isto o que quero discutir: a prova corroborativa. Sejamos francos: algumas pessoas zombam dizendo que esse tipo de prova é muito rara. Em 1979, por exemplo, Charles Templeton escreveu um romance intitulado Acts of God [Atos de Deus], em que um arqueólogo fictício fazia uma afirmação que reflete o que muita gente pensa.
    Peguei o livro e li o parágrafo em questão:

    A igreja [cristã] faz suas declarações com base, principalmente, nos ensinos de um judeu jovem e obscuro com pretensões messiânicas e que, a bem da verdade, não causou uma impressão muito significativa durante a vida. Não há uma palavra sequer a seu respeito na história secular. Nenhuma. Os romanos não o mencionam. Josefo apenas o cita, nada mais.

    Então — eu disse incisivamente — isso não parece oferecer muita corroboração à vida de Jesus fora da Bíblia.
    Yamauchi sorriu e balançou a cabeça.

    O arqueólogo de Templeton está simplesmente enganado — disse ele, fazendo pouco daquelas palavras — porque temos muitíssimas referências importantes sobre Jesus em Josefo e Tácito. Os próprios evangelhos dizem que muitos dos que o ouviram, até mesmo membros de sua família, não creram nele enquanto ele viveu; porém, a impressão que causou foi tanta que hoje Jesus é lembrado por toda parte, ao passo que Herodes, o Grande, Pilatos e outros legisladores antigos não são tão conhecidos assim. Portanto, ele certamente causou forte impressão naqueles que o conheceram.
    Yamauchi fez uma pausa e depois acrescentou:
    Os que não acreditaram nele, logicamente, não ficaram impressionados.

    Diga-me algo a respeito de Josefo — eu disse — e me explique de que modo o seu testemunho traz corroboração concernente a Jesus.
    Sim, é claro — respondeu Yamauchi enquanto cruzava as pernas e se acomodava melhor em sua cadeira. — Josefo era um historiador judeu muito importante do século I. Ele nasceu em 37 d.C. e escreveu a maior parte de suas quatro obras por volta do final do século I. Em sua autobiografia, defendeu seu posicionamento na guerra entre judeus e romanos, de 66 a 74 d.C. O fato é que Josefo rendera-se ao general romano Vespasiano durante o cerco de Jotapata, enquanto muitos de seus colegas preferiram o suicídio à rendição.
    Josefo achava que não era o desejo de Deus que ele se suicidasse, por isso tornou-se defensor dos romanos.

    Gostaria que o senhor traçasse para mim o perfil de Josefo — eu disse.
    Ele era um sacerdote e um fariseu bastante egoísta. Sua obra mais ambiciosa recebeu o nome de Antigüidades, e nela ele contava a história do povo judeu, da criação até os seus dias. É provável que a tenha terminado em torno de 93 d.C. Por seu colaboracionismo com os romanos, Josefo era muito odiado por seus compatriotas judeus. Tornou-se, porém, bastante popular entre os cristãos, porque em seus escritos refere-se a Tiago, o irmão de Jesus, e ao próprio de Jesus.

    Fale-me sobre essas menções — eu disse.
    Nas Antigüidades — continuou Yamauchi —, ele descreve como um alto sacerdote de nome Ananias aproveitou-se da morte de Festo, governador romano, que também é mencionado no Novo Testamento, para mandar matar Tiago.

    Yamauchi inclinou-se em direção à estante, puxou um volume grosso e o folheou em busca de uma passagem que parecia saber perfeitamente onde estava.
    Ah, aqui está — disse ele. — "Convocou então uma reunião do Sinédrio e trouxe perante ele um homem chamado Tiago, o irmão de Jesus, chamado o Cristo, e alguns outros. Ele os acusou de transgredir a lei e condenou-os ao apedrejamento". Não conheço nenhum estudioso — disse Yamauchi categoricamente — que tenham conseguido colocar em dúvida essa passagem. L. H. Feldman observou que, se esse fosse um acréscimo cristão posterior ao texto, muito provavelmente teria um tom mais elogioso à conduta de Tiago.

    Temos aqui, portanto, uma referência ao irmão de Jesus, que, ao que parece, teria se convertido ao ver Cristo ressuscitado, bastando comparar João 7.5 e 1Coríntios 15.7, que corrobora o fato de que, para algumas pessoas, Jesus era o Cristo, que significa "Ungido" ou "Messias".

    Eu sabia que Josefo havia escrito um texto maior ainda sobre Jesus, o Testimonium flavianum. Sabia também que essa passagem era das mais polêmicas na literatura antiga porque, ao que parece, confirmava totalmente a existência de Jesus, seus milagres, morte e ressurreição. Porém, seria um documento autêntico? Ou teria sido adulterado ao longo dos anos em benefício das pessoas favoráveis a Cristo?
    Pedi a Yamauchi sua opinião, e logo ficou claro que tinha tocado em um tema que o interessava profundamente. Ele descruzou as pernas e endireitou-se na cadeira.
    Essa é uma passagem fascinante — disse ele entusiasmado, inclinando-se para a frente com o livro nas mãos. — É verdade, é um texto controvertido.
    Em seguida, leu-o para mim:

    Nesse mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio, se todavia devemos considerá-lo simplesmente como um homem, tanto suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios. Era o Cristo. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome.

    O senhor concorda em que o texto é controvertido. Qual foi a conclusão dos estudiosos sobre essa passagem? — perguntei-lhe.
    Os estudos a respeito desse material atravessaram três fases diferentes — respondeu Yamauchi. — Por motivos óbvios, os primeiros cristãos interpretaram-no como uma comprovação 100% autêntica sobre Jesus e sua ressurreição. Eles reverenciavam esse material. Depois, a passagem inteira foi posta em dúvida por alguns eruditos na época do iluminismo. Hoje em dia, porém, há um consenso notável tanto entre os estudiosos judeus quanto entre os cristãos de que essa passagem é totalmente autêntica, embora possa haver algumas interpolações.

    Interpolações? O senhor poderia explicar o que significa isso?
    Isso significa que os primeiros copistas cristãos inseriram algumas frases que um escritor judeu como Josefo jamais escreveria — disse Yamauchi.
    Por exemplo — prosseguiu, destacando uma frase do livro —, a primeira linha diz que "nesse mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio". Essa frase não costumava ser usada pelos cristãos em referência a Jesus, portanto deve ser de fato da autoria de Josefo. A frase seguinte, porém, diz: "... se todavia devemos considerá-lo simplesmente como um homem". Isso implica que Jesus seria mais do que humano, o que deve ser uma interpolação.
    Balancei afirmativamente a cabeça, para que Yamauchi soubesse que eu estava seguindo sua linha de raciocínio.
    Depois, lemos: "... suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios". Essa frase parece estar plenamente de acordo com o vocabulário que Josefo utiliza em outras passagens, e costuma ser considerada autêntica. Mas vem em seguida uma declaração ambígua: "Era o Cristo", o que parece ser uma interpolação.

    Isso porque — eu o interrompi — Josefo diz em sua referência a Tiago que Jesus "era chamado Cristo".
    Exato — disse Yamauchi. — É improvável que Josefo dissesse tão categoricamente aqui que Jesus era o Messias, enquanto em outras passagens ele diz simplesmente que Jesus era considerado o Messias por seus seguidores. O trecho seguinte da passagem, em que são mencionados o julgamento e a crucificação de Jesus e o fato de que seus seguidores ainda o amavam, não é incomum e é considerado genuíno. Em seguida, vem a frase: "No terceiro dia, ele apareceu diante deles com a vida restituída". Estamos novamente diante de uma declaração explícita de fé na ressurreição, portanto é pouco provável que Josefo seja de fato seu autor. Esses três elementos, ao que tudo indica, parecem ser interpolações.

    E a que conclusão chegamos? — perguntei-lhe.
    Que esse trecho de Josefo, a princípio, dizia respeito a Jesus, mas sem esses três pontos que mencionei. Apesar disso, Josefo confirma informações importantes sobre Jesus: que ele foi o líder matirizado da igreja de Jerusalém e que foi um mestre sábio, tendo deixado vários discípulos, embora tenha sido crucificado por ordem de Pilatos, instigado por alguns dos líderes judeus.

    Embora essas referências fossem de fato provas independentes e importantes sobre a existência de Jesus, eu não conseguia entender por que um historiador como Josefo não teria procurado mais informações sobre uma figura de tal importância do século 1. Eu sabia que alguns céticos, como Michael Martin, filósofo da Universidade de Boston, fizeram a mesma crítica.
    Quis saber de Yamauchi o que ele achava da afirmação de Martin, para quem Jesus Cristo nunca existiu: "Se Jesus tivesse existido, era de esperar que Josefo [...] tivesse dito algo mais a respeito dele [...] É surpreendente que Josefo o mencione de passagem [...] enquanto cita outras figuras messiânicas e João Batista dando vários detalhes a respeito deles".
    De tempos em tempos, aparece alguém que tenta negar a existência de Jesus, mas isso é pura perda de tempo — disse em um tom exasperado. — Existem provas irrefutáveis de que Jesus existiu, portanto esses questionamentos hipotéticos são muito vazios e falaciosos. Eu, porém, responderia do seguinte modo: Josefo estava interessado em questões políticas e na luta contra Roma; assim sendo, João Batista era mais importante, porque ele parecia representar uma ameaça política maior que Jesus.

    Espere um instante. Não é verdade que alguns estudiosos retrataram Jesus como zelote, ou pelo menos como simpatizante deles? — interrompi, referindo-me a um grupo revolucionário do século i que se opunha politicamente a Roma.
    Yamauchi descartou a objeção com um aceno de mão.
    Os próprios evangelhos não dão respaldo a essa suposição. Lembre-se de que Jesus não se opunha ao pagamento de impostos aos romanos. Portanto, como Jesus e seus seguidores não representavam nenhuma ameaça política, compreende-se perfeitamente que Josefo não se interesse por aquela seita — embora, retrospectivamente, suas observações tenham sido muitíssimo importantes.

    Então, na sua opinião, qual a importância dessas duas referências de Josefo?
    São altamente significativas — respondeu Yamauchi — principalmente depois que se comprovou a precisão de seus relatos sobre a guerra dos judeus. Eles foram corroborados, por exemplo, pelas escavações arqueológicas em Massada, bem como por historiadores como Tácito. Josefo é considerado um historiador bastante confiável; além disso, a menção que faz do nome de Jesus é tida por extremamente importante.

    Yamauchi acabara de mencionar o historiador romano mais importante do século I. Eu queria saber o que Tácito tinha a dizer sobre Jesus e o cristianismo.
    O senhor poderia dar mais detalhes sobre essa corrobo-ração? — pedi-lhe.
    Tácito deixou registrada o que é provavelmente a referência mais importante sobre Jesus fora do Novo Testamento — disse ele. — No ano 115 d.C, ele afirma explicitamente que Nero perseguiu os cristãos e fez deles bodes expiatórios para desviar as suspeitas de ter sido ele o culpado pelo incêndio que devastou Roma em 64 d.C.
    Yamauchi levantou-se e foi até a estante, examinando-a em busca de um livro.
    Ah, sim, aqui está — disse ele, pegando um volume bem grosso e folheando-o até encontrar a passagem que queria. Depois, leu-a para mim:

    ... para acabar com os rumores, [Nero] acusou falsamente as pessoas comumente chamadas de cristãs, que eram odiadas por suas atrocidades, e as puniu com as mais terríveis torturas. Christus, o que deu origem ao nome cristão, foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério; mas, reprimida por algum tempo, a superstição perniciosa irrompeu novamente, não apenas em toda a Judéia, onde o problema teve início, mas também por toda a cidade de Roma.

    Eu já conhecia essa passagem, e estava ansioso para saber o que Yamauchi diria sobre a observação de um estudioso muito influente, J. N. D. Anderson.
    Anderson acha que Tácito, ao se referir a essa "superstição perniciosa" que Pilatos "reprimia, por algum tempo", mas que "irrompeu [...] novamente", referia-se, inconscientemente, à crença dos primeiros cristãos de Jesus ter sido crucificado, mas que se levantara da sepultura. O senhor concorda com ele? — perguntei-lhe.
    Yamauchi refletiu durante alguns segundos.
    Essa é sem dúvida a interpretação de alguns estudiosos — disse ele como se, aparentemente, evitasse me dar sua opinião. Em seguida, porém, fez uma observação de fundamental importância. — Independentemente de a passagem se referir de maneira específica a isso ou não, ela nos mostra algo notável: não havia sina pior para alguém que a crucificação, e o fato de haver um movimento que se baseava em um homem crucificado precisava de explicação. Como o senhor explica que uma religião baseada na adoração de um homem que padeceu a morte mais ignominiosa possível tenha se difundido tanto? E claro que os cristãos vão dizer que foi por causa da ressurreição. Os que não crêem nela terão de formular uma teoria diferente. Em minha opinião, porém, nenhuma das duas alternativas é muito persuasiva.

    Pedi-lhe que definisse melhor o peso dos escritos de Tácito com relação a Jesus.
    Trata-se de um depoimento importante da parte de uma testemunha que não simpatiza com o sucesso e com a difusão do cristianismo, baseado em uma personagem histórica, Jesus, crucificado por ordem de Pôncio Pilatos — respondeu ele. — É significativo o fato de que Tácito se refira à "multidão imensa" apegada de tal forma às suas crenças que preferia morrer a abjurá-la.

    Sabia que outro romano, Plínio, o Jovem, também havia se referido ao cristianismo em seus escritos.
    Ele corroborou alguns pontos importantes também, não é mesmo? — perguntei-lhe.
    Correto. Ele era sobrinho de Plínio, o Velho, o famoso enciclopedista que morreu na erupção do Vesúvio, em 79 d.C. Plínio, o Jovem, tornou-se governador da Bitínia, no Noroeste da Turquia. Grande parte de sua correspondência com seu amigo, o imperador Trajano, foi preservada até os dias de hoje.
    Yamauchi pegou uma fotocópia de uma página de livro.
    No livro 10 de suas cartas — disse o professor —, ele se refere especificamente aos cristãos que prendeu.

    Eles afirmaram [...] que sua única culpa, seu único erro, era terem o costume de se reunirem antes do amanhecer num certo dia determinado, quando então cantavam responsivamente os versos de um hino a Cristo, tratando-o como Deus, e prometiam solenemente uns aos outros não cometerem maldade alguma, não deflaudarem, não roubarem, não adulterarem, nunca mentirem, e não negar a fé quando fossem instados a fazê-lo.

    Qual a importância dessa referência?
    Ela é muito importante. Foi escrita provavelmente em cerca de 111 d.C. e mostra como o cristianismo se espalhou rapidamente, tanto na cidade quanto no campo, em meio a todas as classes sociais, sejam elas compostas por mulheres escravas, sejam por cidadãos romanos, uma vez que ele menciona o fato de mandar para Roma os cristãos romanos para julgamento. Fala também da adoração a Jesus como Deus, que os cristãos mantinham padrões éticos elevados e que não se deixavam abalar facilmente em sua fé.

    Para mim, uma das referências mais problemáticas do Novo Testamento é a declaração dos evangelistas de que a terra ficou em trevas durante parte do tempo em que Jesus esteve pendurado na cruz. Não seria esse um mero recurso literário para enfatizar o significado da crucificação e, de forma alguma, uma ocorrência histórica verdadeira? Afinal de contas, se a terra tivesse se recoberto de trevas, não haveria ao menos uma menção desse fato extraordinário fora da Bíblia?
    O dr. Gary Habermas, contudo, menciona um historiador chamado Talo que, em 52 d.C, escreveu uma história do mundo mediterrâneo desde a Guerra de Tróia. Embora o trabalho de Talo tenha se perdido, foi citado por Júlio Africano por volta de 221 d.C. e, ali, há menção das trevas de que falam os evangelhos!

    Será possível — perguntei — que temos aí uma corrobo-ração extrabíblica para o que declaram as Escrituras?
    Nessa passagem — Yamauchi explicou —, Júlio Africano diz que "Talo, no terceiro livro de histórias, explica o fato como um eclipse solar, embora, a mim, não me pareça uma explicação razoável". Portanto, ao que tudo indica, Talo confirma a ocorrência das trevas no momento da crucificação e atribui sua causa provável a um eclipse solar. Júlio Africano diz então que não era possível que fosse um eclipse o evento ocorrido na hora da crucificação.
    Yamauchi aproximou-se mais da escrivaninha e pegou um pedaço de papel.

    Escute o que diz o estudioso Paul Maier sobre as trevas em uma nota de rodapé em seu livro Pontius Pilate [Pôncio Pilatos], de 1968:

    Esse fenômeno, evidentemente, foi visível em Roma, Atenas e outras cidades do mediterrâneo. Segundo Tertuliano [...] foi um evento "cósmico" ou "mundial". Phlegon, um autor grego da Caria, escreveu uma cronologia pouco depois de 137 d.C. em que narra como no quarto ano das Olimpíadas de 202 (ou seja, 33 d.C), houve um grande "eclipse solar", e que "anoiteceu na sexta hora do dia [isto é, ao meio-dia], de tal forma que até as estrelas apareceram no céu. Houve um grande terremoto na Bitínia, e muitas coisas saíram fora de lugar em Nicéia".

    A menção de Yamauchi a Pilatos me fez lembrar como alguns críticos puseram em dúvida a precisão dos evangelhos pelo modo como retratam esse líder romano. Enquanto no Novo Testamento ele é uma figura vacilante e disposta a se render às pressões da turba judia que pedia a crucificação de Jesus, outros relatos históricos o descrevem como um indivíduo obstinado e inflexível.
    Não haveria aí uma contradição entre a Bíblia e os historiadores seculares? — perguntei-lhe.
    A bem da verdade, não — disse Yamauchi. — O estudo de Maier sobre Pilatos mostra que seu protetor ou patrono era Sejanus e que Sejanus foi destituído do poder em 31 d.C, porque conspirava contra o imperador.

    Fiquei atônito.
    Mas que relação tem uma coisa com a outra? — perguntei-lhe.
    Bem, com a destituição de Sejanus, a posição de Pilatos em 33 d.C, provável data da crucificação de Jesus, era de muita fragilidade — explicou Yamauchi. — Portanto, seria perfeitamente compreensível que Pilatos se mostrasse relutante em ofender os judeus naquele momento, entrando, em decorrência disso, em maiores conflitos com o imperador.
    Isso significa que o relato bíblico conta com uma alta probabilidade de acerto a seu favor.

    Depois de discutir basicamente a corroboração dos fatos sobre Jesus do ponto de vista dos romanos, procurei saber se outros relatos judaicos, com exceção dos de Josefo, apresentavam também alguma outra confirmação. Perguntei a Yamauchi se havia referências a Jesus no Talmude, importante obra do judaísmo concluída em torno de 500 d.C. e que incorpora a Mishná, compilada por volta de 200 d.C
    De modo geral, os judeus não costumam entrar em detalhes sobre hereges — disse ele. — Poucas passagens do Talmude falam de Jesus. Ele é considerado um falso messias que praticava artes mágicas e foi justamente condenado à morte. Repetem também os rumores de que Jesus era filho de um soldado romano e de Maria, insinuando com isso que havia algo de incomum em seu nascimento.

    Então — eu disse — mesmo do ponto de vista negativo essas referências judaicas confirmam algumas coisas sobre Jesus.
    Isso mesmo — disse Yamauchi. — O professor Wilcox faz a seguinte observação em um artigo publicado em uma obra de referência acadêmica:

    A literatura judaica tradicional, embora mencione Jesus só muito raramente (e, seja como for, tem de ser usada com muita cautela), respalda a alegação do evangelho de que ele curava e fazia milagres, embora atribua tais atividades à magia. Além disso, ela preserva a lembrança de Jesus como professor, diz que ele tinha discípulos (cinco) e que, ao menos no período rabínico primitivo, nem todos os sábios haviam concluído se ele era "herege" ou "enganador".

    Embora estivéssemos encontrando muitas referências a Jesus fora dos evangelhos, intrigava-me o fato de não acharmos muitas outras mais. Eu sabia que poucos documentos do século i haviam sido preservados, mesmo assim perguntei a Yamauchi:
    De modo geral, não devíamos encontrar mais referências sobre Jesus em escritos antigos fora da Bíblia?
    Quando as pessoas começam um movimento religioso, só depois de muitas gerações é que os registros escritos de suas atividades começam a aparecer — disse Yamauchi. — O fato é que temos uma documentação histórica de melhor qualidade sobre Jesus do que sobre o fundador de qualquer outra religião.

    É mesmo? — eu disse. — O senhor poderia dar mais detalhes?
    Por exemplo, embora as Gathas de Zoroastro, que datam de 1000 a.C, sejam consideradas autênticas, a maior parte das escrituras do zoroastrismo só foram postas por escrito no século III d.C. A biografia pársi mais popular de Zoroastro foi escrita em 1278 d.C. Os escritos de Buda, que viveu no século VI a.C, só foram registrados depois da era cristã. A primeira biografia de Buda foi escrita no século I d.C. Embora as palavras de Maomé (570-632) estejam registradas no Alcorão, sua biografia só foi escrita em 767, mais de um século depois de sua morte. Portanto, o caso de Jesus não tem paralelo, e é impressionante o quanto podemos aprender sobre ele fora do Novo Testamento.

    Resolvi me dedicar ao tema para resumir o que havíamos aprendido sobre Jesus até o momento com base em fontes extrabíblicas.
    Suponhamos que não tivéssemos nenhum dos escritos do Novo Testamento e nenhum outro livro cristão — eu disse. — Na ausência deles, a que conclusão poderíamos chegar sobre Jesus com base em fontes não-cristãs da Antigüidade, como, por exemplo, Josefo, o Talmude, Tácito, Plínio, o Jovem, e outros?
    Yamauchi sorriu.
    Ainda assim teríamos um volume considerável de provas históricas; na verdade, esses documentos nos dariam um tipo de esboço da vida de Jesus.
    Depois prosseguiu, levantando um dedo para dar ênfase a cada observação que fazia.
    Saberíamos, em primeiro lugar, que Jesus era um professor judeu; segundo, muitas pessoas acreditavam que ele curava e fazia exorcismos; terceiro, alguns acreditavam que ele era o Messias; quarto, ele foi rejeitado pelos líderes judeus; quinto, foi crucificado por ordem de Pôncio Pilatos durante o remado de Tibério; sexto, apesar de sua morte infame, seus seguidores, que ainda acreditavam que ele estivesse vivo, deixaram a Palestina e se espalharam, assim é que havia muitos deles em Roma por volta de 64 d.C; sétimo, todo tipo de gente, da cidade e do campo, homens e mulheres, escravos e livres, o adoravam como Deus. Sem dúvida a quantidade de provas corroborativas extrabíblicas é muito grande. Com elas, podemos não somente reconstruir a vida de Jesus sem termos de recorrer à Bíblia como também ter acesso a informações sobre Cristo por meio de um material mais antigo do que os próprios evangelhos.

    O apóstolo Paulo não conheceu a Cristo em vida, mas afirma ter encontrado o Cristo ressurreto e, posteriormente, ter conversado com algumas das testemunhas oculares para se certificar de que estava pregando a mesma mensagem que eles. Uma vez que o apóstolo começou a escrever suas cartas antes que os evangelhos fossem escritos, encontramos nelas relatos extremamente antigos sobre Jesus — tão antigos que ninguém pode alegar que tenham sido seriamente distorcidos por acréscimos lendários.
    — Luke Timothy Johnson, um estudioso da Universidade Emory, declara que as cartas de Paulo são "uma garantia externa preciosa" da "antigüidade e ubiqüidade" das tradições relativas a Jesus" — eu disse a Yamauchi. — O senhor concorda com ele?
    Não há dúvida de que os escritos de Paulo são os mais antigos do Novo Testamento — afirmou — e eles, de fato, fazem referências muito significativas à vida de Jesus.

    O senhor poderia detalhá-las? — perguntei-lhe.
    Bem, ele se refere ao fato de Jesus ser descendente de Davi, que ele era o Messias, que foi traído, tentado, crucificado por nossos pecados e sepultado; que ressuscitou ao terceiro dia e que muitas pessoas o viram, inclusive Tiago, o irmão de Jesus que não crera nele antes da crucificação. É interessante também o fato de que Paulo não menciona algumas coisas muito importantes que aparecem nos evangelhos, por exemplo, as parábolas e os milagres de Jesus, concentrando-se na morte expiatória e na ressurreição de Cristo. Paulo achava que esses eram os fatos mais relevantes sobre Jesus, e, de fato, eles transformaram Paulo de perseguidor de cristãos no mais famoso missionário cristão, disposto a enfrentar todo tipo de aflição e privação por causa da fé. Paulo também confirma alguns aspectos importantes do caráter de Jesus: sua humildade, sua obediência, seu amor pelos pecadores, e assim por diante. Ele convoca os cristãos a ter a mente de Cristo, no segundo capítulo da carta aos Filipenses.

    Essa é a famosa passagem em que Paulo provavelmente cita um antigo hino cristão que falava sobre o esvaziamento de Cristo, o qual, embora igual a Deus, tomou a forma de um homem, de um escravo, e sofreu o maior dos castigos: a crucificação. Portanto, as cartas de Paulo são um testemunho importante da divindade de Cristo. Ele se refere a Jesus como "o Filho de Deus" e "a imagem de Deus".

    O fato de Paulo —interrompi —, oriundo de uma cultura judaica monoteísta, adorar a Jesus como Deus é muito significativo, certo?
    Sim — disse ele —, e põe por terra uma teoria popular de que a divindade de Cristo teria sido incorporada posteriormente ao cristianismo por influência de crenças pagas. Não foi nada disso. Até mesmo Paulo, já naqueles primeiros tempos, adorava a Jesus como Deus. A confirmação de Paulo, é preciso que se diga, é de extrema importância. Temos ainda outras cartas de testemunhas oculares, Tiago e Pedro. Tiago, por exemplo, recorda-se de trechos do Sermão do Monte.

    Temos também vários volumes de escritos dos "pais apostólicos", autores dos primeiros livros cristãos posteriores ao Novo Testamento. São deles a epístola de Clemente de Roma, as epístolas de Inácio, de Policarpo, de Barnabé, e outros. Em muitas passagens, esses documentos confirmam os fatos básicos acerca de Cristo, principalmente seus ensinamentos, a crucificação, a ressurreição e a natureza divina de Cristo.
    Qual desses escritos o senhor considera mais importante? Yamauchi pensou um pouco antes de responder. Embora não dissesse o nome do documento que considerava o mais importante, citou as sete cartas de Inácio como parte dos escritos mais importantes dos pais apostólicos. Inácio, bispo de Antioquia da Síria, foi martirizado durante o reinado de Trajano, antes de 117 d.C.
    O que torna Inácio importante — disse Yamauchi — é que ele enfatizou tanto a divindade de Jesus quanto sua humanidade, em oposição à heresia docética, que negava a realidade humana de Jesus. Ressaltou também os fundamentos históricos do cristianismo. Em uma de suas cartas, quando estava a caminho da execução, escreveu que Jesus foi de fato perseguido por Pilatos, foi verdadeiramente crucificado e verdadeiramente ressuscitado dos mortos e que os que acreditassem nele também seriam ressuscitados.
    Se juntarmos todos esses eventos — Josefo, os historiadores e as autoridades romanas, os escritos judaicos, as cartas de Paulo e dos pais apostólicos — teremos provas convincentes que corroboram em essência o que encontramos nas biografias de Jesus. Mesmo que jogássemos fora o último exemplar disponível dos evangelhos, ainda teríamos uma descrição de Jesus extremamente persuasiva — na verdade, teríamos um retrato do Filho unigênito de Deus.

    Sei que há muitas outras coisas sobre as quais poderíamos conversar, uma vez que já se escreveram livros inteiros sobre esse assunto — eu disse. — Antes, porém, de concluir-mos, gostaria de lhe fazer a última pergunta. E uma pergunta pessoal, se o senhor me permite.
    O professor se levantou.
    Muito bem — disse ele —, vá em frente.
    Olhei em torno de seu escritório modesto, repleto até o alto das paredes de livros e manuscritos, arquivos e periódicos, disquetes de computador e papéis, todos eles produto de uma vida inteira dedicada à pesquisa acadêmica sobre um mundo tão distante no tempo.
    O senhor passou 40 anos estudando história antiga e arqueologia — eu disse. — Quais foram as conseqüências disso para sua vida espiritual? Seus estudos fortaleceram ou fragilizaram sua fé em Jesus Cristo?
    Yamauchi olhou momentaneamente para o chão, depois levantou a cabeça e me olhou diretamente nos olhos. Disse-me, então, com uma voz firme, porém sincera:
    Não há dúvida, meus estudos fortaleceram tremendamente minha vida espiritual e a enriqueceram. Graças a eles, entendo melhor a cultura e o contexto histórico dos acontecimentos. Isso não significa que eu não saiba que há algumas questões que ainda não foram totalmente respondidas; mas nunca saberemos de tudo nesta vida. Essas pendências nem sequer chegam a ameaçar minha fé na genuinidade do que há de fundamental nos evangelhos e no restante do Novo Testamento. Creio que as outras explicações, que procuram dar conta da disseminação do cristianismo por razões sociológicas ou psicológicas, são muito frágeis. — Ele sacudiu a cabeça. — Realmente muito frágeis.

    Em seguida, acrescentou:
    Para mim, a prova histórica reforçou meu compromisso com Jesus Cristo como Filho de Deus, que nos ama e que morreu por nós, ressuscitando depois dentre os mortos. É muito simples.

    Ao sair do prédio de Yamauchi, mergulhei em um mar de alunos da faculdade que corriam de uma aula para a outra. Pensei em como havia sido satisfatória minha ida à pequena Oxford, em Ohio. Vim em busca de confirmação sobre Jesus e partia com uma rica bagagem de material que confirmava cada aspecto principal da vida de Cristo: seus milagres, sua divindade e sua vitória sobre a morte.
    Sabia que nossa breve conversa tinha apenas arranhado a superfície do assunto. Eu levava debaixo do braço The verdict of history [O veredicto da história], que relera enquanto preparava a entrevista. Nesse livro, o historiador Gary Habermas lista um total de 39 fontes antigas que documentam a vida de Jesus. Dentre elas, Habermas enumera mais de cem com fatos relativos à vida de Jesus, seus ensinamentos, a crucificação e a ressurreição.
    Além disso, 24 das fontes citadas por Habermas, inclusive sete fontes seculares e diversos dos credos mais antigos da igreja, tratam especificamente da natureza divina de Jesus. "Esses credos mostram que a igreja não esperou de forma alguma a passagem de algumas décadas para só então falar da divindade de Jesus, como se costuma dizer com tanta freqüência na teologia contemporânea, uma vez que essa doutrina já se encontrava definitivamente presente na igreja primitiva", escreve Habermas. Sua conclusão: 'A melhor explicação para a existência desses credos é que eles representam, com muita propriedade, os ensinamentos de Jesus".
    Essa é uma corroboração surpreendente da afirmação mais importante feita pelo indivíduo mais influente que já viveu.
    Fechei minha valise enquanto me dirigia para o carro. Olhei para trás mais uma vez e vi o sol de outubro iluminando a inscrição gravada na pedra que eu observara pela primeira vez em que entrei no campus dessa universidade totalmente secular: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".
  • ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL COM O ARQUEÓLOGO JOHN MCRAY

    Quando estudiosos e estudantes se debruçam sobre a arqueologia, muitos se voltam para o livro de McRay, uma obra didática completa de 432 páginas intitulada Archaeology and the New Testament [Arqueologia e o Novo Testamento]. Para certificar-se da precisão de seu programa Mysteries of the Bible [Mistérios da Bíblia], a Arts and Entertainment Television Network chamou McRay. E quando a National Geographic precisou de um cientista que pudesse explicar as complexidades do mundo bíblico, uma vez mais o telefone tocou no escritório de McRay, na respeitada Wheaton College, em um subúrbio de Chicago.
    Tendo estudado na Universidade Hebraica, na École Biblique et Archéologique Française, em Jerusalém, na Vanderbilt University Divinity School e na Universidade de Chicago (onde fez seu doutorado em 1967), McRay é professor de Novo Testamento e de arqueologia em Wheaton há mais de 15 anos. Seus artigos já foram publicados em 17 enciclopédias e dicionários; sua pesquisa já apareceu no Bulletin of the Near East Archaeology Society e em outros periódicos acadêmicos, tendo apresentado 29 monografias especializadas em sociedades profissionais.
    McRay é também ex-pesquisador adjunto e curador do Instituto de Pesquisas Arqueológicas F. Albright, de Jerusalém; ex-curador da American Schools of Oriental Research; atual curador da Near East Archaeological Society; e membro da diretoria editorial da Archaeology in the Biblical World e do Bulletin for Biblical Research, publicado pelo Institute for Biblical Research.
    Da mesma forma como sente prazer em lecionar sobre o mundo antigo, McRay se entusiasma com as oportunidades de explorar pessoalmente as escavações arqueológicas. Ele supervisionou o trabalho das equipes de escavações em Cesaréia, Séforis e Heródio, todas em Israel, durante oito anos. Estudou pessoalmente sítios arqueológicos romanos na Inglaterra e no País de Gales, analisou escavações na Grécia e reconstituiu grande parte das viagens do apóstolo Paulo.

    Queria saber se ele exageraria a influência da arqueologia, por isso decidi começar a entrevista perguntando-lhe o que tinha a dizer em relação à confiabilidade do Novo Testamento. Afinal de contas, conforme ele ressaltava em seu livro, mesmo que a arqueologia conseguisse provar que as cidades de Medina e Meca existiram na Arábia ocidental durante os séculos VI e VII, isso não provaria que Maomé viveu ali ou que o Alcorão seja verdadeiro.
    A arqueologia trouxe algumas contribuições importantes — disse ele inicialmente, com um sotaque meio arrastado que adquiriu no Sul de Oklahoma — mas com certeza não é capaz de provar que o Novo Testamento é a Palavra de Deus. Se em nossas escavações em Israel encontrarmos sítios antigos cuja localização comprove o registro bíblico, isso significa que a informação histórica e geográfica contida na Bíblia está correta. Todavia, não prova que as palavras de Jesus Cristo sejam verdadeiras. As verdades espirituais não podem ser provadas ou rejeitadas pelas descobertas arqueológicas.
    Como exemplo, McRay contou-me a história de Heinrich Schliemann, cuja procura pela cidade de Tróia tinha como objetivo comprovar a precisão histórica da Ilíada de Homero.
    — Ele encontrou Tróia — McRay disse com um leve sorriso —, mas isso não era prova de que a Ilíada fosse verdadeira. Mostrava apenas a precisão de uma referência geográfica específica.

    Para saber se determinada testemunha estava dizendo a verdade, o jornalista ou o advogado tem de testar todos os dados do depoimento. Se a investigação mostrar que a pessoa forneceu dados imprecisos, a veracidade da sua história fica totalmente obscurecida. No entanto, se detalhes mínimos ficarem comprovados, temos a indicação — não conclusiva; só um indício — de que talvez a testemunha, em linhas gerais, prestou um depoimento confiável.
    Em certo sentido, esse é o papel da arqueologia. Se os detalhes eventuais de um historiador antigo se mostram sempre corretos, isso faz com que tenhamos maior confiança em outros escritos desse mesmo historiador, embora não possam ser prontamente averiguados. Essa é a premissa.
    Perguntei então a McRay o que pensava a respeito disso como arqueólogo profissional.
    — A arqueologia confirma ou contraria o Novo Testamento quando confrontada com os detalhes de seus relatos?
    McRay respondeu prontamente.
    Não há dúvida de que a credibilidade do Novo Testamento sai fortalecida — disse ele —, assim como a credibilidade de qualquer documento antigo sai fortalecida sempre que as escavações mostram a exatidão com que o autor descreveu determinado lugar ou evento.

    Como exemplo, McRay citou suas escavações em Cesaréia, na costa de Israel, onde ele e outros trabalharam no porto de Herodes, o Grande.

    Durante muito tempo, as pessoas questionaram a validade de uma afirmação de Josefo, o historiador do século i, de que esse porto era tão grande quanto o de Pireu, um dos principais portos de Atenas. As pessoas achavam que Josefo havia se enganado, porque, quando vemos as pedras acima da superfície da água no porto atual, ele não nos parece tão grande assim. Quando, porém, começamos as escavações submarinas, descobrimos que havia uma parte muito extensa do porto desmoronada debaixo da água e que suas dimensões totais eram de fato comparáveis ao do porto de Pireu. Portanto, Josefo tinha razão. Era mais uma prova de que Josefo sabia do que falava.

    E quanto aos autores do Novo Testamento? Será que sabiam de fato sobre o que falavam? Queria pôr essa questão à prova com minhas próximas perguntas.
    O médico e historiador Lucas é o autor do evangelho que leva seu nome e também do livro de Atos, que juntos formam um quarto do Novo Testamento. Conseqüentemente, é de extrema importância saber se Lucas era um historiador confiável.
    Quando os arqueólogos examinaram detalhadamente o que ele escreveu — eu disse — constataram que ele era cuidadoso ou pouco preciso?
    O consenso geral, tanto entre os estudiosos liberais quanto entre os conservadores, é de que o historiador Lucas é muito preciso — respondeu McRay. — Ele é erudito, eloqüente, seu grego é próximo do clássico, escreve como um homem estudado. As descobertas arqueológicas demonstraram reiteradas vezes que Lucas apresenta com exatidão o que tem a dizer.

    Na verdade, acrescentou McRay, são diversos os casos, a exemplo da história do porto, em que os estudiosos inicialmente pensaram que Lucas tivesse se enganado em determinada referência. Descobertas posteriores, entretanto, confirmaram a correção do seu texto.

    Em Lucas 3.1, por exemplo, o evangelista refere-se a Lisânias como tetrarca de Abilene por volta de 27 d.C. Durante anos, os especialistas citavam essa passagem como prova de que Lucas não sabia do que estava falando, uma vez que todo mundo sabia que Lisânias não fora tetrarca, e sim governador de Caleis cerca de meio século antes. Se Lucas não era capaz de acertar em um detalhe tão elementar quanto este, diziam, não se pode confiar em mais nada do que escreveu.

    É aí que entra a arqueologia.
    Mais tarde, descobriu-se uma inscrição da época de Tibério, de 14 a 37 d.C, em que Lisânias aparece como tetrarca de Abila, perto de Damasco, exatamente como Lucas informara — explicou McRay. —Acontece que havia dois governadores chamados Lisânias! Mais uma vez Lucas provou ter razão.

    Outro exemplo é a referência que Lucas faz, em Atos 17.6, a "politarcas", que a NVI traduz como "oficiais" da cidade de Tessalônica.

    Durante muito tempo, as pessoas achavam que Lucas havia se enganado, porque não havia provas de que o termo "politarcas" fora encontrado em algum documento romano da Antigüidade — disse McRay. Todavia, foi descoberta anos mais tarde uma inscrição em uma urna do século i que começava assim: "No tempo dos politarcas...". Se você for ao Museu Britânico poderá vê-la com os próprios olhos. Desde então, os arqueólogos já descobriram mais de 35 inscrições que falam dos politarcas, várias delas em Tessalônica e da mesma época a que Lucas se referia. Mais uma vez, os críticos estavam errados e Lucas tinha razão.

    Entretanto, uma objeção logo me veio à mente.
    Sim, mas, em seu evangelho, Lucas diz que Jesus estava entrando em Jerico quando curou o cego Bartimeu, ao passo que Marcos diz que ele estava saindo. Essa contradição não seria suficiente para lançar dúvidas sobre a confiabilidade do Novo Testamento?
    McRay não se mostrou incomodado com a objetividade da pergunta.
    De forma alguma — foi a resposta. — Isso só parece contraditório quando raciocinamos em termos contemporâneos, em que as cidades são construídas em um determinado lugar e ali permanecem. Não era esse necessariamente o caso no passado. Naquela época, Jerico consistia em pelo menos quatro agrupamentos distintos separados por cerca de 400 metros um do outro.

    A cidade foi destruída e reerguida perto de uma outra fonte de água, ou de uma estrada nova, ou próximo de uma montanha, ou em um outro lugar qualquer. A questão é que se podia sair de um local onde Jerico fora construída e entrar em outro, como se saíssemos de um bairro de Chicago e fôssemos para outro.

    Então, o que o senhor está dizendo é que tanto Lucas quanto Marcos podiam estar com a razão?
    Exato. Jesus podia estar saindo de uma área de Jerico e entrando em outra ao mesmo tempo.

    Uma vez mais, a arqueologia havia respondido a outra objeção a Lucas. Considerando-se o trecho extenso do Novo Testamento escrito por ele, é extremamente significativo que ele seja reconhecido por historiador escrupuloso e preciso, mesmo nos menores detalhes. Um arqueólogo de renome analisou as referências que Lucas faz a 32 países, 54 cidades e 9 ilhas, e não achou um erro sequer.

    A conclusão, portanto, é a seguinte: "Se Lucas esmerou-se tanto para que seu relato histórico fosse preciso", dizia um livro sobre o assunto, "qual seria a base lógica para supormos que ele fosse ingênuo ou impreciso quando falava de coisas muito mais importantes, não somente para ele, mas também para os outros?".

    Coisas, por exemplo, como a ressurreição de Jesus, a prova mais importante de sua divindade, que, segundo Lucas, fora firmemente estabelecida com "muitas provas indiscutíveis" (At 1.3).

    Não sei o que os cientistas diriam sobre João, cujo evangelho foi por vezes considerado suspeito pelos lugares que menciona e que não puderam ser identificados.
    Para alguns estudiosos, se o evangelista não foi capaz de relatar com exatidão detalhes tão básicos, talvez também não tenha estado presente aos acontecimentos mais íntimos da vida de Jesus.
    Essa conclusão, entretanto, passou por uma grande reviravolta em anos recentes.
    Várias descobertas mostraram que João é bastante preciso em seu relato — ressaltou McRay. — Por exemplo, João 5.1-15 narra a cura de um inválido por Jesus no tanque de Betesda. João diz que o tanque tinha cinco pórticos. Durante muito tempo, as pessoas usaram essa passagem como prova da falta de precisão do evangelista, já que tal lugar nunca fora encontrado. Há pouco tempo, foram feitas escavações no tanque de Betesda — que está cerca de 12 metros abaixo da terra — e foram de fato encontrados cinco pórticos, ou seja, cinco pavilhões ou passagens com colunas, exatamente como descrito por João. E há outras descobertas: o tanque de Betesda de Siloé, citado em João 9.7, o poço de Jacó, de João 4.12, a provável localização do pavimento de pedra perto do portão de Jafa, onde Jesus esteve diante de Pilatos, conforme João 19.13, e a própria identidade de Pilatos, tudo isso deu ao evangelho de João credibilidade histórica.

    Isso coloca em xeque, portanto, a alegação de que o evangelho de João foi escrito muito tempo depois de Jesus e, por isso, seria inexato — concluí.
    Definitivamente — assegurou o arqueólogo.

    Na verdade, McRay reiterava o que o dr. Bruce Metzger me havia dito sobre a descoberta arqueológica de um fragmento de um exemplar do capítulo 18 de João cuja data foi fixada pelos especialistas em papiros em 125 d.C. Ao demonstrar a existência de exemplares de João nessa época tão remota e num local tão distante quanto o Egito, a arqueologia punha definitivamente por terra a especulação de que João fora composto já num período bem adiantado do século 11, muito tempo depois de Jesus para que fosse confiável.

    Outros estudiosos atacaram o evangelho de Marcos, geralmente considerado o primeiro relato escrito sobre a vida de Jesus. O ateu Michael Martin acusa Marcos de não conhecer a geografia da Palestina, o que, segundo ele, é prova de que o evangelista não poderia ter vivido na região na mesma época de Jesus. Ele cita especificamente Marcos 7.31: "A seguir, Jesus saiu dos arredores de Tiro e atravessou Sidom, até o mar da Galiléia e a região de Decápolis".
    — Como já foi salientado — disse Martin —, esse trajeto faria com que Jesus caminhasse no sentido contrário ao do mar da Galiléia.
    Depois que expus a crítica de Martin a McRay, ele franziu o cenho e, mais do que depressa, pegou uma versão grega do evangelho de Marcos e livros de referência na estante, abrindo um mapa da Palestina antiga sobre a escrivaninha.

    Ao que parece, esses críticos supõem que Jesus entrou em um carro e saiu a toda velocidade por uma rodovia interestadual, mas não foi obviamente o que ele fez — disse ele.

    Lendo o texto original e levando em consideração o terreno montanhoso e as prováveis estradas da região, além do modo impreciso com que se usava o termo Decápolis para descrever uma confederação de dez cidades que sempre mudavam com o tempo, McRay traçou uma rota lógica no mapa que correspondia exatamente à descrição de Marcos.

    Quando pomos as coisas em seu contexto apropriado — concluiu ele —, não há por que contestar o relato de Marcos.

    Novamente, graças à percepção da arqueologia, foi possível explicar o que parecia ser, no início, uma objeção ao Novo Testamento.

    Quis saber de McRay um pouco mais a esse respeito: alguma vez ele deparara com uma descoberta arqueológica que contradizia uma referência neotestamentária?
    Ele fez que não com a cabeça.
    A arqueologia nunca trouxe nada à tona que pudesse contradizer inequivocamente a Bíblia — garantiu, confiante.

    Pelo contrário, como vimos, muitas das opiniões de estudiosos céticos que durante anos foram tidas por "fatos" foram desacreditadas pela arqueologia.

    Apesar disso, eu tinha ainda algumas dúvidas que precisava esclarecer. Consultei minhas anotações e me preparei para desafiar McRay com três enigmas muito antigos que eu achava que a arqueologia teria muita dificuldade em explicar.

    Segundo as narrativas do nascimento de Jesus, Maria e José tiveram de voltar à cidade natal de José, Belém, por exigência do censo.
    Vou diretamente ao ponto: isso me parece um absurdo
    — eu disse. — Como é que o governo poderia obrigar todos os cidadãos a voltar à sua terra de origem? Existe alguma prova arqueológica de que esse censo ocorreu de fato?
    McRay pegou calmamente um exemplar de seu livro.
    Na verdade, a descoberta de antigos formulários de re-censeamento lançou muita luz sobre essa prática — explicou ele à medida que folheava o livro. Ao encontrar a referência que procurava, citou uma ordem oficial do governo de 104 d.C:

    Gaio Víbio Máximo, prefeito do Egito (declara): Tendo chegado o momento de realizar o censo de casa em casa, é necessário que se requeira a todos os que, por algum motivo, residam fora de suas províncias, que retornem às suas casas, para que cumpram o que requer integralmente a ordem do censo, e possam também atender diligentemente ao cultivo da parte que lhes cabe.

    Como se vê — disse, fechando o livro —, este documento confirma a prática, muito embora essa maneira específica de recenseamento possa lhe parecer estranha. Um outro papiro, de 48 d.C, dá a entender que o censo era algo que envolvia a família toda.

    Isso, entretanto, não resolvia completamente a questão. Segundo Lucas, o censo que levara José e Maria a Belém fora ordenado quando Quirino governava a Síria, durante o reinado de Herodes, o Grande.
    Existe uma questão muito séria aí — ressaltei — porque Herodes morreu em 4 a.C, e Quirino só começou a governar a Síria em 6 d.C, realizando pouco depois disso o censo. Temos uma grande lacuna aqui. De que modo o senhor lida com uma discrepância de datas tão gritante?
    McRay sabia que eu estava lhe propondo uma questão com a qual os arqueólogos vinham se debatendo havia séculos.
    Um eminente arqueólogo — respondeu ele —, Jerry Vardaman, trabalhou muito nisso. Ele descobriu uma moeda com o nome de Quirino em letras bem pequenas, que chamamos de letras "micrográficas". Isso faz dele procônsul da Síria e da Cilícia de 11 a.C. até depois da morte de Herodes.

    O que isso significa? — perguntei.
    Significa que, aparentemente, havia dois Quirinos — respondeu ele. — Não é difícil encontrar várias pessoas com o mesmo nome romano, portanto, não há por que duvidar da existência de duas pessoas chamadas Quirino. O censo teria ocorrido durante o reinado do primeiro Quirino. Considerando que o censo era feito a cada 14 anos, a explicação é bastante satisfatória.

    Depois de pesquisar um pouco mais, descobri que sir William Ramsay, o falecido professor e arqueólogo das Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra, havia proposto uma teoria semelhante. Ele concluiu, com base em várias inscrições, que, embora houvesse apenas um Quirino, ele havia governado a Síria em duas ocasiões distintas, o que abrangeria o período do censo anterior.
    Outros estudiosos salientaram que o texto de Lucas pode ser também traduzido da seguinte maneira: "Este censo aconteceu antes de Quirino se tornar governador da Síria", o que também resolveria o problema.

    A questão não ficou esclarecida do jeito que eu queria. Todavia, eu tinha de admitir que McRay e os outros tinham apresentado algumas explicações plausíveis. Só pude concluir com certeza que os censos haviam sido feitos no período que compreende o nascimento de Jesus e que havia indicações de que as pessoas tiveram de fato de voltar à sua terra natal — o que eu achava muito esquisito!

    Muitos cristãos não sabem que há muito tempo os céticos dizem que Nazaré jamais existiu durante a época em que o Novo Testamento diz que Jesus passou a infância ali.
    Em um artigo intitulado "Onde Jesus nunca esteve", o ateu Frank Zindler observa que Nazaré não é mencionada no Antigo Testamento, nem pelo apóstolo Paulo, nem pelo Talmude (embora outras 63 cidades sejam mencionadas), nem por Josefo (que cita 45 cidades e aldeias da Galiléia, inclusive Jafa, que ficava apenas a pouco mais de um quilômetro da Nazaré atual). Nenhum historiador ou geógrafo da Antigüidade menciona Nazaré antes do início do século IV. O nome aparece pela primeira vez na literatura judaica em um poema escrito por volta do século VII d.C.
    A falta de provas dá margem a um quadro muito suspeito. Por isso, apresentei sem rodeios o problema a McRay:
    — Existe alguma confirmação arqueológica de que Nazaré tenha existido durante o século I?
    Essa questão não era novidade para McRay.

    dr. James Strange, da Universidade do Sul da Flórida, é especialista nessa área. Ele descreve Nazaré como um lugar muito pequeno, de cerca de 60 acres, com uma população de, no máximo, 480 pessoas no início do século I — disse McRay.

    Essa, entretanto, era a conclusão; eu queria a prova.
    Como ele sabe disso? — perguntei.

    Bem, Strange observa que, no ano 70 d.C, data da queda de Jerusalém, não havia mais necessidade de sacerdotes no templo porque ele havia sido destruído; por isso, eles foram enviados para diversos lugares, inclusive para a Galiléia. Os arqueólogos encontraram uma lista em aramaico onde aparecem 24 "séries", ou famílias de sacerdotes remanejados, sendo que um deles consta como enviado a Nazaré. Isso mostra que aquela pequena aldeia já existia naquela época.

    Além disso, McRay disse que algumas escavações arqueológicas trouxeram à luz sepulturas do século I nas vizinhanças de Nazaré, o que definiria os limites da aldeia, uma vez que, de acordo com as leis judaicas, os sepultamentos tinham de se dar fora do perímetro das cidades. As tumbas continham objetos tais como lâmpadas de cerâmica, vasos de vidro e jarras que seriam dos séculos I, III ou IV.
    McRay pegou o exemplar de um livro do renomado arqueólogo Jack Finegan, publicado pela Princeton University Press. Folheou-o, depois leu a análise de Finegan: "Conclui-se, pelas sepulturas [...] que Nazaré era um povoado claramente estabelecido no período romano". McRay olhou para mim.

    Há muita discussão acerca da localização de alguns lugares do século I, tal como o local exato da sepultura de Jesus, mas os arqueólogos jamais duvidaram da localização de Nazaré. O ônus da prova cabe aos que duvidam de sua existência.

    Fazia sentido. Até Ian Wilson, normalmente muito cético, reconheceu, ao citar vestígios pré-cristãos encontrados em 1955 sob a Igreja da Anunciação, na Nazaré atual, que "tais descobertas eram sinal de que Nazaré deveria existir na época de Jesus, mas sem dúvida devia tratar-se de um lugar muito pequeno e insignificante".

    Tão insignificante que o comentário de Natanael em João 1.46 faz mais sentido agora: "Nazaré? Pode vir alguma coisa boa de lá?".

    O evangelho de Mateus descreve uma cena pavorosa: Herodes, o Grande, rei da Judéia, sentindo-se ameaçado pelo nascimento de um bebê que ele temia, porque poderia acabar tirando-lhe o trono, enviou suas tropas e ordenou que matassem todas as crianças de Belém com menos de dois anos. Advertido, porém, em sonhos por um anjo, José foge do Egito com Maria e Jesus. Só depois da morte de Herodes é que eles voltam a morar em Nazaré. Esse episódio seria o cumprimento de três profecias antigas sobre o Messias. (V. Mt 2.13-23.)

    O problema é que não há nenhuma confirmação fora da Bíblia de que esse massacre tenha de fato ocorrido. Não existe nada nos escritos de Josefo ou de outros historiadores a esse respeito. Não há respaldo arqueológico, nem registros ou documentos.

    Certamente um evento desse porte teria sido notado por outra pessoa além de Mateus — insisti. — Na ausência absoluta de qualquer corroboração histórica ou arqueológica, não seria lógico deduzir que esse massacre jamais aconteceu?

    Entendo por que você diz isso — respondeu McRay —, uma vez que um episódio dessa magnitude apareceria com destaque na CNN e nos outros canais de mídia noticiosa.

    Concordei. Na verdade, entre 1997 e 1998, houvera um fluxo constante de novos relatos sobre ataques-surpresa de extremistas muçulmanos na Argélia durante os quais foram assassinadas praticamente aldeias inteiras, inclusive mulheres e crianças. O mundo inteiro ficou sabendo.
    Mas — acrescentou McRay — é preciso que você volte no tempo até o século I e tenha algumas coisas em mente. Em primeiro lugar, Belém não deveria ser muito maior que Nazaré; portanto, quantos bebês com menos de dois anos existiriam em uma aldeia com uma população de cerca de 500 ou 600 pessoas? Milhares? Centenas? Provavelmente muito poucos. Em segundo lugar, Herodes, o Grande, era um rei sanguinário: ele matou gente da própria família; executou inúmeras pessoas que julgava capazes de desafiá-lo. Portanto, o fato de ter matado algumas crianças em Belém não despertaria maior atenção no mundo romano. Em terceiro lugar, não havia televisão, rádio nem jornais. Demoraria muito tempo até que a notícia se espalhasse, principalmente partindo de uma pequena aldeia perdida além das montanhas. Os historiadores tinham coisas mais importantes com que se preocupar.

    Não lhe parece uma história incrível? — perguntei meio incrédulo.
    Não acho que seja, pelo menos não naquela época — disse ele. — Um louco mandando matar todos os que considerava uma ameaça em potencial para ele: isso não era novidade para Herodes. Mais tarde, é claro, à medida que o cristianismo foi se desenvolvendo, esse incidente ganhou importância, mas eu ficaria surpreso se um episódio desses fizesse muito estardalhaço na época.

    Sem dúvida, a arqueologia fascina. Sepulturas antigas, inscrições crípticas gravadas em pedra ou escritas em papiros, cacos de cerâmica, moedas desgastadas — são pistas tentadoras para qualquer investigador inveterado. Poucos vestígios do passado, porém, geraram mais intriga que os manuscritos do mar Morto, uma coleção de centenas de manuscritos que remontam ao período de 250 a.C. a 68 d.C, encontrados em cavernas cerca de 32 quilômetros a leste de Jerusalém, em 1947. Ao que tudo indica, foram escondidos por uma seita rigorosa de judeus, os essênios, antes que os romanos destruíssem seu povoado.
    Os manuscritos dão margem a algumas alegações muito estranhas, inclusive uma, que se encontra no livro de John Marco Allegro, segundo a qual o cristianismo teria emergido de. uma seita que pregava a fertilidade e cujos adeptos alimentavam-se de um cogumelo alucinógeno! Em uma declaração muito polêmica, porém mais legítima, o especialista em papiros José O'Callaghan afirmou que os fragmentos do mar Morto são parte de um manuscrito mais antigo encontrado no evangelho de Marcos que data de cerca de 20 anos depois da crucificação de Jesus. Todavia, muitos estudiosos continuam a duvidar dessa interpretação.
    Seja como for, nenhuma investigação arqueológica do século I que se preze poderia deixar de lado os manuscritos do mar Morto.
    — Será que eles nos informam objetivamente alguma coisa sobre Jesus? — perguntei a McRay.
    Bem, não, Jesus não é mencionado especificamente em nenhum dos manuscritos — respondeu ele. — Basicamente, esses documentos nos dão alguns esclarecimentos sobre a vida e os costumes dos judeus.

    Em seguida, McRay pegou alguns jornais e mostrou-me um artigo publicado em 1997.

    Muito embora — acrescentou ele — haja um desenvolvimento muito interessante em um manuscrito chamado 4Q521. Ele poderia nos dizer algo sobre quem Jesus afirmava ser.

    Aquilo aguçou minha curiosidade.
    Diga-me do que se trata — eu disse com um tom de urgência na voz.
    McRay desvendou o mistério. O evangelho de Mateus descreve como João Batista, quando estava preso e lutava com dúvidas sobre a identidade de Jesus que teimavam em assaltá-lo, mandou que seus seguidores fizessem a Jesus uma pergunta de monumental importância: "És tu aquele que haveria de vir ou devemos esperar algum outro?" (Mt 11.3). Ele queria saber, sem sombra de dúvida, se Jesus era mesmo o Messias tão aguardado.

    Ao longo dos séculos, os cristãos sempre refletiram muito sobre a resposta enigmática que Jesus deu a essa pergunta. Em vez de dizer objetivamente sim ou não, Jesus disse: "Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres" (Mt 11.4,5).

    A resposta de Jesus era uma alusão a Isaías 61. Mas, por alguma razão, Jesus acrescentou a frase "os mortos são ressuscitados", que claramente não faz parte do texto do Antigo Testamento.

    É aí que entra o 4Q521. Esse manuscrito extrabíblico, pertencente à coleção dos manuscritos do mar Morto, escrito em hebraico, remonta a 30 anos do nascimento de Jesus. Ele contém uma versão de Isaías 61 em que consta a frase "os mortos são ressuscitados".

    Craig Evans, especialista nos manuscritos, ressaltou que essa frase do 4Q521 pertence sem dúvida nenhuma ao contexto messiânico — disse McRay. — Ela se refere às maravilhas que o Messias fará quando vier e quando o céu e a terra lhe obedecerem. Portanto, quando Jesus respondeu a João, ele não estava sendo nem um pouco ambíguo. João teria reconhecido imediatamente suas palavras como uma afirmação objetiva de que ele era o Messias.

    McRay passou-me o artigo em que as palavras de Evans eram citadas: "O 4Q521 deixa claro que a referência de Jesus a Isaías 61 é verdadeiramente messiânica. Basicamente, Jesus está dizendo a João, por meio de seus mensageiros, que coisas messiânicas estão ocorrendo. Isso, portanto, responde à pergunta de João: Sim, ele é o que haveria de vir".

    Recostei-me na cadeira. Para mim, a descoberta de Evans confirmava de modo extraordinário a identidade de Jesus. Fiquei atônito ao ver como a arqueologia moderna era capaz de, finalmente, desvendar o significado de uma declaração em que Jesus afirmava ousadamente, há aproximadamente mil anos, que ele era, de fato, o Ungido de Deus.

    A arqueologia já confirmou repetidas vezes a exatidão do Novo Testamento, corroborando sobremaneira sua confiabilidade. Já o mormonismo não resistiu à investigação arqueológica, que se mostrou devastadora.
    Embora Joseph Smith, o fundador da igreja mórmon, afirmasse que sua obra O livro de Mórmon era "o livro mais preciso de todos sobre a face da terra", a arqueologia sempre derrubou suas reivindicações de veracidade em relação a eventos que teriam ocorrido há muito tempo nas Américas.
    Lembro-me de ter escrito ao Instituto Smithsoniano para saber deles se havia alguma prova que respaldasse as alegações do mormonismo. Disseram-me, em termos inequívocos, que os arqueólogos não viam "nenhuma ligação direta entre a arqueologia do Novo Mundo e o assunto tratado pelo livro em questão".
    Conforme concluíram autores como John Ankerberg e John Weldon em um livro sobre o assunto, "em outras palavras, nenhuma das cidades citadas pelo O livro de Mórmon jamais foi localizada; nenhuma pessoa, nenhum lugar, nenhuma nação ou nome jamais foi localizado; tampouco quaisquer objetos mencionados no livro citado, nenhuma escritura do O livro de Mórmon, nenhuma inscrição... nada jamais foi encontrado que demonstre que O livro de Mórmon não passa de um mito ou de invenção".
    Todavia, a história muda completamente de figura quando se menciona o Novo Testamento. As conclusões de McRay encontram eco em muitos outros cientistas, inclusive no proeminente arqueólogo australiano Clifford Wilson, segundo o qual "os que conhecem os fatos reconhecem agora que o Novo Testamento deve ser acolhido como um livro de referência de extraordinária precisão".
    Craig Blomberg mostrara que os documentos que compõem o Novo Testamento são intrinsecamente confiáveis; Bruce Metzger provara que sua transmissão ao longo da história não os corrompeu; Edwin Yamauchi estabelecera que historiadores da Antigüidade, além de outros, os confirmam amplamente; e agora John McRay havia demonstrado que a arqueologia comprova sua veracidade. Eu tinha de concordar com Wilson, A defesa de Cristo, embora longe de estar completa, estava sendo erguida em alicerce sólido.
  • ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL AO HISTORIADOR GREG BOYD

    A primeira vez que Boyd se defrontou com o Seminário Jesus foi em 1996, quando escreveu uma crítica devastadora a respeito das perspectivas liberais sobre Jesus intitulada Cynic sage or son of God? Recovering the real Jesus in an age of revisionist replies [Um sábio cínico ou filho de Deus? Resgatando o Jesus verdadeiro em uma época de réplicas revisionistas]. O livro, de 416 páginas e com inúmeras notas de rodapé, foi eleito um dos melhores do ano pelos leitores da revista Christianity Today. Seu livro, Jesus under siege [Jesus sob cerco], em brochura, fez muito sucesso e prossegue na mesma linha, porém em um nível mais didático.

    Boyd escreveu também o premiado Letters from a skeptic [Cartas de um cético], em que ele e seu pai, na época ainda não convertido, debatem as questões mais controvertidas do cristianismo (no fim, seu pai torna-se cristão), e God at war: the Bible and spiritual conflict [Deus em guerra: a Bíblia e conflito espiritual]. Além disso, fez parte do grupo de estudiosos que elaborou a Bíblia de estudo Vida, que se propõe responder às indagações sobre a fé cristã.

    Depois de se formar em filosofia pela Universidade de Minnesota, Boyd fez mestrado em teologia, graduando-se com louvor na Yale University Divinity School. Doutorou-se com louvor também pelo Seminário Teológico de Princeton.

    Ele não é, contudo, aquele estereótipo de intelectual que se enclausura em sua torre de marfim. De cabelos negros ondulados, magro e de sorriso contido, Boyd parece o equivalente acadêmico do comediante Howie Mandell. E, a exemplo de Mandell, ele é pura energia cinética.

    As palavras jorram de sua boca como água de um cano furado. Tece idéias sofisticadas e conceitos teológicos a uma velocidade estonteante. Boyd não sossega, ele gesticula e se mexe na cadeira. Não tem tempo para arregaçar as mangas, arquivar a papelada espalhada sobre a escrivaninha do escritório ou pôr de volta na estante as pilhas desordenadas de livros amontoadas no chão. Boyd passa muito tempo pensando, debatendo, imaginando, sonhando, contemplando, inventando — sempre envolvido com um ou outro projeto.

    Ele gosta de discutir com ateus só por esporte. Debateu com o falecido Gordon Stein sobre o tema "Deus existe?". Com Dan Barker, ex-pastor que acabou abraçando o ceticismo, ele polemizou em torno da questão "Jesus ressurgiu dos mortos?". E em um programa patrocinado pelo Centro Islâmico de Minnesota desafiou um muçulmano com o tema "Deus é uma trindade?".

    Sua mente ágil, sua presença de espírito, a empatia com o povo e seu vasto conhecimento filosófico e bíblico fazem dele um inimigo formidável.

    Além disso, Boyd combina a cultura popular com a erudição séria de modo incomparável. Ele domina tanto as notas de rodapé quanto as regras do futebol. É capaz de começar uma frase com uma observação de improviso sobre um novo filme e terminá-la com uma referência estonteante a um profundo enigma filosófico. Não vê nenhuma dificuldade em ler Dilbert ou assistir a Seinfeld enquanto redige um livro impressionante: Trinity and process: a critical evaluation and reconstruction of Hartshorne's di-polar theism towards a trinitarían metaphysics [Trindade e processo: uma avaliação e reconstrução crítica do teísmo bipolar de Hartsthorne concernente à metafísica trinitária].

    Seu estilo informal e coloquial (qual outro estudioso da Bíblia é capaz de sair com termos como "é um barato" e "o cara é uma figura"?) fizeram-me sentir imediatamente à vontade no aperto de sua sala no segundo andar. Logo percebi que ele estava ansioso e pronto para começar nossa conversa.

    As pessoas pegam uma revista ou um jornal, lêem as conclusões do Seminário Jesus e acham que elas representam a corrente principal da erudição neotestamentária — eu disse. — Mas será que é isso mesmo?
    Não — disse ele, como se tivesse acabado de morder alguma coisa amarga. — Não, não, não é bem assim. Mas você tem razão, as pessoas têm essa impressão.

    Boyd acomodou-se na cadeira e começou a contar uma história.
    Quando a revista Time publicou pela primeira vez um artigo de destaque sobre o Seminário Jesus — disse ele —, eu vinha justamente falando do cristianismo a um sujeito com quem tentava construir um relacionamento. Ele era muito cético por natureza e andava fascinado pelas idéias da Nova Era. Tínhamos um amigo comum hospitalizado. Quando fui visitá-lo, esse sujeito de quem falei estava lá lendo a Time. Assim que entrei no quarto, ele me disse: "Veja só, Greg, parece que os acadêmicos discordam de você", e atirou a revista na minha direção!

    Boyd sacudiu a cabeça triste e desconsolado.
    Aquele artigo lhe deu motivos para não me levar a sério. Apesar de saber que eu era um acadêmico também, ele interpretou o artigo como se a maioria dos estudiosos — ao menos os que não são fundamentalistas de carteirinha — fossem dessa opinião.

    Consegui assimilar bem a história de Boyd, porque já ouvira muita gente identificar o Seminário Jesus com a opinião de todos os eruditos.

    O senhor acha que essa impressão foi acidental? — perguntei-lhe.
    Bem, o Seminário procura passar essa imagem — respondeu Boyd. — Na verdade, essa é uma de suas facetas mais irritantes, não apenas para os evangélicos, como também para outros estudiosos. Se você der uma olhada no livro The five gospels [Os cinco evangelhos], publicado pelo Seminário, verá que eles apresentam "sete pilares de sabedoria acadêmica", como se fôssemos obrigados a seguir a metodologia deles se quisermos ser eruditos de verdade. Todavia, inúmeros estudiosos, de procedências as mais diversas, teriam sérias restrições a pelo menos um, se não a todos esses pilares. O Seminário intitula sua tradução da Bíblia "Versão acadêmica". Bem, e o que isso significa? Que as outras versões não são acadêmicas?

    Boyd fez uma breve pausa, depois tocou no cerne da questão.
    A verdade é a seguinte — disse ele. — O Seminário Jesus representa um número extremamente reduzido de radicais das regiões mais remotas do espectro acadêmico que se colocam bem à esquerda do pensamento teológico sobre o Novo Testamento. Eles não representam a principal corrente de estudiosos. E, ironicamente, eles têm um tipo particular de fundamentalismo. Dizem que sabem o jeito certo de fazer as coisas, e ponto final.

    Boyd sorriu.
    Em nome da diversidade — acrescentou com um sorriso irônico — acabam se tornando muito limitados.

    Pelo menos — eu disse — os participantes do Seminário Jesus não escondem nem um pouco seus objetivos, não é mesmo?
    É verdade. Eles dizem claramente que querem resgatar a Bíblia dos fundamentalistas e libertar os americanos da crença "ingênua" de que o Jesus da Bíblia é o Jesus "real". Dizem que querem um Jesus que tenha algo a dizer à nossa situação hoje. Um deles disse que o Jesus tradicional não falou nada sobre a crise ecológica, o problema nuclear e a questão do feminismo, portanto precisamos de um novo retrato de Jesus. Como disse outro membro do Seminário, precisamos de uma "nova ficção". Uma das deformações do Seminário consiste no fato de se dirigirem diretamente às massas, e não a outros estudiosos. Querem tirar suas descobertas da torre de marfim e expô-las em praça pública para influenciar a opinião do povo. O que o Seminário tem em mente é uma forma totalmente nova de cristianismo.

    Fale-me então sobre esse Jesus que os membros do Seminário Jesus descobriram — eu disse. — Como ele é?
    Basicamente, eles descobriram o que queriam descobrir. Alguns acham que Jesus foi um revolucionário político; outros, um fanático religioso; outros ainda o vêem como um fazedor de milagres; ele seria feminista, igualitário, subversivo, conforme outros. A diversidade não tem fim — disse Boyd.

    Há, porém, um ângulo de Jesus sobre o qual todos estão de acordo: Jesus tem de ser, em primeiro lugar, um Jesus desprovido da natureza divina. Seja o que for que se diga a seu respeito, o fato é que ele era um homem como eu e você. Talvez tenha sido um homem extraordinário, talvez tenha tocado em nosso potencial interior como ninguém mais foi capaz de fazê-lo, mas ele não era sobrenatural. Eles dizem, portanto, que Jesus não se via como Deus e Messias; tampouco seus primeiros seguidores viam algum significado especial em sua morte. Sua crucificação foi uma infelicidade que aconteceu na hora errada. As histórias sobre sua ressurreição apareceram mais tarde na tentativa de lidar com essa triste realidade.

    Levantei-me e comecei a percorrer a estante de Boyd enquanto formulava minha próxima pergunta.
    Muito bem, mas o senhor crê pessoalmente que Jesus ressurgiu, e talvez sua fé influencie muito seu ponto de vista por causa disso — comentei. — O Seminário Jesus se apresenta como instância que procura de modo imparcial a verdade, em oposição às pessoas devotadamente religiosas, como você, movidas pela orientação teológica.
    Boyd virou-se na cadeira e me olhou de frente.
    Ah, mas não é isso o que de fato acontece — ele insistiu. — Os membros do Seminário são tão parciais quanto os evangélicos, e eu diria que em maior grau ainda. Eles pretendem apresentar um conjunto de premissas para sua erudição, o que, na verdade, todos procuramos fazer em certa medida. Sua premissa principal, que, incidentalmente, não é produto de pesquisa acadêmica imparcial, é que os evangelhos não são confiáveis como conjunto. Essa foi a conclusão a que chegaram no início porque há coisas nos evangelhos que parecem historicamente improváveis, como os milagres: o caminhar sobre as águas, a ressurreição dos mortos. Essas coisas, dizem, simplesmente não acontecem. Isso é naturalismo, segundo o qual para cada efeito da natureza ou do mundo físico há uma causa natural.

    Sei, mas não é isso o que normalmente ocorre em nossas vidas? perguntei-lhe. — O senhor está dizendo que deveríamos acreditar que há uma explicação sobrenatural para tudo o que acontece?
    Acho que ninguém vai apelar para uma explicação sobrenatural se não for preciso — disse Boyd. — Esses estudiosos, no entanto, vão além e dizem que nunca temos de fazê-lo. Eles raciocinam com base no pressuposto de que tudo o que aconteceu na história se deu em conformidade com suas experiências e, já que nunca viram o sobrenatural, concluem que jamais aconteceram milagres na história. Eles eliminam toda e qualquer possibilidade do sobrenatural logo de início, depois dizem: "Provem agora o que vocês dizem que Jesus fez". Não é de espantar que sempre obtenham os resultados esperados!

    Muito bem, como é que o senhor trataria dessa questão? — perguntei-lhe.
    Eu diria que não se deve apelar para o sobrenatural a menos que não haja outra saída. Isso mesmo. Procure, em primeiro lugar uma explicação natural. É o que faço em minha vida. Uma árvore cai: tudo bem, talvez estivesse com cupins. Mas será possível que um anjo a tivesse derrubado? Bem, eu não chegaria a essa conclusão, a menos que houvesse provas convincentes o bastante para isso. Portanto, essa é a concessão que faço ao sobrenatural. O que não posso admitir é a tremenda presunção de que sabemos o suficiente sobre o universo para dizer que Deus, se é que há um Deus, jamais poderia irromper em nosso mundo de um modo sobrenatural. É o tipo da premissa arrogante. Não é uma premissa com base histórica; agora já estamos no campo da metafísica. Creio que deveria haver uma certa dose de humildade na investigação histórica para comportar um raciocínio do tipo: "Sabe de uma coisa? É possível que Jesus Cristo tenha ressurgido dos mortos. E possível que seus discípulos tenham visto de fato o que os evangelhos dizem que viram". E, se não houver nenhum outro meio que possa satisfazer adequadamente as provas apresentadas, devemos investigar a possibilidade. Esse, na minha opinião, é o único meio de honrar as provas que temos.

    Para chegar à conclusão de que Jesus nunca disse a maioria das palavras atribuídas a ele nos evangelhos, os membros do
    Seminário utilizaram pressupostos e critérios que eles mesmos fixaram. Mas será que esses padrões são sensatos e adequados? Ou será que desde o início já eram distorcidos, assim como dados adulterados, que, quando jogados, apresentam os números que alguém programou?
    Existem inúmeros problemas no que se refere aos pressupostos e critérios que eles utilizam —- principiou Boyd, analisando a abordagem do grupo. — Por exemplo, eles supõem que a igreja posterior tenha posto esses dizeres na boca de Jesus, a menos que tenham alguma prova que os convença do contrário. Esse pressuposto está alicerçado em sua desconfiança em relação aos evangelhos, porque, para eles, não há eventos sobrenaturais. Os historiadores normalmente procedem sob o peso do ônus da prova, cabendo-lhes provar se os dados de que dispõem são falsos ou suspeitos, uma vez que as pessoas não costumam mentir compulsivamente. Se não fosse por isso, saberíamos muito pouco sobre história antiga. O Seminário Jesus vira isso de cabeça para baixo e diz que é preciso provar claramente que determinadas palavras foram ditas por Jesus. Em seguida, apresentam critérios questionáveis para fazê-lo. Nada impede que os estudiosos utilizem critérios apropriados para saber se Jesus disse ou não determinadas palavras. Não concordo, porém, com a idéia de que, se Jesus não satisfaz esses critérios, é porque não disse o que consta dos evangelhos. Esse tipo de conclusão negativa pode ser um problema.

    Toda essa questão teórica estava servindo mais para confundir do que para esclarecer. Eu precisava de exemplos concretos para que pudesse acompanhar o raciocínio de Boyd.
    Dê um exemplo de critérios específicos utilizados pelos membros do Seminário — eu disse.
    Há um critério chamado "dupla dessemelhança" — respondeu ele. — Isso significa que eles acreditarão que Jesus pronunciou determinadas palavras se elas não soarem como algo que teria sido dito por um rabino ou pela igreja posterior. Caso contrário, teriam entrado para o evangelho a partir de uma fonte judaica ou cristã. O problema, naturalmente, é que Jesus era judeu e fundou a igreja cristã, por isso, ninguém deve se espantar se suas palavras lembrarem o judaísmo ou o cristianismo! Mas esse foi o critério que eles usaram para chegar à conclusão negativa de que Jesus jamais disse uma porção de coisas.

    Em seguida, há o critério da "comprovação múltipla", ou seja, só podemos saber com certeza se Jesus disse ou não determinadas palavras se as encontrarmos em mais de uma fonte. Esse pode ser um bom teste para confirmar a veracidade de algumas palavras. Todavia, por que desprezar o outro critério, segundo o qual não será válida a descoberta se ela estiver em apenas uma fonte? Na verdade, a maior parte da história antiga baseia-se em fontes únicas. Geralmente, se uma fonte é considerada confiável, e eu diria que há inúmeras razões para acreditar que os evangelhos são confiáveis, ela merece crédito, ainda que não se possa confirmá-la por meio de outras fontes. Mesmo quando as palavras de Jesus aparecem em dois ou três evangelhos, eles não consideram esse dado suficiente quanto ao critério de "comprovação múltipla". Se algumas palavras de Cristo são encontradas em Mateus, Marcos e Lucas, eles as consideram provenientes de uma única fonte, porque pressupõem que Mateus e Lucas basearam-se em Marcos quando redigiram os seus evangelhos. Não se dão conta de que um número cada vez maior de estudiosos se mostra cada vez mais cauteloso em relação a essa teoria. Percebe-se, por essa linha de pensamento, por que é extremamente difícil passar pelo teste da comprovação múltipla.

    Uma das estratégias utilizadas pelos estudiosos naturalistas consiste na busca de paralelos entre Jesus e outros da Antigüidade, procurando com isso demonstrar que suas declarações e façanhas não foram únicas. Pretendem com isso mostrar que Jesus não era diferente dos demais.
    O que o senhor acha disso? — perguntei a Boyd. — Por exemplo, houve rabinos no passado que faziam exorcismos, que oravam pedindo chuva, e chovia. Portanto, para alguns acadêmicos, Jesus foi mais um judeu fazedor de milagres. Deve-se acreditar nisso?
    Na verdade, os paralelos desmoronam rapidamente depois de um exame mais minucioso — começou ele, aumentando cada vez mais o ritmo da resposta. — Em primeiro lugar, a centralidade do sobrenatural na vida de Jesus não tem paralelo algum na história judaica. Em segundo lugar, a natureza radical de seus milagres distinguem-no dos demais. Não foi só uma chuva que caiu quando ele orou; estamos falando de gente que foi curada de cegueira, surdez, lepra e escoliose, de tempestades que foram reprimidas, de peixes e pães que foram multiplicados, de filhos e filhas ressurretos dos mortos. Essas coisas não têm paralelo. Em terceiro lugar, o que mais distingue Jesus é a forma como realizou milagres pela sua autoridade. É ele quem diz: "Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus", referindo-se a si mesmo. E mais: "Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos". Ele dá a Deus o crédito pelo que faz, mas nunca pede a Deus Pai que faça o que quer que seja: ele age pelo poder de Deus Pai. É algo sem paralelo. Isso só reforça a maneira diferente como Jesus falava sobre si mesmo: "Foi-me dada toda a autoridade"; "... para que todos honrem o Filho como honram o Pai"; "Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão". Em nenhum lugar você encontra rabinos com esse tipo de discurso.

    Mas aonde o senhor quer chegar?
    Boyd riu.
    Qualquer paralelo com rabinos fazedores de milagres — arrematou ele — é um exagero muito grande.

    Eu não pretendia deixar que o talento de Boyd para a controvérsia me intimidasse. Resolvi levantar uma questão mais complicada ainda: os paralelos aparentemente mais fortes entre Jesus e uma personagem histórica: Apolônio de Tiana.
    O senhor conhece as provas tão bem quanto eu — disse a Boyd. — Eis aí um homem do século I que teria curado pessoas e exorcizado demônios; que teria ressuscitado uma jovem dentre os mortos; e que teria aparecido a alguns de seus seguidores depois de ter morrido. As pessoas trazem o fato à tona e dizem: "Aha! Se você disser que a história de Apolônio não passa de lenda, por que não dizer o mesmo sobre Jesus?".
    Boyd acenava com a cabeça dando a entender que estava acompanhando meu raciocínio.
    Admito que, a princípio, parece impressionante — concordou ele. — Quando ouvi falar de Apolônio pela primeira vez, ainda estava na faculdade. Fiquei chocado. Todavia, se nos dispusermos a analisar a situação com mais calma e objetividade, veremos que os pretensos paralelos não se sustentam.

    Prossiga — disse eu. — Dê o melhor de si para desmontar essa história toda.
    Muito bem. Em primeiro lugar, o biógrafo da personagem em questão, Filostrato, redigiu seu relato mais de um século e meio depois da morte de Apolônio, ao passo que os evangelhos foram escritos por pessoas contemporâneas de Jesus. Quanto mais próximos estivermos dos acontecimentos, tanto menor a possibilidade de introdução de material lendário, de erros ou de lapsos de memória. Outro detalhe é que temos quatro evangelhos corroborados por Paulo que podem ser cotejados, em certa medida, por autores alheios à Bíblia, como Josefo e outros. No caso de Apolônio, estamos lidando com uma fonte apenas. Além disso, os evangelhos foram aprovados pelos testes de confiabilidade histórica a que foram submetidos, o que já não se pode dizer da história de Apolônio. Como se isso não bastasse, Filostrato foi incumbido pela imperatriz de escrever uma biografia, para dedicar um templo a Apolônio. Ela era seguidora de Apolônio, portanto Filostrato teria um motivo financeiro para embelezar a história e dar à imperatriz o que ela queria. Por outro lado, os autores do evangelho nada tinham a ganhar, e muito a perder, ao escrever a história de Jesus; também não tinham nenhum outro motivo, como dinheiro, por exemplo. Também a forma como Filostrato escreve é muito diferente da dos evangelhos. Os evangelhos dão uma perspectiva ocular muito confiável, como se houvesse uma câmera no local. Filostrato, por sua vez, faz incontáveis declarações que inspiram pouca confiabilidade, por exemplo: "Consta que..." ou "Segundo dizem alguns, a jovem teria morrido; outros dizem que ela estaria apenas doente". Ele tem o mérito de tratar com cautela as histórias, não pretendendo que sejam mais que isso. Entretanto, o que mais chama a atenção é o fato de que Filostrato escreveu em princípios do século III, na Capadócia, onde o cristianismo se fixara havia algum tempo. Portanto, se algum empréstimo houve, foi da parte de Filostrato, e não dos cristãos. É bem provável que os seguidores de Apolônio encarassem os cristãos como rivais: "Ah, é? Bem, Apolônio fez as mesmas coisas que Jesus fez". Mais ou menos como uma criança que diz à outra: "Meu pai é mais forte que o seu!". Apenas para encerrar, estou disposto a admitir que Apolônio tenha realizado alguns feitos assombrosos, ou pelo menos conseguiu que as pessoas acreditassem que fosse capaz de fazê-los. Isso, porém, não compromete de forma alguma as provas a favor de Jesus. Mesmo que admitamos as proezas de Apolônio, restam as provas a favor de Cristo, com as quais devemos lidar.

    Muito bem, pensei, vamos fazer mais uma tentativa. Muitos universitários aprendem que vários dos temas vistos na vida de Cristo não passam de ecos de antigas "religiões de mistérios", nas quais encontramos histórias de deuses que morrem e ressuscitam, rituais de batismo e de comunhão.
    O que o senhor diz sobre esses paralelos? — perguntei-lhe.
    Esse foi um argumento muito popular no início do século, mas acabou perdendo a força porque ficou desacreditado. Em primeiro lugar, dada a época em que os eventos ocorreram, se for levantado o argumento do empréstimo, deve-se fazê-lo tomando como ponto de partida o cristianismo, e não as religiões de mistério. Além disso, as religiões de mistério ficavam um pouco ao gosto do freguês, tomando emprestadas idéias de vários lugares. Os judeus, contudo, sempre preservaram suas crenças de influências externas. Viam-se como um povo separado e resistiam resolutamente às idéias e aos rituais pagãos.

    Para mim, os paralelos de potencial mais interessante eram as narrativas mitológicas sobre deuses que morriam e ressuscitavam.

    Essas histórias não seriam similares às crenças cristãs? — perguntei.
    Embora seja verdade que certas religiões de mistério apresentam narrativas de deuses morrendo e ressuscitando, elas sempre giravam em torno do ciclo natural da vida, da morte e do renascimento — disse Boyd. — As lavouras fenecem no outono e tornam à vida na primavera. As pessoas expressam a maravilha desse fenômeno contínuo por meio de histórias mitológicas de deuses que morrem e ressuscitam. São narrativas que sempre se apresentam sob a forma de lenda. Tratam de eventos que aconteceram na época do "era uma vez". Compare isso com a descrição de Jesus Cristo nos evangelhos. Eles falam de alguém que viveu de verdade muitas décadas atrás. Citam nomes: crucificado sob Pôncio Pilatos, sendo Caifás o sumo sacerdote; o pai de Alexandre e Rufo carregou sua cruz, por exemplo. Trata-se de material histórico concreto. Nada tem a ver com histórias de coisas que aconteceram na época do "era uma vez". O cristianismo não tem relação com ciclos de vida ou colheitas. Seu tema é um assunto tipicamente judeu — que não aparece nas religiões de mistério — sobre a ressurreição dos mortos, vida eterna e reconciliação com Deus. Quanto à sugestão de que as doutrinas neotestamentárias do batismo ou da comunhão tenham origem nas religiões de mistério, isso é pura bobagem. Em primeiro lugar, a prova desses supostos paralelos só aparece depois do século II, portanto qualquer empréstimo teria sido feito pelas religiões de mistério, e não pelo cristianismo. Se fizermos uma retrospectiva cuidadosa, veremos que as semelhanças desaparecem. Por exemplo, para atingir um alto nível no culto de Mitra, os seguidores tinham de se sentar sob um touro sacrificado, para que pudessem ser banhados por seu sangue e suas entranhas. Depois, reuniam-se aos demais e comiam o animal. Pois bem, dizer que os judeus viam algo de atraente nessa prática bárbara a ponto de tomá-la como modelo para o batismo e a comunhão é um absurdo sem tamanho, o que explica o fato de muitos estudiosos não aceitarem tal idéia.

    A imprensa popular tem publicado muita coisa sobre o Evangelho de Tomé, o Marcos secreto, o Evangelho da cruz e Q — eu disse. — É verdade que foram feitas novas descobertas que mudam nosso modo de entender Jesus?
    Boyd suspirou exasperado.
    Não, não existem novas descobertas com novos fatos sobre Jesus. O Evangelho de Tome foi descoberto há muito tempo, mas só agora começaram a usá-lo para criar outro Jesus. Algumas teorias a respeito do Evangelho do Tomé talvez sejam novas, mas o evangelho não é. Com relação a Q, não se trata de uma descoberta, e sim de uma teoria que vem sendo discutida há uns 150 anos, que visa estudar o material que Lucas e Mateus teriam em comum. A novidade é a forma bastante questionável como os acadêmicos de esquerda utilizam suas pressuposições para fragmentar o Q hipotético em várias camadas de desenvolvimento legendário, a fim de dar respaldo às suas teorias preconcebidas.

    Eu sabia que John Dominic Crossan, talvez o estudioso mais influente do Seminário Jesus, fizera declarações fortíssimas a respeito de um evangelho chamado de Marcos secreto. Na verdade, ele afirma que o Marcos secreto talvez seja uma versão sem censura do evangelho de Marcos cujo conteúdo confidencial era destinado aos iniciados espirituais. Alguns o utilizam para dizer que Jesus era de fato um mágico, ou que vários dos primeiros cristãos praticavam o homossexualismo. Este cenário conspiratório atraiu a atenção da mídia.
    Que prova existe para isso? — perguntei a Boyd. Sua resposta foi rápida.
    Nenhuma — disse ele.

    A questão é que o Marcos secreto não existe — disse ele. — O que temos é um acadêmico que encontrou uma citação em Clemente de Alexandria de fins do século II que, supostamente, seria procedente desse evangelho. E agora, misteriosamente, até essa citação se perdeu, desapareceu. Não temos o tal evangelho nem a citação a seu respeito e, mesmo que tivéssemos a citação, não há motivo para achar que ela pudesse nos dar alguma informação válida sobre o Jesus histórico ou sobre o que pensavam a seu respeito os primeiros cristãos. Além do mais, já sabemos que Clemente costumava aceitar muito ingenuamente escritos de autoria duvidosa. Portanto, o Marcos secreto é uma obra inexistente citada em um texto agora inexistente por um autor do século II com reputação de ingênuo em relação a esse tipo de coisa. A maior parte dos estudiosos não dá o mínimo crédito a esse evangelho. Infelizmente, isso não tem a menor repercussão, porque a mídia gosta é de sensacionalismo.

    Crossan também acredita no que chama de Evangelho da cruz.
    Este se sai melhor que o outro? — perguntei.
    Não, a maioria dos estudiosos não lhe dá crédito por causa da grande quantidade de material lendário de fora. Jesus, por exemplo, sai da sepultura com uma estatura gigantesca, que vai além do céu, enquanto a cruz sai da sepultura e começa a falar! Obviamente, os evangelhos, muito mais sóbrios, são mais confiáveis que qualquer coisa que deparamos nesse relato. Ele está mais de acordo com os escritos apócrifos que surgiriam posteriormente. Na verdade, ele depende de material bíblico, portanto deve ser de um período posterior.

    Contrariamente à grande maioria dos especialistas bíblicos, o Seminário Jesus conferiu um status extremamente alto ao Evangelho de Tome, elevando-o a uma posição paralela à dos quatro evangelhos tradicionais. No capítulo 3, o dr. Bruce Metzger criticou asperamente essa postura, classificando-a de injustificada.
    Perguntei a Boyd qual era sua opinião.
    Por que não dar a Tomé o mesmo crédito?
    Todo mundo sabe que esse evangelho foi muito influenciado pelo gnosticismo, um movimento religioso dos séculos II, III e IV, que alegava ter acesso a percepções, conhecimento ou revelações secretas que permitiriam às pessoas conhecer a chave do universo. A salvação dependia desse conhecimento (gnosis, em grego, significa "saber") disse ele. Portanto, a maior parte dos acadêmicos diz que o Evangelho de Tomé foi escrito em meados do século n aproximadamente, em cujo meio cultural ele se encaixa muito bem. Por exemplo, nele Jesus diz: "Toda mulher que se tornar homem entrará no reino dos céus". Isso contradiz a atitude que Jesus tinha em relação às mulheres, como bem sabemos, mas se encaixa perfeitamente na mentalidade gnóstica. Todavia, o Seminário Jesus apegou-se arbitrariamente a certas passagens do Evangelho de Tome e começou a dizer que essas passagens representavam uma camada anterior de tradição sobre Jesus, sendo anterior inclusive aos evangelhos canônicos. Uma vez que em nenhuma dessas passagens Jesus aparece fazendo declarações exaltadas a seu respeito ou operando façanhas sobrenaturais, eles dizem que a mais antiga visão de Jesus o considera apenas um grande mestre. Mas todo esse raciocínio é circular. A única razão que nos leva a pensar que essas passagens de Tome são antigas é o fato de que contêm uma visão sobre Jesus que esses estudiosos pressupõem ser a do Jesus original. Na verdade, não há nenhum motivo mais sólido para dar ao Evangelho de Tomé maior importância do que aos evangelhos neotestamentários do século I.

    O Jesus da história e o Jesus da fé: o Seminário Jesus acredita que existe um grande abismo entre os dois. Seus acadêmicos acham que o Jesus histórico foi um homem brilhante, espirituoso e revolucionário que jamais pretendeu ser o Filho de Deus; ao passo que o Jesus da fé é um amontoado de idéias reconfortantes que ajudam as pessoas a viver bem, mas que, em última análise, não passam de pensamentos positivos.
    Não existe abismo entre o Jesus da história e o Jesus da fé — disse Boyd depois que toquei no assunto. — Se ignorarmos todos os textos que afirmam a divindade de Jesus e que ele nos reconcilia com Deus, aí teremos uma contradição entre ambos. De modo geral, o Seminário define o Jesus da fé da seguinte maneira: existem símbolos religiosos que significam muito para as pessoas: o simbolismo da divindade de Jesus, da cruz, do amor sacrificial, da ressurreição. Embora as pessoas não creiam realmente que essas coisas aconteceram, mesmo assim são capazes de inspirá-las a viver uma vida correta, a vencer a angústia existencial, conquistar novas potencialidades e fazer com que a esperança renasça em meio ao desespero etc.
    Boyd deu de ombros e continuou:

    Perdoe-me. Já ouvi tanto esse tipo de coisa que estou saturado! Assim, esses liberais dizem que a pesquisa histórica nunca será capaz de descobrir o Jesus da fé, porque o Jesus da fé não tem raízes na história. Ele é simplesmente um símbolo. A questão é que Jesus não pode ser símbolo de coisa alguma a não ser que esteja alicerçado na história. O Credo Niceno não diz: "Esperamos que tais coisas sejam verdadeiras". Ele diz: "[Jesus Cristo] foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos [...] e ao terceiro dia ressuscitou", e prossegue daí por diante. A verdade teológica baseia-se na verdade histórica. E assim que fala o Novo Testamento. Veja o sermão de Pedro no segundo capítulo de Atos. Ele se levanta e diz: "Irmãos, posso dizer-lhes com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje. Mas Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato". Se acabarmos com os milagres, acabamos também com a ressurreição, e nada nos resta a proclamar. Paulo diz que, se Jesus não ressuscitou dos mortos, nossa fé é vã, inútil e vazia.

    Boyd fez uma pequena pausa e mudou o tom de voz, passando do tom de pregador a uma intensa expressão de convicção pessoal.

    Não quero basear minha vida em um símbolo — disse ele, resoluto. — Quero realidade, e a fé cristã sempre esteve alicerçada na realidade. O que não está alicerçado na realidade é a fé dos acadêmicos liberais. Eles é que estão atrás de um sonho irreal, mas o cristianismo nada tem a ver com isso.

    Passamos muito tempo falando sobre o Jesus do Seminário Jesus — um Jesus simbólico, porém, impotente, que só é capaz de oferecer ao mundo uma esperança ilusória. Antes de ir embora, porém, queria ouvir a respeito do Jesus de Gregory Boyd. Eu queria saber se o Jesus sobre quem ele pesquisa e escreve livros cheios de erudição como professor de teologia é o mesmo Jesus sobre quem prega na igreja no domingo de manhã.
    Deixe-me entender bem — eu disse. — O seu Jesus, o Jesus com quem o senhor se relaciona, é o Jesus da história e da fé ao mesmo tempo.
    Boyd cerrou os punhos para reforçar sua opinião, como se tivesse acabado de marcar um gol.
    Sim, exato, Lee! — exclamou. Acomodando-se na cadeira, declarou exatamente o tipo de convicção a que seus estudos — e seu coração — o levaram.

    É mais ou menos o seguinte: se você ama alguém, seu amor vai além dos fatos que cercam essa pessoa, embora esteja alicerçado nesses fatos. Por exemplo, você ama sua esposa porque ela é maravilhosa, linda, doce, gentil. Tudo isso são fatos que dizem respeito a ela, portanto você a ama. Mas o seu amor vai além disso. Você pode saber todas essas coisas a respeito de sua esposa e ainda assim não amá-la e não confiar nela, mas você confia. Portanto, a decisão vai além da prova, porém também está calcada nela. A mesma coisa acontece quando amamos a Jesus. Ter um relacionamento com Jesus Cristo é mais do que saber os fatos históricos a seu respeito, embora nosso amor por ele também esteja alicerçado nesses fatos. Minha fé em Jesus Cristo está alicerçada na comprovação histórica, mas vai além de provas. Tenho de depositar minha confiança nele e com ele caminhar diariamente. Interrompi-o.

    Mas o senhor não concorda que o cristianismo faz algumas declarações sobre Jesus que são difíceis de acreditar?
    Sim, claro que concordo — disse ele. — Por isso me alegro que haja tantas provas tão sólidas sobre a veracidade delas. Para mim — ele acrescentou — tudo se resume ao fato de que não existe concorrência. A prova de que Jesus era quem os discípulos diziam ser, pelos milagres que fez, sua ressurreição dos mortos, as declarações que fez sobre si mesmo, está a anos-luz de distância de meus motivos para achar que os acadêmicos de esquerda do Seminário Jesus estão com a razão. O que eles têm? Bem, há uma breve alusão a um evangelho "secreto" em uma carta de fins do século II que, infelizmente, só foi vista por uma pessoa e que agora se encontra perdida. Há um relato do século m sobre a crucificação e a ressurreição em que figura uma cruz que fala e que alguns poucos estudiosos acreditam ser anterior aos evangelhos. Há um documento gnóstico do século II que alguns eruditos querem agora fazer retroceder no tempo para dar respaldo às suas idéias preconcebidas. Existe também um documento hipotético baseado em pressupostos não muito sólidos que vai ficando cada vez mais rarefeito em decorrência da utilização de um raciocínio circular.

    Boyd recostou-se na cadeira.
    — Não, sinto muito — ele disse, balançando a cabeça. — Não posso aceitar. É muito mais sensato pôr minha confiança nos evangelhos, que passam com louvor pelo teste do escrutínio histórico, do que acreditar no que diz o Seminário Jesus.

    Quando voltei ao hotel, repassei na mente minha entrevista com Boyd. Sentia o mesmo que ele: se o Jesus da fé não é o mesmo Jesus da história, não há nenhum poder e nenhum significado nele. A menos que esteja alicerçado na realidade e sua divindade seja comprovada pela ressurreição dos mortos, ele não passa de um símbolo tão simpático quanto Papai Noel.
    Mas há boas provas de que ele seja mais do que isso. Eu já ouvira testemunhos oculares e vira documentos muito bem fundamentados que corroboravam, por meio de provas científicas, a declaração do Novo Testamento de que Jesus é o Deus encarnado. Portanto, eu já estava pronto par retomar minha jornada em busca de mais material histórico sobre seu caráter e suas ressurreição.
    Entretanto, Greg Boyd não é a única voz a contestar o Seminário Jesus. Ele pertence a um grupo de críticos cada vez maior, não só da parte de ilustres cristãos evangélicos tradicionais, mas também da de outros estudiosos respeitados procedentes de diversos espectros teológicos.
    Deparei com um exemplo disso no hotel onde estava. Peguei para ler um livro intitulado The real Jesus [O Jesus real], que comprara havia pouco tempo. Seu autor é o dr. Luke Timothy Johnson, professor muito respeitado de Novo Testamento e origens cristãs na Candler School of Theology da Emory University. Johnson é católico e foi monge beneditino antes de se tornar estudioso da Bíblia e escrever vários livros de grande influência.
    Ele critica freqüentemente o Seminário Jesus, dizendo que "de modo algum ele representa o que há de mais refinado nos estudos neotestamentários", que seu processo de análise "distorce a autenticidade das tradições evangélicas" e apresenta resultados "já de antemão esperados". E conclui: "Trata-se de erudição irresponsável e acrítica; é um embuste muito cômodo".
    Ele prossegue citando vários acadêmicos de destaque de opiniões semelhantes às suas, inclusive o dr. Howard Clark Kee, que chamou o Seminário de "abominação acadêmica", e Richard Hayes, da Duke University, que afirmava, na resenha de The five gospels, que "o caso posto em julgamento por este livro não se sustentaria em tribunal algum".
    Fechei o livro e apaguei a luz. Retomaria no dia seguinte a busca por provas dignas de um tribunal.
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL COM O EX JUDEU LOUIS LAPIDES A RESPEITO DAS PROFECIAS MESSIÃNICAS

    Normalmente, a igreja seria um lugar natural para questionar alguém a respeito de uma questão bíblica. Mas quando me sentei na companhia do pastor Louis Lapides no santuário de sua congregação, logo após o culto dominical matutino, senti que havia algo diferente ali. Aquele cenário, com bancos e vitrais, não era exatamente o lugar onde normalmente encontraríamos um jovem judeu de Newark, Nova Jersey.
    Mas era esse o seu histórico. Para alguém com uma herança dessas, saber se Jesus era o Messias tão esperado vai muito além da teoria. É algo muito pessoal, por isso procurei Lapides para ouvir a história de sua investigação particular dessa questão crítica.
    Lapides é formado em teologia pela Universidade Batista de Dallas e é mestre em teologia do Antigo Testamento e em estudos semíticos pelo Seminário Teológico Talbot. Serviu durante dez anos nos Chosen People Ministries, falando de Jesus a estudantes judeus. Lecionou no departamento de Bíblia da Biola University e trabalhou durante sete anos como instrutor nos seminários da Walk Through the Bible. É também ex-presidente de uma rede nacional de 15 congregações messiânicas.
    Lapides é magro, usa óculos, tem a fala serena, mas sorri com facilidade. Foi com muita simpatia e polidez que ele me conduziu a uma cadeira próximo da entrada da Beth Ariel Fellowship, em Sherman Oaks, na Califórnia. Eu não queria começar logo de imediato a discutir nuanças bíblicas; em vez disso, pedi-lhe que me narrasse a história de sua jornada espiritual.
    Ele cruzou as mãos sobre o colo e fitou as paredes de madeira escura por um momento, enquanto pensava por onde começar. Depois, passou a contar uma história extraordinária que nos levou de Newark para Greenwich Village, do Vietnã a Los Angeles, do ceticismo à fé, do judaísmo ao cristianismo, de um Jesus sem importância ao Jesus Messias.
    — Como você sabe, vim de uma família judia — disse ele inicialmente. — Freqüentei uma sinagoga conservadora durante sete anos em preparação para o bar mitzvah. Embora considerássemos os estudos preparatórios muito importantes, a religião de minha família não afetava muito nossa vida cotidiana. Não deixávamos de trabalhar no sábado; nem sequer seguíamos a dieta kasher.
    Ele sorriu.
    — Porém, nos dias santos, íamos à sinagoga mais ortodoxa, porque meu pai achava que era ali que tínhamos de ir se quiséssemos levar Deus realmente a sério!
    Quando interrompi para perguntar o que seus pais haviam lhe ensinado sobre o Messias, Lapides foi lacônico.
    — Nunca tocaram no assunto — disse ele sem se alterar. Era inacreditável. Achei que não havia entendido.
    — O senhor quer dizer que o assunto nem sequer era discutido? — perguntei.
    — Nunca — ele reiterou. — Não me lembro nem mesmo de estudar a questão na escola judaica.
    Era surpreendente.
    — E quanto a Jesus? — perguntei. — Falavam a respeito dele? Mencionavam seu nome?
    — Só pejorativamente — respondeu Lapides. — Basicamente, nunca discutíamos sobre ele. Minhas impressões sobre Jesus formaram-se pelo que eu via nas igrejas católicas: a cruz, a coroa de espinhos, o lado perfurado, o sangue escorrendo da testa. Não fazia sentido para mim. Por que adorar um homem crucificado com pregos nas mãos e nos pés? Nunca achei que Jesus tivesse alguma relação com o povo judeu. Para mim, ele era o deus dos gentios.
    Eu suspeitava que as atitudes de Lapides em relação aos cristãos tinham ido além de mera confusão sobre sua fé.
    — O senhor achava que os cristãos estavam na raiz do anti-semitismo? — indaguei.
    — Víamos os gentios como sinônimo de cristãos, e éramos instruídos a ser cautelosos, porque poderia haver anti-semitismo entre os gentios — disse ele com um tom um tanto diplomático.
    Procurei aprofundar um pouco mais a questão.
    — O senhor diria que acabou desenvolvendo algumas atitudes negativas em relação aos cristãos?
    Dessa vez, ele não pesou as palavras.
    — Foi de fato o que aconteceu — disse ele. — Na verdade, quando o Novo Testamento me foi apresentado pela primeira vez, mais tarde, achava que seria simplesmente um manual básico de anti-semitismo: como odiar os judeus, como matá-los, como massacrá-los. Achava que o Partido Nazista Americano poderia utilizá-lo tranqüilamente como manual.
    Balancei a cabeça, triste em saber quantas crianças teriam crescido achando que os cristãos eram seus inimigos.

    Lapides conta que vários incidentes minaram sua fidelidade ao judaísmo durante sua fase de crescimento. Curioso acerca dos detalhes, pedi-lhe que se estendesse um pouco mais, e ele de imediato passou a falar do que foi claramente o episódio mais doloroso de sua vida.
    — Meus pais se divorciaram quando eu tinha 17 anos — disse ele, e, surpreendentemente, depois de todos esses anos, dava ainda para perceber a mágoa em sua voz. — Foi como uma punhalada na fé que eu trazia no coração, fosse ela do jeito que fosse. Pensei: "Onde é que Deus entra nisso? Por que não procuraram aconselhamento com um rabino? Para que serve a religião se, na prática, é incapaz de ajudar as pessoas?" Era óbvio que ela era incapaz de preservar o relacionamento dos meus pais. Quando se separaram, senti como se tivesse perdido uma parte de mim. Além disso, no judaísmo, eu não sentia que tivesse uma relação pessoal com Deus. Participei de inúmeras cerimônias e tradições muito bonitas, mas era o Deus distante e alienado do monte Sinai que dizia: "Eis aqui a minha lei; viva por ela, e você se dará bem. Até mais tarde". Eu, então um adolescente com os hormônios em ebulição, me perguntava: "De que modo Deus participa das minhas dificuldades? Será que ele me considera um indivíduo?" Eu achava que não.
    O divórcio deu lugar a um tempo de rebelião. Seduzido pela música e influenciado pelos escritos de Jack Kerouac e Timothy Leary, Lapides passou muito tempo nos barzinhos de Greenwich Village e não tinha tempo para a escola, tornando-se refém da bebida. Em 1967, estava do outro lado do mundo, a bordo de um navio cuja volatilidade da carga — munições, bombas, foguetes e outros explosivos — fazia dele um alvo tentador para os vietcongues.
    — Lembro-me de que fomos informados no Vietnã de que "20% de vocês provavelmente serão mortos, e os outros 80% vão contrair alguma doença venérea ou ficarão viciados em bebidas alcoólicas ou drogas". Minhas chances de voltar normal não chegavam a 1%. Foi um tempo terrível. Vi muito sofrimento. Vi companheiros voltando para casa em caixões. Vi a devastação causada pela guerra. E encontrei anti-semitismo entre alguns fuzileiros. Uns que eram do Sul até queimaram uma cruz, certa noite. É possível que eu quisesse distanciar-me da minha identidade judaica, e talvez por isso comecei a envolver-me com religiões orientais.
    Lapides lera livros sobre filosofias orientais e visitara templos budistas quando passou pelo Japão.
    — Fiquei extremamente incomodado com o mal que vi e tentei descobrir como a fé pode enfrentá-lo — ele me disse. — Eu costumava dizer: "Se existe um Deus, não me importa se o encontro no monte Sinai ou no monte Fuji. Vou ficar com ele de qualquer jeito".
    Ele sobreviveu ao Vietnã, voltando para casa viciado em maconha e planos de se tornar sacerdote budista. Tentou levar o estilo de vida ascético de autonegação, esforçando-se por se livrar do carma ruim das más ações do passado, mas logo percebeu que nunca conseguiria compensar tudo o que fizera de errado.
    Lapides ficou em silêncio por algum tempo.
    — Fiquei deprimido — ele continuou. — Lembro-me de tomar o metrô e pensar: "Talvez atirar-me nos trilhos seja a resposta. Eu podia ficar livre desse corpo e fundir-me com Deus". Estava muito confuso. Para piorar as coisas, comecei a experimentar LSD.
    À procura de um novo começo, ele decidiu mudar para a Califórnia, onde continuou sua busca espiritual.
    — Fui a encontros budistas, mas eles eram vazios — ele contou. — Os budistas chineses eram ateus, os budistas japoneses adoravam estátuas de Buda, o zen-budismo era muito difuso. Fui a reuniões da cientologia, mas eles eram muito manipuladores. Os hindus acreditavam que os deuses cultivavam todas essas orgias loucas e em deuses que eram elefantes azuis. Nada disso fazia sentido; nada me satisfez.
    Ele chegou até a acompanhar amigos a reuniões com características satanistas.
    — Eu olhava e pensava: "Tem algum poder em ação aí, e não é um poder bom". Mergulhado em meu mundo alucinado por drogas, eu dizia aos meus amigos que acreditava que existe um poder maligno que é maior que eu, que pode agir em mim, que existe como entidade. Tinha visto mal suficiente na vida para crer nisso.
    Olhou para mim com um sorriso irônico:
    — Creio que aceitei a existência de Satanás antes de aceitar a de Deus.

    O ano era 1969. A curiosidade de Lapides levou-o a visitar Sunset Strip para ver um evangelista que se acorrentara a uma cruz de dois metros e meio de altura, para protestar contra os donos de bares que tinham conseguido proibi-lo de trabalhar nas ruas. Ali, na calçada, Lapides encontrou alguns cristãos que começaram uma discussão sobre coisas espirituais com ele.
    Com certa arrogância, começou a esbanjar filosofia oriental. — Não existe Deus lá em cima — ele dizia, apontando para o céu. — Nós somos Deus. Eu sou Deus. Vocês são Deus. Vocês só precisam aceitar isso.
    — Bem, se você é Deus, por que não cria uma pedra? — alguém lhe perguntou. — Faça alguma coisa aparecer. É isso o que Deus faz.
    Lapides, com a mente anuviada pelas drogas, imaginou que estava segurando uma pedra.
    — Muito bem, então vejam, aqui está uma pedra — ele disse, estendendo a mão vazia.
    O cristão zombou dele.
    — Essa é a diferença entre você e o Deus verdadeiro — ele disse. — Quando Deus cria algo, todos podem vê-lo. É objetivo, não subjetivo.
    Isso calou fundo em Lapides. Depois de pensar no assunto por algum tempo, disse a si mesmo: "Quando eu encontrar Deus, ele terá de ser objetivo. Estou cheio dessa filosofia oriental que diz que está tudo na minha mente e que posso criar minha realidade. Deus deve ser uma realidade objetiva se quiser ter significado além da minha imaginação".
    Quando um dos cristãos mencionou o nome de Jesus, Lapides tentou se desvencilhar com sua resposta padrão:
    — Sou judeu. Não posso crer em Jesus. Nisso um pastor entrou na conversa.
    — Você conhece as profecias sobre o Messias? — ele perguntou.
    Lapides foi apanhado desprevenido.
    — Profecias? Nunca ouvi falar delas.
    O pastor deixou Lapides perplexo, citando algumas predi-ções do Antigo Testamento. "Um momento!", pensou. "Ele está citando minhas Escrituras hebraicas! Como Jesus pode estar nelas?"
    Quando o pastor lhe ofereceu uma Bíblia, Lapides se manteve cético.
    — O Novo Testamento está aí dentro? — perguntou. O pastor fez que sim com a cabeça. — Está bem, vou ler o Antigo Testamento, mas não vou nem abrir o Novo — disse.
    Novamente ele ficou surpreso com a resposta do pastor.
    — Está bem. Leia apenas o Antigo Testamento e peça ao Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de Israel, que lhe mostre se Jesus é o seu Messias. Porque eu sei que ele é. Ele veio primeiro para o povo judeu, para depois se tornar o salvador do mundo.
    Para Lapides, essas eram informações novas. Informações intrigantes. Informações surpreendentes. Ele voltou ao seu apartamento, abriu o Antigo Testamento no primeiro livro, Gênesis, e se pôs a procurar Jesus entre palavras que tinham sido escritas centenas de anos antes de o carpinteiro de Nazaré ter nascido.

    — Não demorou muito — Lapides relatou — e eu estava lendo o Antigo Testamento todos os dias e encontrando uma profecia após outra. Por exemplo, Deuteronômio falava de um profeta maior que Moisés, que viria e a quem deveríamos dar ouvidos. Pensei: "Quem pode ser maior que Moisés?". Tudo indicava que se tratava de uma referência ao Messias; alguém tão grande e respeitado como Moisés, mas um professor maior, com autoridade maior. Agarrei-me nisso e continuei procurando por ele.
    Lapides foi avançando pela Escritura, até ficar paralisado por Isaías 53. De modo claro e específico, numa predição assombrosa envolta em bela poesia, aqui havia um quadro de um Messias que haveria de sofrer e morrer pelos pecados de Israel e do mundo; tudo escrito mais de 700 anos antes de Jesus andar pela terra.

    Foi desprezado e rejeitado pelos homens,
    um homem de dores e experimentado no sofrimento.
    Como alguém de quem os homens escondem o rosto,
    foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima.

    Certamente ele tomou sobre si
    as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças;
    contudo nós o consideramos castigado por Deus,
    por Deus atingido e afligido. Mas ele foi transpassado
    por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa
    de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz
    estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.
    Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos,
    cada um de nós se voltou para o seu próprio caminho;
    e o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós.
    Ele foi oprimido e afligido; e, contudo, não abriu a sua boca;
    como um cordeiro foi levado para o matadouro,
    e como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada,
    ele não abriu a sua boca. Com julgamento opressivo ele foi levado.
    E quem pode falar dos seus descendentes? Pois ele foi eliminado
    da terra dos viventes; por causa da transgressão
    do meu povo ele foi golpeado. Foi-lhe dado um túmulo com os ímpios,
    e com os ricos em sua morte, embora não tivesse cometido
    nenhuma violência nem houvesse nenhuma mentira
    em sua boca [...].

    Pois ele levou o pecado de muitos,
    e pelos transgressores intercedeu (Is 53.3-9,12).

    Lapides reconheceu o quadro imediatamente: era Jesus de Nazaré! Agora ele estava começando a entender as pinturas que vira nas igrejas católicas em que entrara quando criança: Jesus sofredor, Jesus crucificado, Jesus que ele agora percebia que tinha sido "transpassado por causa das nossas transgressões", que "levou o pecado de muitos".
    Os judeus no Antigo Testamento procuravam pagar por seus pecados por meio de um sistema de sacrifícios de animais, mas aqui estava Jesus, o supremo Cordeiro sacrificial de Deus, que pagou pelo pecado de uma vez por todas. Aqui estava a personificação do plano de redenção de Deus.
    Essa descoberta foi tão estupenda, que Lapides podia chegar apenas a uma conclusão: era uma fraude! Ele concluiu que os cristãos tinham reescrito o Antigo Testamento e distorcido as palavras de Isaías para fazer como se o profeta tivesse previsto a vinda de Jesus.
    Lapides se propôs a desmascarar a fraude.
    — Pedi à minha madrasta que me enviasse uma versão do Antigo Testamento em hebraico, para que eu mesmo pudesse comprová-lo — ele me disse. — Ela enviou, e adivinhe! Descobri que lá dizia a mesma coisa! Agora eu tinha mesmo de encarar o fato.

    Uma após outra Lapides encontrou profecias no Antigo Testamento; mais de 48 predições, no total. Isaías indicou o modo do nascimento do Messias (de uma virgem); Miquéias mostrou o lugar do seu nascimento (Belém); Gênesis e Jeremias especificaram sua ascendência (descendente de Abraão, Isaque e Jacó, da tribo de Judá, da família de Davi); os Salmos predisseram a traição que sofreria, sua acusação por testemunhas falsas, o modo da sua morte (transpassado nas mãos e nos pés, apesar de a crucificação ainda não ter sido inventada) e sua ressurreição (ele não se decomporia, mas ascenderia ao céu), e assim por diante. Cada uma dessas profecias retirou um pouco do ceticismo de Lapides, até finalmente ele sentir-se disposto a dar um passo drástico.
    — Decidi abrir o Novo Testamento e ler apenas a primeira página — ele disse. — Com as mãos tremendo, lentamente virei as páginas de Malaquias para Mateus, olhando para o céu, para ver se algum raio iria me atingir!
    As primeiras palavras de Mateus pareciam saltar da página: "Registro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão...".
    Os olhos de Lapides se arregalaram quando lembrou a primeira vez em que leu essa frase.
    — Pensei: "Incrível! Filho de Abraão, filho de Davi": estava tudo se encaixando! Passei para as narrativas do nascimento e, veja só: Mateus está citando Isaías 7.14: "A virgem ficará grávida e dará à luz um filho". Depois vi que ele citava o profeta Jeremias. Fiquei ali pensando: "Você sabe, todos estes são judeus. Onde entram os gentios na história? O que está acontecendo aqui?" Não consegui mais parar de ler. Li os quatro evangelhos e entendi que eles não eram o manual do Partido Nazista Americano; era a ação de Jesus no meio da comunidade judaica. Passei para o livro de Atos e — incrível! — eles estavam discutindo como os judeus podiam contar a história de Jesus aos gentios. Os papéis estavam invertidos!
    As profecias cumpridas foram tão convincentes que Lapides começou a dizer aos seus conhecidos que achava que Jesus era o Messias. Na época, isso era uma mera possibilidade intelectual para ele, mas as implicações eram muito sérias.
    — Entendi que, para aceitar a Jesus em minha vida, teria de haver algumas mudanças significativas na maneira como eu estava vivendo — explicou. — Teria de encarar de modo diferente as drogas, o sexo etc. Eu não tinha entendido que Deus me ajudaria a fazer essas mudanças; achava que eu mesmo tinha de limpar a minha vida.

    Lapides e alguns amigos partiram para o deserto de Mojave. Espiritualmente ele se sentia em meio a um conflito. Tivera pesadelos com cães atacando-o de várias direções ao mesmo tempo. Sentado entre os arbustos do deserto, lembrou-se das palavras que alguém dissera em Sunset Strip: "Ou você está do lado de Deus ou do lado de Satanás".
    Ele cria na corporificação do mal; e não era desse lado que queria ficar. Assim, Lapides orou: "Deus, tenho de chegar ao fim desta luta. Tenho de saber sem sombra de dúvida se Jesus é o Messias. Preciso saber se tu, como Deus de,Israel, queres que eu creia nisso".
    Enquanto me contava a história, Lapides hesitou, sem saber como pôr em palavras o que aconteceu em seguida. Ficou em silêncio alguns momentos. Depois disse:
    — O melhor que posso dizer daquela experiência é que Deus falou objetivamente ao meu coração. Ele me convenceu, de modo experimental, de sua existência. E naquele instante, lá no deserto, eu disse em meu coração: "Deus, eu aceito a Jesus em minha vida. Não entendo o que devo fazer com ele, mas eu o quero. Consegui estragar a minha vida; preciso que o senhor me transforme".
    E Deus começou a fazer isso, em um processo que continua até hoje. Ele explicou:
    — Meus amigos sabiam que minha vida tinha mudado e não conseguiam entender como. Eles diziam: "Alguma coisa aconteceu com você no deserto. Você não quer mais saber de drogas. Há algo diferente em você". Então eu respondia: "Bem, não sei explicar o que aconteceu. Tudo o que sei é que há alguém na minha vida, e é alguém santo, justo, que é fonte de pensamentos positivos sobre a vida, e eu me sinto muito bem".
    Essa última frase parecia dizer tudo.
    — Eu me sinto inteiro, novo, de um modo como nunca me senti antes — ele enfatizou para mim
    Apesar das mudanças para melhor, ele estava receoso de dar a notícia aos seus pais. Quando finalmente o fez, as reações foram mistas.
    — No começo ficaram felizes porque viam que eu não era mais viciado em drogas e dava a impressão de estar muito melhor emocionalmente — recordou. — Mas a reação foi contrária quando entenderam a causa dessas mudanças. Eles se retraíram, como se dissessem: "Por que tem de ser Jesus? Não podia ser outra coisa?". Não sabiam o que fazer com a notícia.
    Com uma ponta de tristeza na voz, acrescentou:
    — Acho que eles ainda não sabem o que fazer.
    Por meio de uma seqüência memorável de circunstâncias, a oração de Lapides por uma esposa foi respondida quando encontrou Débora, também judia, que seguia a Jesus. Ela o levou à sua igreja — cujo pastor era o mesmo que muitos meses antes, em Sunset Strip, desafiara Lapides a ler o Antigo Testamento.
    Lapides riu.
    — Foi incrível! Ele ficou de boca aberta quando me viu entrar na igreja!
    Essa congregação estava cheia de ex-motoqueiros, ex-hippies e ex-viciados da Strip, junto com vários sulistas transplantados. Para um jovem judeu de Newark que era tímido para se relacionar com pessoas diferentes dele, por causa do anti-semitismo que temia encontrar, era confortador poder chamar essa multidão multicor de "irmãos e irmãs".
    Lapides casou-se com Débora um ano depois de se conhecerem. Desde então nasceram dois filhos. E do trabalho deles nasceu Beth Ariel Fellowship, um lar para judeus e gentios que estão encontrando restauração em Cristo.

    Lapides terminou sua história e recostou-se na cadeira. Não tive pressa em retomar a conversa. O santuário transmitia paz; o sol da Califórnia reforçava as cores vermelha, amarela e azul dos vitrais. Fiquei pensando na força da história de uma pessoa que encontrou a fé. Estava maravilhado com essa saga de guerra e drogas, de Greenwich Village, Sunset Strip e um deserto isolado, que à primeira vista não tinham ligação com o pastor atencioso de fala mansa sentado à minha frente.
    Contudo, eu não queria ignorar as perguntas óbvias que sua história levantava. Com a permissão de Lapides, comecei fazendo aquela que estava em primeiro lugar em minha mente:
    — Se as profecias foram tão evidentes para você e apontavam de modo tão inquestionável para Jesus, por que mais judeus não o aceitam por Messias?
    Era uma pergunta que Lapides se fizera muitas vezes durante essas três décadas desde que fora desafiado por um cristão a pesquisar as Escrituras hebraicas.
    — No meu caso, tomei tempo para lê-las — ele replicou. — É surpreendente, mas, apesar de os judeus serem conhecidos por seus estudos, nessa área há muita ignorância. Além disso, existem organizações antimissionárias que realizam conferências nas sinagogas para tentar provar que as profecias messiânicas têm outras interpretações. Os judeus as ouvem e usam como desculpa para não estudar as profecias pessoalmente. Dizem: "O rabino me disse que não é nada disso". Eu lhes pergunto: "Você acha que o rabino levantou objeções que os cristãos já não ouviram antes? Estou querendo dizer que os estudiosos trabalham nisso há centenas de anos! Há muita literatura e respostas cristãs convincentes a esses desafios". Se alguém mostra interesse, eu o ajudo a avançar.
    Perguntei sobre o ostracismo que um judeu enfrenta quando se torna cristão.
    — Isso realmente acontece — ele assentiu. — Algumas pessoas não se deixam conquistar pelas profecias messiânicas porque têm medo das repercussões: a provável rejeição pela família e pela comunidade judaica. Isso não é fácil de encarar. Pode acreditar, eu sei o que é isso!
    Mesmo assim, alguns questionamentos das profecias soam bastante convincentes à primeira vista. Portanto, coloquei uma por uma as objeções mais comuns a Lapides, para ver como ele responderia.

    Comecei perguntando a Lapides se é possível que Jesus tenha cumprido as profecias por mero acaso. Talvez ele seja apenas um entre muitos no transcurso da história que, por coincidência, se encaixaram na previsão do profeta.
    Impossível — foi sua resposta. — As coincidências são tão completas que excluem essa possibilidade. Alguém usou uma calculadora e descobriu que a probabilidade de apenas oito profecias se cumprirem na mesma pessoa é de uma em cem trilhões. Esse número é milhões de vezes maior que o total de habitantes que esta terra já teve! Esse matemático calculou que, se você separasse o mesmo número de moedas de um dólar, daria para cobrir todo o Estado do Texas com mais de meio metro de altura. Imagine que você colocasse uma marca em uma dessas moedas e depois vendasse os olhos de uma pessoa e lhe pedisse para andar pelo Estado todo até achar essa moeda, que chances ela teria de encontrar a moeda marcada?
    Com isso ele respondeu à própria pergunta:

    As mesmas chances tem qualquer pessoa na história de cumprir pelo menos oito profecias.

    Eu estudara essas projeções matemáticas, feitas por Peter W. Stoner, quando investigava as profecias messiânicas por mim mesmo. Stoner também calculou que a probabilidade de se cumprirem as 48 profecias era de uma em um trilhão elevado à décima quinta potência!
    Nossa mente não consegue entender um número desse tamanho. É um número igual ao dos átomos de um universo como o nosso multiplicado por um trilhão elevado à quinta potência!
    A estatística mostra que é impossível alguém cumprir todas as profecias do Antigo Testamento por acaso — concluiu Lapides. — Mas Jesus, e apenas Jesus em toda a história, conseguiu isso.

    As palavras do apóstolo Pedro pipocaram em minha mente: "Mas foi assim que Deus cumpriu o que tinha predito por todos os profetas, dizendo que o seu Cristo haveria de sofrer" (At 3.18).

    Pintei outro quadro para Lapides, perguntando:
    Não poderia acontecer de os escritores dos evangelhos inventarem detalhes para fazer parecer que Jesus cumpriu as profecias? Por exemplo, as profecias dizem que os ossos do Messias não seriam quebrados. Assim, João poderia ter inventado a história dos romanos que quebraram as pernas dos ladrões crucificados ao lado de Jesus, e não as dele. E as profecias falam da traição em troca de 30 moedas de prata, por isso Mateus jogou com os fatos e disse: "É verdade, Judas vendeu Jesus por esse valor".

    Essa objeção, porém, não funcionou melhor que a anterior.
    Deus, em sua sabedoria, criou controles e formas de verificação dentro e fora da comunidade cristã — explicou Lapides. — Quando os evangelhos começaram a circular, ainda viviam pessoas que tinham visto essas coisas acontecer. Alguém teria dito a Mateus: "Você não sabe se as coisas aconteceram assim. Tentamos viver de modo justo e verdadeiro, portanto não nos manche com uma mentira".

    Além disso, ele acrescentou, por que Mateus teria inventado profecias cumpridas para depois se expor à morte por seguir alguém que ele, no fundo, sabia não ser o Messias? Isso não faria sentido.

    Mais que isso, a comunidade judaica teria se agarrado a qualquer oportunidade para desacreditar os evangelhos, destacando suas falsidades.
    Eles teriam dito: "Eu estava lá, e os ossos de Jesus foram quebrados pelos romanos depois da crucificação" — Lapides acrescentou. — Mas, apesar de o Talmude referir-se a Jesus em termos pejorativos, nem ao menos uma vez alega que o cumprimento de profecias foi falsificado.

    Alguns céticos afirmam que Jesus simplesmente conduziu sua vida de modo a cumprir as profecias.
    Será que ele não poderia ter lido em Zacarias que o Messias entraria em Jerusalém montado em um jumento e dada um jeito de fazer exatamente isso?
    Lapides fez uma pequena concessão.
    Para algumas poucas profecias, certamente podemos imaginar isso. Mas há muitas outras para as quais isso não teria sido possível — acrescentou. — Por exemplo, como poderia ele controlar o pagamento de 30 moedas de prata a Judas pelo Sinédrio, por traí-lo? Como poderia programar sua ascendência, o lugar do seu nascimento, seu método de execução, os soldados jogando dados por suas roupas ou que suas pernas não fossem quebradas na cruz? Como ele conseguiria fazer milagres diante de céticos? E planejar sua ressurreição? Como poderia direcionar a época do seu nascimento?

    Esse último comentário despertou minha curiosidade.
    O que o senhor quer dizer com a época do seu nascimento?
    Segundo podemos interpretar Daniel 9.24-26, o Messias surgiria certo número de anos depois que o rei Artaxerxes i promulgasse um decreto permitindo aos judeus da Pérsia retornar a Jerusalém para reconstruir seus muros — Lapides replicou.

    Ele curvou-se para frente para dar a dica:
    Isso situa a vinda do Messias no exato momento da história em que Cristo apareceu. Isso com certeza não é algo que ele pudesse ter planejado.

    Mais uma objeção precisava ser respondida: será que as passagens que os cristãos identificam como profecias messiânicas realmente tinham o propósito de apontar para a vinda do Ungido, ou será que os cristãos as tiraram do contexto e distorceram sua interpretação?
    Lapides suspirou e disse:
    Sabe, eu costumo dar uma olhada nos livros que são escritos para derrubar aquilo em que cremos. Não é muito divertido, mas gasto o tempo necessário para estudar cada objeção separadamente e depois pesquisar o contexto e as palavras na língua original. Em todas as ocasiões, as profecias resistiram ao ataque e provaram ser verdadeiras.

    Ele fez uma pausa e prosseguiu:
    Faço um desafio aos céticos: não se fiem nas minhas palavras, mas também não se fiem nas palavras do seu rabino. Separem tempo para pesquisar por conta própria. Hoje em dia ninguém pode dizer: "Não há informação". Há muitos livros que podem ajudar você. Mais uma coisa: peça sinceramente a Deus que lhe mostre se Jesus é ou não o Messias. Foi isso que eu fiz e, sem ninguém me monitorando, ficou claro para mim que ele se encaixa na descrição do Messias.

    Gostei da maneira como Lapides tinha respondido às obje-ções, mas, no fim das contas, foi a história da sua peregrinação espiritual que ficou ecoando em minha mente quando voei de volta para Chicago, tarde da noite. Refleti sobre quantas vezes eu tinha encontrado histórias semelhantes, especialmente entre judeus bem-sucedidos e racionais, que tinham decidido refutar a reivindicação messiânica de Jesus.
    Lembrei de Stan Telchin, o empresário da costa Leste que decidira desmascarar o cristianismo como "seita" depois que sua filha partira para a faculdade e recebera Y'shua (Jesus) como seu Messias. Ele ficou perplexo ao ver que sua investigação o levara — junto com sua esposa e a segunda filha — ao mesmo Messias. Ele veio a tornar-se um ministro cristão, e o livro em que conta sua história, Traído, foi traduzido para mais de 20 idiomas.
    Pensei em Jack Sternberg, um médico oncologista famoso em Little Rock, no Arkansas, que ficou tão alarmado com o que encontrou no Antigo Testamento que desafiou três rabinos a provar que Jesus não é o Messias. Eles não conseguiram, e ele também afirma que encontrou nova vida em Cristo.
    Havia ainda Peter Greenspan, um ginecologista obstetra que trabalha na região de Kansas City e é professor clínico assistente na Kansas City School of Medicine, da Universidade de Missouri. Como Lapides, ele fora desafiado a procurar por Jesus no judaísmo. O que encontrou o incomodou, e então aprofundou-se na Tora e no Talmude, procurando desacreditar as credenciais messiânicas de Jesus. Em vez disso, acabou por concluir que Jesus cumpriu milagrosamente as profecias.
    Quanto mais ele lia livros de autores que queriam minar as evidências de que Jesus era o Messias, mais percebia as falhas nos argumentos deles. Ironicamente, concluiu Greenspan, "acho que na verdade vim a crer em Yeshua lendo o que seus detratores escreveram".
    Greenspan descobriu, como também Lapides e outros, que as palavras de Jesus provaram ser verdadeiras: "Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos" (Lc 24.44). Foi tudo cumprido, e apenas em Jesus — a única pessoa da história que se encaixou no perfil do Ungido de Deus pintado pelos profetas.
  • Um exame crítico do livro de Bart Ehrman: O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: quem mudou a Bíblia e por quê.

    Interpretando mal o Cristianismo: os copistas realmente alteraram o conteúdo da Bíblia? E por quê?

    Em O que Jesus disse? O que Jesus não disse?, Bart Ehrman parece, superficialmente, apresentar uma tese convincente para a falta de fidelidade do Novo Testamento baseado nas mudanças dos manuscritos antigos durante o processo de cópia dos copistas, particularmente no segundo e terceiro séculos. Infelizmente, ele não é sempre o estudioso objetivo que ele mesmo afirma ser. Este trabalho, enquanto provê um documentário interessante sobre a disciplina do criticismo textual, somente conta metade da história.

    Embora Ehrman saiba que a maioria esmagadora destes erros de cópia são aqueles (tais como os erros de ortografia) que são, em suas próprias palavras, “completamente insignificante[s], imateria[is], de pouca importância” (p. 217)[1], ele repetidamente passa rapidamente por cima deste ponto crítico e focaliza , em vez disto, as muito mais escassas adições e alterações intencionais, as quais a maioria já foi removida das nossas modernas traduções, ou mesmo que preservadas, têm pequeno ou nenhum impacto na doutrina cristã.

    Adicionalmente, Ehrman freqüentemente deturpa o corpo da moderna erudição como que concordando com ele em matérias controversas quando, na verdade, alguns dos mais importantes estudiosos do Novo Testamento – incluindo o próprio mentor de Ehrman, Bruce Metzger – discordam dele. Apesar disto, ao final de seu livro, Ehrman admite que “pesquisadores competentes … altamente inteligentes chegam a conclusões opostas” (p. 218); até então, ele usa o termo inclusivo “pesquisadores” ou “muitos pesquisadores” para apoiar suas conclusões, ainda que raramente seja verdade.

    É particularmente perturbador quando Ehrman especula sobre o assunto da autenticidade baseado em sua própria opinião ou reação pessoal quanto ao texto ao invés de [basear-se em] qualquer evidência histórica (por exemplo, ele visualiza diferenças secundárias de um evangelho para outro como tentativas deliberadas de alterar a mensagem e apresenta uma diferente visão da história) e, então, posteriormente em seu livro, deixa de chamar estas declarações “de especulações” para declarações “de fato”.

    Pegue, por exemplo, sua argumentação de que Mateus e Lucas deliberadamente “apagaram” referências às emoções de Jesus (tais como compaixão ou ira, dependendo da variação lida que alguém escolha) na cura do leproso em Marcos 1.41. Por causa de que Ehrman prefere a leitura de que Jesus estava mais irado do que compassivo, ele argumenta que as descrições mais esparsas de Mateus e Lucas foram tentativas deliberadas de ocultar o que ele consideraria um fato embaraçoso. A argumentação de Ehrman ignora claramente o problema que, se os escritores do evangelho tinham inclinação para remover fatos embaraçosos, eles teriam ocultado os fatos muito mais embaraçosos deles, tais como a rejeição de Jesus por parte de Pedro, a incredulidade de Tomé, e o fato da tumba vazia ter sido descoberta por mulheres. Se eles deixaram estes fatos embaraçosos, porque eles deixariam fora do seu caminho algo tão inócuo quanto aqueles? Mais importante ainda, a argumentação de que isto é uma omissão deliberada (desta forma colocando dúvida nos motivos dos escritores) é uma interpretação pessoal que se sobrepõe ao texto – e completamente sem base nos fatos.

    Rejeição subjetiva

    Ironicamente, Ehrman usa seu treinamento em criticismo textual como a base para rejeitar a fé cristã. E, ainda, mesmo na própria admissão tácita de Ehrman, nenhum exemplo dado no livro toca o núcleo do ensino cristão.

    Certamente, algumas adições dos copistas apóiam as afirmações do Novo Testamento sobre a divindade de Cristo, por exemplo; mas há um excesso de referências, incluindo as próprias palavras de Jesus, que não estão sob suspeita. E nenhuma destas discrepâncias coloca em xeque o coração da mensagem cristã, incluindo os detalhes relativos à morte expiatória, julgamento e ressurreição de Cristo, as quais formam o coração da fé cristã. Não somente isto, mas a confirmação dos pontos-chave dos relatos evangélicos podem ser encontrada em antigas crenças pré-Paulinas, as quais aparecem antes dos evangelhos ou epístolas serem escritas (a crença encontrada em 1 Coríntios 15, por exemplo, é comumente crida que ela apareceu dentro de uns poucos anos depois da morte de Cristo[2]), e nos escritos da Igreja antiga, tanto quanto em documentos seculares do primeiro e segundo séculos.

    Curiosamente, Ehrman quase admite que o que importa não são os fatos da matéria, mas suas acusações pessoais (as quais são tão importantes que ele as faz na primeira e na última página do livro); que se a Bíblia foi realmente inspirada por Deus, então Deus teria preservado suas palavras originais perfeitamente através da história. Nenhum copista teria feito um simples erro ou uma simples mudança em qualquer ponto do tempo:

    Pois a única razão (pensava eu) de Deus inspirar a Bíblia seria para seu povo ter as suas palavras reais; mas se ele realmente queria que as pessoas tivessem suas palavras reais, certamente poderia ter preservado miraculosamente essas palavras, assim como primeiramente as inspirara milagrosamente. Dadas as circunstâncias de que não preservou as palavras, a conclusão me pareceu inevitável: ele não se deu ao trabalho de inspirá-las. (p. 221)

    Isto explica porque, na mente de Ehrman, as menores e mais secundárias discrepâncias tiraram a sua fé do caminho. Não que a evidência realmente aponte para os documentos do Novo Testamento como não confiáveis em transmitir verdade histórica, mas antes porque Deus não atingiu os padrões pessoais do próprio Ehrman.

    Através da lente da ofensa

    Esta, no seu núcleo, é a lente através da qual Ehrman visualiza sua pesquisa. Isto é claro, não somente em suas justificativas, mas em sua teologia. Muitas das afirmações de Ehrman de que as mudanças no texto são significativas à teologia cristã, realmente refletem o que parece ser uma compreensão superficial do texto.

    Em outros lugares, seus problemas quase parecem manufaturados. Pegue o exemplo do aparente “erro” de Jesus quando Ele diz, em Marcos 4, que a semente da mostarda é “a menor de todas as sementes da terra”. Respondendo ao corpo do trabalho de harmonização destas passagens, Ehrman escreve, “[...]talvez eu não precise arrumar uma explicação extravagante de como o grão de mostarda pode ser a menor das sementes quando sei perfeitamente que não é” (p. 20). Antes que conclua que Jesus proferiu uma asneira embaraçosa, não seria mais racional assumir que Jesus não estava fazendo uma declaração científica, mas antes estava a ferramenta comum do exagero para fazer um ponto importante – a comparação do tamanho da semente com a majestade da planta completamente desenvolvida? Para Ehrman ver isto como um erro antes do que como uma óbvia figura de linguagem sugere uma forte tendência através da qual ele interpreta o texto.

    Esta tendência resplandece tanto através do restante do parágrafo quanto na lista de Ehrman, uma coleção de “contradições”, após cada uma das quais ele afirma que, antes de aceitar a harmonização, “talvez haja realmente uma diferença”. A resposta óbvia é “e talvez não haja”. Os exemplos que Ehrman dá são bem conhecidos dos estudiosos do Novo Testamento, e a maioria – se não todos – são facilmente harmonizados. Então nós ficamos com a solução fácil? Ou nós rejeitamos a solução mais intuitiva e focamos ao invés disto a menos intuitiva – que Jesus, que é comumente citado, mesmo por aqueles que não aceitam sua divindade, como o mais sábio homem que já viveu e que habitou em uma cultura de fazendeiros e agricultores, cometeu um erro grosseiro sobre o tamanho de uma semente comum?[3]

    Por último, o que isto resume é a falta de respeito de Ehrman pela mensagem do Novo Testamento. Isto também é claro em suas incorreções nas citações bíblicas. Ocasionalmente, as referências bíblicas são rasteiramente incorretas. Em outros casos, se alguém ler a passagem a qual Ehrman está se referindo, ela nem sempre diz o que Ehrman afirma. Se Isto é um resultado de sua própria lambança ou resposta ao texto emocionalmente carregada, novamente ressalta uma questão acerca de sua objetividade.

    De qualquer modo, sobre o quê o Cristianismo está baseado?

    Com todas as coisas consideradas, há uma tremenda ironia aqui. Eu duvido que qualquer estudioso questionaria a discussão de Ehrman sobre os manuscritos em si. As alterações dos copistas são bem conhecidas, e que poucas “principais” modificações foram feitas ao texto são também bem conhecidas – mesmo para, ”hã, hum”, outros estudiosos do Novo Testamento – mas a despeito do propósito declarado do livro como uma introdução ao criticismo textual para leigos, é a conclusão que Ehrman formula que é a verdadeira mensagem do livro. Essas conclusões são altamente subjetivas, e é nas suas conclusões que muitos dos maiores estudiosos do Novo Testamento do mundo distinguem-se das visões dele.

    A maior ironia é que Ehrman rejeitou sua fé no cristianismo bíblico no que ele vê como problemas irreconciliáveis com o texto; e, contudo, a fé cristã nunca foi baseada na perfeita preservação das traduções do Novo Testamento. É baseada no testemunho ocular do Cristo ressurreto, o qual é um dos eventos mais bem atestados na história antiga, com ou sem alterações dos copistas, e mesmo fora da Bíblia. Poderiam desaparecer todos os documentos do Novo Testamento, porém a historicidade do Cristo ressurreto, crucificado por nossos pecados e adorado pelos antigos cristãos como Deus, permaneceria intacta (veja The Historical Jesus, por Gary Habermas).

    Uma ironia final é que, enquanto Ehrman pesquisou estes textos e rejeitou sua fé, muitos dos grandes intelectuais do nosso tempo têm olhado para as mesmas evidências e têm realmente fortalecido suas fés ou se tornam crentes pela primeira vez. Eu mesmo tomo algo muito diferente das evidências de Ehrman do que ele aponta, e eu realmente deleito-me com o livro e planejo adicioná-lo à minha biblioteca apologética apoiando a fé cristã – em grande parte, eu suspeito, para seu desapontamento.

    Notas

    [1] Na sua seção sobre os textos do Novo Testamento, Ehrman sumariza o trabalho por Daniel Whitby como concluindo que “o texto do Novo Testamento é seguro, dado que raramente alguma variante citada por Mill [um oponente focado em variantes textuais] diz respeito a um artigo de fé ou a uma questão de conduta” (p. 96). Ehrman deixa esta avaliação incontestada, e poucas linhas mais tarde, acrescenta, “A defesa de Whitby bem que poderia ter atingido o alvo”, exceto para a publicidade adicional que ele trouxe para as variações, perfazendo suas críticas. Ironicamente, o poder do argumento, neste ponto do livro, parece descansar com Whitby. Deste modo, na página 100, quando Ehrman coloca que o número de variações podia ser de 400000 ou mais, o leitor é deixado pensativo com a relevância desta declaração. Se as variações não são substanciais , como Ehrman admite, qual é o problema? Se há 30000 variações textuais ou 400000, o volume adicional não as tornam mais graves, apenas mais numerosas. Compondo o problema, quando Ehrman continua sua documentação dos avanços na prática da crítica textual, ele resume o trabalho de Johann Wettstein como segue: “Nesse caso, versões variantes podem afetar pontos menores das Escrituras, mas a mensagem básica segue intacta, não importa que variante alguém perceba” (p. 123). Novamente, Ehrman deixa sua contribuição incontestada. Neste ponto, o leitor pode se admirar se Ehrman estava realmente argumentando pela confiabilidade dos textos. No fim das contas, Ehrman expõe que sua rejeição da autoridade deles não é baseada no que ele pode ver, mas no que não pode – e a importância que ele coloca em assuntos, segundo admite, teologicamente secundários e de pouca importância. Mas para o leitor perspicaz, a mensagem não escrita do livro é que, enquanto Ehrman ultimamente rejeita a autoridade dos textos do Novo Testamento baseados em assuntos secundários, ele claramente aceita a confiança deles em assuntos críticos e fundamentais do Cristianismo.

    [2] Talvez as crenças dos mais antigos cristãos, 1 Co 15:3-8, seja o seguinte: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze. Depois foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também. Depois foi visto por Tiago, depois por todos os apóstolos. E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo”. Gary Habermas, um dos mais notáveis especialistas sobre as evidências do primeiro e segundo século que corroboram para os manuscritos do Novo Testamento, nota que numerosos teólogos datam esta crença de três a oito anos após a crucificação de Cristo. Para uma lista de teólogos, bem como uma variedade de outras crenças pré-Paulinas, veja The Historical Jesus, por Gar Habermas, p. 144-146,154.

    [3] Exemplos adicionais podem ser encontrados na página 143, na discussão de Ehrman das variações de leitura de Marcos 1.41, nas quais Jesus é alternativamente dito estar irado com o leproso e compassivo com ele. A despeito da grande tempestade de areia que Ehrman tenta criar sobre esta passagem, eu não consigo perceber sua relevância. A não ser as ofensas de Ehrman de que Deus não preservou o texto e permitiu leituras variantes em primeiro lugar, isto não é a questão. Se Jesus estava irado ou compassivo, ambas as emoções são justificáveis. O mesmo se aplica para a detalhada discussão de Ehrman sobre se Jesus estava afligido ou tranqüilo no jardim Getsêmani em Lucas 22. Novamente, qualquer uma das emoções é justificável. Além do mais, não é possível que Jesus tivesse sentido ambas as emoções? Não obstante, é baseado nisto e numa coleção de outros assuntos sem importância que Ehrman ultimamente rejeitou sua fé.
  • ENTREVISTA DO REPÓRTER LEE STROBEL COM O TEÓLOGO BEN WITHERINGTON

    Não há muita coisa de interessante na pequena Wilmore, no Estado de Kentucky, com exceção do Seminário Teológico de Asbury. O escritório de Ben Witherington fica no quarto andar de um prédio em estilo colonial distante da rua principal daquela rústica comunidade. Com a graciosa hospitalidade de um cavaleiro sulista, Witherington, natural da Carolina do Norte, ofereceu-me uma cadeira confortável e café, enquanto nos sentávamos para discutir quem Jesus de Nazaré era de fato.

    O tema é familiar a Witherington, que publicou, entre outros, Jesus the sage [Jesus, o sábio], The many faces of Christ [As várias faces de Cristo], The Jesus quest [A busca por Jesus]; Jesus, Paul, and the end of the world [Jesus, Paulo e o fim do mundo] e Women in the ministry of Jesus [As mulheres no ministério de Jesus]. Seus artigos sobre Jesus constam de dicionários especializados e de periódicos acadêmicos.

    Formado pelo Seminário Teológico Gordon-Conwell (onde concluiu seu mestrado em teologia com louvor) e pela Universidade de Durham, na Inglaterra (onde fez seu doutorado em teologia com ênfase no Novo Testamento), Witherington lecionou no Seminário de Asbury, no Seminário Teológico de Ashland, na Divinity School da Duke University e no Gordon-Conwell. Ele é membro da Sociedade para o Estudo do Novo Testamento, da Sociedade de Literatura Bíblica e do Instituto de Pesquisas Bíblicas.

    Não é verdade que Jesus fazia um certo mistério em relação à sua identidade? — perguntei a Witherington no momento em que ele puxava uma cadeira para sentar-se à minha frente. — Ele evitava, de modo geral, proclamar abertamente sua condição de Messias ou de Filho de Deus. Será que é porque ele não achava que fosse nem uma coisa nem outra ou seria por outros motivos?
    Não, não é porque não se considerasse nem uma coisa nem outra — respondeu Witherington, acomodando-se em sua cadeira e cruzando as pernas. — Se ele tivesse dito simplesmente: "Oi, gente, sou Deus", as pessoas entenderiam que ele estava dizendo: "Sou IAVÉ", porque os judeus daquela época não tinham o conceito da Trindade. Eles só conheciam o Deus Pai — a quem chamavam IAVÉ, mas não sabiam da existência do Deus Filho nem do Deus Espírito Santo. Portanto, se alguém dissesse que era Deus, isso não faria o menor sentido para eles, que interpretariam a declaração como blasfêmia absoluta. Além do mais, isso em nada ajudaria Jesus em seus esforços para que as pessoas ouvissem sua mensagem. Fora isso, havia muita expectativa em relação à aparência que o Messias teria, e não era intenção de Jesus ser enquadrado em uma categoria qualquer. Conseqüentemente, suas declarações públicas eram sempre muito cautelosas. Em particular, junto com os discípulos, a história era diferente, mas os evangelhos narram principalmente seus atos públicos.

    em 1977, um livro da autoria do teólogo inglês John Hick, em parceria com vários outros colegas de mesma opinião, provocou uma polêmica acalorada ao afirmar que Jesus nunca pensou que fosse Deus encarnado ou o Messias. Esses conceitos, disseram, desenvolveram-se mais tarde e foram incorporados aos evangelhos, de modo que Jesus parece tê-los dito.
    Para investigar essa alegação, Witherington retrocedeu ao tempo das mais antigas tradições sobre Jesus — ao material mais primitivo, inquestionavelmente à prova da influência de lendas — e descobriu provas convincentes sobre como Jesus via a si mesmo.
    Eu queria me aprofundar nessa pesquisa começando pela pergunta:
    — Que pistas temos sobre o conceito que Jesus tinha de si mesmo com base na maneira como ele se relacionava com as outras pessoas?
    Witherington pensou um pouco e depois respondeu:
    Observe como ele se relacionava com os discípulos. Jesus tinha 12 discípulos, mas não era um deles.

    Embora isso possa parecer um detalhe sem maior importância, Witherington disse que se trata de algo muito significativo.

    Se os 12 representavam um Israel renovado, onde é que Jesus se encaixava aí? — indagou ele. — Ele não é apenas parte de Israel, não é parte somente do grupo dos redimidos, mas está formando o grupo, assim como Deus no Antigo Testamento formou seu povo e estabeleceu as 12 tribos de Israel. Isso nos diz alguma coisa sobre o modo como Jesus via a si mesmo.

    Em seguida, Witherington passou a descrever uma pista que pode ser encontrada no relacionamento de Jesus com João Batista.

    Jesus diz: "Entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João Batista". Tendo dito isso, ele vai mais além em seu ministério do que João Batista no dele: faz milagres, por exemplo. O que isso nos diz sobre o conceito que Jesus tinha sobre si mesmo?

    Após uma pausa, continuou:
    Seu relacionamento com os líderes religiosos talvez seja o que melhor ilustra isso. Jesus faz uma afirmação verdadeiramente radical ao dizer que não é o que entra em uma pessoa que a corrompe, e sim o que sai de seu coração. Com isso, ele pôs de lado grande parte do livro de Levítico e todas as meticulosas regras referentes à pureza. Os fariseus, é claro, não gostaram dessa mensagem. Eles queriam que as coisas continuassem do mesmo jeito. Mas Jesus disse: "Não. Deus tem outros planos. Ele está fazendo uma coisa nova". Teríamos de perguntar: que espécie de pessoa se julga imbuída de autoridade para desprezar as Escrituras judaicas divinamente inspiradas, substituindo-as por seu próprio ensino?

    Witherington passou então a seu último exemplo.
    E que dizer de seu relacionamento — se é que podemos chamá-lo assim — com as autoridades romanas? Por que elas o crucificaram? Se ele fosse apenas um sábio inofensivo que gostava de contar pequenas parábolas, como foi que terminou na cruz, principalmente na festa da Páscoa, quando nenhum judeu admite que outro judeu seja executado? Havia um motivo para aquela inscrição acima de sua cabeça: "Este é o rei dos judeus".

    Witherington deixou pairando no ar este último comentário antes de passar à explicação dele:
    Ou Jesus declarou verbalmente isso — disse ele — ou com certeza alguém achou que ele o fez.

    Se, por um lado, os relacionamentos de Jesus nos permitem observar como ele via a si mesmo, os seus atos —, disse Witherington — principalmente os seus milagres, nos proporcionam, por sua vez, outro tipo de visão.

    Nesse momento, porém, ergui a mão para interrompê-lo.
    É claro que não podemos dizer que os milagres de Jesus o conscientizaram de que era Deus — eu disse —, já que os próprios discípulos, posteriormente, fizeram as mesmas coisas, e não consta que tivessem reivindicado nenhuma divindade para si.
    Não, não é o fato de que Jesus realizou milagres que ilumina a consciência que ele tinha de si mesmo — respondeu Witherington. — O que importa é como ele interpreta seus milagres.

    Como assim? — perguntei.
    Jesus diz: "Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus". Ele não é como milagreiros que fazem coisas maravilhosas e depois a vida prossegue como se nada tivesse acontecido. Não. Para Jesus, seus milagres eram um sinal que indicavam a iminência do Reino de Deus. Eles são como que o aperitivo desse Reino que virá. Isso é o que diferencia de Jesus.

    Eu o interrompi novamente:
    Por favor, dê mais alguns detalhes — pedi. — De que forma isso o diferencia?
    Jesus vê em seus milagres a realização de algo inédito: a vinda do Reino de Deus — respondeu Witherington. — Jesus não se vê simplesmente como um fazedor de milagres; ele se vê como aquele em quem e por meio de quem as promessas de Deus se realizam. Isso é bem mais do que uma declaração frágil e velada de transcendência.

    Assenti com a cabeça, entendendo finalmente o que ele quis dizer. Em seguida, voltei às palavras de Jesus em busca de mais pistas sobre o que ele pensava de si mesmo.
    Ele era chamado raboni, ou "rabino", por seus seguidores — eu disse. — Isso não significa que ele simplesmente fazia preleções como outros rabinos do seu tempo?
    Witherington sorriu.
    Na verdade — disse ele —, Jesus ensinava de uma maneira radicalmente nova. Ele começava seus ensinamentos com a frase "Amém, amém, eu lhes digo", o que significa: "Juro, desde já, que é verdade o que vou dizer". Isso era completamente revolucionário.

    Como assim? — perguntei. Witherington respondeu:
    No judaísmo, era preciso o testemunho de duas pessoas, de forma que a testemunha A comprovava o depoimento da testemunha B e vice-versa. Jesus, porém, era a testemunha da verdade de suas declarações. Em vez de basear seu ensinamento na autoridade alheia, ele o fazia com base na própria autoridade. Temos aqui então alguém que se acha dotado de uma autoridade superior e mais abrangente que os profetas do Antigo Testamento. Ele se achava imbuído não apenas de inspiração divina, como o rei Davi, mas também de autoridade divina e do poder da comunicação direta da palavra descer divina.

    Além da expressão enfática sobre a verdade com que iniciava seus ensinamentos, Jesus utilizava o termo 'Abba" ao se relacionar com Deus.

    De que maneira isso nos revela o que ele pensava sobre si próprio? — perguntei.
    'Abba" tem uma conotação de intimidade no relacionamento de um filho com seu pai — disse Witherington. — Curiosamente, é também o termo que os discípulos usavam quando se referiam a um professor querido no judaísmo primitivo. Jesus, porém, o utilizou para se referir a Deus, e, pelo que me consta, só Jesus e seus seguidores oravam a Deus dessa maneira.

    Quando pedi a Witherington que discorresse um pouco mais sobre a importância disso, ele falou:
    No contexto em que Jesus atuava, era comum que os judeus dissessem o nome de Deus. Seu nome era a palavra mais santa que podiam pronunciar, a tal ponto que tinham medo de pronunciá-la erradamente. Sempre que tinham de se dirigir a Deus, diziam algo como "O Santo, bendito seja", mas nunca usavam seu nome pessoal.

    "Abba" seria um termo pessoal — eu disse.
    Muito pessoal — ele respondeu. — E um termo afetuoso que uma criança empregaria ao se dirigir a seu pai: "Paizinho, o que você tem para mim?".

    Notei, porém, uma certa inconsistência no que ele me dizia.
    Espere um pouco — objetei. — Quando Jesus diz 'Abba" em suas orações, isso não implica que ele se julgue Deus, já que ensinou os discípulos a usar a mesma palavra quando orassem, e eles não são Deus.
    Na verdade — respondeu Witherington —, o significado de 'Abba" é que Jesus é o iniciador de um relacionamento íntimo que anteriormente não era possível. A questão é: que tipo de pessoa é capaz de mudar os termos do relacionamento com Deus? Que tipo de pessoa pode iniciar uma nova aliança com Deus?

    A diferença estabelecida por Witherington fazia sentido para mim.
    Em que medida o senhor considera importante o uso que Jesus fazia da expressão 'Abba"? — perguntei.
    É muito importante — respondeu ele. — Isso implica que Jesus tinha um grau de intimidade com Deus muito diferente do que prevalecia no judaísmo daquele tempo. O mais surpreendente, porém, é que Jesus está dizendo o seguinte: somente por meio de um relacionamento com ele é possível ter com Deus um relacionamento do tipo "Abba". Isso diz muito sobre o que ele pensava a respeito de si mesmo.

    Witherington acrescentou outro indício importante — as várias vezes em que Jesus referiu-s a si mesmo como o Filho do Homem —, mas eu lhe disse que um outro estudioso, Craig Blomberg, já havia explicado que a expressão era uma referência a Daniel 7. A expressão, também no parecer de Witherington, é de extrema importância por revelar a consciência messiânica ou transcendental de Jesus.

    Nesse momento, fiz uma pausa para avaliar o que Witherington tinha acabado de dizer. Juntei todos os indícios relativos aos relacionamentos de Jesus, seus milagres e suas palavras. Com isso, a percepção que ele tinha de sua identidade ficou muito nítida.
    Parecia haver pouca dúvida, com base nas provas mais antigas, de que Jesus se considerava mais que simplesmente um operador de atos grandiosos, mais que um professor, mais que outro profeta dentre muitos. Havia provas abundantes de que ele via a si mesmo em um grau único e elevado. Mas qual seria exatamente a abrangência dessa autocompreensão?

    Na abertura de seu evangelho, João emprega uma linguagem majestosa e inequívoca para afirmar corajosamente a divindade de Jesus.

    No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus. Ele estava com Deus no princípio. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito [...] Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo 1.1-3,14).

    Lembro-me de ter deparado com essa magnífica introdução quando li pela primeira vez o evangelho de João. Recordo-me de ter perguntado a mim mesmo: como será que Jesus reagiria se lesse essa passagem de João? Será que ele daria seu aval a ela ou será que diria: "Ei, João não entendeu nada do que eu disse! Ele me enfeitou e me cobriu de mitos a tal ponto que eu nem mesmo me reconheço!". Ou será que ele diria: "Sim, sou tudo isso e muito mais"?
    Posteriormente, lendo o que Raymond Brown, outro estudioso, escrevera, vi que ele havia chegado a uma conclusão semelhante: "Não tenho nenhuma dificuldade em respaldar a tese de que se Jesus [...] tivesse lido o que João escreveu, teria achado seu evangelho uma expressão adequada de sua identidade".
    Agora eu teria a oportunidade de ouvir do próprio Witherington, que passara a vida inteira analisando os por-menores acadêmicos relativos à percepção que Jesus tinha de si mesmo, se ele concordava com a avaliação de Brown.[/B]

    Não houve nenhuma hesitação e nenhum sinal de possível equívoco.
    Sim, concordo — ele disse. — Para mim, isso não representa nenhum problema. Quando lemos o evangelho de João, temos à nossa frente a imagem de Jesus que é fruto de uma interpretação, mas creio também que se trata da conclusão lógica do que estava implícito no Jesus histórico. E eu acrescentaria: mesmo que eliminássemos o evangelho de João, ainda assim não ficaríamos com um Jesus destituído de seu caráter messiânico, porque esse tipo de material consta dos outros três evangelhos.

    Lembrei-me imediatamente da famosa passagem, registrada em Mateus, em que Jesus pergunta a seus discípulos em uma reunião secreta: "E vocês?... Quem vocês dizem que eu sou?". Pedro respondeu sem nenhuma ambigüidade: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Em vez de mudar de assunto, Jesus ratificou a afirmação de Pedro: "Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus". (Cf. Mt 16.15-17.)

    Apesar disso, algumas representações populares de Jesus, como no filme A última tentação de Cristo, mostram-no em dúvida quanto à sua identidade e missão. Ele aparece sobrecarregado de ambigüidade e angústia.
    — Existe algum indício — perguntei a Witherington — de que Jesus tenha tido alguma crise de identidade?
    Uma crise de identidade não, embora eu acredite que ele tenha tido pontos de confirmação de sua identidade — respondeu o professor. — No seu batismo, na tentação, na transfiguração, no jardim do Getsêmani, são todos momentos de crise em que Deus confirmou-lhe quem ele era e qual era sua missão. Por exemplo, não creio que tenha sido acidental o fato de que seu ministério só comece realmente depois de seu batismo, quando ouve uma voz que lhe diz: "Este é o meu Filho amado, em quem me agrado".

    No entender de Jesus, qual seria sua missão?
    Ele se via como o libertador do povo de Deus, portanto sua missão era dirigida a Israel.

    Especificamente a Israel — enfatizei.
    Correto — confirmou Witherington. — Há poucos indícios de que ele tenha se preocupado com os gentios durante seu ministério: esta seria a missão da igreja. Como se vê, as promessas dos profetas eram para Israel, portanto era para Israel que ele tinha de vir.

    Em seu livro Reasonable faith, William Lane Craig apresenta grande quantidade de provas de que, em um período de 20 anos depois da crucificação, havia uma cristologia muito desenvolvida que proclamava Jesus como Deus encarnado.
    Jaroslav Pelikan, historiador da igreja, ressaltou que o sermão cristão mais antigo, o mais antigo relato sobre um mártir cristão, a mais antiga narrativa paga sobre a igreja e a oração litúrgica mais antiga (lCo 16.22) são todas passagens que se referem a Jesus como Senhor e Deus. Segundo Pelikan: "Sem dúvida, era essa a mensagem em que a igreja acreditava e que ensinava: que 'Deus' era um nome adequado para Jesus Cristo".
    Em vista disso, perguntei a Witherington:
    — O senhor acha que isso aconteceria, principalmente de forma tão abrupta, se Jesus não tivesse feito nenhuma afirmação transcendente ou messiânica sobre si mesmo?
    Witherington foi categórico.
    Não, a menos que você queira sustentar que os discípulos esqueceram completamente como Jesus era e que eles nada tiveram a ver com as tradições que foram surgindo 20 anos após a sua morte — disse ele. — Francamente, como historiador, isso não faz o mínimo sentido.

    Conforme o raciocínio de meu entrevistado, quando o assunto é história tudo é possível, mas nem todas as coisas possíveis são igualmente prováveis.
    Será provável — ele perguntou — que tudo isso tenha sido tirado do nada 20 anos depois da morte de Jesus, quando ainda viviam pessoas que estiveram diante do Jesus histórico e sabiam como ele era? Para mim, essa hipótese histórica é tão improvável quanto qualquer outra que você possa imaginar. O que importa realmente é saber o que aconteceu depois da crucificação de Jesus que mudou a mente dos discípulos, que anteriormente haviam negado, desobedecido e abandonado a Jesus. Alguma coisa simplesmente lhes aconteceu, algo semelhante ao que Jesus experimentou no batismo — eles receberam a confirmação de que Jesus era de fato quem esperavam que fosse.

    E o que era ele exatamente? Como eu já estava terminando meu encontro com Witherington, queria que ele sintetizasse a questão para mim. Levando em conta toda a sua pesquisa, a que conclusão ele chegava sobre o que Jesus pensava de si mesmo? Fiz a pergunta, recostei-me na cadeira e deixei que ele falasse; foi o que ele fez, com eloqüência e convicção.
    Jesus se julgava a pessoa divinamente escolhida para realizar o ato salvífico máximo de Deus na história humana. Ele acreditava ser o agente de Deus incumbido de executar tal plano; para isso fora autorizado por Deus, revestido de poder por ele, era seu porta-voz e era por ele dirigido na concretização dessa tarefa. Portanto, as palavras de Jesus são as mesmas palavras de Deus. O que Jesus fez foi obra de Deus. Pelo conceito judaico de intermediação, "o agente de um homem é como ele mesmo". Lembra-se de como Jesus enviou os apóstolos e lhes disse: "Tudo o que fizerem a vocês é a mim que o fazem"? Havia uma ligação muito forte entre o homem e o agente a quem incumbia representá-lo.

    Após uma pausa, prosseguiu:
    Bem, Jesus acreditava ter uma missão divina, que era redimir o povo de Deus. A implicação disso é que o povo de Deus estava perdido e que Deus tinha de fazer alguma coisa, como sempre fez, para intervir e recolocá-lo nos trilhos certos. Desta vez, porém, havia uma diferença: seria a última vez; era a última chance. Jesus acreditava ser o Filho de Deus, o Ungido de Deus? A resposta é sim. Ele se via como Filho de Deus? A resposta é sim. Ele se julgava o Messias derradeiro? Sim, era assim mesmo que ele se via. Ele acreditava que alguém mais, além de Deus, poderia salvar o mundo? Não, não creio que acreditasse. E é aí que o paradoxo se torna o mais irônico possível: Deus vai salvar o mundo por meio da morte de seu Filho. O mais humano de todos os atos humanos: a morte. Bem, Deus, devido a sua natureza divina, não morre. De que modo então Deus poderia fazê-lo? Como é que Deus poderia se tornar o Salvador da raça humana? Ele teria de vir como ser humano para realizar essa missão. Jesus acreditava ser aquele que a realizaria. Jesus disse, em Marcos 10.45: "Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos". Ou essa é a mais alta forma de megalomania, ou é o exemplo de alguém que acredita realmente na frase que disse: "Eu e o Pai somos um". Em outras palavras: "Tenho autoridade para falar pelo Pai; tenho o poder para agir pelo Pai; se vocês me rejeitarem, estarão rejeitando o Pai". Mesmo que eliminássemos o quarto evangelho e ficássemos apenas com os sinóticos, essa seria a conclusão a que acabaríamos chegando. E é a essa conclusão que Jesus nos faria chegar se tivéssemos um estudo bíblico com ele e lhe fizéssemos essa pergunta. Por que será que nenhum outro judeu do século i tem milhões de seguidores hoje em dia? Por que não há um movimento de adeptos de João Batista? Por que, entre todos os personagens do século i, dentre eles os imperadores romanos, só Jesus é adorado hoje, ao passo que os outros foram tragados pelo pó da história? É porque Jesus, o Jesus histórico, também é o Senhor vivo. Eis a razão. É porque ele ainda está conosco, enquanto os outros já se foram há muito tempo.

    A exemplo de Witherington, muitos outros estudiosos colheram com afinco as mais antigas provas relativas a Jesus e chegaram às mesmas conclusões.
    Craig escreveu: "Eis aqui um homem que se julgava Filho de Deus em um sentido bem específico, que afirmava agir e falar com autoridade divina, que se considerava operador de milagres e que acreditava que o destino eterno das pessoas dependia de acreditarem ou não nele".
    Em seguida, acrescentou uma observação bastante surpreendente: "Há indicações suficientes de uma alta consciência cristológica em Jesus, mesmo nos parcos 20% de declarações reconhecidas por legítimas pelo Seminário Jesus".

    Os indícios de que Jesus pretendia ocupar o mesmo lugar de Deus são "totalmente convincentes", concorda o teólogo Royce Gordon Gruenler.
    Essa declaração sobre Jesus é de tal maneira extraordinária, disse Craig, que, inevitavelmente, a questão de sua sanidade tinha de vir à tona. Ele observa que após James Dunn ter concluído seu estudo épico sobre o assunto, não pôde deixar de dizer: "Não se pode ignorar uma última questão: será que Jesus era louco?
    No aeroporto de Lexington, enquanto aguardava meu vôo de volta para Chicago, liguei de um telefone público para marcar uma entrevista com um dos principais estudiosos de psicologia do país.
    Eu tinha de descobrir.
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL COM O PSICÓLOGO GARY R. COLLINS

    Com mestrado em psicologia pela Universidade de Toronto e doutorado em psicologia clínica pela Purdue University, há 35 anos Collins estuda, leciona e escreve sobre o comportamento humano. Foi professor de psicologia da Trinity Evangelical Divinity School durante 20 anos, e durante boa parte desse tempo ocupou o cargo de presidente da divisão de psicologia.

    Sempre muito dinâmico e dotado de energia e entusiasmo inesgotáveis, Collins é um autor prolífico. Ele é autor de aproximadamente 150 artigos para periódicos e outras publicações. Atualmente é editor do Christian Counseling Today e contribui com artigos para o Journal of Psychology and Theology.
    Escreveu também a fantástica quantidade de 45 livros sobre tópicos relacionados à psicologia, dentre eles The magnificent mind [A mente magnífica]; Family shock [Conflito familiar]; Can you trust Psychology? [Você pode confiar na psicologia?]; e o já clássico Chrístian counseling: a comprehensive guide [Aconselhamento cristão: um manual abrangente]. Além disso, foi editor geral dos 30 volumes de Resources for Chrístian counseling [Recursos para aconselhamento cristão], uma série de livros voltados para os profissionais da saúde mental.

    Collins me aguardava em seu escritório claro e bem ventilado na American Association of Christian Counselors, uma sociedade com 1 500 membros da qual ele é presidente. Collins, de cabelos grisalhos e óculos de aros prateados, trajava um suéter marrom muito elegante, jaqueta esportiva e calças cinza (lamento, mas nada de chapéu pontudo e barba esvoaçante).
    Comecei a entrevista apontando para a janela, onde se via a neve caindo sobre as árvores verdejantes.

    Há poucos quilômetros, naquela direção, há uma instituição de saúde mental do Estado — eu disse. — Se fôssemos lá, tenho certeza de que encontraríamos gente lá dentro que afirma ser Deus. Diríamos que são pessoas desequilibradas. Jesus disse que era Deus: será que ele também era louco?
    Se você quer uma resposta bem curta — disse Collins com um sorriso —, não.

    Mas eu insisti, afirmando tratar-se de um tópico digno de uma análise mais aprofundada. Segundo os especialistas, as pessoas que sofrem de psicose e têm ilusões podem parecer racionais na maior parte do tempo, embora possam ser acometidas de crenças mirabolantes que as fazem sentir-se como seres superlativos. Alguns são capazes até mesmo de atrair seguidores que os consideram gênios. Talvez fosse isso o que aconteceu com Jesus, eu disse.
    Bem, é verdade que pessoas com dificuldades psicológicas sempre vão dizer que são alguém que na verdade não são — afirmou Collins, apoiando a parte de trás da cabeça com as duas mãos. — Às vezes, elas dizem ser Jesus ou o presidente dos Estados Unidos ou alguma outra pessoa famosa, como Lee Strobel, por exemplo — disse ele, brincando.

    Todavia — disse ele —, os psicólogos não prestam atenção apenas ao que as pessoas dizem. Eles vão bem mais fundo do que isso. Observam as emoções das pessoas, uma vez que os indivíduos perturbados freqüentemente exibem um quadro depressivo inadequado, ou se tornam extremamente coléricos, ou talvez se deixem abater pela angústia. Mas veja o que ocorre com Jesus: ele nunca demonstrou emoções inadequadas. Ele chorou, por exemplo, quando soube da morte de seu amigo Lázaro, o que é natural em um indivíduo emocionalmente saudável.

    Houve ocasiões em que ele certamente ficou irado — eu disse.
    Sim, ficou, mas foi um tipo de ira saudável diante de pessoas que tiravam vantagem dos oprimidos ganhando dinheiro às custas deles no templo. Ele não ficou irracionalmente alterado porque alguém o incomodava. Foi uma reação justa contra a injustiça e os maus-tratos evidentes de que o povo era vítima. As pessoas perturbadas psicologicamente têm problemas de percepção. Acham que estão sendo observadas ou perseguidas, quando, na verdade, nada disso acontece. Elas perderam o contato com a realidade. Interpretam erroneamente os atos das pessoas e as acusam de fazer coisas que não tiveram a intenção de fazer. Não vemos nada disso em Jesus. Obviamente ele não perdeu contato com a realidade. Ele não era paranóico, muito embora soubesse que havia diversos perigos reais à sua volta. As pessoas com dificuldades psicológicas também podem ser vítimas de transtornos mentais — são incapazes de manter uma conversação lógica, precipitando-se em conclusões erradas e agindo irracionalmente. Não é o que vemos em Jesus. Ele falou claramente, com poder e eloqüência. Era brilhante e dotado de percepções admiráveis sobre a natureza humana. Outro indicador de perturbação mental é a manifestação de comportamento inadequado, tal como o uso de roupas estranhas e a incapacidade de se relacionar socialmente com outras pessoas. O comportamento de Jesus estava perfeitamente de acordo com o esperado; além do mais, ele tinha relacionamentos profundos e duradouros com várias pessoas de diferentes classes sociais.

    Collins fez uma pausa, embora eu sentisse que ele não tinha concluído totalmente seu raciocínio. Decidi então fazer-lhe uma pergunta para incentivá-lo a prosseguir:

    Que outras observações o senhor poderia fazer a respeito de Cristo?
    Collins espiou pela janela a bela e tranqüila paisagem coberta de neve. Ao retomar suas explicações, era como se a lembrança de um velho amigo lhe tivesse vindo à mente.

    Ele era compassivo, mas nunca deixou que a compaixão o imobilizasse; não tinha um ego inflado, muito embora fosse constantemente rodeado por uma multidão de adoradores; conservou o equilíbrio, a despeito de um estilo de vida que lhe impunha severas obrigações; sempre sabia o que estava fazendo e para onde ia; preocupava-se profundamente com as pessoas, inclusive com as mulheres e as crianças, que na época não eram consideradas importantes; acolhia as pessoas, embora não fizesse vista grossa para seus pecados; conversava com as pessoas onde quer que estivessem e sempre levava em conta suas necessidades.

    Então, doutor, qual é seu diagnóstico? — perguntei-lhe.
    De modo geral, não vejo indicações de que Jesus padecesse de alguma doença mental conhecida — concluiu, acrescentando com um sorriso: — Ele era mais saudável que muita gente que conheço, inclusive eu mesmo!

    Portanto, quando examinamos a história, não notamos nenhum sinal de desequilíbrio em Jesus. Mas e quanto às pessoas que interagiam diretamente com ele? O que viam elas do seu ponto de vista muito mais vantajoso?
    Certas pessoas presentes aos eventos do século i discordariam veementemente do senhor — eu disse a Collins. — Elas chegaram à conclusão de que Jesus era louco. Em João 10.20, lemos que muitos judeus diziam: "Ele está endemoninhado e enlouqueceu". Essas palavras são muito fortes!
    Sim, mas não podemos dizer que seja um diagnóstico dado por um profissional de saúde mental — Collins redargüiu. — Observe o que motivou essas palavras, o ensinamento tocante e profundo em que ele se apresenta como o Bom Pastor. As pessoas tiveram aquela reação porque as coisas que ele dizia a respeito de si mesmo iam muito além daquilo que as pessoas entendiam como normal, não porque Jesus fosse verdadeiramente um desequilibrado mental. Observe que seus comentários foram imediatamente contestados por outros, conforme o versículo 21: "Essas palavras não são de endemoninhado. Pode um demônio abrir os olhos aos cegos?".

    Por que isso é importante? — perguntei.
    Porque Jesus não estava fazendo apenas afirmações escandalosas a seu respeito. Ele as respaldava com atos miraculosos de compaixão, como a cura de um cego. Se eu digo que sou o presidente dos Estados Unidos, isso seria loucura. Bastaria você olhar para mim para ver que eu não tenho nada que lembre o cargo de presidente. Eu não me pareço com o presidente. As pessoas não aceitariam minha autoridade presidencial. Não haveria nenhum agente do serviço secreto me protegendo. Porém, se o verdadeiro presidente dissesse ser o presidente, não haveria nisso loucura nenhuma, porque ele é de fato o presidente, e não faltariam provas que ratificassem isso. De modo semelhante, Jesus não dizia simplesmente que era Deus, ele comprovava o que dizia por meio de curas, demonstrações estupendas de poder sobre a natureza, por ensinamentos transcendentes e inéditos, por discernimentos divinos sobre as pessoas e, finalmente, pela própria ressurreição dos mortos, que ninguém mais foi capaz de reproduzir. Portanto, quando Jesus dizia ser Deus, não era loucura nenhuma. Era a verdade.

    Todavia, ao recorrer aos milagres de Jesus, Collins abriu a porta a outras objeções.
    Algumas pessoas tentaram desacreditar esses milagres que, supostamente, ajudariam a legitimar a declaração de Jesus ser o Filho de Deus — eu disse, enquanto retirava um livro de minha valise. Li para ele as palavras de Charles Templeton, um cético:

    Muitas doenças, tanto naquele tempo quanto agora, eram psicossomáticas e podiam ser "curadas" se a percepção da vítima fosse alterada. Da mesma forma como hoje fazemos, em que um médico prescreve um placebo a um paciente cuja fé poderá levar a uma cura aparente, também naquela época a fé em quem curava poderia dar fim aos sintomas adversos. A cada sucesso, a reputação daquele que curava crescia e seus poderes, conseqüentemente, cresciam com eficácia.

    Será que isso explica — perguntei — todos os milagres que, supostamente, respaldariam as afirmações de Jesus de que era o Filho de Deus?
    A reação de Collins me surpreendeu.
    Eu não discordaria muito do que Templeton disse — respondeu.

    Não discordaria?
    Não. Será que Jesus curou baseado em sugestão? Não vejo por que não. Às vezes, as pessoas podem ser acometidas de uma doença induzida psicologicamente e, se adquirem um novo sentido para a vida, uma nova meta, a doença se torna desnecessária. É o efeito placebo. Se você acha que vai melhorar, geralmente melhora mesmo. Trata-se de um fato médico bem estabelecido. Quando as pessoas se aproximavam de Jesus, acreditavam que podiam ser curadas por ele, então ele as curava. Mas isso em nada muda o fato de que, a despeito de como o fazia, Jesus as curava realmente. É claro que — ele acrescentou rapidamente — isso não explica todas as curas realizadas por Jesus. Muitas vezes, a cura de uma doença psicossomática leva tempo; as curas de Jesus foram instantâneas. Muitas vezes as pessoas que experimentam a cura psicológica voltam a sentir os mesmos sintomas alguns dias depois, mas não temos nenhum indício disso. Jesus curou pessoas que durante toda a vida padeceram de cegueira e de lepra, e, nesses casos, a explicação psicossomática é de pouca valia.
    Finalmente, ele ressuscitou pessoas, e a morte não é um estado que possa ser induzido psicologicamente! Sem falar em todos os milagres da natureza: a pacificação das águas do mar, a transformação da água em vinho. Eles desafiam as respostas naturalistas.

    Bem... talvez. A referência de Collins ao milagre da transformação da água em vinho trazia à tona uma outra explicação possível para os atos maravilhosos de Jesus.

    Você já viu um hipnotizador de palco dar água a uma pessoa que pôs em transe e depois dizer a ela que está bebendo vinho? Elas estalam os lábios, ficam tontas e se sentem intoxicadas, como se tivessem provado um Bordeaux barato.

    Ian Wilson, autor britânico, pergunta se não teria sido desse modo que Jesus convenceu os convivas das bodas de Cana de que havia transformado os odres de água na mais fina libação fermentada.

    Na verdade, Ian Wilson discute a possibilidade de que Jesus tenha sido um mestre do hipnotismo, o que explicaria os aspectos supostamente sobrenaturais de sua vida. A hipnose, por exemplo, poderia explicar os seus exorcismos; a transfiguração, durante a qual três de seus seguidores viram sua face reluzir e suas roupas brilharem tão alvas quanto a luz; até mesmo as curas que realizou seriam explicadas pela hipnose. Como prova, Wilson cita o caso contemporâneo do jovem de 16 anos cujos graves transtornos dermatológicos foram inexplicavelmente curados por sugestão hipnótica.

    Talvez Lázaro não tenha sido realmente trazido dos mortos. Ele poderia muito bem estar em um transe semelhante à morte induzido pela hipnose. Quanto à ressurreição, Jesus "poderia ter condicionado eficazmente [os discípulos] para que tivessem ilusões de seu aparecimento em momentos predeterminados (o partilhar do pão?) durante um tempo especialmente previsto para isso depois de sua morte", especula Wilson.

    Isso explicaria também a referência enigmática nos evangelhos à incapacidade de Jesus em realizar muitos milagres em Nazaré, sua cidade natal. Diz Wilson:

    Jesus fracassou exatamente onde, na condição de hipnotizador, previa-se com toda a certeza que deveria fracassar: entre os que o conheciam melhor, que o viram crescer como uma criança qualquer. Grande parte do sucesso de um hipnotizador depende do espanto e do mistério que o rodeiam. Tais fatores essenciais estavam completamente ausentes da cidade natal de Jesus.

    — O senhor tem de admitir — eu disse a Collins — que esse é um modo bastante interessante de tentar explicar os milagres de Jesus.
    Collins estampou no rosto um ar de incredulidade.
    Esse sujeito tem muito mais fé na hipnose do que eu! — ele exclamou. —Embora seja um argumento interessante, não resiste à análise. Está cheio de furos.

    Um a um, Collins passou a enumerá-los.
    Em primeiro lugar, há o problema de hipnotizar uma grande multidão. Nem todas as pessoas são igualmente suscetíveis. Os hipnotizadores de palco adotam um tom de voz macio e observam, na platéia, aquelas pessoas aparentemente mais sugestionáveis. São estas que ele escolhe como voluntárias, pela pronta resposta à hipnose. Em grupos grandes, muitas pessoas apresentam maior resistência. Quando Jesus multiplicou os pães e os peixes, havia 5 mil testemunhas presentes. De que maneira ele poderia ter hipnotizado a todas? Em segundo lugar, a hipnose não costuma funcionar com céticos e gente que duvida. Como, então, Jesus hipnotizou seu irmão Tiago, que duvidava dele, mas que mais tarde viu o Cristo ressuscitado?
    Como foi que ele hipnotizou Saulo de Tarso, o inimigo do cristianismo que nem mesmo havia se encontrado com Jesus e só o viu depois de ressurreto? Como pôde hipnotizar Tome, cético o bastante para não acreditar na ressurreição até que pôs os dedos nas marcas dos cravos nas mãos de Jesus? Em terceiro lugar, no que diz respeito à ressurreição, a hipnose não é capaz de explicar o túmulo vazio.

    — Suponho — disse eu, interrompendo-o — que alguém poderia dizer que os discípulos foram hipnotizados, e por isso nada viram dentro da sepultura.
    Mesmo que isso fosse possível — Collins respondeu —, Jesus certamente não poderia ter hipnotizado os fariseus e as autoridades romanas, e certamente eles teriam exibido com muito prazer o corpo de Jesus, se ele tivesse ficado na sepultura. Como não o fizeram, é sinal de que o túmulo estava vazio de fato. Em quarto lugar, atente para o milagre da transformação da água em vinho. Jesus jamais se dirigiu aos convivas. Nem mesmo disse aos servos que a água tinha se transformado em vinho: simplesmente disse a eles que levassem mais água ao mestre do banquete. Foi ele quem provou e disse que era vinho, sem que ninguém lhe dissesse nada. Em quinto lugar, a cura de pele de que Wilson fala não foi instantânea, não é mesmo?

    Na verdade, eu disse, segundo o British Medical Journal, foram necessários cinco dias após a hipnose para que a pele de réptil, conhecida como ictiose, caísse do braço do adolescente, e muitos outros dias para que outra normal surgisse. A taxa de sucesso da hipnose no tratamento de outras partes do seu corpo ao longo de várias semanas foi de 50 a 95%.
    Compare isso — disse Collins — com os 10 leprosos que Jesus curou em Lucas 17. Eles ficaram 100% curados instantaneamente. Isso não se explica simplesmente pela hipnose. Tampouco a cura de um homem de mão atrofiada em Marcos 3.

    Mesmo que as pessoas estivessem em transe e achassem que a mão dele havia sido curada, elas acabariam, por fim, descobrindo a verdade. A hipnose não tem efeito muito prolongado. Finalmente, os evangelhos registram todo tipo de detalhes sobre o que Jesus disse e fez, mas nunca o mostram dizendo ou fazendo qualquer coisa que possa indicar o uso de hipnotismo nas pessoas. Eu poderia continuar falando muito ainda sobre o assunto.

    Eu lhe disse que era uma explicação interessante; não disse que era convincente! — comentei rindo. — Apesar disso, muitos livros são publicados com o objetivo de divulgar essas idéias.
    Fico surpreso por ver como as pessoas aceitam qualquer coisa que tente desacreditar os milagres de Jesus — concluiu Collins.

    Antes de terminar nossa entrevista, decidi testar os conhecimentos psicológicos de Collins em mais uma área que os céticos consideram incômoda.

    Jesus era exorcista — eu disse. — Ele conversava com demônios e os expulsava de pessoas supostamente possuídas. Mas será que é racional acreditar que espíritos malignos sejam responsáveis por algumas doenças e por comportamentos estranhos?
    Collins não se mostrou perturbado pela pergunta.
    Professo uma teologia que crê na existência dos demônios — ele respondeu. — Vivemos em uma sociedade em que muitas pessoas acreditam em anjos. Elas sabem da existência de forças espirituais neste mundo, por isso não é muito difícil concluir que algumas devem ser do mal. Quando vemos Deus operando, essas forças se mostram às vezes mais ativas, e era isso provavelmente o que estava acontecendo na época Jesus.

    Notei que Collins referiu-se às suas crenças teológicas, e não à sua experiência clínica.
    O senhor já teve, como psicólogo, alguma prova incontestável do demoníaco? — perguntei-lhe.
    Pessoalmente, não, mas o fato é que não passei toda a minha carreira em ambientes clínicos — ele disse. — Meus amigos, que militam no trabalho clínico, disseram-me que algumas vezes presenciaram o demoníaco, e não se trata aqui de pessoas inclinadas a ver o demônio atrás de cada problema. Eles costumam ser céticos. O psiquiatra M. Scott Peck escreveu muita coisa sobre esse tipo de assunto em seu livro People ofthe lie.

    Salientei que Ian Wilson, ao sugerir que Jesus talvez tenha usado a hipnose para curar pessoas que se achavam possuídas pelo demônio, dissera pejorativamente que nenhum "indivíduo realista" explicaria a possessão como "trabalho de demônios reais".
    De certa forma, você sempre encontra o que procura disse Collins. — As pessoas que negam a existência do sobrenatural vão encontrar um modo, não importa o quão inverossímil seja, que explique determinada situação sem apelar para a hipótese demoníaca. Eles continuarão a medicar o indivíduo, vão drogá-lo, mas de nada vai adiantar. Existem casos que não se resolvem por meio da medicação normal ou do tratamento psiquiátrico.

    Será que os exorcismos de Jesus foram na verdade curas psicossomáticas? — perguntei.
    Sim, em alguns casos, mas é preciso não se esquecer de observar o contexto. E quanto ao homem que estava possesso, quando Jesus mandou que os demônios entrassem nos porcos e eles despencaram colina abaixo? O que será que houve, se a cura foi meramente psicossomática? Creio que Jesus realmente expulsou os demônios, e acredito que haja pessoas hoje que façam o mesmo.

    Por outro lado, não devemos nos precipitar e concluir pela operação demoníaca quando confrontados com um problema semelhante. Conforme disse C. S. Lewis, existem dois erros, iguais e opostos, em que caímos quando tratamos dessa questão: "Um é não acreditar em sua existência. O outro é acreditar e nutrir um interesse excessivo e doentio por eles. Os próprios diabos ficam igualmente satisfeitos com ambos os erros...".

    Sabe, Gary, talvez a Associação Americana de Conselheiros Cristãos acredite nisso, mas será que os psicólogos seculares acham racional a crença no demoníaco? — perguntei-lhe.
    Achei que Collins talvez ficasse ofendido com a pergunta, que acabei formulando de maneira mais condescendente do que pretendia. Mas não foi o que aconteceu.

    É interessante como as coisas estão mudando — disse ele pensativo. — Nossa sociedade hoje está imersa em "espiritualidade". É um termo que pode significar praticamente qualquer coisa, mas existe o reconhecimento do sobrenatural. É muito interessante observar as crenças dos psicólogos atuais. Alguns estão envolvidos com o misticismo oriental; outros falam do poder dos xamãs para influenciar a vida das pessoas. Há 25 anos, a sugestão de possessão demoníaca teria sido descartada imediatamente, ao passo que hoje muitos psicólogos estão começando a reconhecer que talvez existam mais coisas entre o céu e a terra do que possam supor nossas filosofias.

    Collins e eu havíamo-nos desviado um pouco do foco original de nossa entrevista. Enquanto meditava sobre o que tínhamos conversado, no caminho de volta para casa, retornei à questão central que havia me levado a ele: Jesus afirmava ser Deus. Ninguém está sugerindo que ele quis passar propositadamente adiante uma mentira. E agora Collins chegava à conclusão de que, com base em 35 anos de experiência no campo da psicologia, Jesus não era mentalmente incapaz.

    Todavia, isto me deixava com uma última pergunta: Jesus possuía os atributos de Deus? Afinal de contas, uma coisa é se dizer divino; outra bem diferente é incorporar as características que fazem Deus ser Deus.

    À luz de um abajur, tirei um caderno de minha valise e rabisquei uma nota para mim mesmo: "Falar com o dr. D. A. Carson". Sabia que teria de conversar com um dos principais teólogos do país sobre meu próximo tópico.

    Enquanto isso, minha conversa com Gary Collins me incentivara a passar aquela noite relendo com bastante cuidado os discursos de Jesus. Não percebi nenhum sinal de demência, ilusões ou paranóia. Pelo contrário, fiquei tocado por sua visão profunda, seus discernimentos incomuns, sua eloqüência poética e sua profunda compaixão. O historiador Philip Schaff sintetizou esse sentimento melhor do que eu.

    Será que uma mente como essa — límpida como o céu, estimulante como o ar da montanha, afiada e penetrante como uma espada, plenamente saudável e cheia de vigor, sempre disposta e sempre com o domínio de si — é capaz de se enganar de modo radical e tão sério a respeito de seu próprio caráter e missão? Que idéia mais rídicula!
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL AO MÉDICO ALEXANDER METHERELL

    Os sofás revestidos de pelúcia não combinavam nem um pouco com o assunto que estávamos discutindo. Ali estávamos nós, sentados na sala de estar da confortável casa de Metherell na Califórnia, num entardecer agradável de primavera, com a brisa morna vindo do mar, sussurrando nas janelas, enquanto falávamos de um tema de brutalidade inimaginável: um açoitamento tão bárbaro que choca as consciências, uma forma de pena capital tão depravada que permanece até hoje como testemunho infame do tratamento desumano que o homem consegue dispensar ao seu semelhante.

    Eu tinha escolhido Metherell porque ouvira das suas credenciais médicas e científicas para explicar a crucificação. Mas também tinha outra motivação: disseram-me que ele sabia falar sobre o assunto de modo desapaixonado e acurado. Isso era importante para mim, porque eu queria que os fatos falassem por si mesmos, sem os exageros ou a linguagem carregada que poderia manipular emoções.

    Como se podia esperar de alguém com um diploma de médico (pela Universidade de Miami, na Flórida) e de doutorado em engenharia (pela Universidade de Bristol, na Inglaterra), Metherell fala com precisão científica. Ele é reconhecido como diagnosticador pelo American Board of Radiology e foi consultor do National Heart, Lung, e do Blood Institute dos National Institutes of Health de Bethesda, em Maryland.

    Metherell foi cientista pesquisador e professor na Universidade da Califórnia, é editor de cinco livros científicos e escreve para publicações que vão desde Aerospace Medicine até Scientific American. Seus estudos engenhosos das contrações musculares foram publicados em The Physiologist e Biophysics Journal. Sua aparência também corresponde à de uma autoridade médica distinta: é uma figura imponente, com cabelos grisalhos e uma postura cortês, apesar de formal.

    Tenho de ser honesto: às vezes eu me perguntava o que passava pela cabeça de Metherell. Com reserva científica, fala pausada e metódica, ele não dava nenhuma indicação de alteração emocional ao descrever os detalhes horripilantes dos últimos momentos de Jesus. Com profissionalismo nascido de décadas de pesquisa em laboratório, ele encobriu qualquer emoção que pudesse ter como cristão ao falar sobre o destino cruel que Jesus enfrentara.
    Ele simplesmente narrou os fatos. E, afinal de contas, fora para isso que eu atravessara metade do país.

    Para começar, eu queria de Metherell uma descrição básica dos eventos que levaram à morte de Jesus. Por isso, depois de um pouco de conversa social, pus de lado meu chá gelado e ajeitei a cadeira para poder olhá-lo de frente.

    O senhor poderia traçar um quadro do que aconteceu com Jesus? — pedi.
    Ele limpou a garganta.
    Tudo começou logo depois da última ceia — ele disse. — Jesus foi com seus discípulos para o monte das Oliveiras, especificamente ao jardim de Getsêmani. Ali, você deve lembrar, ele orou a noite inteira. Nesse processo, ele estava antevendo os eventos que ocorreriam no dia seguinte. Como sabia quanto sofrimento teria de suportar, foi bastante natural que experimentasse muito estresse psicológico.

    Levantei a mão para interrompê-lo.
    Espere. É aí que os céticos têm espaço aberto hoje em dia. Os evangelhos nos contam que ele começou a suar sangue durante esse tempo. Diga-me, isso não é um mero produto da imaginação frutífera de alguém? Isso não põe em xeque a exatidão dos escritores dos evangelhos?
    Imperturbável, Metherell balançou a cabeça.
    De jeito nenhum — replicou. — Essa é uma condição médica conhecida, chamada hematidrose. Não é comum, mas está ligada ao alto grau de estresse psicológico. O que acontece é que a ansiedade extrema ocasiona a liberação de produtos químicos que rompem os vasos capilares nas glândulas sudoríparas. Em conseqüência, essas glândulas sangram um pouco, e o suor brota misturado com sangue. Não estamos falando de muito sangue, só uma quantidade bem pequena.

    Já um tanto satisfeito, ampliei a pergunta.
    Isso tem algum outro efeito sobre o corpo?
    O efeito disso é que a pele fica muito frágil, de modo que, quando Jesus foi açoitado pelo soldado romano no dia seguinte, sua pele devia estar muito, muito sensível.

    Muito bem, pensei, lá vamos nós. Preparei-me para as imagens assustadoras que eu sabia que surgiriam na minha mente. Eu tinha visto muitos corpos de pessoas mortas como jornalista: vítimas de acidentes de trânsito, de crimes, de tiroteios entre gangues. Contudo, é especialmente horrível ouvir sobre alguém que foi intencionalmente brutalizado por executores decididos a causar o máximo de sofrimento.
    Diga-me — retomei a conversa —, como foi esse açoitamento?
    Metherell não tirou os olhos de mim enquanto falava.
    Os açoitamentos romanos eram famosos por serem terrivelmente brutais. O comum é que consistissem em 39 chicotadas, mas com freqüência esse número era ultrapassado, dependendo do humor do soldado que as aplicava. O soldado usava um chicote de tiras de couro trançadas, com bolinhas de metal amarradas. Quando o açoite atingia a carne, essas bolinhas causavam hematomas ou contusões profundas, que se abriam nas chicotadas seguintes. Havia também, presos ao açoite, pedaços afiados de ossos, que cortavam a carne profundamente. As costas ficavam tão maltratadas que às vezes os cortes profundos chegavam a deixar a espinha exposta. As chicotadas cobriam toda a extensão do dorso, desde a nuca até o traseiro e as pernas. Era terrível.

    Metherell fez uma pausa.
    Continue — eu o incentivei.
    Um médico que estudou os castigos infligidos pelos romanos disse: "À medida que o açoitamento continuava, as lacerações atingiam os músculos inferiores que seguram o esqueleto, deixando penduradas tiras de carne ensangüentada". Um historiador do século m de nome Eusébio descreveu um açoitamento nestes termos: 'As veias do sofredor ficavam abertas, e os músculos, tendões e órgãos internos da vítima ficavam expostos". Sabemos que algumas pessoas morriam desse tipo de suplício antes de chegar a ser crucificadas. No mínimo, a vítima sofria dores terríveis e entrava em choque hipovolêmico.

    Metherell usara um termo médico que eu não conhecia.
    O que quer dizer choque hipovolêmico? — perguntei.
    Hipo significa "baixo", vol refere-se a "volume" e êmico significa "sangue"; portanto, choque hipovolêmico quer dizer que a pessoa está sofrendo os efeitos de perder grande quantidade de sangue — explicou o médico. — Isso ocasiona quatro coisas. Em primeiro lugar, o coração se esforça para bombear mais sangue, mas não tem de onde; em segundo lugar, a pressão sangüínea cai, causando desmaio ou colapso; em terceiro lugar, os rins param de produzir urina, para conservar o volume que sobrou; e em quarto lugar a pessoa fica com muita sede, pois o corpo pede por líquidos para repor o sangue que perdeu.

    O senhor vê evidências nos evangelhos de que isso ocorreu?
    Sim, certamente — ele respondeu. — Jesus estava em choque hipovolêmico quando se arrastou pela rua que subia para o lugar de execução no Calvário, carregando a viga horizontal da cruz. Ele acabou caindo, e o soldado romano ordenou a Simão que carregasse a cruz. Mais tarde lemos que Jesus disse: "Tenho sede", e uma esponja com vinagre foi estendida a ele. Por causa dos efeitos terríveis do açoitamento, não há dúvida de que Jesus já se encontrava em condição crítica mesmo antes de os pregos atravessarem suas mãos e pés.

    Por mais desagradável que fosse a descrição do açoitamento, eu sabia que um testemunho ainda mais repugnante estava por vir. Os historiadores são unânimes em dizer que Jesus sobreviveu à flagelação daquele dia e foi até a cruz — onde o processo era fatal.

    Em nossos dias, quando criminosos são imobilizados e executados com injeções de veneno, ou por meio de choque elétrico, ou com um tiro na nuca, as circunstâncias estão todas sob controle. A morte vem de modo rápido e previsível. Médicos acompanham e certificam cuidadosamente a morte da vítima. Bem próximas, testemunhas avaliam tudo do começo ao fim.

    No entanto, que certeza se tinha da morte por essa forma cruel, lenta e bastante inexata de execução chamada crucificação? Na verdade, a maioria das pessoas não sabe como a cruz mata suas vítimas. E sem um médico preparado para atestar oficialmente que Jesus morrera, poderia ele ter passado pela experiência, brutalizado e ensangüentado, mas ainda vivo?

    Comecei a desembrulhar esses assuntos.
    O que aconteceu quando Jesus chegou no lugar da crucificação? — perguntei.
    Ele deve ter sido deitado de costas, para que suas mãos pudessem ser pregadas em posição estendida na viga horizontal. Essa viga era chamada patibulum, até então separada da viga vertical, que estava fixada no chão de modo permanente.

    Eu tinha dificuldades para visualizar isso; precisava de mais detalhes.
    Pregado com quê? — perguntei. — Pregado onde?
    Os romanos usavam pregos grandes, com cerca de 15 centímetros, bem afiados. Com eles, atravessavam os pulsos — Metherell disse, indicando uns dois dedos abaixo do seu pulso.

    Espere aí — interrompi. — Eu pensava que os pregos haviam furado suas mãos. Isso é o que mostram todas as pinturas. Na verdade, essa se tornou uma maneira padrão de representar a crucificação.
    Não, eles atravessavam os pulsos — Metherell repetiu. Essa era uma posição firme que prendia a mão. Se os pregos furassem apenas a palma da mão, o peso do corpo a rasgaria e ele teria caído da cruz. Por isso perfuravam os pulsos, que eram considerados parte da mão, na linguagem da época. E é importante entender que o prego atravessava o lugar por onde passa o nervo central. Esse é o maior nervo que vai até a mão, e era esmagado pelo prego.
    Como eu só tenho um conhecimento rudimentar da anatomia humana, não tinha certeza se havia entendido.

    Que tipo de dor isso teria causado?
    Deixe-me dizê-lo da seguinte maneira. Você conhece o tipo de dor que sente quando bate o cotovelo e leva um "choque"? Na verdade, você acertou um nervo, chamado ulna. A dor é muito grande quando você o acerta em cheio. Bem, imagine este nervo sendo apertado e esmagado por um alicate — ele disse, enfatizando a palavra apertado enquanto girava na mão um alicate imaginário. — A sensação seria semelhante à que Jesus experimentou.

    Estremeci diante da idéia e me encolhi na cadeira.
    A dor era totalmente insuportável — Metherell continuou. — Na verdade, ela está além da descrição por palavras. Foi necessário inventar uma nova palavra: dor excruciante. Essa palavra significa literalmente "da cruz". Veja só: foi necessário criar uma nova palavra, porque não havia nenhuma na língua que pudesse descrever a angústia terrível provocada pela crucificação. Depois de ter as mãos pregadas na viga transversal, Jesus foi erguido para que esta pudesse ser colocada sobre a viga vertical, e seus pés foram pregados nesta. Também os nervos dos pés foram esmagados, e a dor era semelhante à das mãos.

    Nervos esmagados e cortados certamente causavam dor suficiente, mas eu precisava saber que efeito o fato de estar pendurado teria sobre Jesus.
    O que essa posição causa ao corpo? Metherell respondeu:
    Em primeiro lugar, os braços ficam imediatamente esticados, os ombros saem do lugar, as juntas se distendem 15 centímetros. Dá para calcular isso com equações matemáticas simples.

    Isso cumpriu a profecia do Antigo Testamento, Salmos no salmo 22, que predisse a crucificação de Jesus séculos antes de ela ocorrer: "Todos os meus ossos estão desconjuntados".

    Metherell conseguira mostrar — quase visivelmente — o grande sofrimento suportado até o início do processo de crucificação. Mas eu precisava saber o que tira a vida de uma vítima desse modo de execução, porque essa é a questão crucial para determinar se uma morte pode ser encenada ou falsificada. Por isso coloquei a questão da causa da morte de modo direto para Metherell.
    Uma vez que a pessoa está pendurada em posição vertical — esclareceu ele —, a crucificação é, em essência, uma lenta agonia até a morte por asfixia. A razão para isso é que a tensão dos músculos e do diafragma deixa o peito na posição de inalar. Para exalar, a pessoa tem de firmar-se sobre os pés, para aliviar por um pouco a tensão dos músculos. Ao fazer isso, o prego rasga o pé, até se prender contra os ossos do tarso. Depois de conseguir exalar, a pessoa pode relaxar e inalar novamente. Depois tem de empurrar-se novamente para cima, para exalar, esfregando suas costas esfoladas contra a madeira áspera da cruz. Isso se repete até que a exaustão total toma conta, e a pessoa não consegue mais se erguer para respirar. Ao diminuir a respiração, ela entra no que é chamado acidose respiratória: o dióxido de carbono no sangue é dissolvido em ácido carbônico, fazendo a acidez do sangue aumentar. Isso faz o coração bater de modo irregular. Quando seu coração começou a bater irregularmente, Jesus deve ter entendido que estava chegando a hora da morte, e disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Depois morreu de ataque cardíaco.

    Essa foi a explanação mais clara que eu já ouvira da morte por crucificação; Metherell, porém, ainda não tinha terminado.
    Um pouco antes de morrer, e isso também é importante, o choque hipovolêmico deve ter feito o coração bater rapidamente por algum tempo, o que teria contribuído para fazê-lo falhar, resultando no acúmulo de líquido na membrana em torno do coração, chamado efusão pericardial, bem como em torno dos pulmões, chamado efusão pleural.

    Por que isso é importante? — eu quis saber.
    Por causa do que aconteceu quando o soldado romano se aproximou e, tendo quase certeza de que Jesus estava morto, confirmou a morte enfiando uma lança em seu lado. Provavelmente foi o lado direito; não temos certeza, mas pela descrição deve ter sido, entre as costelas. Ao que parece, a lança atravessou o pulmão direito e o coração, e, quando foi tirada, saiu um líquido — a efusão que mencionei. Esse líquido tem aparência transparente, como água, e é seguido de um grande volume de sangue, como João, testemunha ocular, descreveu em seu evangelho.

    João provavelmente não fazia nenhuma idéia da razão por que vira sangue e esse líquido transparente fluir. Certamente não era o que uma pessoa sem formação como ele poderia esperar. Mas sua descrição é coerente com o que a medicina moderna esperaria que acontecesse. A princípio, isso parecia dar credibilidade a João como testemunha ocular; todavia, podia haver uma grande fraude em tudo isso.

    Abri minha Bíblia e virei as páginas até achar João 19.34.
    Espere um minuto, doutor — protestei. — Lendo com atenção o que João disse, vemos que ele viu sair "sangue e água": ele pôs as palavras intencionalmente nessa ordem. Porém, segundo o que o senhor disse, o líquido transparente teria saído primeiro. Portanto, temos uma discrepância importante aqui.
    Metherell sorriu levemente.
    Não sou um estudioso do grego — ele respondeu —, porém, de acordo com pessoas que são, a ordem das palavras no grego antigo não era determinada necessariamente pela seqüência dos fatos, mas por sua importância. Isso quer dizer que, como houve bem mais sangue do que água, para João faria sentido mencionar o sangue primeiro.

    Tive de concordar, mas anotei mentalmente o lembrete de verificar isso mais tarde.
    A essa altura, qual deveria ser a condição de Jesus?
    O olhar de Metherell cruzou com o meu. Ele respondeu com firmeza e autoridade:
    Não havia absolutamente dúvida de que Jesus estava morto.

    A declaração do dr. Metherell pareceu-me bem comprovada pelas evidências. Mas havia mais alguns detalhes dos quais eu queria falar — bem como de um ponto fraco no relato dele que poderia minar a credibilidade da narrativa bíblica.

    O evangelho diz que os soldados quebraram as pernas dos dois criminosos que foram crucificados com Jesus — eu disse. — Por que eles teriam feito isso?
    Se quisessem apressar a morte, e, com o sábado e a Páscoa se aproximando, os líderes judeus com certeza queriam acabar com tudo antes do pôr-do-sol os romanos usariam o cabo de aço de uma lança romana curta para partir os ossos inferiores das pernas das vítimas. Isso as impediria de empurrar-se para cima com as pernas para respirar, e a morte por asfixia ocorreria em questão de minutos. É claro, o Novo Testamento nos diz que as pernas de Jesus não foram quebradas, porque os soldados já tinham verificado que ele estava morto e apenas usaram a lança para confirmá-lo. Isso cumpriu outra profecia do Antigo Testamento sobre o Messias, de que seus ossos não seriam quebrados.

    Interrompi mais uma vez.
    Algumas pessoas tentaram lançar dúvidas sobre os relatos dos evangelhos atacando a história da crucificação. Por exemplo, um artigo do Harvard Theological Review concluiu muitos anos atrás que há "surpreendentemente poucas evidências de que os pés de alguém que era crucificado fossem perfurados". Em vez disso, dizia o artigo, as mãos e pés da vítima eram amarrados à cruz com cordas. O senhor não concorda que isso cria problemas de credibilidade para o relato do Novo Testamento?
    O dr. Metherell veio para a frente até ficar sentado bem na ponta da poltrona.
    Não, não acho — ele replicou — porque a arqueologia agora comprovou que o uso de pregos era comum naquela época apesar de admitir que às vezes se usavam cordas.

    O que foi descoberto? — continuei.
    Em 1968, os arqueólogos encontraram em Jerusalém os restos mortais de cerca de 36 judeus que tinham morrido durante a revolta contra Roma por volta do ano 70 d.C. Uma das vítimas, cujo nome parece ter sido Yohanan, fora crucificada. Veja que encontraram um prego de 17 centímetros ainda enfiado em seu pé, com pedaços de madeira de oliveira da cruz ainda presos na ponta. Isso foi uma confirmação arqueológica excelente de um detalhe-chave na descrição da crucificação dos evangelhos.

    Um a zero, pensei.
    Ainda outro ponto de discussão gira em torno da capacidade dos romanos em determinar se Jesus estava morto — acrescentei. —Era um tempo de conhecimentos médicos e anatômicos muito rudimentares; como podemos estar certos de que eles não se enganaram ao declarar que Jesus não vivia mais?
    Posso lhe garantir que esses soldados não freqüentaram uma faculdade de medicina. Mas lembre-se de que eles eram especialistas em matar pessoas — esse era o trabalho deles, e o faziam muito bem. Eles sabiam sem sombra de dúvida quando alguém estava morto, e isso de fato não é tão difícil de determinar.
    Além disso, se de algum modo um prisioneiro escapasse, o soldado responsável era morto no lugar dele, o que lhe servia de grande incentivo para certificar-se com segurança de que cada vítima estava morta antes de ser retirada da cruz.

    Recorrendo à história e à medicina, à arqueologia e até às regras militares romanas, Metherell tinha fechado todas as saídas: Jesus não poderia ter descido vivo da cruz. Contudo, eu o levei ainda um pouco mais longe.
    Existe alguma mínima possibilidade, uma mínima possibilidade, de Jesus ter sobrevivido a isso?
    Metherell balançou a cabeça e apontou o dedo para mim enfaticamente.
    De jeito nenhum — ele disse. — Lembre que ele já estava em choque hipovolêmico da grande perda de sangue mesmo antes de a crucificação começar. Ele não poderia ter fraudado a morte, porque você não pode representar que não está respirando por muito tempo. Além disso, a lança enfiada em seu coração teria resolvido a questão de uma vez por todas. Os romanos também não estavam a fim de arriscar a própria vida deixando Jesus sair vivo dali.

    Então — arrematei — quando alguém lhe diz que o que aconteceu com Jesus não passou de um desmaio na cruz ...
    Eu lhe digo que isso é impossível. É uma teoria fantasiosa sem nenhuma base factual possível.

    Eu ainda não estava pronto para encerrar a questão. Correndo o risco de deixar frustrado o doutor, disse:
    Vamos especular que o impossível tenha acontecido e que Jesus de algum jeito conseguiu sobreviver à crucificação. Digamos que ele conseguiu livrar-se dos panos em que estava enrolado, empurrar a grande pedra que foi colocada na entrada do seu túmulo e passar pelos soldados romanos que montavam guarda. Do ponto de vista médico, em que condição ele estaria quando foi encontrar seus discípulos?
    Metherell não estava muito disposto a entrar na brincadeira.
    Repito — enfatizou — que não há nenhuma possibilidade de ele ter sobrevivido à cruz. Mas, se tivesse, como poderia andar se seus pés foram perfurados daquele jeito? Como poderia aparecer na estrada para Emaús, pouco depois, e andar uma longa distância? Como poderia usar seus braços depois que eles foram distendidos e deslocados nas juntas? Lembre-se de que ele também tinha grandes ferimentos nas costas e o peito furado pela lança.

    Ele fez uma pausa. Algo estalou em sua mente, e agora ele estava pronto para fazer uma afirmação final que cravaria uma estaca definitiva na teoria do desmaio. Era um argumento que ninguém conseguiu refutar, desde que foi levantado pelo teólogo alemão David Strauss, em 1835.

    Ouça. Alguém de aparência tão destruída jamais teria inspirado seus discípulos a sair e proclamar que ele é o Senhor da vida, que triunfou sobre o túmulo. Você entende o que estou dizendo? Depois de sofrer maus-tratos tão terríveis, com a perda de sangue catastrófica e o trauma, sua aparência seria tão deplorável que os discípulos jamais o teriam proclamado como o vencedor da morte; teriam ficado com pena dele e tentado cuidar dele até que recuperasse a saúde. Por isso, é um despropósito pensar que, se Jesus lhes apareceu nesse estado horrível, seus seguidores teriam se sentido motivados a começar um movimento mundial baseado na esperança de que um dia teriam um corpo ressuscitado como o dele. Não há hipótese.

    De modo convincente e magistral, Metherell tinha defendido seu argumento sem deixar nenhuma dúvida razoável. Ele o fizera concentrando-se unicamente na questão "como". Como Jesus fora crucificado de maneira a garantir de forma absoluta sua morte? Mesmo assim, quando terminamos, senti que alguma coisa estava faltando. Eu extraíra dele seu conhecimento, mas não tocara em seu coração. Por isso, quando levantamos para apertar as mãos, senti-me levado a fazer a pergunta do "por quê", que se fazia necessária.
    Alex, antes que eu vá, deixe-me pedir sua opinião sobre algo. Não sua opinião de médico, não sua avaliação científica, somente algo do seu coração.
    Senti que ele baixou um pouco a guarda.
    Está bem — ele assentiu. — Vamos tentar.

    Jesus caminhou intencionalmente para os braços do seu traidor, não resistiu à prisão, não se defendeu no seu julgamento; está claro que ele se submeteu voluntariamente ao que o senhor descreveu como uma forma humilhante e excruciante de tortura. Eu gostaria de saber por quê. O que poderia ter motivado alguém a concordar em padecer tal suplício?
    Alexander Metherell, desta vez o homem, não o médico, procurou pelas palavras certas.

    Francamente, não creio que uma pessoa comum teria feito isso — ele finalmente disse. — Mas Jesus sabia o que estava por vir, e se dispôs a passar por isso, porque essa era a única maneira de nos redimir: servindo como nosso substituto e sofrendo a pena de morte que nós merecemos pela rebelião contra Deus. Esse foi o motivo de sua missão ao vir à terra.

    Mesmo ao dizer isso, eu ainda podia sentir que a mente sempre racional, lógica e organizada de Metherell continuava a reduzir minha pergunta à mais básica e sólida resposta.
    Então, se você pergunta o que o motivou — ele concluiu, — bem... imagino que a resposta pode ser resumida numa só palavra: amor.

    Voltando para casa naquela noite, era essa resposta que voltava sempre à minha mente.

    Somando tudo, minha viagem à Califórnia tinha sido muito proveitosa. Metherell determinara de modo persuasivo que Jesus não poderia ter sobrevivido ao suplício da cruz, uma forma de crueldade tão vil que os romanos isentavam dela seus cidadãos, exceto nos casos de alta traição.

    As conclusões de Metherell concordavam com as descobertas de outros físicos que estudaram o caso a fundo. Entre eles está o Dr. William D. Edwards, cujo artigo, de 1986, no Journal of the American Medical Association concluiu: "Claramente, o peso das evidências históricas e médicas indica que Jesus estava morto antes que fosse feito o ferimento em seu lado [...]. Por essa razão, inferências baseadas na pressuposição de que Jesus não morreu na cruz estão em conflito com o conhecimento médico moderno".

    Aqueles que procuram dar outra explicação à ressurreição de Jesus afirmando que, de alguma forma, ele escapou das garras da morte no Gólgota precisam apresentar uma teoria que corresponda de modo mais plausível aos fatos.

    E depois têm de ponderar sobre a pergunta inevitável que se levanta diante deles: o que poderia ter motivado Jesus a entregar-se voluntariamente a tanta degradação e violência?
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL AO PROFESSOR E PESQUISADOR D. A. CARSON

    D. A. Carson, professor e pesquisador do Novo Testamento da Trinity Evangelical Divinity School, já escreveu e editou mais de 40 livros, dentre eles The Sermon on the Mount [O Sermão do Monte], Exegetical fallacies [Falácias exegéticas] e The gospel according to John [O evangelho segundo João].

    Fluente em vários idiomas (seu domínio do francês vem da infância passada em Quebec), Carson é membro da Tyndale Fellowship for Biblical Research, da Sociedade de Literatura Bíblica e do Instituto de Pesquisas Bíblicas. Suas áreas de especialização abrangem o Jesus histórico, o pós-modernismo, a gramática grega e as teologias dos apóstolos Paulo e João.

    Carson começou seus estudos superiores na área de química (formou-se pela Universidade McGill); em seguida, fez mestrado em teologia antes de ir para a Inglaterra, onde doutorou-se em Novo Testamento pela prestigiosa Universidade de Cambridge. Lecionou em três outras faculdades e seminários antes de ir para a Trinity, em 1978.

    Meu primeiro encontro com Carson foi no campus da Trinity em Deerfield, Illinois, ocasião em que o entrevistei. Para ser franco, eu esperava encontrar um acadêmico cheio de formalismos. Embora ele fosse de fato o erudito que eu imaginava, fiquei surpreso com seu tom caloroso, sincero e pastoral à medida que respondia às minhas perguntas — muitas vezes cáusticas.

    Nossa conversa desenrolou-se em um salão deserto da faculdade durante o feriado do Natal. Carson usava um blusão branco por sobre uma camisa de colarinho, calças jeans e tênis Adidas. Depois de trocar algumas impressões informais sobre a Inglaterra (Carson morou na Inglaterra em diversas ocasiões e sua esposa, Joy, é inglesa), tirei meu caderno de anotações e fiz-lhe uma pergunta de fundo que me ajudaria a saber com certeza se Jesus tinha o "material certo" para ser Deus.

    Minha pergunta inicial tinha como objetivo descobrir por que Carson achava que Jesus era Deus.
    O que ele disse ou fez — perguntei — que levou o senhor a se convencer de que ele era Deus?
    Não sabia ao certo de que modo ele responderia à minha pergunta, embora já pudesse prever que ele se ocuparia dos atos sobrenaturais de Cristo. Enganei-me.
    Há quem diga que a prova está nos milagres — disse Carson, recostando-se confortavelmente em sua poltrona estofada, —, mas ocorre que outras pessoas também fizeram milagres; portanto, embora eles sejam sugestivos, não são decisivos. E claro que a ressurreição é a prova máxima de sua identidade. No entanto, de todas as coisas que ele fez, a que mais me surpreende é o perdão de pecados.

    É mesmo? — disse, ajeitando-me na poltrona perpendicular à dele para encará-lo mais diretamente. — Como assim?
    Se você faz alguma coisa contra mim, tenho o direito de perdoá-lo. Todavia, se você faz algo contra mim e aí vem uma pessoa e diz: "Eu lhe perdôo", que ousadia é essa? A única pessoa capaz de pronunciar genuinamente essas palavras é Jesus, porque o pecado, mesmo se cometido contra outras pessoas, é, antes de tudo e principalmente, um desafio a Deus e às suas leis. Quando Davi cometeu o pecado do adultério e planejou a morte do marido da mulher com quem adulterara, ele diz finalmente a Deus em Salmos 51.4: "Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas". Ele reconheceu que, embora tivesse prejudicado outras pessoas, no fim das contas era contra Deus, que o fizera à sua imagem, que tinha pecado, e Deus precisava perdoá-lo. Aparece então Jesus e diz aos pecadores: "Os seus pecados estão perdoados". Os judeus imediatamente viram nisso uma blasfêmia. Eles reagiram dizendo: "Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?". Para mim, essa é uma das coisas mais extraordinárias que Jesus fez.

    Jesus não apenas perdoava pecados — observei — como também afirmava que não tinha pecados. Certamente a ausência de pecados é um atributo da divindade.
    Sim — concordou ele. — Ao longo da história ocidental, as pessoas consideradas mais santas também eram as mais conscientes de suas falhas e pecados. São pessoas cientes de suas imperfeições, concupiscências e ressentimentos, contra os quais lutam honestamente, pela graça de Deus. Na verdade, travam uma batalha tão aguerrida que outras pessoas percebem e dizem: "Ali vai um homem santo". Mas aí aparece Jesus e diz com uma fisionomia imperturbável: "Qual de vocês pode me acusar de algum pecado?". Se eu dissesse isso, minha esposa, meus filhos e todas as pessoas que me conhecem teriam muito prazer em se levantar e dar seu testemunho, ao passo que ninguém foi capaz de testemunhar contra Cristo.

    Embora a perfeição moral e o perdão dos pecados sejam indubitavelmente características da divindade, existem diversos outros atributos que Jesus precisa ter para se encaixar no perfil divino. Chegara o momento de pô-los à prova. Depois de atirar a Carson algumas bolas fáceis, eu estava pronto para mandar algumas com efeito.

    Com base em algumas notas que havia trazido comigo, disparei contra Carson uma rápida sucessão de alguns dos maiores obstáculos à alegação de divindade reivindicada por Cristo.
    Dr. Carson, de que modo Jesus poderia ser onipresente, se não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo? — perguntei-lhe. — Como podia ser onisciente se disse: "Quanto ao dia e à hora ninguém sabe [...] nem o Filho, senão somente o Pai"? Como poderia ser onipotente se os evangelhos narram com muita clareza que ele não foi capaz de fazer milagres em sua cidade natal?

    Apontei então enfaticamente minha caneta em direção a ele e concluí:
    Admitamos: a própria Bíblia parece depor contra a divindade de Jesus.
    Embora não demonstrasse nenhuma hesitação, Carson concordou que minhas perguntas não tinham respostas fáceis. Afinal de contas, elas tocam no âmago da encarnação: Deus se faz homem, o espírito se reveste de carne, o infinito torna-se finito, o eterno fica limitado pelo tempo. Essa doutrina mantém ocupados os teólogos há séculos. Foi por aí que Carson principiou sua resposta, retrocedendo ao modo como os estudiosos tentaram responder a essas indagações ao longo dos anos.
    Houve, no decorrer da história, duas ou três tentativas de lidar com essas questões — começou ele, como se estivesse de certa forma dando início a uma preleção. — Por exemplo, no final do século passado, o grande teólogo Benjamin Warfield vasculhou os evangelhos e atribuiu várias passagens à humanidade de Cristo ou à sua divindade. Quando Jesus faz algo que reflete seu caráter divino, atribui-se o fato à divindade de Cristo. Quando algo reflete suas limitações, finitude ou humanidade (por exemplo, suas lágrimas: será que Deus chora?), atribui-se o fato à sua humanidade.

    Esse tipo de explicação me pareceu muito inconsistente. — Será que com isso não acabamos tendo um Jesus esquizofrênico? — perguntei-lhe.
    É fácil cair inadvertidamente nesse tipo de raciocínio — disse ele. — Todas as confissões de fé insistem em que a humanidade de Jesus e a sua divindade são condições distintas, embora estejam unidas em uma única pessoa. Procura-se então uma solução em que existam, de modo essencial, duas mentes: algo como um Jesus de mente humana e um Jesus de mente celestial. Essa é uma solução possível, e talvez não seja de todo inadequada. O outro tipo de solução seria na forma de kenosis, que significa "esvaziamento". É o que se conclui com base no que está registrado em Filipenses 2, onde o apóstolo nos diz que Jesus "sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se". Ou, numa tradução mais exata, "não achou que ser igual a Deus fosse algo que devesse explorar", antes "esvaziou-se a si mesmo". Ele se tornou um ninguém.

    Isso me pareceu um tanto ambíguo.
    O senhor poderia ser mais explícito? — perguntei. — De que exatamente ele se esvaziou?
    Pelo visto, eu havia tocado o cerne da questão.
    Ah, boa pergunta — Carson respondeu com um aceno. — Através dos séculos, as pessoas deram diferentes respostas a essa indagação. Por exemplo, teria ele se esvaziado de sua divindade? Bem, se assim fosse, ele deixaria de ser Deus. Ele teria se esvaziado de seus atributos divinos? É uma suposição que também me parece difícil, porque é complicado separar os atributos da realidade. Se você tem um animal que se parece com um cavalo, com todos os atributos de um cavalo, então é um cavalo o que você tem. Portanto, não compreendo como Deus pode esvaziar-se de todos os seus atributos e ainda continuar a ser Deus. Para algumas pessoas, ele não teria se esvaziado de seus atributos; esvaziou-se, isto sim, do uso deles, em uma atitude de autolimitação. É uma boa hipótese, embora não fosse isso o que fazia quando, por vezes, perdoava pecados como só Deus pode fazer, o que é um atributo da divindade. Outros vão mais longe e dizem que ele se esvaziou do uso independente de seus atributos. Isto ó, comportava-se como Deus quando seu Pai celestial autorizava-o explicitamente a fazê-lo. Essa hipótese é melhor ainda que a anterior. O problema é que não podemos abrir mão da idéia de que há um sentido em que o Filho eterno sempre agiu em conformidade com os mandamentos do Pai, mesmo no passado eterno. Mas chegamos bem perto.

    Senti que estávamos bem próximos do alvo, mas não sabia ao certo se seríamos capazes de atingi-lo. Notei que Carson também tinha o mesmo pressentimento.
    Rigorosamente falando — disse ele —, Filipenses 2 não nos diz com exatidão de que o Filho eterno se esvaziou. Ele se esvaziou. Tornou-se um ninguém. Temos aí um tipo de esvaziamento, mas, para ser sincero, o que está em debate aqui é a encarnação, um dos principais mistérios da fé cristã. Estamos lidando com um Espírito sem forma, sem corpo, onisciente, onipresente, onipotente e com criaturas finitas, corpóreas, que podem ser tocadas e que são limitadas pelo tempo. A transformação de um no outro nos envolve necessariamente em muitos mistérios. Portanto, há uma parte da teologia cristã que não está preocupada com "explicações cabais". Seu propósito é trazer à tona a evidência bíblica e preservá-la imparcialmente por inteiro, descobrindo meios de sintetizá-la de modo racional e coerente, mesmo que não seja possível explicá-la totalmente.

    Esse foi um jeito sofisticado de dizer que os teólogos são capazes de elaborar explicações que parecem sensatas, embora não possam explicar todas as nuanças relativas à encarnação. De certo modo, parece lógico que seja assim. Se a encarnação de fato aconteceu, não é de espantar que mentes finitas não sejam capazes de compreendê-la totalmente.

    Pareceu-me razoável aceitar um tipo de "esvaziamento" em que Jesus abria mão do uso independente de seus atributos e, por isso, não demonstrava seu caráter "oni" — onisciência, onipotência e onipresença — em sua existência terrena, muito embora o Novo Testamento afirme claramente que ele possuía todas essas qualidades.

    Isso, porém, era só parte do problema. Folheei meu caderno de anotações e comecei a fazer outro tipo de questionamento referente a passagens bíblicas específicas que pareciam contradizer frontalmente a afirmação de Jesus de que era Deus.

    Outro perfil ao qual Jesus tinha de se adequar diz respeito ao fato de que Deus é um ser não-criado, cuja existência vem desde toda a eternidade. Em Isaías 57.15, Deus é descrito como o que "vive para sempre". Todavia, eu disse a Carson, há muitos versículos que parecem indicar enfaticamente que Jesus era um ser criado.
    Por exemplo — eu disse —, em João 3.16 lemos que Jesus é o Filho "Unigênito" de Deus e, em Colossenses 1.15, ele é chamado de "primogênito de toda a criação". Será que esses versículos não implicam claramente que Jesus foi criado, em vez de ser Criador?
    Uma das áreas de especialização de Carson é a gramática grega, à qual ele recorreu para responder meu questionamento.
    Vamos analisar João 3.16 — disse ele. — É a Versão do rei Tiago que traduz o grego como "Filho primogênito". Os que consideram essa versão correta normalmente a associam à encarnação — ou seja, ao parto da Virgem Maria. Na verdade, porém, não é isso o que a palavra grega significa. O significado é "incomparável". No século 1, usava-se a expressão "incomparável e amado". Portanto, João 3.16 está simplesmente dizendo que Jesus é o Filho incomparável e amado, ou, conforme a NVI, o "Filho Único" (na nota de rodapé), em vez de classificá-lo como ontologicamente nascido no tempo.

    Isso explica apenas essa passagem específica — enfatizei.
    Muito bem, vamos examinar o versículo de Colossenses, onde aparece a palavra "primogênito". A grande maioria dos estudiosos, liberais ou conservadores, reconhecem que no Novo Testamento o primogênito, em virtude das leis da sucessão, normalmente recebia a maior parte dos bens e, no caso das famílias reais, tornava-se rei. O primogênito, portanto, era o que detinha, em última análise, todos os direitos do pai. Por volta do século II a.C, havia lugares onde a palavra não comportava mais a idéia literal de geração ou nascimento. Ela adquirira então o sentido de autoridade que decorre da posição de herdeiro legítimo. É com esse sentido que se aplica a Jesus, como reconhecem praticamente todos os estudiosos. Diante disso, a expressão "primogênito" dá margem a certas confusões.

    Qual seria a melhor tradução?
    Creio que "herdeiro supremo" seria mais adequado — disse ele.

    Embora isso explicasse a passagem de Colossenses, Carson foi mais adiante ainda, tocando num último ponto.
    Quando citamos Colossenses 1.15, temos de contextua-lizá-lo com Colossenses 2.9, onde o mesmo autor afirma: "Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade". O autor não iria se contradizer. Portanto, o termo "primogênito" não pode excluir a eternidade de Jesus, uma vez que isso é parte do que significa possuir a plenitude da divindade.

    Para mim, a questão estava encerrada. Mas havia outras passagens difíceis. Por exemplo, em Marcos 10, alguém se dirige a Jesus como "bom mestre", ao que ele responde: "Por que você me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus".
    Com isso, Jesus não estaria negando sua divindade? — perguntei.
    Não, creio que ele estava tentando fazer com que aquela pessoa parasse e pensasse no que estava dizendo — disse Carson. — A passagem paralela em Mateus dá mais detalhes, e Jesus não aparece fazendo pouco de sua divindade. Creio que o que ele está dizendo é o seguinte: "Espere um pouco, por que vocês estão me chamando 'bom'? Só por educação, como se estivessem dizendo: 'Bom dia'? O que vocês querem dizer com bom? Quando vocês me chamam 'bom mestre', o que pretendem com isso é bajular? Bem, no sentido mais profundo da palavra, só existe um que é bom, que é Deus, mas com isso Jesus não está dizendo implicitamente: "Portanto, não me chamem 'bom'". O que ele está dizendo é: "Será que vocês entendem realmente o que dizem quando me chamam de bom? Vocês estão querendo de fato atribuir a mim o que deve ser atribuído unicamente a Deus?". Eram questões provocativas, que na verdade significavam: "Sou de fato quem vocês dizem que sou; há mais verdade nas suas palavras do que vocês imaginam"; ou ainda: "Não ousem me chamar assim; da próxima vez, refiram-se a mim como 'o pecador Jesus', como o fazem as demais pessoas". Se atentarmos para tudo o que Jesus diz e faz em outras passagens, com qual opção ficaremos?

    São tantos os versículos que se referem a Jesus "sem pecado", "santo", "justo", "inocente", "sem mácula" e "separado dos pecadores" que a resposta parece bem óbvia.

    Se Jesus era Deus, que tipo de deus era ele? Seria igual ao Pai, ou talvez uma espécie de deus menor, possuidor dos mesmos atributos da divindade e, ainda assim, incapaz de se encaixar no perfil que o Antigo Testamento apresenta sobre a divindade?
    A pergunta tem origem em outra passagem que mencionei a Carson.
    Jesus disse em João 14.28: "O Pai é maior do que eu". Muita gente conclui dessa passagem que Jesus teria sido uma espécie de Deus inferior. Será que elas estão corretas? — perguntei-lhe.
    Carson suspirou.
    Meu pai era pregador — disse ele —, e eu, desde a minha infância, sempre ouvi o seguinte dentro de casa: "Um texto sem contexto torna-se pretexto para texto de rodapé". É importantíssimo analisar essa passagem dentro do seu contexto. Os discípulos suspiravam porque Jesus lhes havia dito que iria partir. Ele disse: "Se vocês me amassem, ficariam contentes porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu". Em outras palavras, Jesus está retornando à glória que lhe pertence, portanto, se eles soubessem realmente quem ele era e o amassem de verdade, do jeito certo, ficariam contentes por vê-lo regressar ao Reino onde ele é de fato maior. Jesus diz em João 17.5: "Glorifica-me junto a ti, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse" — ou seja, "o Pai é maior do que eu". Quando usamos uma categoria como "maior", o termo não se refere obrigatoriamente ao que é ontologicamente maior. Se eu disser, por exemplo, que o presidente dos Estados Unidos é maior do que eu, não estou querendo dizer com isso que, ontologicamente, ele é um ser superior. Ele é maior em sua capacidade militar, em sua intrepidez política e em reconhecimento público, mas isso não faz dele mais homem do que eu. Ele é um ser humano, e eu também sou um ser humano. Após uma pausa, prosseguiu:

    Portanto, quando Jesus diz: "O Pai é maior do que eu", é preciso analisar o contexto e verificar se Jesus está dizendo: "O Pai é maior do que eu porque ele é Deus, e eu não". Francamente, seria muita tolice dizer uma coisa dessas. Suponha que eu suba ao púlpito e diga: "Declaro solenemente que Deus é maior do que eu". Seria uma observação realmente inútil, não é verdade? A comparação só faz sentido se ambos estiverem no mesmo plano e se houver algum tipo de limitação em curso. Jesus está limitado pela encarnação — ele vai para a cruz, vai morrer —, mas voltará em breve para o Pai e para a glória que tinha com o Pai antes que o mundo existisse.

    Ele está dizendo: "Gente, vocês estão se lamentando pelo que vai acontecer comigo, mas deviam estar alegres, porque vou para casa". É nesse sentido que "o Pai é maior do que eu".
    Portanto — eu disse — isso não seria uma negação explícita de sua divindade.
    Não — concluiu Carson —, na verdade, não. O contexto deixa isso claro.
    Embora eu estivesse disposto a aceitar o fato de que Jesus não era um deus inferior, havia uma questão mais delicada que eu queria esclarecer: como é que Jesus podia ser um deus misericordioso e ainda assim compactuar com a idéia de sofrimento eterno daqueles que o rejeitassem?

    A Bíblia diz que o Pai é amoroso. O Novo Testamento afirma o mesmo sobre Jesus. Mas será que eles são realmente amorosos se, ao mesmo tempo, mandam as pessoas para o inferno? Afinal de contas, Jesus ensina mais sobre o inferno que qualquer outra pessoa na Bíblia toda. Isso não contradiz seu caráter supostamente gentil e compassivo?

    Ao fazer essa pergunta a Carson, citei as palavras contundentes do agnóstico Charles Templeton: "Como é que um Pai celestial amoroso é capaz de criar um inferno sem fim e, ao longo dos séculos, enviar milhões de pessoas para lá porque não aceitam, não podem aceitar ou recusam-se a aceitar certas crenças religiosas?".

    Essa pergunta, que eu formulei de modo a causar impacto, não deixou Carson irado.
    Em primeiro lugar — disse ele —, não creio que Deus simplesmente jogue as pessoas no inferno porque elas se recusam a aceitar algumas crenças específicas.

    Carson fez uma pausa, depois retomou o assunto de forma mais detalhada, discutindo um tópico que muitas pessoas hoje consideram um anacronismo: o pecado.

    Imagine Deus no início da criação com um homem e uma mulher feitos à sua imagem — disse Carson. — Eles se levantam pela manhã e pensam em Deus. Eles o amam de verdade. Têm prazer em satisfazê-lo, e para eles não há prazer maior. Seu relacionamento com Deus é perfeito, e ambos se dão muito bem. Depois, com a entrada do pecado e da rebelião no mundo, o casal, que era a imagem de Deus, começou a achar que era o centro do universo. Não literalmente, mas era o que achavam. E é assim que nós pensamos também. Tudo o que chamamos "patologias sociais", a guerra, o estupro, a amargura, o sentimento de inveja que alimentamos dentro de nós, os ciúmes ocultos, o orgulho, os complexos de inferioridade, estão todos vinculados, antes de tudo, ao fato de que nosso relacionamento com Deus não é como deveria ser. Conseqüentemente, as pessoas se sentem feridas. Da perspectiva divina, isso é terrivelmente repugnante. O que Deus devia fazer a respeito? Se ele disser: "Bem, não me importo", estará dizendo que não se importa com o mal. E mais ou menos como se disséssemos: "Tudo bem, já ouvi falar do holocausto, mas e daí?". Você não ficaria chocado só de pensar na possibilidade de Deus achar que isso não tem nenhuma importância moral? Mas, em princípio, se ele é o tipo de Deus que atribui importância moral a esse tipo de coisa, tem necessariamente de se importar com todos os que, criados à sua imagem, desafiam-no com o punho em riste e cantam, como Frank Sinatra: "I did it my way" ("Agi como quis"). Essa é a verdadeira natureza do pecado. Dito isso, o inferno não é um lugar para onde são mandadas as pessoas simplesmente porque foram estúpidas o bastante para não acreditar no que deviam crer. Elas foram para lá, principalmente, porque desafiaram seu Criador e quiseram ser o centro do universo. O inferno não está cheio de pessoas agora arrependidas que Deus não deixa sair porque sua bondade não chega a tanto. Ele está cheio de pessoas que, por toda a eternidade, sempre quiseram ser o centro do universo e insistem em desafiar a Deus. O que Deus deveria fazer? Se disser que não se importa com isso, não será mais um Deus digno de admiração. Ou é um ser amoral ou um monstro. Se agisse de outro modo diante de uma insubordinação tão evidente, ele não seria o Deus que é, seria menos.

    Entendo — interrompi —, mas o que mais parece incomodar as pessoas é o fato de que Deus vai atormentar essas pessoas por toda a eternidade. Isso não lhe parece cruel?
    Em primeiro lugar — disse Carson —, a Bíblia diz que existem diferentes graus de castigo, portanto, não creio que o grau de intensidade será o mesmo para todos. Em segundo lugar, se Deus retirasse suas mãos deste mundo decaído, de modo que não houvesse mais nenhuma restrição para a impiedade humana, estaríamos vivendo no inferno. Assim, se você permitir que uma multidão de pecadores viva em um lugar confinado onde não possam prejudicar ninguém, exceto a si mesmos, não seria isso o inferno? Em certo sentido, é o que acontece: eles estão prejudicando a si mesmos. É isso o que querem, porque não se arrependeram.

    Achei que Carson tivesse concluído sua resposta, porque percebi que hesitou um pouco. Todavia, ele tinha ainda uma observação crucial por fazer.
    Uma das coisas na qual a Bíblia insiste é que, no fim, não apenas se fará justiça, mas será possível ver a justiça sendo feita, de modo que toda boca se cale.

    Suas últimas palavras me chamaram a atenção.
    Em outras palavras — eu disse —, quando chegar o dia do julgamento final, ninguém vai poder se queixar dizendo que Deus não lhe deu um tratamento justo. Todos vão reconhecer a justiça genuína pela forma como Deus irá julgá-los, e também ao mundo.
    Correto — afirmou Carson resoluto. — Nem sempre se faz justiça no mundo; é o que vemos diariamente. No dia do juízo final, porém, todos poderão vê-la. Ninguém vai poder se queixar dizendo: "Isto não é justo".

    Havia outra questão que eu queria discutir com Carson. Olhei para o relógio.
    O senhor tem mais alguns minutos? — perguntei-lhe. Ele disse que sim. Fiz-lhe então mais uma pergunta sobre um assunto polêmico.

    Para ser Deus, Jesus tinha de ser eticamente perfeito. Todavia, alguns críticos do cristianismo acusam-no de não o ser porque, segundo eles, Jesus teria compactuado com a prática moralmente abominável da escravidão. Conforme escreveu Morton Smith:

    O imperador e o Estado romano tinham inúmeros escravos; o templo de Jerusalém possuía escravos; o sumo sacerdote tinha escravos (um deles perdeu uma orelha quando Jesus foi preso); todos os ricos e praticamente toda a classe média tinham escravos. Até onde sabemos, Jesus nunca atacou essa prática. [...] Parece que houve uma revolta de escravos na Palestina e na Jordânia na mocidade de Jesus; uma pessoa que liderasse essa revolta e fosse ao mesmo tempo um operador de milagres teria atraído muita gente. Se Jesus tivesse denunciado a escravidão ou prometido a libertação dos escravos, não há dúvida de que teríamos ficado sabendo. Mas não há registro de que isso tenha ocorrido, portanto, pela lógica, tudo indica que ele não disse nada a esse respeito.

    Como é que se pode equacionar o fato de que Jesus não se empenhou pela libertação dos escravos com o amor de Deus por todas as pessoas?
    — Por que ele não se levantou e disse em alto e bom som: 'A escravidão é errada"? — perguntei. — Não teria Jesus falhado moralmente por não se empenhar pelo fim de uma instituição que humilhava as pessoas, feitas à imagem de Deus?
    Carson endireitou-se na cadeira.
    Creio que as pessoas que fazem esse tipo de objeção estão confusas — disse ele. — Se você me permite, vou primeiro contextualizar a escravidão, antiga e moderna, porque em nossa cultura ela naturalmente apresenta certas características que não tinha no mundo antigo.
    Acenei para que prosseguisse.

    Em seu livro Race and culture, o estudioso afro-americano Thomas Sowell ressalta que em todas as grandes culturas mundiais, até a Idade Moderna, sem exceção, houve escravidão — Carson explicou. — Embora fosse muitas vezes o resultado de conquistas militares, a escravidão servia geralmente a propósitos econômicos. Não havia leis de falência naquela época, portanto, quando alguém ficava muito endividado, vendia-se a si mesmo e/ ou a família ao regime de escravidão. A escravidão servia não somente como pagamento de dívida como também proporcionava trabalho. Não era necessariamente uma coisa tão ruim; era, pelo menos, uma opção de sobrevivência. Por favor, entenda-me: não estou tentando de forma alguma dar à escravidão um ar romântico.

    Todavia, no tempo dos romanos, havia trabalhadores subalternos que executavam tarefas próprias de escravos, mas havia outros também em funções equivalentes às de doutores, que ensinavam as famílias. A escravidão não estava associada a nenhuma raça em particular. Na escravidão americana, porém, todos os negros, e só eles, eram escravos. Esse foi um dos horrores característicos dela, o que gerou a idéia injusta de que os negros eram inferiores, contra o que muitos de nós lutamos ainda hoje. Vamos agora ver o que diz a Bíblia. Na sociedade judaica, a lei determinava que, no Jubileu, todos os escravos tinham de ser libertos. Em outras palavras, a cada sete anos a escravidão era abolida. Se as coisas funcionavam de fato desse jeito já é outra história, mas a ordem divina era essa, e foi nesse ambiente que Jesus cresceu. É preciso ter em mente a missão de Jesus. Basicamente, ele não veio com o objetivo de derrubar o sistema econômico romano, do qual a escravidão fazia parte. Ele veio para libertar homens e mulheres de seus pecados. E aí onde quero chegar: o que sua mensagem faz é transformar as pessoas de modo que comecem a amar a Deus de todo o seu coração, alma, mente e força, e comecem também a amar o seu próximo como a si mesmas. Naturalmente, isso tem um impacto na idéia de escravidão.

    Após uma pausa, prosseguiu:
    Veja o que diz o apóstolo Paulo em sua carta a Filemom a respeito de um escravo foragido chamado Onésimo. Paulo não diz que a escravidão deve ser abolida, porque isso simplesmente culminaria com a execução daquele escravo. Em vez disso, ele diz a Filemom que trate bem a Onésimo como um irmão em Cristo, assim como trataria o próprio Paulo. Depois, para deixar bem clara a situação, Paulo enfatiza: "Lembre-se, você deve sua vida a mim por causa do evangelho". A abolição da escravidão, portanto, ocorre pela transformação de homens e mulheres pelo evangelho, e não meramente pela mudança do sistema econômico. Todos nós já vimos o que acontece quando simplesmente se extingue um sistema econômico e se impõe uma nova ordem em seu lugar. O sonho comunista era ter um "homem revolucionário" seguido do "novo homem". O problema é que os comunistas nunca encontraram esse "novo homem". Livraram-se dos opressores dos camponeses, mas isso não lhes deu liberdade imediata; passaram apenas para um novo regime de trevas. No fim das contas, se quisermos uma mudança que perdure, temos de transformar os corações dos seres humanos. E essa era a missão de Jesus. Vale também a pena fazer a pergunta que Sowell faz: como foi que a escravidão acabou? Ele destaca que o ímpeto propulsor da abolição da escravidão foi o despertamento evangélico da Inglaterra. Os cristãos pressionaram pela abolição no Parlamento no início do século XIX e, por fim, usaram as canhoneiras inglesas para deter o tráfico no Atlântico. Cerca de 11 milhões de africanos foram levados para a América, e muitos não sobreviveram, ao passo que cerca de 13 milhões foram levados como escravos para o mundo árabe. Uma vez mais, foram os ingleses, impulsionados por pessoas cujo coração havia sido transformado por Cristo, que enviaram seus navios de guerra para o golfo Pérsico com o propósito de pôr um fim a isso.

    A resposta de Carson fazia sentido, não apenas historicamente, mas essa também tinha sido minha própria experiência. Por exemplo, conheci anos atrás um executivo tremendamente racista que tinha uma atitude superior e arrogante em relação a qualquer pessoa de outra cor. Ele raramente se esforçava para esconder seu desprezo pelos afro-americanos, deixando que essa bile preconceituosa transbordasse em piadas cruéis e observações cáusticas. Não havia argumento capaz de fazê-lo mudar suas opiniões repugnantes.

    Foi então que se tornou seguidor de Jesus. Observei surpreendido como suas atitudes, perspectivas e valores iam mudando com o passar do tempo, à medida que seu coração era renovado por Deus. Por fim, ele se deu conta de que não poderia abrigar nenhuma indisposição em relação a quem quer que fosse, uma vez que a Bíblia ensina que todas as pessoas foram feitas à imagem de Deus. Hoje posso dizer com toda a sinceridade que ele é verdadeiramente solícito e aberto às pessoas, inclusive às que são diferentes dele.
    Não foi a lei que o transformou. O raciocínio não o modificou. Apelos emocionais não o mudaram. Ele conta a todos que Deus o transformou de dentro para fora, de um modo decisivo, completo e permanente. Esse é apenas um exemplo dentre muitos. Eu vi o poder do evangelho sobre o qual Carson estava falando: o poder que transforma corações rancorosos e vingativos em filantropos, egoístas empedernidos em doadores misericordiosos, amantes do poder em servos generosos e gente que explora o próximo, por meio da escravidão ou de outra forma de opressão, em gente de coração acolhedor.
    Isso vai ao encontro do que o apóstolo Paulo diz em Galatas 3.28: "Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus".

    Carson e eu conversamos, por vezes com muita animação, durante duas horas, enchendo mais fitas do que seria possível colocar neste capítulo. Achei suas respostas muito sensatas e teologicamente sadias. No final, entretanto, o modo como a encarnação opera, de que maneira o Espírito se apossa da carne, continuava a ser para mim um conceito difícil de entender.
    Apesar disso, de acordo com a Bíblia, o fato de que isso ocorreu realmente não deixa margem à dúvida. Todo atributo de Deus, diz o Novo Testamento, encontra-se também em Jesus Cristo:

    Onisciência? Em João 16.30, o apóstolo João afirma a respeito de Jesus: 'Agora, podemos perceber que sabes todas as coisas".

    Onipresença? Jesus disse em Mateus 28.20: "E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos"; e, em Mateus 18:20: "Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles".

    Onipotência? "Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra", disse Jesus em Mateus 28.18.

    Eternidade? Em João 1.1, lemos a respeito de Jesus: "No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus".

    Imutabilidade? Em Hebreus 13.8, lemos: "Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre".

    Além disso, o Antigo Testamento traça um retrato de Deus usando títulos e descrições tais como Alfa e Ômega, Senhor, Salvador, Rei, Juiz, Luz, Rocha, Redentor, Pastor, Criador, Doador da vida, aquele que perdoa os pecados e fala com autoridade divina. É fascinante observar que, no Novo Testamento, todos eles, sem exceção, são aplicados a Jesus.

    Jesus sumarizou assim em João 14.7: "Se realmente me conhecessem, conheceriam também o meu Pai". Em uma tradução menos clássica, diríamos: "Quando vocês vêem o retrato de Deus que o Antigo Testamento apresenta, é a minha semelhança que vocês vêem".
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL COM O FILÓSOFO E TEÓLOGO WILLIAM LANE CRAIG

    A primeira vez em que vi Bill Craig em ação foi de uma perspectiva incomum: eu estava sentado atrás dele enquanto ele defendia o cristianismo perante uma multidão de aproximadamente oito mil pessoas, com mais um número incontável de ouvintes acompanhando-o através de mais de cem estações de rádio que transmitiam seu discurso.

    Eu era o moderador de um debate entre Craig e um ateu escolhido pelo porta-voz nacional de American Atheists, Inc., e fiquei maravilhado vendo Craig, de modo educado mas enérgico, argumentar em favor do cristianismo e, ao mesmo tempo, desmantelar os argumentos em favor do ateísmo. De onde eu estava sentado, podia observar os rostos das pessoas enquanto elas descobriam — muitas pela primeira vez — que o cristianismo não sucumbe à análise racional e ao escrutínio rigoroso.

    No fim, não houve embate. Entre os que entraram no auditório naquela noite como ateus, agnósticos ou céticos jurados, a grande maioria de 82% saiu convencida de que o cristianismo tinha sido mais bem defendido do que o ateísmo e 47% entraram como descrentes e saíram como cristãos — os argumentos de Craig em favor da fé os tinha persuadido, especialmente na comparação com a pobreza de evidências em favor do ateísmo. E, diga-se de passagem, ninguém se tornou ateu.

    Por isso, quando voei para Atlanta a fim de entrevistá-lo para este livro, eu estava ansioso para ver como ele iria responder aos desafios relacionados com o túmulo vazio de Jesus.

    Ele não mudara desde que eu o vira, havia alguns anos. Com sua barba negra cortada rente, rosto anguloso e olhar firme, Craig tem a aparência típica de um professor.

    Ele fala de modo convincente, sem jamais perder a linha de pensamento, sempre trabalhando metodicamente uma resposta até o final, ponto por ponto, fato por fato.

    Contudo, ele não é um teólogo árido. Craig tem um entusiasmo contagiante por seu trabalho. Seus olhos de um azul-pálido acompanham as mãos enquanto ele gesticula para descrever proposições e teorias, para reforçar a compreensão e concordância. Sua voz se acelera quando ele discorre sobre algum tópico antigo da teologia que acha fascinante e sussurra com sinceridade quando pondera por que alguns estudiosos resistem às evidências que ele acha tão convincentes.

    Em outras palavras, sua mente se concentra totalmente em cada assunto, mas também seu coração. Quando ele fala sobre os céticos com quem debateu, não é em tom de arrogância ou satisfação. Ele se apressa em mencionar as qualidades positivas deles — um, orador maravilhoso; outro, muito gentil ao jantar.

    Em meio às sutilezas da nossa conversa, senti que ele não tem o propósito de derrotar os opositores com seus argumentos; está sinceramente procurando ganhar pessoas com quem, ele sabe, Deus se importa. Fica genuinamente perplexo com pessoas que não conseguem ou não querem reconhecer a realidade do túmulo vazio.

    Vestindo calças jeans, meias brancas e um pulôver azul-escuro de gola olímpica vermelha, Craig espreguiçou-se em um sofá estampado com flores em sua sala de estar. Na parede por trás dele, havia um grande quadro emoldurado de Munique.

    Foi ali, logo depois de obter seu grau de mestre em artes da Trinity Evangelical Divinity School e de doutorado em filosofia da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que Craig começou a estudar a ressurreição, enquanto fazia outro doutorado, desta vez em teologia, na Universidade de Munique. Mais tarde ensinou na Trinity Evangelical Divinity School e serviu como professor visitante no Higher Institute of Philosophy, na Universidade de Louvain, perto de Bruxelas.

    Entre seus livros estão Reasonable faith [Fé racional], No easy answers [Sem respostas fáceis], Knowing the truth about the resurrection [Conhecendo a verdade sobre a ressurreição], The only wise God [O único Deus sábio], The existence of God and the beginning of the universe [A existência de Deus e o princípio do universo] e (com Quentin Smith) Theism, atheism, and big bang cosmology [Teísmo, ateísmo e a cosmologia do Big bang], publicado pela Oxford University Press.

    Também contribuiu com The intellectuals speak out about God, Jesus underfire, In defense of miracles e Does God exist? Além disso, seus artigos como professor foram publicados em revistas como New Testament Studies, Journal for the Study of the New Testament, Gospel Perspectives, Journal of the American Scientific Affiliation e Philosophy. É membro de nove associações de professores, entre as quais a American Academy of Religion e a American Philosophical Association.

    Craig é conhecido no mundo todo por seus escritos sobre a relação entre ciência, filosofia e teologia, mas não precisou de estímulo para falar do assunto que até hoje faz seu coração bater mais forte: a ressurreição de Jesus.

    Antes de ver se o túmulo de Jesus estava mesmo vazio, eu precisava ter certeza de que seu corpo tinha sido colocado ali. A história nos conta que, via de regra, criminosos crucificados ficavam pendurados na cruz para serem comidos por aves de rapina ou jogados em uma vala comum. Isso levou John Dominic Crossan, do Seminário Jesus, a concluir que o corpo de Jesus provavelmente foi desenterrado dessa vala e devorado por cães vadios.

    Baseado nesse costume de não dar um enterro digno aos crucificados — comecei nossa conversa —, o senhor não admitiria que o mais provável é que foi isso que fizeram com Jesus?
    Se você pensa apenas no costume, tenho de concordar — foi sua resposta. — Mas isso significaria ignorar as evidências específicas desse caso.

    Está bem, então vejamos as evidências específicas — continuei. Com isso, levantei um problema imediato: os evangelhos dizem que o corpo de Jesus foi entregue a José de Arimatéia, um membro do próprio conselho que votara a morte de Jesus, o Sinédrio. — Isso é pouco plausível, não é? — indaguei num tom que parecia mais enfático do que eu pretendia.
    Craig se endireitou no sofá como se estivesse se preparando para saltar sobre a minha pergunta.
    Não se você olhar todas as evidências que cercam o se-pultamento. Vamos repassá-las. Primeiro, vejamos lCoríntios 15.3-7, onde o sepultamento é mencionado pelo apóstolo ao transmitir um dos primeiros credos da igreja.

    Concordei com a cabeça, pois o Dr. Craig Blomberg já tinha detalhado esse credo em nossa entrevista anterior. Craig concordava com a opinião de Blomberg de que o credo sem dúvida remonta a poucos anos após a crucificação de Jesus, tendo sido passado para Paulo logo depois da sua conversão, em Damasco, ou em sua visita subseqüente a Jerusalém, quando encontrou os apóstolos Tiago e Pedro.

    Craig queria comentar o credo, por isso abri rapidamente a Bíblia em meu colo e repassei a passagem: "O que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras...". Depois o credo relaciona várias aparições do Jesus ressuscitado.
    Esse credo é incrivelmente antigo e por isso confiável — disse Craig. — Em sua essência, é composto de quatro linhas. A primeira faz referência à crucificação, a segunda ao sepultamento, a terceira à ressurreição e a quarta às aparições de Jesus. Como você vê, a segunda linha confirma o sepultamento de Jesus.

    Isso era muito vago para mim.
    Espere um pouco — exclamei. — Ele pode ter sido sepultado, mas será que foi num túmulo? E será que foi por mãos de José de Arimatéia, essa personagem misteriosa que sai do nada para reclamar o corpo?
    Craig não perdeu a paciência.
    Esse credo na verdade é um sumário que corresponde linha por linha ao que os evangelhos ensinam — ele explicou, — Quando passamos para os evangelhos, encontramos múltiplas confirmações independentes dessa história de sepultamento, e José de Arimatéia é mencionado pelo nome nos quatro relatos. Além disso, a história de Marcos é tão extremamente antiga que simplesmente não é possível ter sido vítima de corrupção lendária.

    Com base em que o senhor pode afirmar que ela é antiga? — perguntei.
    Por dois motivos — ele respondeu. — O primeiro é que Marcos é, em termos gerais, considerado o evangelho mais antigo. Em segundo lugar, seu evangelho consiste basicamente em breves histórias sobre Jesus, mais como pérolas em um fio do que uma fluente narrativa contínua. Mas quando se chega à última semana na vida de Jesus, a chamada história da Paixão, tem-se uma narrativa contínua de eventos em seqüência. Essa história parece ter sido tirada por Marcos de uma fonte ainda mais antiga — que incluía a história do sepultamento de Jesus no túmulo.

    Embora esses fossem bons argumentos, entrevi um problema com o relato de Marcos.
    Marcos diz que todo o Sinédrio votou para condenar a Jesus — eu disse. — Se isso é verdade, significa que José de Arimatéia deu seu voto em favor da morte de Jesus. Não é bastante improvável que ele depois viesse para dar a Jesus um sepultamento honroso?
    Parece que minha observação me pôs em boa companhia.
    Lucas pode ter tido a mesma inquietação — Craig concordou —, o que explica por que ele acrescentou um detalhe importante: que José de Arimatéia não estava presente quando da votação oficial. Isso explicaria a situação. O detalhe importante sobre José de Arimatéia, porém, é que ele não era o tipo de pessoa que teria sido inventado por lendas ou autores cristãos.

    Eu precisava de mais do que uma mera conclusão sobre esse assunto. Queria um raciocínio sólido.
    Por que não? — perguntei.
    Considerando a raiva e o ressentimento que os primeiros cristãos tinham em relação aos líderes judeus que haviam instigado o povo a pedir a crucificação de Jesus - Craig respondeu — é altamente improvável que tenham inventado alguém que fez a coisa certa ao dar a Jesus um sepultamento honroso, especialmente enquanto todos os seus discípulos o abandonaram! Além disso, não inventariam um membro específico de um grupo específico, o que poderia ser conferido e investigado por qualquer pessoa. Portanto, José é sem dúvida uma personagem histórica.

    Antes de eu poder fazer mais uma pergunta sobre esse assunto, Craig continuou.
    Quero acrescentar que, se esse sepultamento por José foi uma lenda que surgiu mais tarde, poderíamos esperar que surgissem outras tradições sobre o sepultamento ou o que aconteceu com o corpo de Jesus. No entanto, não existe nenhuma outra versão. Conseqüentemente, a maioria dos estudiosos do Novo Testamento hoje em dia concorda que o relato do sepultamento de Jesus é, basicamente, confiável. John A. T. Robinson, o falecido professor de Novo Testamento da Universidade de Cambridge, disse que o sepultamento. honroso de Jesus é um dos fatos mais antigos e mais bem confirmados que temos sobre o Jesus histórico.

    As explicações de Craig de que o corpo de Jesus foi realmente colocado no túmulo de José me satisfizeram. No credo, entretanto, restava uma ambigüidade: seu corpo, depois da ressurreição, talvez tivesse ficado dentro do túmulo.
    O credo diz que Jesus foi crucificado, sepultado e depois ressuscitou, mas não diz especificamente que o túmulo estava vazio — ressaltei. — Será que isso não deixa espaço para a possibilidade de a ressurreição ter sido apenas de natureza espiritual, e o corpo de Jesus teria permanecido no túmulo?
    O credo implica com certeza o túmulo vazio — Craig rebateu. — Veja, os judeus tinham uma idéia física da ressurreição. Para eles, o principal objeto da ressurreição eram os ossos do falecido, não era nem mesmo a carne, que era considerada perecível. Depois que a carne apodrecia, os judeus ajuntavam os ossos dos seus mortos e os colocavam em caixas, para serem preservados até a ressurreição no fim dos tempos, quando Deus levantaria os mortos justos de Israel e estariam todos juntos no Reino definitivo de Deus. À luz disso, teria sido simplesmente uma contradição de termos para um judeu antigo dizer que alguém foi levantado da morte, mas seu corpo continuou no túmulo. Por isso, quando esse credo cristão antigo diz que Jesus foi sepultado e depois ressurgiu no terceiro dia, está deixando implícito, mas muito claro: um túmulo vazio foi o que ficou para trás.

    Depois dessas evidências convincentes de que Jesus esteve no túmulo, pareceu-me importante saber até que ponto esse túmulo estava protegido de influências de fora. Quanto maior a segurança, menor a probabilidade de que o corpo fosse manipulado.
    Quanto o túmulo de Jesus estava protegido? — perguntei.
    Craig passou a descrever como esse tipo de túmulo era fechado, fazendo uso das melhores descobertas dos arqueólogos em escavações de lugares do primeiro século.

    Havia um valo em declive que conduzia a uma entrada baixa, e uma grande pedra em forma de disco era rolada por esse valo e encaixada em frente à passagem — ele descreveu, usando as mãos para ilustrar o que estava dizendo. — Depois uma pedra menor era usada para firmar o disco. Embora fosse fácil rolar esse grande disco pelo valo abaixo, seriam necessários vários homens para rolá-lo de volta para reabrir o túmulo. Nesse sentido, ele era bem seguro.

    E quanto à guarda do túmulo? Eu sabia que alguns céticos tentam lançar dúvidas sobre a noção popular de que o túmulo de Jesus foi guardado com atenção, sem interrupção, por soldados romanos altamente disciplinados, que tinham de contar com a morte se falhassem em sua tarefa.

    O senhor tem certeza de que havia esses guardas romanos? — perguntei.
    Somente Mateus relata que foram colocados guardas em torno do túmulo — Craig respondeu. — Seja como for, não creio que a história dos guardas seja uma faceta importante das evidências em favor da ressurreição. Por um lado, ela é muito questionada pelos estudiosos de hoje. Penso que é prudente basear meus argumentos em evidências que são mais amplamente aceitas pela maioria dos estudiosos, por isso prefiro deixar de lado a história dos guardas.

    Fiquei surpreso com a posição dele.
    Mas isso não enfraquece a defesa do argumento? — indaguei.
    Craig balançou a cabeça.
    Francamente, a história dos guardas pode ter sido importante no século XVIII, quando os críticos diziam que os discípulos roubaram o corpo de Jesus, mas hoje em dia ninguém mais adota essa teoria — ele esclareceu.

    E continuou:
    Lendo o Novo Testamento, não restam dúvidas de que os discípulos creram com sinceridade na verdade da ressurreição, a qual proclamaram mesmo enfrentando a morte. A idéia de que o túmulo vazio é resultado de alguma mistificação, conspiração ou roubo é simplesmente rejeitada hoje em dia. Assim, a história dos guardas tornou-se secundária.

    Mesmo assim, eu estava interessado em saber se havia evidências que confirmassem a história dos guardas em Mateus. Entendi as razões de Craig para colocar o assunto de lado, mas insisti perguntando se havia indicações confiáveis de que a história é verídica.
    Há, com certeza — disse ele. — É só lembrar as declarações e negações sobre a ressurreição que houve entre judeus e cristãos no século I. A primeira proclamação dos cristãos foi: "Jesus ressuscitou". Os judeus respondiam: "Os discípulos roubaram o corpo dele". A isso os cristãos replicavam: "Não pode ser, porque os guardas no túmulo teriam impedido esse roubo". Os judeus argumentavam: "Bem, os guardas no túmulo tinham adormecido". E os cristãos rebatiam: "Não, os judeus é que subornaram os guardas para dizerem que adormeceram". Muito bem, se não tivesse havido guardas, a discussão teria sido mais ou menos esta: em reação à afirmação de que Jesus ressuscitou, os judeus diriam: "Os discípulos roubaram o corpo dele". Os cristãos replicariam: "Mas os guardas teriam impedido o roubo". E a resposta dos judeus teria sido: "Que guardas? Vocês estão delirando! Não havia guardas!". Os registros históricos nos mostram que não era isso que os judeus diziam. Isso indica que os guardas existiram mesmo e que os judeus sabiam disso, razão pela qual tiveram de inventar a história absurda de que os guardas adormeceram enquanto os discípulos levavam o corpo.

    Novamente uma pergunta premente me fez interrompê-lo.
    Parece haver ainda outro problema aqui — eu disse, fazendo uma pausa para formular minha objeção o mais sucintamente possível. — Por que, afinal, as autoridades judaicas teriam colocado guardas no túmulo? Se eles estavam esperando que ele ressuscitasse ou que os discípulos simulassem a ressurreição, isso significaria que eles acreditavam mais nas predições de Jesus do que os discípulos! Afinal de contas, os discípulos ficaram surpresos com tudo o que aconteceu.
    Você pôs o dedo na ferida — Craig concordou. — Todavia, também pode ser que eles tenham colocado guardas para impedir que roubos nos túmulos ou outras perturbações acontecessem durante a Páscoa. Não sabemos. O argumento é bom; concordo com sua força. Mas não creio que seja incontornável.

    De qualquer forma, ele levanta questões em relação à história dos guardas. Mais uma objeção veio à minha mente:
    Mateus diz que os guardas romanos prestaram relatório às autoridades judaicas. Isso não parece improvável, já que eles eram responsáveis diante de Pilatos?
    Um leve sorriso iluminou o rosto de Craig.
    Se você olhar com atenção, Mateus não diz que os guardas eram romanos. Quando os judeus vão até Pilatos para lhe pedir uma guarda, ele diz: "Vocês têm a sua guarda". Muito bem, será que ele está dizendo: "Está bem, aqui você têm um destacamento de soldados?". Ou está querendo dizer: "Vocês têm os seus próprios guardas do templo. Usem-nos"? Os estudiosos debatem se a guarda era judaica ou não. Inicialmente minha tendência era pensar que ela era judaica, pelo motivo que você mencionou. Reconsiderei, porém, porque a palavra que Mateus usa para referir-se aos guardas é aplicada com mais freqüência a soldados romanos do que a meros funcionários do templo. Além disso, lembre-se de que João nos diz que foi um centurião romano que conduziu soldados romanos para prender Jesus, sob as ordens dos líderes judeus. Isso mostra um precedente de guardas romanos reportando-se a autoridades religiosas judaicas. Parece plausível que eles também tivessem como tarefa guardar o túmulo.

    Avaliando as evidências, senti-me convencido de que havia guardas no túmulo, mas decidi interromper essa seqüência de perguntas, já que Craig não dá mesmo muita importância à história dos guardas. Eu também já estava ansioso para confrontar Craig com o que parece ser o argumento mais persuasivo contra a idéia de que o túmulo, de Jesus estava vazio na manhã da Páscoa.

    Com o passar dos anos, os críticos do cristianismo atacaram a história do túmulo vazio, levantando aparentes discrepâncias entre os relatos dos evangelhos. Por exemplo, o cético Charles Templeton disse recentemente: 'As quatro descrições dos eventos [...] diferem de modo tão marcante que, com toda a boa vontade do mundo, não há como conciliá-las".
    Se aceitarmos essa objeção, entenderemos que ela fere de morte a confiabilidade das narrativas do túmulo vazio. Veja este resumo feito pelo Dr. Michael Martin, da Universidade de Boston, que li para Craig naquela manhã:

    Em Mateus, quando Maria Madalena e a outra Maria chegaram ao túmulo antes do alvorecer, encontraram a grande pedra diante da entrada, presenciaram um terremoto violento, e um anjo desceu para rolar a pedra para o lado. Em Marcos, as mulheres chegaram no túmulo ao nascer do sol, e a pedra já tinha sido tirada. Em Lucas, quando as mulheres chegaram ao amanhecer, viram que a pedra já tinha sido retirada.
    Em Mateus, um anjo está sentado sobre a rocha fora do túmulo, e em Marcos um jovem está sentado dentro do túmulo. Em Lucas, há dois homens lá dentro.
    Em Mateus, as mulheres presentes no túmulo são Maria Madalena e a outra Maria. Em Marcos, as mulheres presentes no túmulo são as duas Marias e Salomé. Em Lucas, Maria Madalena, Maria, a mãe de Tiago, Joana e as outras mulheres estão no túmulo.
    Em Mateus, as duas Marias saem correndo do túmulo, cheias de medo e alegria, para dar a notícia aos discípulos, e encontram Jesus no caminho. Em Marcos, elas saem correndo do túmulo cheias de medo e não dizem nada a ninguém. Em Lucas, as mulheres contam a história aos discípulos, que não acreditam nelas, não havendo indicação de que eles se encontraram com Jesus.

    Além disso — eu disse a Craig —, Martin mostra que João difere dos outros três evangelhos em muitas coisas. Ele conclui: "Em suma, os relatos do que aconteceu no túmulo são ou incoerentes ou só podem ser tornados coerentes com a ajuda de interpretações nada plausíveis".

    Parei de ler e levantei os olhos das minhas anotações. Olhando bem para Craig, perguntei-lhe de chofre:
    À luz de tudo isso, como é possível considerar verídica a história do túmulo vazio?
    Imediatamente, percebi uma mudança na postura de Craig. Na conversa informal ou ao discutir objeções mornas ao túmulo vazio, ele é bastante tranqüilo. Mas, quanto mais difícil a pergunta e quanto maior o desafio, mais animado e concentrado ele fica. A essa altura sua linguagem corporal me disse que ele mal podia esperar para mergulhar nessas águas aparentemente perigosas.

    Limpando a garganta, Craig começou:
    Com o devido respeito, Michael Martin é um filósofo, e não um historiador, e não creio que ele entenda o trabalho de um historiador.

    Para um filósofo, se algo é incoerente, a lei da não-contradição diz: "Isso não pode ser verdadeiro; fora com isso!". O historiador, porém, olha para essas narrativas e diz: "Vejo algumas incoerências, mas há algo de comum nelas: todas dizem respeito a detalhes secundários". O cerne da história não muda: José de Arimatéia toma o corpo de Jesus, coloca-o em um túmulo, este é visitado por um pequeno grupo de mulheres que seguiam Jesus, bem cedo no domingo depois da crucificação, e constata que o túmulo está vazio. Elas têm uma visão de anjos que dizem que Jesus ressuscitou. O historiador atento, ao contrário do filósofo, não joga fora o bebê junto com a água do banho. Ele diz: "Isso indica que há uma base histórica nessa história que é confiável, por mais conflitantes que sejam os detalhes secundários". Portanto, podemos ter grande confiança no núcleo central que é comum às narrativas e com o qual concordaria a maioria dos estudiosos do Novo Testamento hoje em dia, mesmo que haja algumas diferenças quanto aos nomes das mulheres, a hora exata de manhã, o número de anjos e assim por diante. Esse tipo de discrepâncias secundárias não incomodaria um historiador.

    Mesmo o historiador geralmente cético Michael Grant, professor no Trinity College em Cambridge e na Universidade de Edimburgo, concorda em seu livro Jesus: an historian's review of the gospels: "É verdade que a descoberta do túmulo vazio é descrita de modo diferente pelos vários evangelhos, mas, se aplicarmos o mesmo tipo de critérios que se aplicam a qualquer outra fonte literária antiga, as evidências são suficientemente fortes e plausíveis para levar-nos a concluir que o túmulo foi, realmente, encontrado vazio".

    Algumas vezes, ao cobrir julgamentos de criminosos, tenho visto duas testemunhas dar exatamente o mesmo testemunho, até nos mínimos detalhes, para depois serem desmascarados pelo advogado de defesa por terem combinado tudo antes do julgamento. Por isso eu disse a Craig:
    Imagino que, se os quatro evangelhos fossem idênticos em todas as minúcias, isso levantaria a suspeita de plágio.
    Sim, muito boa observação — ele concordou. — As diferenças entre as narrativas do túmulo vazio indicam que temos várias confirmações independentes da história do túmulo vazio. Às vezes as pessoas dizem: "Mateus e Lucas só plagiaram Marcos", mas, ao analisar as narrativas de perto, você vê divergências que indicam que, mesmo que Mateus e Lucas conhessem o relato de Marcos, eles também tinham fontes separadas e independentes da história do túmulo vazio. Por isso, com esses diversos relatos independentes, nenhum historiador descartaria essas evidências só por causa de discrepâncias secundárias. Deixe-me dar-lhe um exemplo secular. Temos duas narrativas da travessia dos Alpes por Aníbal para atacar Roma, e elas são incompatíveis e irreconciliáveis. Entretanto, nenhum historiador clássico duvida de que Aníbal levou a cabo sua campanha. Essa é uma ilustração de fora da Bíblia sobre discrepâncias em detalhes secundários que não chegam a minar o cerne do registro histórico.

    Concordei que era um bom argumento. E, refletindo sobre a crítica de Martin, pareceu-me que algumas das suas supostas contradições podiam ser facilmente conciliadas. Mencionei isso a Craig:
    Será que não há maneiras de harmonizar algumas das diferenças entre os relatos?
    Certamente há — foi sua resposta. — Por exemplo, a hora da ida ao túmulo. Um escritor pode dizer que ainda estava escuro e o outro que estava começando a clarear, mas isso é como o otimista e o pessimista discutindo se um copo está quase cheio ou quase vazio. Era ao amanhecer, e eles estavam contando a mesma coisa com palavras diferentes. Quanto ao número e nome das mulheres, nenhum dos evangelhos afirma apresentar uma lista completa. Todos incluem Maria Madalena e outras mulheres, de modo que provavelmente o grupo de mulheres continha estas e outras discípulas não citadas pelo nome. Creio que seria pedante dizer que isso é uma contradição.

    E quanto aos relatos diferentes do que aconteceu depois? — perguntei. — Marcos disse que as mulheres não falaram com ninguém, ao contrário dos outros evangelhos.
    Craig explicou:
    Estudando a teologia de Marcos, vê-se que ele gosta de enfatizar espanto, medo, temor e adoração na presença do divino. Portanto, essa reação das mulheres, de fugir cheias de medo e tremor, sem dizer nada a ninguém de tão assustadas, faz parte do estilo literário e teológico de Marcos. Pode bem ser que esse silêncio tenha sido temporário, e depois as mulheres voltaram a disseram aos outros o que tinha acontecido. Na verdade — Craig terminou com um sorriso maroto —, tinha de ser um silêncio temporário; senão Marcos não poderia estar contando essa história!

    Eu queria perguntar sobre outra discrepância mencionada com freqüência.
    Jesus disse em Mateus 12.40: "Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um grande peixe, assim o Filho do homem ficará três dias e três noites no coração da terra". No entanto, os evangelhos contam que Jesus na verdade ficou no túmulo apenas um dia inteiro, duas noites e parte de outros dois dias. Esse não é um exemplo de Jesus não cumprir corretamente sua própria profecia?
    Alguns cristãos bem-intencionados usaram esse versículo para dizer que Jesus foi crucificado na quarta-feira, e não na sexta-feira, para obter três dias inteiros no túmulo! — Craig acrescentou. — Contudo, a maioria dos estudiosos reconhece que, de acordo com a maneira de os judeus antigamente contarem o tempo, uma parte mesmo que pequena de um dia contava como um dia inteiro. Jesus esteve no túmulo de sexta-feira à tarde, passando pelo sábado inteiro, até domingo de manhã. De acordo com a forma de os judeus contarem o tempo naquela época, isso seria contado como três dias.

    Mais uma vez — concluí —, esse é apenas mais um exemplo de quantas dessas discrepâncias podem ser explicadas ou minimizadas com algumas pesquisas históricas ou simplesmente analisando-as com a mente aberta.

    Os evangelhos concordam entre si que o túmulo vazio foi descoberto por mulheres que eram amigas e seguidoras de Jesus. Isso, porém, na opinião de Martin, lança suspeitas sobre o testemunho delas, pois "provavelmente elas não foram observadoras objetivas".

    Por isso coloquei a seguinte pergunta para Craig:
    Será que o relacionamento dessas mulheres com Jesus pode pôr em dúvida a confiabilidade do testemunho delas?
    Sem saber, eu tinha ido ao encontro do pensamento dele.
    Na verdade, esse argumento se volta contra as pessoas que o usam — ele respondeu. — Com certeza essas mulheres eram amigas de Jesus. Mas para quem conhece o papel das mulheres na sociedade judaica do século i, é realmente extraordinário que essa história reporte que mulheres descobriram o túmulo vazio. As mulheres estavam em um nível muito baixo na escala social da Palestina do século I. Há antigas declarações de rabinos dizendo o seguinte: "É preferível que as palavras da Tora sejam queimadas do que entregues a mulheres", e: "Feliz é quem tem filhos, mas ai de quem tem filhas". O testemunho das mulheres era considerado tão sem valor que elas não eram nem admitidas como testemunhas em um tribunal judaico. Em vista disso, é realmente notável que as principais testemunhas do túmulo vazio sejam essas mulheres que eram amigas de Jesus. Qualquer relato lendário posterior certamente teria colocado os discípulos descobrindo o túmulo — Pedro e João, por exemplo. O fato de mulheres serem as primeiras testemunhas do túmulo vazio é explicado de modo mais plausível em vista de que, gostemos ou não, foram elas que de fato encontraram o túmulo vazio! Isso mostra que os escritores dos evangelhos registraram fielmente o que aconteceu, mesmo sendo-lhes embaraçoso. Isso fala a favor da historicidade dessa tradição, e não da sua condição de lenda.

    A explicação de Craig, no entanto, deixou outra pergunta em aberto: por que as mulheres iriam ungir o corpo de Jesus se sabiam que seu túmulo estava bem fechado?
    Será que as ações delas realmente fazem sentido? — perguntei.
    Craig pensou por um instante antes de responder — desta vez não no tom em que costuma falar em debates, e sim em um tom mais brando.

    Lee, eu realmente acho que os estudiosos que não fazem idéia do amor e da devoção que essas mulheres tinham por Jesus não deveriam se pronunciar sobre o que elas queriam fazer. Em relação a pessoas que estão de luto, que perderam alguém que seguiam e amavam desesperadamente, aponto de quererem visitar o túmulo na última esperança de ungir o corpo, eu simplesmente não creio que um crítico posterior possa tratá-las como robôs e dizer: "Elas não deviam ter ido".

    Ele deu de ombros.
    Quem sabe elas achassem que haveria homens por perto que poderiam remover a pedra. Se havia guardas, pode ser que contassem com eles. Eu não sei. Com certeza a idéia de visitar um túmulo para derramar óleo sobre um corpo é uma prática judaica antiga comprovada; a única pergunta é quem elas achavam que poderia tirar a pedra. E não creio que tenhamos condições de decidir se elas não deviam simplesmente ter ficado em casa.

    Ao me preparar para a entrevista com Craig, eu visitara na Internet vários endereços de organizações ateístas para ver que tipos de argumentos elas levantavam contra a ressurreição. Por alguma razão, poucos ateus falam desse tópico. Entretanto, fora levantada uma objeção que eu queria apresentar a Craig.

    Em essência, esse argumento diz que nenhum discípulo ou pregador cristão posterior se incomodou em falar do túmulo vazio. Um desses críticos escreveu: "Deveríamos esperar que os primeiros pregadores dissessem: Vocês não acreditam em nós? Vão ver o túmulo pessoalmente! Fica na esquina da avenida tal com a rua tal, terceiro sepulcro à direita".

    Todavia, disse ele, Pedro não mencionou o túmulo vazio em sua pregação em Atos 2. O crítico concluiu: "Se nem os discípulos achavam que a tradição do túmulo vazio era boa, por que nós deveríamos achar?".
    Craig arregalou os olhos quando lhe coloquei a questão.
    Não creio que isso seja verdade — replicou ele, com certa perplexidade na voz, apanhando sua Bíblia e abrindo no segundo capítulo de Atos, que registra o sermão de Pedro em Pentecostes. — O túmulo vazio está no discurso de Pedro — insistiu. — Ele proclama no versículo 24 que "Deus o ressuscitou dos mortos, rompendo os laços da morte". Em seguida ele cita um salmo que diz que Deus não permitiria que seu Santo sofresse decomposição. Isso fora escrito por Davi, e Pedro diz: "Irmãos, posso dizer-lhes com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje". Porém, diz ele, Cristo "não foi abandonado no sepulcro", e seu corpo "não sofreu decomposição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas deste fato".

    Craig levantou os olhos da Bíblia.
    Este discurso contrasta o túmulo de Davi, que existia até aquela época, com a profecia em que Davi diz que Cristo seria levantado: sua carne não se decomporia. Está claramente implícito que o túmulo ficou vazio.

    Então ele virou as páginas até outro capítulo de Atos.
    Em Atos 13.29-31, Paulo diz: "Tendo cumprido tudo o que estava escrito a respeito dele, tiraram-no do madeiro e o colocaram num sepulcro. Mas Deus o ressuscitou dos mortos, e, por muitos dias, foi visto por aqueles que tinham ido com ele da Galiléia para Jerusalém". Sem sombra de dúvida, o túmulo vazio está implícito aqui.

    Ele fechou a Bíblia e acrescentou:
    Creio que é bastante tolo e pouco razoável alegar que estes primeiros pregadores não se referiram ao túmulo vazio, só porque não usaram as palavras exatas túmulo vazio. Não há dúvida de que eles sabiam, e seus ouvintes entenderam assim, que o túmulo de Jesus estava vazio.

    Eu passara a primeira parte da nossa entrevista bombardeando Craig com objeções e argumentos que questionavam o túmulo vazio. De repente percebi que não lhe dera a oportunidade de defender sua posição com argumentos positivos. Ele já aludira a várias razões para acreditar que o túmulo de Jesus estava desocupado, mas eu disse:

    Por que você não me mostra o seu melhor argumento? Convença-me com suas quatro ou cinco principais razões para crer que o túmulo vazio é um fato histórico.
    Craig não fugiu ao desafio. Um por um, ele formulou seus argumentos, de modo conciso e convincente:

    Em primeiro lugar, o túmulo vazio está claramente implícito na tradição antiga que é transmitida por Paulo em lCoríntios 15, que é uma fonte de informações históricas sobre Jesus muito antiga e confiável. Em segundo lugar, tanto cristãos quanto judeus conheciam o lugar em que Jesus fora sepultado. Portanto, se o túmulo não estava vazio, seria impossível criar um movimento baseado na fé na ressurreição, na mesma cidade onde esse homem fora publicamente executado e sepultado. Em terceiro lugar, podemos dizer, pela linguagem, gramática e estilo, que Marcos obteve sua história do túmulo vazio (na verdade, toda sua narrativa da Paixão) de uma fonte anterior. Na verdade, há evidências de que essa fonte já existia por escrito antes do ano 37, o que é muito cedo para ser corrompida seriamente por uma lenda. A. N. Sherwin-White, o renomado historiador greco-romano clássico da Universidade de Oxford, disse que teria sido sem precedentes em qualquer lugar da história que uma lenda surgisse tão rapidamente e distorcesse os evangelhos de modo tão significativo. Em quarto lugar, temos a simplicidade da história do túmulo vazio em Marcos. Relatos de ficção apócrifos do século II contêm todos os tipos de floreios, em que Jesus sai do túmulo em glória e poder, e todos o vêem, desde sacerdotes e autoridades judaicas até os guardas romanos. Assim são as lendas, mas elas só surgem gerações após os eventos, quando todas as testemunhas oculares já morreram. Em contraste, o relato que Marcos faz da história do túmulo vazio chama a atenção por sua simplicidade e ausência de comentários da reflexão teológica. Em quinto lugar, o testemunho unânime de que o túmulo foi encontrado vazio por mulheres fala em favor da autenticidade da história, porque seria embaraçoso para os discípulos admitir tal fato, que muito provavelmente teria sido encoberto se fosse uma lenda. Em sexto lugar, a polêmica mais antiga com os judeus pressupõe a historicidade do túmulo vazio. Em outras palavras, não havia ninguém que afirmasse que o túmulo ainda continha o corpo de Jesus. A pergunta era sempre: "O que aconteceu com o corpo?". Os judeus propuseram a história ridícula de que os guardas tinham adormecido. E evidente que eles estavam se agarrando a qualquer argumento para se salvar. O que importa é que eles partiram da pressuposição de que o túmulo estava vazio! Por quê? Porque sabiam que estava!

    Fiquei ouvindo com atenção enquanto Craig expunha cada ponto, e para mim os seis argumentos formavam uma defesa definitiva. Todavia, eu ainda queria ver se havia alguns furos, antes de concluir que tudo estava bem vedado.

    Kirsopp Lake propôs, em 1907, que as mulheres apenas foram até o túmulo errado — afirmei. — Ele disse que elas se perderam, e um zelador no túmulo errado lhes disse: "Vocês estão procurando por Jesus de Nazaré. Ele não está aqui", e elas saíram correndo, assustadas. Essa não é uma explicação plausível?
    Craig suspirou.
    Lake não conseguiu ninguém que o acompanhasse nessa idéia — respondeu. A razão é que o lugar do sepulta-mento de Jesus era conhecido pelas autoridades judaicas. Mesmo que as mulheres houvessem cometido esse engano, as autoridades teriam tido o prazer de mostrar o túmulo e corrigir o erro dos discípulos quando estes começaram a proclamar que Jesus tinha ressuscitado. Não sei de ninguém que siga a teoria de Lake hoje em dia.

    Francamente, outras opções também não pareciam ser muito plausíveis. Era óbvio que os discípulos não tinham nenhum motivo para roubar o corpo e depois morrer por uma mentira, e certamente as autoridades judaicas não teriam removido o corpo. Então eu disse:

    Resta a teoria de que o túmulo vazio é uma lenda posterior e que, quando foi difundida, ninguém mais pôde provar o contrário, porque o lugar do sepulcro tinha sido esquecido.

    Isso é assunto de conversa desde 1835, quando David Strauss afirmou que essas histórias eram lendárias — replicou Craig. — É por isso que, em nossa conversa hoje, nós nos concentramos tanto nessa hipótese da lenda, mostrando que a história do túmulo vazio remonta a poucos anos após os eventos. Mesmo que haja alguns elementos lendários nos detalhes secundários da história, o cerne está solidamente confirmado.

    Sim, havia respostas para essas explicações alternativas. Sob escrutínio, todas as teorias pareciam desmoronar sob o peso das evidências e da lógica. A única opção que restava era crer que o Jesus ressuscitado voltou à vida — conclusão que algumas pessoas consideram extraordinária demais para engolir. Pensei por um momento em como podia colocar isso para Craig em forma de pergunta. Finalmente, eu disse:

    Mesmo admitindo que essas teorias alternativas têm furos, será que elas não são mais plausíveis do que a idéia totalmente incrível de que Jesus era Deus encarnado que foi levantado dos mortos?
    Creio que essa é a questão — ele concordou, inclinando-se para frente. — Creio que as pessoas que vêm com essas teorias alternativas admitem: "Sim, nossas teorias são inverossímeis, mas elas não são tão improváveis como a idéia de que esse milagre espetacular aconteceu". Entretanto, nesse ponto a questão não é mais histórica; já é uma questão filosófica, sobre se milagres são possíveis.

    E o que o senhor diria sobre isso? — perguntei.
    Meu argumento é que a hipótese de que Deus ressuscitou Jesus não é de todo improvável. Na verdade, baseado nas evidências, é a melhor explicação para o que aconteceu. O que é improvável é a hipótese de que Jesus ressurgiu naturalmente da morte. Isso, tenho de concordar, seria estranho. Qualquer hipótese seria mais provável do que dizer que o cadáver de Jesus voltou espontaneamente à vida. Mas a hipótese de que Deus ressuscitou Jesus da morte não contradiz a ciência ou qualquer fato experimental conhecido. Ela apenas requer a hipótese de que Deus existe, e creio que há boas razões independentes para crer que isso é um fato.

    A isso Craig acrescentou sua palavra final:
    Na medida em que a existência de Deus é possível, também é possível que ele tenha agido na história, levantando Jesus dos mortos.


    Conclusão: o túmulo estava vazio
    Craig fora convincente: o túmulo vazio — admito, um milagre de proporções incomparáveis — fazia sentido, à luz das evidências. E isso é apenas uma parte da defesa da ressurreição. Da casa de Craig em Atlanta eu estava pronto para ir até a Virgínia para entrevistar um notório especialista nas evidências das aparições de Jesus depois de ressuscitar, e dali para a Califórnia, para falar com outro estudioso sobre as consideráveis evidências circunstanciais.

    Ao agradecer a Craig e sua esposa, Jan, por sua hospitalidade, fiquei pensando que, de perto, em sua calças jeans e meias brancas, Craig não parecia ser o adversário formidável que derrotara os melhores críticos da ressurreição no mundo. Mas eu ouvira pessoalmente as fitas do debate.

    Em vista dos fatos, eles têm sido incapazes de colocar o corpo de Jesus de volta no túmulo. Eles se debatem, lutam, se agarram a quaisquer argumentos para se salvar, contradizem a si mesmos, perseguem teorias desesperadas e extraordinárias para tentar explicar as evidências. Mas, vez após outra, no fim o túmulo permanece vazio.

    Lembrei-me das declarações de um dos maiores intelectos na área do direito de todos os tempos, sir Norman Anderson, formado em Cambridge e professor na Universidade de Princeton, que foi convidado para ser professor vitalício na Universidade de Harvard e serviu como deão na Faculdade de Direito da Universidade de Londres.

    Sua conclusão, depois de uma vida inteira de estudos desse assunto do ponto de vista legal, ele resumiu numa só frase: "O túmulo vazio é uma verdadeira rocha contra a qual se despedaçam em vão todas as teorias racionalistas da ressurreição".
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL COM O FILÓSOFO E TEÓLOGO GARY HABERMAS

    Duas fotografias autografadas de jogadores de hóquei, tiradas em meio ao embate sobre o gelo, estavam emolduradas nas paredes do escritório austero de Habermas. Um traz o imortal Bobby Hull dos Chicago Blackhawks; o outro retrata Dave "Martelo" Schultz, o atacante aguerrido e durão dos Philadelphia Flyers.

    Hull é meu jogador de hóquei favorito — explicou Habermas. — Schultz é meu lutador favorito. — Ele sorriu malicioso e acrescentou: — Há uma diferença.

    Habermas — barbudo, franco, direto — também é um lutador, um pit buli acadêmico que mais parece um leão de chácara de boate do que um intelectual de torre de marfim.

    Armado com argumentos afiados como navalha e evidências históricas para fundamentá-los, ele não foge de nenhuma briga.

    Antony Flew, um dos principais filósofos ateus do mundo, descobriu isso quando se envolveu com Habermas em um grande debate sobre o tópico: "Será que Jesus ressuscitou?". O resultado foi claramente unilateral. Dos cinco filósofos independentes de diferentes faculdades e universidades que serviram como juizes do debate, quatro concluíram que Habermas vencera. O quinto declarou a disputa empatada. Nenhum votou em Flew. Um dos juizes comentou: "Fiquei surpreso (talvez chocado seja a melhor palavra) ao ver como a estratégia de Flew era fraca [...]. Só me restou esta conclusão: se o questionamento da ressurreição não era mais forte que este de Antony Flew, estava na hora de começar a levar a ressurreição a sério".

    Um dos outros cinco juizes profissionais que avaliaram as técnicas de argumentação dos contendores (nas quais Habermas também foi o vencedor) viu-se compelido a escrever: "Concluí que as evidências históricas, apesar de falhas, são suficientemente fortes para levar mentes razoáveis a concluir que Cristo realmente ressuscitou [...]. Habermas trouxe mesmo 'evidências altamente prováveis' da historicidade da ressurreição, 'sem evidências naturalistas plausíveis contra ela'. Por isso Habermas, na minha opinião, venceu o debate".

    Depois de obter seu doutorado em filosofia na Michigan State University, onde escreveu sua dissertação sobre a ressurreição, Habermas obteve o grau de doutor em teologia do Emmanuel College em Oxford, na Inglaterra. Escreveu sete livros que tratam da ressurreição de Jesus.

    Além disso, ele foi co-editor de In defense of miracles e contribuiu com Jesus underfire e Living your faith: closing the gap between mind and heart.
    Seus mais de cem artigos foram publicados em jornais (como o Saturday Evening Post), revistas (como Faith and Philosophy e Religious Studies) e livros de referência (por exemplo, The Baker dictionary of theology). Também foi presidente da Evangelical Philosophical Society.

    Não quero dar a entender, pela descrição inicial, que Habermas é combativo mais que o necessário; na conversa informal, ele é amável e retraído. Apenas não desejo estar no lado adversário ao dele em um jogo de hóquei — ou em uma discussão. Ele possui um radar inato que o ajuda a ir direto aos pontos vulneráveis dos seus opositores. Mas tem seu lado terno, que eu descobriria, de modo inesperado, antes do fim da nossa entrevista.

    Encontrei Habermas em seu escritório bem organizado na Liberty University, onde é atualmente professor titular e diretor do Departamento de Filosofia e Teologia, bem como coordenador do programa de mestrado em apologética. A sala, com seus arquivos de aço escuros, mesa de metal com tampo de imitação de madeira, carpete gasto e cadeiras dobráveis para as visitas, certamente não é um lugar vistoso. Como o seu ocupante, a sala é despretensiosa.

    Habermas, sentado atrás da sua escrivaninha, arregaçou as mangas da camisa, enquanto eu ligava meu gravador e começava nossa entrevista.

    É verdade — comecei, direto como no tribunal — que não existe absolutamente nenhuma testemunha ocular da ressurreição de Jesus?
    Você está certíssimo: não existem relatos descritivos da ressurreição — Habermas replicou, admitindo o que pode surpreender pessoas que têm um conhecimento apenas superficial do assunto. — Quando eu era jovem, li um livro de CS. Lewis em que ele afirmava que o Novo Testamento não diz nada sobre a ressurreição. Escrevi um grande Não! na margem. Então entendi o que ele estava dizendo: ninguém estava sentado dentro do túmulo para ver o corpo começar a se mexer, pôr-se de pé, tirar as faixas de linho e dobrá-las, empurrar a pedra, afugentar os guardas e ir embora.

    Pareceu-me que isso poderia dar lugar a alguns problemas.
    Isso não põe em xeque seu esforço para estabelecer que a ressurreição é um fato histórico? — perguntei.
    Habermas empurrou sua cadeira para trás para ficar mais confortável.
    Não, isso não afeta a questão nem um centímetro, por-, que ciência versa sobre causas e efeitos. Não vemos dinossauros; estudamos os fósseis. Podemos não saber como uma doença surge, mas estudamos seus sintomas. Talvez ninguém tenha visto um crime, mas a polícia reúne as evidências depois do fato.

    Após uma pausa, prosseguiu:
    Portanto, é assim que encaro as evidências da ressurreição. Em primeiro lugar, Jesus morreu na cruz? E, em segundo lugar, ele apareceu depois a outras pessoas? Se conseguir determinar essas duas coisas, você provou seu argumento, porque pessoas mortas não costumam fazer isso.

    Os historiadores concordam que há muitas evidências de que Jesus foi crucificado, e o dr. Alexander Metherell demonstrou em um capítulo anterior que Jesus não poderia ter sobrevivido aos rigores daquela execução. Isso nos deixa com a segunda parte da questão: Jesus realmente apareceu mais tarde?
    Que evidências temos de que alguém o viu? — perguntei.
    Começarei com evidências que praticamente todos os estudiosos críticos aceitam — disse ele, abrindo a Bíblia à sua frente. — Ninguém questiona que Paulo escreveu 1Coríntios, e ali ele afirma duas vezes o que encontrou o Cristo ressurreto pessoalmente. Ele diz em 1Coríntios 9.1: "Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor?" E em 15.8: "Depois destes apareceu também a mim".

    Constatei que esta última citação foi acrescentada ao credo da igreja antiga que Craig Blomberg e eu já tínhamos estudado. Como William Lane Craig mostrou, a primeira parte do credo (v. 3,4) se refere à execução, sepultamento e ressurreição de Jesus.

    A parte final do credo (v. 5-8) trata das suas aparições após a ressurreição: "[Cristo] apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos". No versículo 8, Paulo emenda: "Depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora do tempo".

    Tomando o texto pelo que diz, isso é um testemunho incrivelmente influente de que Jesus apareceu vivo depois da sua morte. Temos nomes de indivíduos e grupos de pessoas específicas que o viram, anotados quando ainda era possível conferir com eles a veracidade da afirmação. Como eu sabia que este credo era básico para determinar a ressurreição de Jesus, decidi submetê-lo a uma análise mais profunda. Por que os historiadores têm certeza de que se trata de um credo? Até que ponto ele é confiável? Quão antigo é ele?
    O senhor se importa se eu lhe fizer um interrogatório sobre esse credo? — perguntei a Habermas.
    Ele fez um gesto com a mão, como que me convidando a entrar.
    Por favor — disse ele, educadamente —, vá em frente.

    Inicialmente eu queria saber por que Habermas, Craig, Blomberg e outros estão convictos de que essa passagem é um credo da igreja antiga, e não meras palavras de Paulo, que escreveu a carta à igreja de Corinto, da qual ele fazia parte. Meu desafio para Habermas foi simples e direto:
    Convença-me que isto é um credo.
    Bem, posso lhe dar várias razões sólidas. Em primeiro lugar, Paulo apresenta o trecho com as palavras "recebi" e "transmiti", que são termos rabínicos que indicam a transmissão de uma tradição. Em segundo lugar — continuou Habermas, olhando para sua mão enquanto separava um dedo por vez, para enfatizar cada ponto —, o paralelismo do texto e seu conteúdo estilizado mostram que se trata de um credo. Em terceiro lugar, o texto original usa Cefas para Pedro, que é seu nome aramaico. Na verdade, o próprio uso do aramaico indica uma origem muito antiga. Em quarto lugar, o credo contém diversas outras expressões antigas que Paulo não usava costumeiramente, como "aos Doze", "no terceiro dia", "ressuscitou" e outros. Em quinto lugar, certas palavras são usadas no estilo de narrativa do aramaico e do hebraico da Mishná.

    Os dedos da mão acabaram, e Habermas levantou os olhos para mim.
    Devo continuar? — perguntou.
    Sim, sim — respondi. — O senhor está dizendo que estes fatos convencem você, um cristão evangélico conservador, de que esse é um credo antigo.

    Habermas pareceu um pouco ofendido por essa observação, admito, provocadora.
    Não são apenas os cristãos conservadores que estão convencidos disso — ele insistiu, indignado. — Essa é uma constatação partilhada por estudiosos de um amplo espectro teológico. O destacado pesquisador Joachim Jeremias chama esse credo "de "a tradição mais antiga de todas", e Ulrich Wilckens diz que ele "indubitavelmente remonta à fase mais antiga da história inicial do cristianismo".
    Isso suscitou a pergunta sobre o quão antigo o credo era:
    Que data lhe pode ser atribuída? — perguntei.
    Sabemos que Paulo escreveu 1Coríntios entre 55 e 57 d.C. Em 1Coríntios 15.1-4, ele diz que transmitira anteriormente o credo à igreja em Corinto, o que significa que ele deve ser anterior à sua estada ali, no ano 51. Portanto, o credo estava em uso menos de 20 anos após a ressurreição de Jesus, que é uma data bem antiga. No entanto, posso concordar com os vários estudiosos que o colocam ainda antes, entre dois e oito anos após a ressurreição de Jesus, ou seja, entre 32 e 38, sendo que Paulo o recebeu ou em Damasco ou em Jerusalém. Portanto, esse material é incrivelmente antigo, um testemunho dos primórdios, sem floreios, de que Jesus apareceu vivo a céticos como Paulo e Tiago, assim como a Pedro e aos demais discípulos.

    Contudo — protestei —, não se trata, na verdade, de um relato de primeira mão. Paulo está passando uma lista de segunda ou terceira mão. Isso não diminui seu valor como prova?
    Não para Habermas.
    Não esqueça que Paulo afirma que Jesus também apareceu a ele pessoalmente, portanto seu testemunho é de primeira mão. E Paulo não repassou simplesmente uma lista de estranhos da rua. A opinião dominante é que ele a recebeu diretamente das testemunhas oculares Pedro e Tiago e tomou todos os cuidados para confirmar sua exatidão.

    Essa era uma afirmação forte.
    Como o senhor sabe isso? — perguntei.
    Concordo com os estudiosos que crêem que Paulo recebeu esse material três anos após sua conversão, quando fez uma viagem a Jerusalém, onde se encontrou com Pedro e Tiago. Paulo descreve essa viagem em Gálatas 1.18,19, onde usa uma palavra grega muito interessante: historeo.

    Eu não estava familiarizado com o sentido da palavra.
    Por que isso é significativo?
    Porque essa palavra indica que Paulo não apanhou simplesmente algo que estava no ar quando se encontrou com eles. Mostra que ele fez uma investigação. Paulo fez o papel de pesquisador, alguém que está conferindo cuidadosamente os dados. Portanto, o fato de Paulo confirmar pessoalmente os detalhes com duas testemunhas oculares que são mencionadas especificamente no credo (Pedro e Tiago) lhe confere um peso extra. Um dos poucos judeus estudiosos do Novo Testamento, Pinchas Lapide, diz que as evidências que sustentam o credo são tão fortes que ele "pode ser considerado a declaração de uma testemunha ocular".

    Antes de eu poder interromper, Habermas acrescentou:
    E um pouco mais adiante, em 1Coríntios 15.11, Paulo enfatiza que os outros apóstolos pregavam o mesmo evangelho, a mesma mensagem da ressurreição. Isso quer dizer que a testemunha ocular Paulo está dizendo exatamente a mesma coisa que as testemunhas oculares Pedro e Tiago.

    Tive de admitir: tudo isso soava muito convincente. Mesmo assim, eu ainda tinha algumas reservas em relação ao credo, e não queria que as afirmações confiantes de Habermas me impedissem de ir mais fundo.

    O credo em 1Coríntios 15 é o único lugar na literatura antiga em que se afirma que Jesus apareceu a 500 pessoas ao mesmo tempo. Os evangelhos não confirmam o fato. Nenhum historiador secular o menciona. Para mim, isso acende uma luz amarela.
    Se tal fato aconteceu realmente, por que ninguém mais fala sobre o assunto? — perguntei a Habermas. — Era de imaginar que os apóstolos o citassem como prova em todo lugar que fossem. O ateu Michael Martin diz: "Temos de concluir que é extremamente improvável que esse incidente realmente tenha acontecido" e que isso, portanto, "indiretamente lança dúvidas sobre Paulo como fonte confiável".
    A observação irritou Habermas.
    Bem, é uma grande tolice dizer que isso lança dúvidas sobre Paulo — ele replicou, parecendo surpreso e revoltado por alguém afirmar uma coisa dessas. — Quero dizer, dê-me um tempo! Em primeiro lugar, mesmo que apenas uma fonte registre o fato, acontece que essa é a passagem mais antiga e mais bem confirmada de todas! Isso tem algum valor. Em segundo lugar, Paulo, ao que parece, tinha uma ligação próxima com essas pessoas. Ele diz: "A maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido". Paulo ou conhecia algumas dessas pessoas ou foi informado por alguém que as conhecia e sabia que ainda estavam por aí, dispostas a ser entrevistadas. Agora, pare e pense um pouco: você nunca incluiria essa frase a não ser que tivesse confiança absoluta de que essas pessoas confirmariam que realmente viram Jesus vivo. Em outras palavras, Paulo estava praticamente convidando os interlocutores a verificarem por si mesmos! Ele não teria dito isso se não tivesse certeza do apoio das testemunhas. Em terceiro lugar, se você tem apenas uma fonte, pode perguntar: "Por que não há outras?". Mas você não pode dizer: "Esta única fonte é tão fraca que ninguém mais quis citá-la". Você não pode desvalorizar essa fonte assim, sem mais nem menos. Portanto, isso não lança nenhuma dúvida sobre Paulo. Acredito que Martin gostaria muito de fazer isso, mas não pode fazê-lo legitimamente. Esse é um exemplo de como alguns críticos querem sempre ter razão. Via de regra, eles difamam os relatos da ressurreição de Jesus nos evangelhos em favor de Paulo, já que ele é considerado a autoridade principal. Nessa questão, porém, eles duvidam de Paulo baseando-se em textos em que não confiam! O que isso nos diz sobre a metodologia deles?

    Eu ainda tinha dificuldades para visualizar a aparição de Jesus para uma multidão tão grande.
    Onde esse encontro com 500 pessoas pode ter acontecido? — perguntei.
    Bem, no interior da Galiléia — Habermas especulou. — Se Jesus pôde alimentar 5 mil, também pôde pregar para 500. Mateus diz que Jesus apareceu no alto de um monte; pode muito bem ser que não somente os 11 discípulos estivessem ali.

    Imaginando a cena, ainda não conseguia compreender por que ninguém mais falou desse evento.
    Não seria de se esperar que o historiador Josefo mencionasse algo dessa magnitude?
    Não, acho que isso não seria provável. Josefo escreveu 60 anos mais tarde. Durante quanto tempo histórias locais circulam, até começar a desaparecer? — Habermas perguntou. — Portanto, ou Josefo não conhecia esses fatos, o que é possível, ou decidiu não mencioná-los, o que faria sentido, pois sabemos que ele não era um seguidor de Jesus. Não se pode esperar que Josefo defendesse evidências em favor dele.

    Como não respondi logo, Habermas continuou.
    Veja, eu adoraria ter cinco fontes como essa. Mas não tenho. O que eu tenho é uma fonte excelente — um credo tão bom que o historiador alemão Hans von Campenhausen disse: "Este relato atende a todas as exigências da confiabilidade histórica que se pode requerer de um texto como este". Além disso, você não precisa depender da referência aos 500 para comprovar a ressurreição de Jesus. Eu geralmente nem a uso.

    A resposta de Habermas tinha a sua lógica. Contudo, havia ainda outro aspecto do credo que me incomodava. Ele diz que Jesus apareceu primeiro a Pedro, enquanto João disse que a primeira pessoa a quem ele se mostrou foi Maria Madalena. Na verdade, o credo não menciona nenhuma mulher, apesar do destaque que elas recebem nas narrativas dos evangelhos.
    Essas contradições não põem em dúvida sua credibilidade? — perguntei.
    De forma alguma — foi sua resposta. — Antes de qualquer coisa, olhe o credo com atenção: ele não diz que Jesus apareceu primeiro a Pedro. Ele apenas coloca o nome de Pedro no começo da lista. E como as mulheres não eram consideradas competentes como testemunhas na cultura judaica do século I, não é de surpreender que não sejam mencionadas aqui. No contexto do século I, o testemunho delas não teria peso algum. Portanto, colocar Pedro em primeiro lugar indica prioridade lógica, e não prioridade cronológica.

    Fez uma pausa e concluiu:
    Mais uma vez a credibilidade do credo continua intacta. Você levantou algumas questões, mas não concorda que elas não conseguem minar as evidências persuasivas de que o credo é antigo, livre de contaminação lendária, sem ambigüidades, específico e, em última análise, baseado em relatos de testemunhas oculares?

    Somando tudo isso, fui forçado a concordar que ele estava certo. O peso das evidências comprova de modo claro e convincente que o credo é uma prova muito forte das aparições de Jesus depois da ressurreição.

    Tão forte que William Lane Craig, o especialista em ressurreição que entrevistei no capítulo anterior, disse que Wolfhart Pannenberg, talvez o maior teólogo sistemático vivo hoje, "zombou da teologia alemã moderna, cética, construindo toda sua teologia precisamente sobre as evidências históricas da ressurreição de Jesus fornecidas pela lista de aparições de Paulo".

    Satisfeito com a confiabilidade essencial do credo de 1Coríntios, senti que estava na hora de estudar os quatro evangelhos, que narram com mais detalhes as várias aparições de Jesus depois da ressurreição.

    Comecei essa linha de investigação pedindo a Habermas que descrevesse as aparições de Jesus após a ressurreição em Mateus, Marcos, Lucas e João.
    Há várias aparições diferentes a muitas pessoas diferentes nos evangelhos e em Atos: algumas a indivíduos, outras a grupos, às vezes dentro de casa, outras vezes fora, a pessoas receptivas como João e a céticas como Tomé — começou Habermas.— Algumas vezes as pessoas tocavam em Jesus ou comiam com ele, e os textos ensinam que ele estava fisicamente presente. As aparições ocorreram durante várias semanas. E há bons motivos para confiar nesses relatos: por exemplo, faltam neles muitas tendências míticas típicas.

    O senhor pode relacionar essas aparições para mim? De memória, Habermas mencionou-as pela ordem.
    Jesus apareceu a:

    • Maria Madalena, em João 2 0.10-18;
    • outras mulheres, em Mateus 28.8-10;
    • Cleopas e outro discípulo na estrada para Emaús, em Lucas 24.13-32;
    • 11 discípulos e outras pessoas, em Lucas 24.33-49;
    • dez apóstolos e outros discípulos, sem a presença de Tome, em João 20.19-23;
    • Tomé e os outros apóstolos, em João 20.26-30;
    • sete apóstolos, em João 21.1-14;
    • todos os discípulos, em Mateus 28.16-20;
    • todos os apóstolos no monte das Oliveiras antes da ascensão, em Lucas 24.50-52 e Atos 1.4-9.

    É particularmente interessante — acrescentou Habermas — que C. H. Dodd, famoso professor da Universidade de Cambridge, tenha estudado com cuidado essas aparições e concluído que várias delas se baseiam em material especialmente antigo, como o encontro de Jesus com as mulheres em Mateus 28.8-10, seu encontro com os 11 apóstolos quando ele lhes deu a Grande Comissão em Mateus 28.16-20 e sua reunião com os discípulos em João 20.19-23, quando ele lhes mostrou suas mãos e seu lado.

    Temos, portanto, uma riqueza de informações de pessoas que viram Jesus. Não foram apenas uma ou duas pessoas que observaram uma sombra de passagem. Houve aparições repetidas a numerosas pessoas, e várias delas foram confirmadas em mais de um evangelho ou pelo credo de 1Coríntios 15.
    Existe mais alguma comprovação? — perguntei.
    É só olhar em Atos — respondeu Habermas, referindo-se ao livro do Novo Testamento que registra o início da igreja. — Não somente aparições de Jesus são mencionadas várias vezes, como também são fornecidos detalhes, de modo que encontramos em quase cada contexto o tema de que os discípulos são testemunhas dessas coisas. A chave é que vários relatos em Atos 1—5, 10 e 13 contêm credos como o de 1Coríntios 15, registrando algumas informações muito antigas referentes à morte e ressurreição de Jesus.

    Com isso Habermas apanhou um livro e leu a conclusão de John Drane:

    As evidências mais antigas que temos da ressurreição quase com certeza remontam à época imediatamente posterior àquela em que se supõe que o evento sucedeu. Estas evidências estão contidas nos primeiros sermões em Atos dos Apóstolos [...]. Não pode haver dúvida de que, nos primeiros capítulos de Atos, seu autor preservou material de fontes muito antigas.

    De fato, Atos está cheio de referências às aparições de Jesus. O apóstolo Pedro foi especialmente categórico quanto a isso. Ele diz em Atos 2.32: "Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato". E repete em Atos 3.15: "Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. E nós somos testemunhas disso". Pedro confirma a Cornélio em Atos 10.41 que ele e outros comeram e beberam com ele "depois que ressuscitou dos mortos".

    Sem ficar para trás, Paulo disse em um recurso registrado em Atos 13.31: "Por muitos dias, [ele] foi visto por aqueles que tinham ido com ele da Galiléia para Jerusalém. Eles agora são testemunhas dele para o povo".

    Habermas asseverou:
    A ressurreição de Jesus foi com certeza o centro da pro-clamação dos primeiros cristãos, desde o começo. Eles não apenas endossavam os ensinos de Jesus; estavam convictos de que o tinham visto vivo depois da crucificação. Foi isso o que mudou a vida deles e deu início à igreja. Certamente, já que essa era sua convicção mais central, devem ter se certificado totalmente que ela era verídica.

    Todas as evidências nos evangelhos e em Atos — incidente após incidente, testemunho após testemunho, detalhe após detalhe, comprovação sobre comprovação — são extremamente impressionantes. Tentei, mas não consegui lembrar nenhum outro evento da história antiga tão bem atestado.

    Havia mais uma questão que tinha de ser levantada, relacionada ao evangelho que a maioria dos estudiosos crê ter sido o primeiro relato da vida de Jesus a ser escrito.

    Quando comecei a investigar a ressurreição, deparei-me com um comentário intrigante no rodapé da minha Bíblia: "Os manuscritos bíblicos mais confiáveis e antigos e outros documentos antigos não contêm Marcos 16.9-20". Em outras palavras, a maioria dos estudiosos acredita que o evangelho de Marcos termina em 16.8, depois que as mulheres encontraram o túmulo vazio, mas sem Jesus ter aparecido vivo a nenhuma pessoa. Isso me deixou perplexo.
    — Não o incomoda que o evangelho mais antigo não registre nenhuma aparição de Jesus depois da ressurreição? — perguntei a Habermas.
    Pelo contrário, ele nem pareceu se incomodar.
    Não tenho nenhum problema com isso — ele disse. — É claro que seria interessante se ele tivesse incluído uma lista de aparições, mas tenho algumas coisas para você pensar. Mesmo que Marcos termine em 16.8, o que não é aceito por todos, você ainda tem sua afirmação de que o túmulo estava vazio e um jovem exclamando: "Ele ressuscitou!" e dizendo às mulheres que haverá aparições. Assim você tem, primeiro, a proclamação de que a ressurreição aconteceu, e, segundo, a predição de que se seguirão aparições. Você pode chegar ao fim de um capítulo de novela e dizer: "Não acredito que o autor não mostrou cenas do próximo capítulo!", mas você não pode dizer: "O autor não acredita no próximo capítulo". Marcos sem sombra de dúvida acredita. É evidente que ele crê que a ressurreição de Jesus aconteceu. Ele termina seu livro mostrando que as mulheres são informadas de que Jesus aparecerá na Galiléia, e mais tarde outros confirmarão que ele o fez.

    De acordo com a tradição da igreja, Marcos foi companheiro de Pedro, que foi testemunha ocular.
    Não é estranho — perguntei — que Marcos não mencione que Jesus apareceu a Pedro, se ele o fez?
    Marcos não menciona aparição alguma, por isso não é estranho que Pedro não seja relacionado — foi sua resposta. — Todavia, observe que Marcos põe Pedro em evidência. Em 16.7, ele diz: "Vão e digam aos discípulos dele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês o verão, como ele lhes disse". Isso concorda com 1Coríntios 15.5, que confirma que Jesus apareceu a Pedro, e com Lucas 24.34, outro credo antigo, que diz: "É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!", que é Pedro. Portanto, o que Marcos predisse sobre Pedro cumpriu-se, e o verificamos, em dois credos antigos e muito confiáveis da igreja, bem como pelo próprio Pedro em Atos.

    Sem dúvida, a quantidade de testemunhos e provas das aparições de Jesus depois da ressurreição é impressionante. Para dar-lhe a perspectiva: se você fosse chamar cada testemunha a um tribunal para ser interrogada por apenas 15 minutos, e fizesse isso sem interrupção, você ficaria ocupado do café da manhã de segunda-feira até o jantar de sexta para ouvir todos. Depois de ouvir 129 horas de testemunhos oculares, quem poderia ficar sem se deixar convencer?

    Como fui jornalista de assuntos legais e cobri dúzias de julgamentos, tanto criminais como civis, tive de concordar com a afirmação de sir Edward Clarke, juiz da suprema corte britânica que fez um estudo legal completo do primeiro domingo de Páscoa: "Para mim as evidências são conclusivas, e freqüentemente na suprema corte cheguei a um veredicto com evidências muito menos convincentes. Como advogado, aceito as evidências dos evangelhos sem reservas, o testemunho de homens confiáveis sobre fatos que eles puderam comprovar".

    Entretanto, será que poderia haver alternativas plausíveis que explicassem de outra forma esses encontros com o Cristo ressurreto? Será que esses relatos poderiam ser de natureza lendária? Ou será que as testemunhas poderiam estar alucinadas? Decidi levantar essas questões com Habermas, para obter sua resposta.

    Se for verdade que o evangelho de Marcos, no original, terminou antes dos relatos das aparições, poder-se-ia argumentar que há um desenvolvimento evolutivo nos evangelhos: Marcos não relata aparições, Mateus tem algumas, Lucas tem mais e João é o que mais tem.
    Será que isso não demonstra que as aparições não passam de lendas que se formaram com o tempo? — perguntei.
    Não, e por várias razões — Habermas me garantiu. — Em primeiro lugar, nem todo mundo crê que Marcos seja o evangelho mais antigo. Há estudiosos, que admito serem minoria, que pensam que Mateus foi escrito primeiro. Em segundo lugar, mesmo que eu aceite a tese deles como verdadeira, ela só explica que, com o passar do tempo, se formaram lendas: ela não consegue explicar a convicção fundamental de que Jesus ressuscitou. Algo aconteceu que fez os discípulos tornarem a ressurreição de Cristo o centro da proclamação da igreja antiga. Lendas não conseguem explicar os relatos iniciais de testemunhas oculares. Em outras palavras, lendas podem explicar como uma história ficou maior; elas não conseguem explicar como ela se originou ou se os participantes eram testemunhas oculares e contaram a história desde o começo. Em terceiro lugar, você está esquecendo que o credo de 1Coríntios 15 é anterior a todos os evangelhos e faz declarações categóricas a respeito das aparições. Na verdade, a afirmação que contém o maior número, que Jesus foi visto vivo por 500 pessoas ao mesmo tempo, procede dessa fonte primordial! Isso cria problemas para a teoria do desenvolvimento lendário. As melhores razões para rejeitar a teoria da lenda vêm dos credos antigos que encontramos em 1Coríntios 15 e em Atos, todos anteriores ao material dos evangelhos. E, em quarto lugar, e o túmulo vazio? Se a ressurreição de Jesus não passasse de uma lenda, o túmulo estaria ocupado. Contudo, ele estava vazio na manhã da Páscoa. Isso requer uma hipótese adicional.

    Pode ser que as testemunhas acreditassem seriamente ter visto Jesus. Talvez tenham relatado com exatidão o que aconteceu. Mas será que poderiam ter uma alucinação que as convenceu de que estavam encontrando Jesus, quando na verdade isso não aconteceu?
    Habermas sorriu com a pergunta.
    Você conhece Gary Collins? — ele perguntou.

    A pergunta me pegou de surpresa. Respondi que obviamente o conhecia.
    Estive no escritório dele há poucos dias, para entrevistá-lo para este mesmo livro — eu disse.
    Você acha que ele é qualificado como psicólogo?
    É claro — respondi, impaciente, pois podia ver que ele estava me aprontando alguma coisa. — Ele fez doutorado, foi professor por 20 anos, escreveu dezenas de livros sobre temas da psicologia, foi presidente de uma associação nacional dos psicólogos — sim, claro, eu o consideraria qualificado.
    Habermas me estendeu uma folha de papel.
    Perguntei a Gary sobre a possibilidade de se tratar de alucinações, e esta é sua opinião profissional — ele disse.
    Passei os olhos no documento.

    Alucinações são ocorrências individuais. Pela própria natureza, apenas uma pessoa pode ver uma alucinação em dado momento. Alucinações não são algo que possa ser visto por um grupo de pessoas. Também não é possível que alguém induza outra pessoa a ter uma alucinação. E como uma alucinação só existe neste sentido subjetivo, pessoal, é óbvio que outros não podem testemunhá-la.

    Isso — disse Habermas, — é um grande problema para a teoria da alucinação, pois temos relatos repetidos de Jesus aparecendo a várias pessoas que contaram a mesma coisa. E há vários argumentos que demonstram por que alucinações não podem explicar essas aparições. Os discípulos estavam cheios de medo e dúvidas, em desespero depois da crucificação, ao passo que pessoas que possuem alucinações têm uma mente fértil, cheia de expectativa.
    Pedro era um cabeça-dura, Tiago um cético: certamente não eram bons candidatos a alucinações.

    Após uma pausa, ele continuou:
    Além disso, alucinações são bastante raras. Via de regra são causadas por drogas ou privações físicas. É provável que você não conheça ninguém que já teve uma alucinação que não tenha sido provocada por uma dessas duas causas. E querem que aceitemos que, durante muitas semanas, pessoas dos mais diversos contextos, de todos os tipos de temperamentos, em vários lugares, tiveram alucinações? Será que não estão forçando a hipótese? Mais ainda: aceitando os relatos dos evangelhos como confiáveis, como você explica o fato de que os discípulos comeram com Jesus e o tocaram? Como pôde Jesus caminhar com dois deles pela estrada em direção a Emaús? E o túmulo vazio? Se todo mundo apenas imaginava ter visto Jesus, seu corpo ainda estaria no túmulo.

    Muito bem, pensei, se não foi uma alucinação, talvez tenha sido algo mais sutil.
    Não teria sido esse um exemplo de pensamento grupai, em que as pessoas convencem umas às outras de que viram algo que não existe? — perguntei. — Michael Martin disse: 'Alguém cheio de zelo religioso pode ver o que quiser, mesmo o que não existe".
    Habermas riu.
    Sabe, um dos ateus com quem debati, Antony Flew, disse-me que não gosta quando outros ateus usam esse argumento, porque ele pode ser usado na direção contrária. Suas palavras: "Os cristãos crêem porque querem, mas os ateus não crêem porque querem!". Na verdade, existem várias razões por que os discípulos não podem ter convencido uns aos outros. Como a crença na ressurreição era o centro da sua fé, havia muita coisa em jogo; eles foram até a morte para defendê-la.

    E será que alguns não teriam reavaliado o pensamento do grupo mais tarde, de modo a renegá-lo ou simplesmente cair fora? E o que dizer de Tiago, que não acreditava em Jesus, e de Paulo, que perseguia os cristãos: quem os teria convencido de ter visto algo? E, mais uma vez, o que dizer do túmulo vazio? Acima de tudo, essa teoria não explica a linguagem direta com que 1Coríntios 15 e outras passagens falam dos que viram Jesus. As testemunhas oculares pelo menos estavam convencidas de ter visto Jesus vivo, e o pensamento grupai não explica muito bem esse aspecto.

    Habermas fez uma pausa para tirar um livro da estante e concluir seu argumento com uma citação do destacado teólogo e historiador Carl Braaten: "Mesmo os historiadores mais céticos concordam que, para os primeiros cristãos [...] a ressurreição de Jesus foi um evento real na história, a própria base da fé, e não uma idéia mítica que brotou da imaginação criativa dos crentes".

    Às vezes — concluiu Habermas — as pessoas se valem de qualquer argumento, tentando explicar as aparições. Só que nada esclarece melhor as evidências do que a explicação de que Jesus estava vivo.

    Jesus foi morto na cruz — Alexander Metherell deixara isso totalmente claro. Seu túmulo estava vazio na manhã da Páscoa — William Lane Craig não deixara dúvidas quanto a isso. Os discípulos e outras pessoas o viram, tocaram nele e comeram com ele depois da sua ressurreição — Gary Habermas defendera esse ponto com evidências abundantes. Como mencionou o notável teólogo britânico Michael Green, "as aparições de Jesus são tão bem confirmadas como os outros fatos da Antigüidade [...].

    Não pode haver dúvida racional de que elas tenham ocorrido e de que a principal razão por que os cristãos tinham certeza da ressurreição nos primeiros dias foi exatamente esta. Eles podiam dizer com certeza: 'Nós vimos o Senhor'. Eles sabiam que era ele".

    Tudo o que vimos ainda não representa todas as provas. Eu já reservara minha passagem para viajar para o outro extremo do país, para entrevistar mais um especialista, no último tipo de provas de que a ressurreição de Jesus foi um evento real da história.

    Antes de sair do escritório de Habermas, porém, eu tinha mais uma pergunta, Para ser franco, hesitei em fazê-la, porque era bastante previsível e eu achava que podia obter uma resposta muito óbvia.

    A pergunta dizia respeito à importância da ressurreição de Jesus. Eu pensava que, se perguntasse a Habermas sobre isso, ele daria a resposta-padrão de que ela é o centro da doutrina cristã, o eixo em torno do qual gira a fé cristã. Eu estava certo — ele deu uma resposta-padrão.

    O que me surpreendeu foi que isso não foi tudo o que ele disse. Este estudioso calejado, este debatedor duro e direto, este defensor da fé sempre pronto para a batalha deixou-me olhar dentro de sua alma ao dar uma resposta que brotara do mais profundo vale de desespero pelo qual ele passara.

    Habermas cofiou sua barba, que ia ficando grisalha. A cadência rápida da sua voz e as palavras incisivas do debatedor desapareceram. Ele deixou de citar estudiosos, parou de citar a Bíblia, não estava mais defendendo uma tese.
    Eu lhe perguntara sobre a importância da ressurreição de Jesus, e Habermas decidiu assumir o risco de voltar a 1995, quando sua esposa, Debbie, lentamente morrera de câncer no estômago. Apanhado de surpresa pela intimidade do momento, tudo o que pude fazer foi ouvir.

    Eu me sentei em nossa varanda — ele começou, olhando para o lado, para nada em particular. Suspirou profundamente e depois continuou. — Minha esposa estava lá em cima, morrendo. Exceto durante as primeiras semanas, ela passara todo o tempo em casa. Foi uma época terrível. E a pior coisa que pode acontecer a alguém.

    Ele se virou e olhou diretamente em meus olhos.
    Mas você sabe o que foi surpreendente? Meus alunos me telefonavam, não apenas um, mas vários, e diziam: "Numa hora como essa, o senhor não está feliz com a idéia da ressurreição?". Por mais sérias que fossem as circunstâncias, tive de sorrir por dois motivos. Primeiro, meus alunos tentavam me animar com meu ensino. E o segundo é que funcionou. Sentado ali, pensei em Jó, que passou por todas aquelas coisas terríveis e fez perguntas a Deus, até que Deus virou a mesa e fez algumas perguntas a ele. Eu sabia que, se Deus viesse até mim, eu lhe faria somente uma pergunta: "Senhor, por que Debbie está lá em cima naquela cama?". E acho que Deus responderia perguntando com carinho: "Gary, eu não ressuscitei o meu Filho?". Eu diria: "Tudo bem, Senhor. Já escrevi sete livros sobre esse tema! E claro que ele ressuscitou. Eu quero saber é sobre Debbie!". Acho que o Senhor ficaria retomando sempre a mesma pergunta — "Eu não ressuscitei o meu Filho? Eu não ressuscitei o meu Filho?" — até que eu entendesse: a ressurreição de Jesus significa que, se Jesus ressuscitou 2 mil anos atrás, há uma resposta para a morte de Debbie em 1995. E quer saber de uma coisa? Essa resposta me bastou quando estava sentado naquela varanda, e me basta até hoje. Fez uma pausa e prosseguiu:

    Emocionalmente foi uma época terrível para mim, mas não pude fugir do fato de que a ressurreição de Jesus é a resposta para o sofrimento de Debbie. Eu ainda estava angustiado; ainda me perguntava como criaria quatro filhos sozinho. Mas não houve um só momento em que essa verdade não me confortasse. Perder minha esposa foi a experiência mais dolorosa por que jamais passei, mas se a ressurreição de Jesus pôde me ajudar a passar por ela, pode me fazer passar por qualquer outra coisa. Ela serviu para o ano 30 d.C, serviu para 1995, serve para 2002 e servirá para o futuro.

    Habermas novamente me olhou nos olhos.
    Isso não é um sermão — ele disse calmamente. — Creio nisso de todo o meu coração. Se existe ressurreição, existe o céu. Se Jesus ressuscitou, Debbie ressuscitará. E eu também ressuscitarei um dia. Então verei a ambos.
  • ENTREVISTA DE LEE STROBEL COM O FILÓSOFO E HISTORIAODOR J. P. MORELAND

    Os cabelos brancos de J. P. Moreland, seu bigode grisalho e seus óculos de aros dourados faziam-no parecer um pouco mais velho que seus 50 anos.
    Ele, porém, está cheio de energia. Falou em tom animado e entusiasmado, com freqüência inclinando-se para frente em sua cadeira giratória para enfatizar o que está dizendo, na verdade erguendo-se um pouco às vezes, como se fosse dar um pulo e me esganar com seus argumentos.

    Eu adoro este assunto — ele exclamou durante um breve intervalo, a única vez durante a nossa conversa em que ele afirmou o óbvio.

    A mente altamente organizada de Moreland trabalha de modo tão sistemático, tão lógico, que ele parece montar sem esforço sua argumentação, em frases completas e parágrafos inteiros, sem desperdiçar palavras ou incluir pensamentos estranhos ao assunto, em um texto pronto para ser revisado e impresso. Quando meu gravador parava, ele fazia uma pausa, dando-me tempo para inserir uma nova fita, para depois retomar exatamente onde parará, sem perder o ritmo.

    Embora Moreland seja um filósofo bastante conhecido (com um doutorado da Universidade do Sul da Califórnia) e se sinta à vontade ao navegar pelos mundos conceituais de Kant e Kierkegaard, ele não habita exclusivamente no abstrato. Sua origem na ciência (ele é bacharel em química pela Universidade do Missouri) e seu domínio da história (como ficou demonstrado em seu excelente livro Scaling the secular city) ancoram-no no mundo real e o impedem de flutuar para o pensamento puramente etéreo.

    Moreland, que também é mestre em teologia do Dallas Theological Seminary, atualmente é professor na Talbot School of Theology, onde leciona no curso de mestrado em filosofia e ética.

    Seus artigos foram publicados em mais de 30 revistas profissionais, como American Philosophical Quarterlys, Metaphilosophy e Philosophy and Phenomenological Research. Ele também escreveu, foi co-autor ou editou mais de uma dezena de livros.

    Sentado com Moreland em seu escritório pequeno mas aconchegante, eu já sabia que a evidência circunstancial é plural, e não singular. Em outras palavras, ela é construída pedra por pedra até haver um alicerce firme sobre o qual podem-se erguer conclusões confiantemente.

    Assim, comecei nossa entrevista com um desafio direto:
    O senhor pode me dar cinco peças de provas circunstanciais que o convencem de que Jesus ressuscitou?
    Moreland ouviu minha pergunta com atenção.
    Cinco exemplos? — ele inquiriu. — Cinco coisas que não são discutidas por ninguém?

    Fiz que sim com a cabeça. Com isso Moreland empurrou sua cadeira para longe da mesa e aprofundou-se em sua primeira prova material: a vida transformada dos discípulos, a ponto de estarem prontos a morrer por sua convicção de que Jesus ressuscitara.


    Prova n.° 1: Os discípulos morreram por suas crenças
    Quando Jesus foi crucificado — Moreland começou —, seus seguidores estavam desanimados e deprimidos. Eles não tinham mais certeza de que Jesus fora enviado por Deus, porque criam que toda pessoa crucificada era amaldiçoada por Deus. Eles também tinham recebido o ensino de que Deus não deixaria seu Messias passar pela morte. Assim, se dispersaram. O movimento de Jesus fora detido no nascedouro.

    Após breve pausa, prosseguiu:
    Então, depois de um curto período de tempo, nós os vemos abandonando suas ocupações, reunindo-se e dedicando-se a espalhar uma mensagem bem específica: que Jesus Cristo era o Messias de Deus que morrera em uma cruz, voltara à vida e fora visto vivo por eles. E eles estavam dispostos a passar o resto da sua vida proclamando isso, sem nenhuma vantagem de um ponto de vista humano. Não havia nenhuma mansão esperando por eles na margem do Mediterrâneo. Enfrentaram uma vida dura. Muitas vezes ficaram sem comer, dormiram ao relento, foram ridicularizados, surrados, aprisionados. E, por fim, a maioria deles foi executada em meio a torturas. Por quê? Por boas intenções? Não, antes, é porque eles estavam convictos sem sombra de dúvida de que tinham visto Jesus Cristo vivo depois de morto. Você não consegue explicar como esse grupo específico de homens se levantou com essa convicção peculiar sem terem uma experiência com o Cristo ressurreto. Não existe outra explicação adequada. Interrompi-o com um "sim, mas...":

    Sim — concordei —, eles estavam prontos para morrer por suas convicções. Mas — acrescentei — o mesmo têm feito muçulmanos, mórmons e os seguidores de Jim Jones e David Koresh. Isso pode mostrar que eles eram fanáticos, mas, sejamos sinceros: não prova que aquilo em que eles criam era verdadeiro.
    Espere aí; pense com cuidado na diferença — Moreland insistiu, girando a cadeira para me olhar de frente, com os dois pés firmes no chão. — Os muçulmanos podem estar dispostos a morrer por sua convicção de que Alá se revelou a Maomé, mas essa revelação não foi feita de modo publicamente observável. Eles podem estar enganados. Podem crer sinceramente que isso é verdade, mas não podem ter certeza, porque não presenciaram eles mesmos o fato. Por outro lado, os apóstolos estavam dispostos a morrer por algo que tinham visto com os próprios olhos e tocado com as próprias mãos. Estavam na posição única de não apenas crer que Jesus ressuscitou, mas de saber que era verdade. E se você tem 11 pessoas dignas de crédito, sem segundas intenções, sem nada a ganhar e muito a perder, todas concordando em ter visto algo com os próprios olhos, vai ser difícil achar outra explicação para isso.

    Sorri porque eu bancara o advogado do Diabo ao levantar a minha objeção. Na verdade, eu sabia que ele estava certo. De fato, essa distinção crítica era central em minha jornada espiritual.
    A mim tinha sido dito o seguinte: há pessoas que morrem por suas convicções religiosas se crerem sinceramente que são verdadeiras, mas ninguém morre por convicções religiosas que sabe serem falsas.

    A maioria das pessoas pode apenas ter fé que suas convicções são verdadeiras, mas os discípulos tinham condições de saber com certeza absoluta que Jesus ressuscitou. Eles afirmaram tê-lo visto, conversado e comido com ele. Se não tivessem certeza absoluta, não se deixariam torturar até a morte pela proclamação da ressurreição de Jesus.
    Está bem, deste ponto você me convenceu — eu disse.
    O que mais você tem?

    Prova n.° 2: A conversão dos céticos
    Outra prova circunstancial — Moreland continuou — é que havia determinados céticos, que não acreditavam em Jesus antes da sua crucificação e eram, até certo ponto, inimigos do cristianismo, que deram meia-volta e abraçaram a fé cristã depois da morte de Jesus. Não há bons motivos para isso, a não ser que tenham experimentado o Cristo ressurreto.

    É evidente que o senhor está falando de Tiago, o irmão de Jesus, e Saulo de Tarso, que veio a ser o apóstolo Paulo — comentei. — Mas o senhor tem realmente uma evidência aceitável de que Tiago anteriormente era cético?
    Tenho, sim — confirmou ele. — Os evangelhos nos contam que os familiares de Jesus, incluindo Tiago, sentiam-se pouco à vontade com quem ele dizia ser. Eles não acreditavam nele; confrontavam-no. No judaísmo antigo, era muito embaraçoso quando a família de um rabino não o aceitava. Por isso, os escritores dos evangelhos não teriam motivos para inventar esse ceticismo, se ele não fosse verídico.

    Mais tarde, o historiador Josefo nos conta que Tiago, o irmão de Jesus, que se tornara líder da igreja de Jerusalém, foi apedrejado até morrer pelo fato de crer em seu irmão. Por que a vida de Tiago mudou? Paulo nos diz: Jesus ressurreto lhe apareceu. Não existe outra explicação.
    De fato, nenhuma outra veio à minha mente.
    E Saulo? — perguntei.
    Como fariseu, ele odiava tudo o que ameaçasse as tradições do povo judeu. Para ele, aquele novo movimento contrário chamado cristianismo seria o auge da deslealdade. De fato, ele expressou sua frustração executando cristãos sempre que tinha chance — Moreland replicou. — De repente ele pára de perseguir os cristãos e se junta a eles! Como isso foi acontecer? Bem, todo mundo concorda que Paulo escreveu a carta aos Gaiatas, e ele mesmo nos diz nessa carta o que fez com que ele desse uma volta de 180 graus e se tornasse o principal proclamador da fé cristã. De próprio punho ele escreve que viu o Cristo ressurreto e ouviu-o convocá-lo para ser seu seguidor.

    Eu estava esperando que Moreland chegasse à sua conclusão, para poder desafiá-lo com uma objeção de Michael Martin, um crítico do cristianismo. Ele disse que, se considerarmos a conversão de Paulo como evidência da verdade da ressurreição de Cristo, temos de levar em conta a conversão de Maomé ao islamismo como evidência de que Jesus não ressuscitou, já que os muçulmanos negam isso!
    Basicamente, ele diz que o peso da conversão de Paulo e o valor da conversão de Maomé cancelam um ao outro como prova — eu disse a Moreland. — Para ser franco, esse parece um bom argumento. O senhor não concordaria que ele está certo?
    Moreland não mordeu a isca.
    Olhemos mais de perto a conversão de Maomé — ele disse em tom confiante. — Ninguém sabe qualquer coisa sobre ela. Maomé diz ter entrado em uma caverna, onde teve uma experiência religiosa em que Alá lhe revelou o Alcorão. Não há nenhuma testemunha ocular para confirmar isso. Maomé não fez nenhum sinal miraculoso em público para confirmar coisa alguma. Muitas pessoas podiam ter segundas intenções ao seguir Maomé, porque nos primeiros anos o islamismo se expandiu em boa parte pela guerra. Os seguidores de Maomé obtiveram influência política e poder sobre os povoados que foram conquistados e "converteram" todos ao islamismo pela espada. Contraste isso com as afirmações dos primeiros seguidores de Jesus, incluindo Paulo. Eles falavam de eventos públicos que outros também tinham presenciado. Eram coisas que tinham acontecido fora da sua mente, não apenas na cabeça deles. Além disso, quando Paulo escreveu 2Coríntios (o que ninguém discute), ele lembrou aos seus leitores que fizera milagres quando estivera com eles. Ele certamente não seria tolo de fazer essa afirmação se eles sabiam que não era verdade.

    Onde o senhor quer chegar? — perguntei.
    Lembre-se de que não se trata simplesmente de Paulo mudar de posição — respondeu ele. — E preciso explicar como ele chegou a essa mudança específica de convicção, que foi totalmente contra tudo o que ele aprendera, como ele viu Cristo ressurreto em um acontecimento público que foi testemunhado por outras pessoas, mesmo que elas não tenham entendido nada; e como ele fez milagres para embasar sua afirmação de que era um apóstolo.

    Está bem, está bem — concordei. — Entendo seu argumento. E é um bom argumento. — Com isso lhe indiquei que ele podia passar para sua próxima prova.

    Prova n.° 3: Mudanças em estruturas sociais fundamentais

    A fim de explicar a categoria seguinte de provas circunstanciais, Moreland tinha de dar algumas informações importantes sobre o contexto cultural judaico.

    No tempo de Jesus, já fazia 700 anos que os judeus estavam sendo perseguidos por babilônios, assírios, persas, gregos e, então, romanos — Moreland explicou. — Muitos judeus tinham sido espalhados pelo mundo e viviam fora da sua terra. No entanto, ainda vemos judeus hoje, enquanto não vemos hititas, perizeus, amonitas, assírios, persas, babilônios e outros povos que viviam na época. Por quê? Porque esses povos, ao serem conquistados por outras nações, misturaram-se com elas e perderam sua identidade nacional. Por que isso não aconteceu com os judeus? Porque fazem com que um judeu seja judeu, as estruturas sociais que lhe davam identidade nacional, eram incrivelmente importantes para eles. Os judeus passavam essas estruturas aos seus filhos, celebravam-nas em suas reuniões na sinagoga todos os sábados e as praticavam com seus rituais, porque sabiam que, se não o fizessem, em pouco tempo não haveria mais judeus. Seriam assimilados pelas culturas que os dominavam. E há mais uma razão por que essas instituições sociais eram tão importantes: Eles acreditavam que elas lhes tinham sido confiadas por Deus. Acreditavam que, abandonando-as, estariam correndo o risco de ver sua alma condenada ao inferno após a morte. Fez uma pausa e continuou:

    Agora vem um rabino de nome Jesus de uma região de baixo nível social. Ele ensina durante três anos, reúne um grupo de seguidores de classe média e baixa, entra em conflito com as autoridades e é crucificado, assim como outros 30 mil judeus que foram executados no mesmo período. Cinco semanas depois de ele ser crucificado, porém, mais de 10 mil judeus o estão seguindo, declarando-o iniciador de uma nova religião. E veja: eles estão dispostos a abrir mão ou a alterar as cinco instituições sociais que, desde a infância, lhes tinham sido ensinadas como fundamentais em termos sociais e teológicos.

    Portanto, a implicação é que algo importante estava acontecendo — comentei.
    Moreland exclamou:
    Algo muito importante estava acontecendo!

    Convidei Moreland a passar pelas cinco estruturas sociais e explicar como os seguidores de Jesus as tinham mudado ou abandonado.
    Em primeiro lugar — ele começou —, eles tinham aprendido desde o tempo de Abraão e Moisés que precisavam oferecer anualmente sacrifícios de animais para expiar seus pecados. Deus transferiria os pecados deles para o animal, e seus pecados seriam perdoados, para poderem manter o relacionamento com Deus. De repente, depois da morte desse carpinteiro de Nazaré, esses judeus deixam de oferecer sacrifícios. Em segundo lugar, os judeus davam ênfase à obediência às leis que Deus lhes transmitira por meio de Moisés. Na opinião deles, era isso o que os separava das nações pagas. Pouco tempo depois da morte de Jesus, porém, esses judeus começaram a dizer que ninguém se torna um membro destacado da sociedade simplesmente obedecendo às leis de Moisés. Em terceiro lugar, os judeus guardavam escrupulosamente o sábado, no qual não faziam estritamente nada que não fizesse parte do culto religioso. É assim que ficavam de bem com Deus, garantiam a salvação da sua família e mantinham a harmonia na nação. Todavia, depois da morte desse carpinteiro de Nazaré, essa tradição de 1 500 anos é mudada abruptamente. Os cristãos adoram a Deus no domingo. E por quê? Porque foi nesse dia que Jesus ressuscitou. Em quarto lugar, os judeus criam no monoteísmo: só existe um Deus. Os cristãos ensinam uma forma de monoteísmo, mas eles dizem que Pai, Filho e Espírito Santo são esse único Deus. Isso é radicalmente diferente do que os judeus acreditavam. Eles teriam considerado a heresia das heresias dizer que alguém podia ser Deus e homem ao mesmo tempo. Entretanto, vemos judeus começando a adorar Jesus como Deus na primeira década da religião cristã. E em quinto lugar, esses cristãos retratavam o Messias como alguém que sofrerá e morrera pelos pecados do mundo, enquanto os judeus tinham sido ensinados a crer que o Messias seria um líder político que destruiria os exércitos romanos.

    Com esse contexto definido, Moreland partiu para o golpe retórico final, prendendo-me com seu olhar intenso e inabalável.
    Lee — disse ele —, como explicar que, em um período de tempo tão curto, não apenas um judeu mas uma comunidade inteira de pelo menos 10 mil judeus estava disposta a desistir desses cinco costumes fundamentais que lhes tinham servido em termos sociológicos e teológicos durante tantos séculos? A minha explicação é simples: eles tinham visto Jesus ressuscitado.

    O argumento de Moreland era extremamente convincente, mas eu via um problema para muitas pessoas o compreenderem hoje em dia. Eu lhe disse que é muito difícil que os cidadãos do século xxi entendam a natureza radical dessa transformação.
    Essas pessoas são volúveis em sua fé — expliquei. — Elas vão e vêm entre crenças cristãs e da Nova Era. Envolvem-se com o budismo, misturam, combinam e criam a própria espiritualidade. Para elas, fazer o tipo de mudanças que o senhor mencionou não pareceria grande coisa.
    Moreland fez que sim com a cabeça. Ele já devia ter ouvido essa objeção antes.

    Eu perguntaria a uma pessoa como a que você descreveu: "Qual é sua crença mais querida? Que seus pais são pessoas boas? Que assassinato é imoral? Pense em quão radical algo deve ser para fazê-lo desistir dessa crença que você preza tanto. Aí estaremos começando a chegar perto". Tenha em mente que aquela era uma comunidade inteira de pessoas que estão abandonando convicções que lhes eram caras, que lhes tinham sido transmitidas durante séculos e que eles criam terem vindo do próprio Deus. Elas o estavam fazendo apesar de colocarem em risco seu bem-estar, e também acreditavam que estavam correndo o risco de ter a alma condenada ao inferno se estivessem erradas. Além disso, elas não estavam fazendo isso porque tinham descoberto idéias melhores. Estavam muito contentes com as tradições antigas. Desistiram delas porque tinham visto milagres que não conseguiam explicar e que os forçaram a ver o mundo de outro modo.

    Nós, ocidentais, gostamos de mudanças tecnológicas e sociológicas — observei. — Tradições não significam tanto assim para nós.
    Concordo — Moreland replicou. — Mas aquelas pessoas valorizavam a tradição. Elas viviam em uma época em que, quanto mais antigo algo fosse, melhor. De fato, para eles, quanto mais para trás no tempo você conseguisse traçar uma idéia, mais chances ela teria de ser verdadeira. Portanto, vir com idéias novas causava a reação oposta à que vemos hoje em dia.

    Após breve pausa, concluiu:
    Creia em mim, essas mudanças nas estruturas sociais dos judeus não foram meros ajustes feitos ao acaso, elas foram monumentais. Foi o equivalente a um terremoto social! E os terremotos não acontecem sem causa.


    Prova n° 4: Ceia e batismo
    Moreland mencionou a instituição da ceia do Senhor e do batismo na igreja antiga como mais uma prova circunstancial de que a ressurreição de Cristo realmente aconteceu. Eu, porém, tinha algumas dúvidas.

    Não é simplesmente natural que as religiões criem seus rituais e costumes? — perguntei. — Todas as religiões os têm. Portanto, como isso prova algo a respeito da ressurreição de Jesus?
    É verdade, mas vejamos a ceia com mais atenção — replicou ele. — O que é estranho é que esses primeiros seguidores de Jesus não se reuniam para celebrar seus ensinos ou sua pessoa maravilhosa. Eles se reuniam regularmente para uma refeição de celebração por um motivo: recordar que Jesus fora trucidado de modo grotesco e humilhante. Pense nisso em termos modernos. Se houvesse um grupo de pessoas que amasse John F. Kennedy, elas poderiam se encontrar regularmente para recordar seu confronto com a União Soviética, sua promoção dos direitos civis e sua personalidade carismática. Mas elas não iriam celebrar seu assassinato por Lee Harvey Oswald! No entanto, isso é análogo ao que esses primeiros cristãos faziam. Como explicar tal fato? Eu o explico assim: eles entenderam que o assassinato de Jesus foi um passo necessário para uma vitória muito maior. Sua morte não fora a última palavra; a última palavra era que ele vencera a morte por todos nós, ressuscitando. Eles celebravam sua execução porque estavam convictos de que o tinham visto vivo depois do sepultamento.

    E o batismo? — perguntei.
    A igreja antiga adotou uma forma de batismo do seu tempo que eles conheciam como judeus, o batismo de prosé-litos. Quando um gentio queria adotar as leis de Moisés, os judeus o batizavam na autoridade do Deus de Israel. No Novo Testamento, por sua vez, as pessoas eram batizadas em nome de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, o que significava que Jesus tinha sido elevado à plena condição divina. E não apenas isso, mas o batismo era uma celebração da morte de Jesus, assim como a ceia. Ao submergir, a pessoa celebra a morte de Jesus e, ao sair da água, celebra o fato de que Jesus foi ressuscitado para uma nova vida.

    Interrompi-o para dizer:
    O senhor está querendo dizer que esses rituais não foram meramente adaptados das chamadas religiões de mistério.
    Exatamente, e por boas razões — assentiu Moreland. — Em primeiro lugar, porque não há provas convincentes de que alguma religião de mistério acreditasse que deuses morrem e ressuscitam, antes do período do Novo Testamento. Portanto, se houve algum empréstimo, foram essas religiões que os tomaram emprestado do cristianismo. Em segundo lugar, a prática do batismo veio do costume judaico, e os judeus eram totalmente contrários quanto a permitir que idéias gentias ou gregas afetassem seu culto. E, em terceiro lugar, essas duas práticas podem ser datadas do início da comunidade cristã, muito cedo para que influências de qualquer religião se imiscuíssem na sua compreensão acerca do significado da morte de Jesus.

    Prova n.° 5: O surgimento da igreja
    Moreland prefaciou este último ponto dizendo:
    Quando ocorre uma mudança cultural importante, os historiadores sempre procuram eventos que possam explicá-la.

    Sim, isso faz sentido — concordei.
    Muito bem, vejamos o começo da igreja cristã. Não há dúvida de que ela teve início logo depois da morte de Jesus e que se espalhou de modo tão rápido que, no período de talvez 20 anos, já tinha chegado ao palácio de César em Roma. E não apenas isso, mas esse movimento triunfou sobre várias ideologias que competiam com ele e acabou dominando todo o império romano. Agora, se você fosse um marciano olhando para o século I, quem você acha que sobreviveria: o cristianismo ou o império romano? Você provavelmente não apostaria um vintém furado em um grupo de pessoas insignificantes cuja principal mensagem era que um carpinteiro crucificado de um povoado obscuro triunfara sobre morte. No entanto, essa mensagem foi tão bem-sucedida que até hoje chamamos nossos filhos "Pedro" e "Paulo" e nossos cachorros "César" e "Nero"! Gosto da maneira como C. E D. Moule, professor de Novo Testamento em Cambridge, definiu a questão: "Se o surgimento dos nazarenos, um fenômeno atestado de modo inegável pelo Novo Testamento, faz um buraco enorme na história, um buraco do tamanho e da forma da ressurreição de Jesus, o que o historiador secular propõe para fechá-lo?".

    Esse não era o mais forte dos argumentos de Moreland, já que outros movimentos religiosos também irromperam e se espalharam, mas as evidências circunstanciais não se baseiam somente na força de um fato. Elas, antes, são o peso cumulativo de vários fatos que, juntos, mostram o caminho para uma conclusão. E, para Moreland, a conclusão é evidente:
    Veja — disse ele —, se alguém quiser ver essas evidências circunstanciais e chegar ao veredicto de que Jesus não ressuscitou, tudo bem. Mas terá de propor uma explicação alternativa que responda de modo plausível a todos os cinco fatos. Lembre-se, não há dúvida que esses fatos são verdadeiros; a questão é como explicá-los. E eu jamais vi uma explicação melhor que a ressurreição de Jesus.

    Mentalmente voltei a fita das provas circunstanciais: a disposição dos discípulos de morrer pelo que tinham experimentado; a vida de céticos como Tiago e Saulo virada do avesso; as mudanças radicais em estruturas sociais prezadas pelos judeus há séculos; o surgimento repentino da ceia do Senhor e do batismo; e o surgimento e crescimento impressionante da igreja.

    Considerando todos os cinco fatos incontestes, tive de concordar com Moreland que a ressurreição de Jesus e apenas ela justifica todos eles. Nenhuma outra explicação chega perto. E essas são apenas as evidências indiretas. Quando acrescentei a prova poderosa do túmulo de Jesus vazio e o testemunho convincente de suas aparições após a ressurreição, o caso parecia encerrado.

    Esta também foi a conclusão de Sir Lionel Luckhoo, o advogado brilhante e inteligente cujas 245 absolvições impressionantes de assassinato consecutivas lhe valeram um lugar no livro Guinness de recordes mundiais como o advogado mais bem-sucedido do mundo.

    Feito cavaleiro duas vezes pela rainha Elisabete, este antigo juiz e diplomata submeteu os fatos históricos sobre a ressurreição de Jesus à sua análise rigorosa durante sete anos antes de declarar: "Digo de modo inequívoco que as provas da ressurreição de Jesus Cristo são tão avassaladoras que exigem que as aceitemos sem deixar absolutamente nenhum lugar para dúvidas".
    Mas espere. Ainda há mais.

    Encerrada a entrevista, Moreland e eu ficamos falando de futebol enquanto eu desligava meu gravador e guardava minhas anotações. Embora estivesse com um pouco de pressa para pegar meu vôo de volta para Chicago, ele me disse algo que me fez parar.
    Há um outro tipo de evidência sobre a qual você não perguntou — ele observou.

    Minha mente repassou nossa entrevista.
    Desisto — resignei-me. — O que é?
    É o encontro constante com o Cristo ressurreto que acontece em todo o mundo, em cada cultura, a gente de todos os contextos e personalidades: instruídas ou não, ricas e pobres, os que pensam e os que sentem, homens e mulheres — ele disse. — Todos estes testemunharão que, mais que qualquer outra coisa em sua vida, Jesus Cristo os transformou.

    Moreland inclinou-se para frente para enfatizar o que dizia.
    Para mim, essa é a prova final. Não a única, mas a prova definitiva, que confirma tudo o que dissemos: que a mensagem de Jesus pode abrir a porta para o encontro direto com o Cristo ressurreto.

    Imagino que o senhor teve um encontro desses — eu o incentivei. — Conte-me sobre ele.
    Em 1968, eu era um cínico formando de química na Universidade do Missouri, quando fui confrontado com o desafio de que, se examinasse as declarações de Jesus Cristo de modo crítico, mas com a mente aberta, encontraria evidências mais que suficientes para crer nele. Assim, dei um passo de fé na mesma direção que as evidências estavam indicando, recebendo Jesus como aquele que me perdoa e dirige, e comecei a me relacionar com ele, o Cristo ressurreto, de modo muito real e contínuo. Nas últimas três décadas tive centenas de respostas específicas a orações, vi acontecer coisas que simplesmente não podem ser explicadas de modo natural e experimentei uma vida transformada além de qualquer coisa que eu pudesse ter imaginado.

    Mas — protestei — as pessoas experimentam mudança de vida também em outras religiões, cujas bases contradizem o cristianismo. Não é perigoso fundamentar uma decisão em experiências subjetivas? — perguntei.
    Deixe-me tornar duas coisas bem claras — rebateu Moreland. — Em primeiro lugar, não estou dizendo: "Simplesmente confie em sua experiência". Estou dizendo: "Use sua mente de modo tranqüilo e pese as evidências, e depois deixe a experiência ser uma parte das evidências". Em segundo lugar, se o que as evidências apontam é verdadeiro, ou seja, se todas essas linhas de evidências realmente apontam para a ressurreição de Jesus, as próprias evidências pedem um teste da experiência.

    Por favor, defina isso — pedi.
    O teste experimental é: "Ele ainda está vivo, e posso descobrir isso relacionando-me com ele". Se você estivesse em um júri e ouvisse provas suficientes para convencê-lo da culpa de alguém, não teria sentido parar um pouco antes do último passo de condená-lo. Do mesmo modo, se alguém aceita as evidências da ressurreição de Jesus e não dá o último passo de testá-las pela experiência, não teria entendido para onde as evidências, em última análise, estão apontando.

    Então — eu disse —, se as evidências apontam fortemente nessa direção, é simplesmente uma questão racional e lógica fazê-las caminhar para a esfera experimental.
    Ele assentiu com a cabeça.
    É exatamente isso. Essa é a confirmação final das evidências. Na verdade, eu diria o seguinte: as evidências clamam pelo teste experimental.
  • POR QUE LEE STROBEL FEZ ESTAS ENTREVISTAS?

    Por muito tempo em minha vida, fui cético. Na verdade, eu me considerava ateu. Para mim, havia provas de sobra de que Deus era simplesmente produto da nossa imaginação, da mitologia antiga, da superstição primitiva. Como é que podia existir um Deus amoroso se ele mandava as pessoas para o inferno simplesmente por não acreditarem nele? Como é que os milagres podiam contrariar as leis básicas da natureza? Será que a evolução não era uma explicação satisfatória para a origem da vida? Será que o raciocínio científico não abolia a crença no sobrenatural?
    Quanto a Jesus, ele nunca disse que era Deus! Ele foi um revolucionário, um sábio, um judeu iconoclasta — mas Deus? Não, esse pensamento nunca lhe ocorrera! Posso citar inúmeros professores universitários que concordam comigo — e não há dúvida de que se trata de pessoas muito competentes, não é verdade? Vamos encarar os fatos: basta um exame superficial das provas para que fiquemos convencidos de que Jesus foi apenas um ser humano como você e eu, muito embora dotado de sabedoria e bondade incomuns.
    Um exame superficial — eu nunca me aprofundara mais do que isso. Havia lido muita coisa de filosofia e história, o suficiente para alicerçar meu ceticismo; um fato aqui, uma teoria científica ali, uma citação de peso, um argumento inteligente. Eu tinha uma motivação muito forte para ignorá-los: um estilo de vida egoísta e imoral que teria de abandonar se mudasse o meu modo de ver as coisas e me tornasse discípulo de Cristo.
    No que me dizia respeito, o caso estava encerrado. Eu chegara à conclusão de que a divindade de Cristo era uma ilusão inventada por gente supersticiosa, não tinha por que perder a tranqüilidade por causa disso.
    Pelo menos era o que eu pensava.

    Respostas para um ateu
    Não foi o telefonema de um informante que me levou a examinar novamente os argumentos a favor de Cristo. Foi minha esposa.
    Leslie me deixou atônito, no outono de 1979, quando disse que havia se convertido. Fechei os olhos e esperei pelo pior, sentindo-me vítima de um engodo. Eu havia me casado com uma Leslie — a Leslie divertida, despreocupada, disposta a correr riscos —, e agora parecia que ela ia se tornar uma puritana sexualmente reprimida prestes a trocar nosso estilo de vida livre e em ascensão por vigílias de oração e trabalho voluntário em cozinhas imundas fazendo sopa.
    Em vez disso, tive uma grata surpresa — fascinante mesmo
    — com as mudanças tão profundas em seu caráter, sua integridade e autoconfiança. Por fim, quis chegar ao fundo do que estava produzindo essas mudanças sutis, porém significativas, no comportamento de minha esposa, por isso comecei a investigar minuciosamente os fatos favoráveis ao cristianismo.
    Pondo de lado o máximo possível meus interesses pessoais e preconceitos, li livros, entrevistei especialistas, questionei, analisei a história, explorei a arqueologia, estudei literatura antiga e, pela primeira vez na vida, li a Bíblia versículo por versículo.
    Mergulhei no caso com uma determinação muito maior do que em vários outros que eu já investigara. Utilizei o preparo que recebi na Faculdade de Direito de Yale, bem como minha experiência como editor de assuntos jurídicos no Chicago Tribune. E, com o passar do tempo, as provas que colhi no mundo — da história, da ciência, da filosofia e da psicologia começaram a apontar para o inimaginável.
    Era como se o caso Dixon fosse reaberto.

    Julgar por si mesmo
    Talvez sua perspectiva espiritual se baseie também em provas observadas à sua volta ou coligidas há muito tempo em livros ou que lhe foram comunicadas por seus professores na faculdade, membros de sua família ou amigos. Mas será que sua conclusão é a melhor possível para as provas disponíveis? Se você cavasse bem fundo, confrontando seus preconceitos e procurando sistematicamente por provas, o que você descobriria?
    Esse é o tema do livro. Na verdade, voltarei ao início da minha jornada espiritual (que durou dois anos) e a expandirei. Convido-o a me acompanhar em entrevistas com especialistas de destaque e autoridades de credenciais acadêmicas impecáveis.
    Cruzei diversas vezes o país — de Minnesota à Geórgia, da Virgínia à Califórnia — para colher pareceres de estudiosos, para desafiá-los com as objeções que tinha quando era cético, para forçá-los a defender seus pontos de vista com dados sólidos e argumentos convincentes e para testá-los com as mesmas perguntas que você faria se tivesse oportunidade.
    Nessa busca da verdade, usei minha experiência de jornalista especializado em assuntos legais para examinar diversos tipos de provas — testemunhas oculares, provas documentais, provas corroborativas, provas de refutação, provas psicológicas, circunstanciais e até mesmo impressões digitais (estranho, não é?).
    Essas classificações são as mesmas utilizadas no tribunal. Creio que a perspectiva legal é a melhor forma de tratar esse processo — tendo o leitor como jurado.
    Se você fosse escolhido para compor o júri em um tribunal de verdade, a primeira coisa que lhe pediriam era que afirmasse não ter nenhuma idéia preconcebida sobre o caso. Pediriam também que jurasse manter a mente aberta e que agisse com justiça, tirando suas conclusões com base na relevância dos fatos, e não em caprichos ou preconceitos. Você teria de considerar com ponderação a credibilidade das testemunhas, filtrar os depoimentos e submeter rigorosamente as provas ao bom senso e à lógica. Peço-lhe que faça o mesmo durante a leitura deste livro.
    Por fim, é responsabilidade dos jurados chegar ao veredicto. Isso não significa que eles o façam com 100% de certeza, porque não há como ter certeza absoluta de nada nesta vida. Em um julgamento, pede-se aos jurados que analisem as provas e cheguem à melhor conclusão possível. Em outras palavras, retomando o caso de James Dixon, quais os argumentos que se encaixam melhor nos fatos?
    Essa é a sua tarefa. Espero que você a desempenhe com seriedade, porque há muito mais do que mera curiosidade em jogo. Se é para acreditar em Cristo — e eu acho que esse "se" é muito importante para você neste momento —, então nada e mais importante que o modo como você responde a ele
    Mas quem era ele de fato? Quem dizia ser? Será que existe algum indício que comprove suas alegações? Isso é o que pretendemos descobrir agora, a caminho de Denver, onde faremos nossa primeira entrevista.
  • VEREDICTO DO REPÓRTER LEE STROBEL

    A data era 8 de novembro de 1981. Era um domingo. Tranquei-me em meu escritório em casa e passei a tarde repassando a peregrinação espiritual que eu tinha feito durante os últimos 21 meses.
    Minha investigação sobre Jesus foi semelhante à que você acabou de ler, com a diferença de que li principalmente livros e outras pesquisas históricas, em vez de conversar pessoalmente com estudiosos. Eu fizera perguntas e analisara respostas com a mente mais aberta que conseguira ter. Agora eu chegara ao ponto crítico. As evidências eram claras. A única questão que restava era o que eu faria com elas.
    Tomando um bloco de anotações, comecei a relacionar as perguntas que me fizera quando iniciei a investigação e alguns dos fatos-chave que descobrira. De modo semelhante, posso resumir agora o essencial do que aprendemos em nossa avaliação das provas.

    PODE-SE CONFIAR NAS BIOGRAFIAS DE JESUS?
    Antes eu pensava que os evangelhos não passavam de propaganda religiosa, comprometidos pela imaginação e zelo evangelístico dos seus escritores. Contudo, Craig Blomberg, uma das principais autoridades do país sobre o assunto, montou uma defesa convincente de que eles refletem o testemunho ocular e trazem as marcas inconfundíveis da exatidão. Essas biografias são tão próximas dos fatos que não podem ser explicadas como invenções lendárias. De fato, as noções fundamentais dos milagres, ressurreição e divindade de Jesus remontam ao alvorecer do movimento cristão.

    AS BIOGRAFIAS DE JESUS RESISTEM À INVESTIGAÇÃO MINUCIOSA?
    Blomberg argumentou de modo persuasivo que os escritores dos evangelhos tinham o propósito de preservar uma história confiável, tinham a capacidade para fazê-lo, eram honestos, estando dispostos a incluir material difícil de explicar, e não permitiram que preconceitos distorcessem indevidamente seus relatos. A harmonia entre os evangelhos nos fatos essenciais, somada à divergência em alguns detalhes, dá credibilidade histórica aos relatos. Além disso, a igreja antiga não poderia ter lançado raízes e florescido bem ali em Jerusalém se tivesse ensinado fatos sobre Jesus que seus contemporâneos seriam capazes de denunciar exagero ou falsidade. Em resumo, os evangelhos conseguiram passar pelos os oito testes de evidências.

    AS BIOGRAFIAS DE JESUS FORAM PRESERVADAS DE MODO CONFIÁVEL?
    O estudioso de nível mundial Bruce Metzger disse que, comparados com outros documentos antigos, existe um número sem precedentes de manuscritos no Novo Testamento cuja data está extremamente próxima à dos escritos originais. O Novo Testamento que temos hoje está 99,5% livre de discrepâncias textuais, sem o questionamento de nenhuma doutrina cristã importante. Os critérios usados pela igreja antiga para determinar quais livros devem ser considerados autoritativos fez com que possuíssemos os melhores relatos possíveis sobre Jesus.

    EXISTEM EVIDÊNCIAS CONFIÁVEIS A FAVOR DE JESUS ALÉM DE SUAS BIOGRAFIAS?
    "Temos uma documentação histórica sobre Jesus melhor do que sobre o autor de qualquer outra religião antiga", disse Edwin Yamauchi. Fontes externas à Bíblia corroboram que muitas pessoas acreditavam que Jesus tinha efetuado curas e era o Messias, que foi crucificado e que, apesar da sua morte vergonhosa, seus seguidores, que criam que ele continuava vivo, o adoravam como Deus. Um especialista documentou 39 fontes antigas que confirmam mais de uma centena de fatos sobre a vida, os ensinos, a crucificação e a ressurreição de Jesus. Sete fontes seculares e vários credos antigos falam da divindade de Jesus, doutrina "evidentemente presente na igreja antiga", segundo o estudioso Gary Habermas.

    A ARQUEOLOGIA CONFIRMA OU CONTRADIZ AS BIOGRAFIAS DE JESUS?
    O arqueólogo John McRay disse que não há dúvida de que as descobertas arqueológicas reforçaram a credibilidade do Novo Testamento. Nenhuma descoberta jamais pôs em xeque uma referência bíblica. Além disso, a arqueologia confirmou que Lucas, que escreveu quase 25% do Novo Testamento, era um historiador especialmente cuidadoso. Um especialista concluiu: "Se Lucas era tão exato até nos mínimos detalhes em seus relatos históricos, em que base lógica podemos presumir que ele era crédulo ou inexato ao relatar assuntos que eram bem mais importantes, não apenas para ele, mas também para outros?" — como, por exemplo, a ressurreição de Jesus.

    O JESUS DA HISTÓRIA É O MESMO JESUS DA FÉ?
    Gregory Boyd disse que o tão falado Seminário Jesus, o qual coloca em dúvida que Jesus tenha dito a maior parte do que lhe é atribuído, representa "um número muito pequeno de estudiosos extremistas que estão bem à esquerda do pensamento do Novo Testamento". O Seminário descartou de antemão a possibilidade de milagres, empregou critérios questionáveis, e alguns dos seus integrantes têm difundido documentos permeados de mitos, de qualidade extremamente duvidosa. Mais que isso, a idéia de que as histórias sobre Jesus surgiram da mitologia sobre deuses que morrem e ressuscitam não resiste à investigação. Boyd disse: 'As evidências de que Jesus era quem os discípulos diziam [...] estão a anos-luz de distância da idéia de que os cientistas esquerdistas do Seminário Jesus estão corretos". Em suma, o Jesus da fé é o mesmo Jesus da história.

    JESUS ESTAVA REALMENTE CONVICTO DE QUE ERA O FILHO DE DEUS?
    Indo até às primeiras de todas as tradições, totalmente seguras quanto ao desenvolvimento lendário, Ben Witherington III pôde mostrar que Jesus tinha uma compreensão suprema e transcendente de si mesmo. Baseado nas evidências, Witherington disse: "Jesus acreditava ser o Filho de Deus, o ungido de Deus? A resposta é sim. Ele se considerava o Filho do Homem? A resposta é sim. Ele se via como o Messias do fim dos tempos? Sim, ele se via dessa forma. Ele acreditava que alguém menos que Deus poderia salvar o mundo? Não, não creio que ele pensasse isso".

    JESUS ESTAVA LOUCO QUANDO AFIRMOU SER O FILHO DE DEUS?
    O conhecido psicólogo Gary Collins disse que Jesus nunca apresentou nenhuma emoção inapropriada, estava em contato com a realidade, era brilhante e tinha uma compreensão impressionante da natureza humana, além de cultivar relacionamentos profundos e duradouros. "Não vejo nenhum sinal de que Jesus sofresse de qualquer doença mental conhecida", concluiu. Além disso, Jesus respaldou sua reivindicação de ser Deus por meio de feitos milagrosos de curas, por demonstrações surpreendentes de poder sobre a natureza, pelo ensino incomparável, pelo conhecimento divino das pessoas e pela própria ressurreição, que foi a autenticação definitiva da sua identidade.

    JESUS APRESENTOU OS ATRIBUTOS DE DEUS?
    Embora a encarnação — em que Deus se torna um ser humano, o infinito se torna finito — extrapole a nossa imaginação, o destacado teólogo D. A. Carson ressaltou que há muitas evidências de que Jesus exibiu as características da divindade. Com base em Filipenses 2, muitos teólogos acreditam que Jesus voluntariamente se esvaziou do uso independente desses atributos divinos ao executar sua missão de redenção humana. Mesmo assim, o Novo Testamento confirma especificamente que Jesus, de fato, possuía todos os atributos da divindade, incluindo onisciência, onipresença, onipotência, eternidade e imutabilidade.

    JESUS — E só ELE — ENQUADRA-SE NO PERFIL DO MESSIAS?
    Centenas de anos antes de Jesus nascer, os profetas predisseram a vinda do Messias, do Ungido, que haveria de redimir o povo de Deus. Na verdade, dezenas dessas profecias do Antigo Testamento criaram um perfil ao qual somente o verdadeiro Messias poderia corresponder. Isso deu a Israel um instrumento para descartar impostores e validar as credenciais do Messias autêntico. Dentro de possibilidades infinitamente pequenas — uma em um trilhão elevado à décima quinta potência — Jesus, e apenas ele em toda a história, enquadrou-se nesse perfil. Isso confirma a identidade de Jesus com um grau incrível de certeza.

    A MORTE DE JESUS FOI UMA FRAUDE E SUA RESSURREIÇÃO, UM LOGRO?
    Analisando as informações médicas e históricas, o dr. Alexander Metherell concluiu que Jesus não poderia ter sobrevivido à tortura terrível da crucificação, muito menos à ferida que foi aberta em seu pulmão e coração. A idéia de que ele, de alguma forma, desmaiou na cruz e fingiu estar morto não tem nenhuma base factual. Os executores romanos eram horrivelmente eficientes, sabendo que poderiam ser mortos se alguma das suas vítimas descesse viva da cruz. E, mesmo que Jesus tivesse sobrevivido à tortura, sua condição deplora vel jamais teria inspirado um movimento mundial baseado na premissa de que ele triunfou gloriosamente do túmulo.

    O CORPO DE JESUS REALMENTE DESAPARECEU DO TÚMULO?
    William Lane Craig apresentou evidências impressionantes de que o símbolo da Páscoa — o túmulo vazio de Jesus — foi uma realidade histórica. O túmulo vazio é mencionado ou está implícito em fontes extremamente antigas, como o evangelho de Marcos e o credo de 1Coríntios 15, que provêm de tão perto do evento que não podem ter sido produto de uma lenda. O fato de os evangelhos informarem que foram mulheres que descobriram o túmulo reforça a autenticidade da história. O lugar onde Jesus foi enterrado era do conhecimento de cristãos e judeus, portanto poderia ser conferido pelos céticos. Na verdade, ninguém, nem mesmo as autoridades romanas ou os líderes judaicos, jamais afirmaram que o túmulo ainda continha o corpo de Jesus. Pelo contrário, eles foram forçados a inventar a história absurda de que os discípulos, apesar de não terem nem motivo nem oportunidade, tinham roubado o corpo — uma teoria em que nem os céticos mais críticos acreditam hoje em dia.

    JESUS FOI VISTO VIVO DEPOIS DE SUA MORTE NA CRUZ?
    As evidências das aparições de Jesus depois da ressurreição não se desenvolveram gradualmente com o passar dos anos, à medida que a mitologia distorcia as lembranças da sua vida. Antes, como disse o especialista em ressurreição Gary Habermas, a ressurreição de Jesus era "o centro da proclamação da igreja antiga desde o começo". O antigo credo de 1Coríntios 15 menciona indivíduos que se encontraram com o Cristo ressurreto, e Paulo chegou a desafiar os céticos do século I a conversar pessoalmente com eles e que verificassem por si mesmos a veracidade da história. O livro de Atos está cheio de afirmações muito antigas da ressurreição de Jesus, e os evangelhos descrevem numerosos encontros em detalhes. O teólogo britânico Michael Green concluiu: "As aparições de Jesus são mais bem autenticadas do que qualquer outro fato da Antigüidade [...]. Não pode haver dúvidas racionais de que elas ocorreram".

    EXISTEM FATOS SECUNDÁRIOS QUE APONTAM PARA A RESSURREIÇÃO?
    As provas circunstanciais de J. P. Moreland acrescentaram uma documentação final em favor da ressurreição de Jesus. Em primeiro lugar, os discípulos estavam na condição singular de saber se a ressurreição acontecera, e eles enfrentaram a morte proclamando que ela era verdadeira. Ninguém dá sua vida consciente e intencionalmente por uma mentira. Em segundo lugar, além da ressurreição de Jesus não há nenhuma boa razão por que céticos como Paulo e Tiago teriam se convertido e morrido por sua fé. Em terceiro lugar, poucas semanas depois da crucificação milhares de judeus começaram a abandonar costumes sociais que tinham crucial importância sociológica e religiosa havia séculos. Eles sabiam que incorreriam em condenação se estivessem enganados. Em quarto lugar, a prática da ceia do Senhor e do batismo desde o começo afirmava a ressurreição e divindade de Jesus. E, em quinto lugar, o surgimento milagroso da igreja em meio à perseguição brutal pelos romanos "faz um grande buraco na história, um buraco do tamanho e da forma da ressurreição de Jesus", como disse C. E D. Moule.

    DERROTADOS PELO DESAFIO DE MÜLLER
    Tenho de admitir: eu estava intimidado pela quantidade e qualidade das evidências de que Jesus é o Filho especial de Deus. Sentado diante de minha escrivaninha naquela tarde de domingo, balancei a cabeça, atônito. Eu já vira réus serem enviados à câmara-de-gás com provas muito menos convincentes! Os fatos e dados, somados, apontavam de modo inconfundível para a conclusão a que eu não queria chegar.
    Para ser franco, eu queria crer que a divinização de Jesus foi resultado de um desenvolvimento lendário em que pessoas bem-intencionadas, mas iludidas, transformaram um sábio homem no mitológico Filho de Deus. Isso parecia seguro e confortador: afinal de contas, um pregador apocalíptico itinerante do século i não poderia fazer exigências a mim. Mas por mais que eu aprofundasse minha investigação, pensando que essa explicação lendária era intuitivamente óbvia, acabei convencido de que ela era totalmente sem base.
    O que resolveu a questão para mim foi o famoso estudo de A. N. Sherwin-White, o grande historiador clássico da Universidade de Oxford, a quem William Lane Craig aludiu em nossa entrevista. Sherwin-White examinou de modo meticuloso, à proporção que apareciam lendas no mundo antigo. Sua conclusão foi: nem mesmo duas gerações completas seriam tempo suficiente para que uma lenda se desenvolvesse a ponto de apagar um cerne sólido de verdade histórica.
    Agora veja o caso de Jesus. Em termos históricos, as notícias do túmulo vazio, os relatos das testemunhas oculares das suas aparições depois da ressurreição e a convicção de que ele era realmente o Filho único de Deus surgiram praticamente de modo instantâneo.
    O credo de 1Coríntios 15, que afirma a morte de Jesus por nossos pecados e relaciona suas aparições após a ressurreição a testemunhas oculares citadas pelo nome, já era recitado pelos cristãos em menos de dois anos após a crucificação. O relato de Marcos do túmulo vazio foi tirado de material que procede de poucos anos após o evento.
    Os evangelhos, que atestam o ensino, os milagres e a ressurreição de Jesus, circularam ainda durante a vida de pessoas que conviveram com ele, que teriam o maior interesse em corrigir o relato se ele tivesse sido embelezado ou falsificado. Os hinos cristãos mais antigos afirmam a natureza divina de Jesus.
    Blomberg resumiu a questão nestes termos: "No prazo de dois anos após a sua morte, portanto, parece que um número significativo de seguidores de Jesus já tinham formulado uma doutrina da expiação, convencidos de que ele ressuscitara em forma corporal, já haviam associado Jesus com Deus e criam ter encontrado apoio para todas essas convicções no Antigo Testamento".
    William Lane Craig concluiu: "O período de tempo necessário para o surgimento de uma lenda convincente em relação aos eventos dos evangelhos nos colocaria no século n d.C, exatamente a época em que os evangelhos apócrifos lendários foram escritos. Estes são os relatos lendários procurados pelos críticos".
    Simplesmente não havia tempo suficiente em nenhum lugar para que a mitologia corrompesse totalmente o registro histórico de Jesus, especialmente em meio a testemunhas oculares que ainda tinham lembranças pessoais dele.

    Quando o teólogo alemão Julius Müller desafiou em 1844 qualquer pessoa a encontrar um único exemplo de desenvolvimento lendário com rapidez em qualquer período da história, a resposta dos estudiosos do seu tempo — e até hoje — foi um silêncio total.
    Em 8 de novembro de 1981 compreendi que minha maior objeção a Jesus também tinha sido solucionada pela história. Vi-me rindo de como tudo acabara dando um resultado contrário.
    À luz dos fatos convincentes que descobrira na minha investigação, à luz dessa avalanche de evidências em defesa de Cristo, a grande ironia era esta: eu precisaria de muito mais fé para manter meu ateísmo do que para confiar em Jesus de Nazaré!

    IMPLICAÇÕES DAS EVIDÊNCIAS
    Você se lembra da história de James Dixon, na introdução a este livro? As evidências indicavam fortemente sua culpa de atirar em um sargento da polícia de Chicago. Ele até admitiu tê-lo feito!
    No entanto, quando uma investigação mais profunda foi feita, de repente ocorreu uma mudança: o cenário que melhor combinou com os fatos foi o de que o sargento tinha incriminado Dixon, que era inocente. Dixon foi libertado, e o policial se viu condenado. Ao concluirmos nossa investigação do caso de Cristo, vale a pena rever as duas grandes lições desta história.

    1. A compilação das provas realmente foi completa?
    Sim, foi. Escolhi especialistas que podiam formular sua posição e defendê-la com evidências históricas que eu podia confirmar em outras fontes. Eu não estava simplesmente interessado nas opiniões deles; queria fatos.
    Desafiei-os com as teorias contemporâneas de ateus e professores liberais. Considerando seu contexto, suas credenciais, sua experiência e seu caráter, esses estudiosos estavam mais que qualificados para trazer informações históricas confiáveis sobre Jesus.

    2. Qual explicação atende melhor ao conjunto das provas?
    No dia 8 de novembro de 1981, minha tese da lenda, à qual eu me agarrara com força durante tantos anos, foi totalmente desmantelada. Além disso, meu ceticismo jornalístico diante do sobrenatural se dissolvera à luz das evidências históricas emocionantes de que a ressurreição de Jesus fora um evento real, histórico. De fato, minha mente não conseguiu recorrer a uma única explicação que atendesse às evidências históricas tão bem quanto a conclusão de que Jesus era quem afirmava ser: o único Filho de Deus.
    O ateísmo que eu adotara por tanto tempo vergou sob o peso da verdade histórica. Era um resultado surpreendente e radical, certamente não o que eu previra quando embarquei nesse processo investigativo. Mas era, na minha opinião, uma decisão forçada pelos fatos.
    Tudo isso me levou à pergunta: "E daí?". Se isto é verdade, que diferença faz? Havia várias implicações óbvias.

    • Se Jesus é o Filho de Deus, seus ensinos são mais que meras idéias corretas de um mestre sábio; são posições divinas sobre as quais posso com confiança edificar minha vida.
    • Se Jesus estabelece o padrão da moralidade, posso agora ter um fundamento inabalável para minhas escolhas e decisões, em vez de baseá-las na areia movediça dos interesses próprios e do egocentrismo.
    • Se Jesus ressuscitou, ele ainda está vivo hoje e disponível para que eu o encontre pessoalmente.
    • Se Jesus derrotou a morte, ele pode abrir a porta da vida eterna para mim também.
    • Se Jesus tem poder divino, ele tem a capacidade sobrenatural de me guiar, ajudar e transformar enquanto eu o sigo.
    • Se Jesus conhece pessoalmente a dor da perda e do sofrimento, ele pode me consolar e encorajar em meio à turbulência que ele avisou que seria inevitável em um mundo corrompido pelo pecado.
    • Se Jesus me ama como diz, ele tem meus melhores interesses em mente. Isso significa que nada tenho a perder e tudo a ganhar ao me confiar a ele e a seus propósitos.
    • Se Jesus é quem afirma ser (e lembre-se de que nenhum líder de qualquer outra religião importante jamais disse ser Deus), como meu Criador ele merece por direito minha lealdade, obediência e adoração.

    Lembro de ter escrito essas implicações em meu bloco de anotações e depois ter me reclinado na cadeira. Eu chegara ao ponto culminante de minha peregrinação de quase dois anos. Finalmente estava na hora de encarar a pergunta mais premente de todas: "E agora?".

    A FÓRMULA DA FÉ
    Depois de uma investigação pessoal que durou mais de 600 dias e horas incontáveis, meu próprio veredicto no caso de Cristo estava claro. Entretanto, sentado à minha escrivaninha, constatei que precisava de mais que uma decisão intelectual. Eu queria dar o passo experimental que J. P. Moreland descrevera na última entrevista.
    Procurando uma maneira de fazer isso, apanhei uma Bíblia e a abri em João 1.12, um versículo que eu encontrara durante a minha investigação: 'Aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus".
    Os verbos-chave nesse versículo exprimem com precisão matemática o que é preciso para ir além da mera concordância mental com a divindade de Jesus e entrar em um relacionamento permanente com ele, sendo adotado na família de Deus: crer + receber = tornar-se.

    1. Crer
    Sendo alguém formado em jornalismo e direito, eu fora ensinado a responder aos fatos, não importa em que direção eles levassem. Para mim, os fatos demonstravam de modo convincente que Jesus é o Filho de Deus, que morreu como meu substituto para pagar a pena que eu merecia pelos males que pratiquei.
    E havia muitos males. Vou poupar a mim mesmo o embaraço de entrar em detalhes, mas a verdade é que eu levava uma vida profana, ébria, egoísta, imoral. Em minha carreira, traíra colegas para obter vantagens para mim e violara regularmente padrões legais e éticos em busca de histórias. Na vida pessoal, estava sacrificando minha esposa e filhos no altar do sucesso. Eu era um mentiroso, trapaceiro, enganador.
    Meu coração encolhera até se transformar em uma pedra em relação a todo mundo. Minha motivação principal era o prazer pessoal — e, ironicamente, quanto mais eu o buscava, mais ilusório e destruidor ele se tornava.
    Quando li na Bíblia que esses pecados me separavam de Deus, que é santo e moralmente puro, compreendi que isso era verdade. Com certeza Deus, cuja existência eu negara durante anos, parecia estar muito distante, e ficou evidente para mim que eu precisava da cruz de Cristo para sobrepor tal abismo. O apóstolo Pedro disse: "Cristo sofreu pelos pecados de uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus" (1Pe 3.18).
    Em tudo isso eu acreditava agora. As evidências da história e minha experiência eram fortes demais para ser ignoradas.

    2. Receber
    Todos os outros sistemas de fé que estudei durante a minha investigação se baseavam no "fazer". Em outras palavras, era necessário que as pessoas fizessem alguma coisa. Por exemplo, orar com a ajuda de uma roda de oração tibetana, dar esmolas, peregrinar, reencarnar, compensar carmas de ações más do passado, melhorar o caráter — tentar, de algum modo, conquistar o caminho de volta para Deus. Apesar dos seus melhores esforços, as multidões de pessoas sinceras simplesmente não conseguem.
    O cristianismo é único. Ele se baseia no que "foi feito". Jesus fez por nós na cruz o que não podemos fazer por nós mesmos: ele pagou a pena de morte que nós merecemos por nossa rebelião e vida errada, para podermos ser reconciliados com Deus.
    Não precisei lutar e me esforçar para tentar fazer o impossível de me tornar digno. A Bíblia diz repetidamente que Jesus oferece perdão e vida eterna de graça, como um presente que não pode ser adquirido (veja Rra 6.23; Ef 2.8,9; Tt 3.5). Isso se chama graça — graça surpreendente, favor imerecido. Ela está disponível para todos os que a recebem em oração sincera de arrependimento. Mesmo alguém como eu.
    Sim, eu tinha de dar um passo de fé, como fazemos em cada decisão que tomamos na vida. Mas esta é a distinção crucial: eu não mais tentava nadar rio acima, contra a correnteza forte das evidências; pelo contrário, escolhi ir na mesma direção que a torrente de fatos me levava. Isso era razoável, racional e lógico. Além disso, de maneira interior e inexplicável, também era o que eu sentia que o Espírito de Deus me impulsionava a fazer.
    Assim, no dia 8 de novembro de 1981, conversei com Deus em oração sincera e não programada, admitindo meus erros e renegando-os, recebendo a dádiva do perdão e da vida eterna por meio de Jesus. Eu lhe disse que, com sua ajuda, queria segui-lo e andar em seus caminhos dali em diante.
    Não houve relâmpagos, nem respostas audíveis, nem sensações picantes. Sei que algumas pessoas sentem uma forte emoção em um momento como esse; para mim, porém, ocorreu outra coisa que me encheu de alegria da mesma forma: um profundo entendimento.

    3. Tornar-se
    Depois de ter dado tal passo, eu sabia por meio de João 1.12 que cruzara o limiar para uma nova experiência. Eu me tornara algo diferente: um filho de Deus, adotado para sempre em sua família por meio do Jesus histórico e ressurreto. O apóstolo Paulo disse: "Se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!" (2Co5.17).
    Realmente, com o tempo, enquanto eu me dedicava a seguir os ensinos de Jesus e a me abrir ao seu poder transformador, minhas prioridades, meus valores e meu caráter foram (e continuam a ser) gradualmente transformados. Cada vez mais quero que a motivação e a perspectiva de Jesus sejam também a minha. Parafraseando Martin Luther King Jr., posso ainda não ser o homem que deveria ser ou o homem que, com a ajuda de Cristo, um dia serei — mas, graças a Deus, não sou mais o homem que eu era!
    Eu não sei, mas isso pode soar místico para você. Há não muito tempo teria soado para mim. Contudo, é muito real para mim agora, assim como para os que estão ao meu redor. De fato, a diferença em minha vida foi tão radical que, alguns meses depois de eu me tornar um seguidor de Jesus, nossa filha Alison, de cinco anos de idade, voltou-se para a minha esposa e disse: "Mamãe, eu quero que Deus faça por mim o que fez pelo papai".
    Aí estava uma menininha que só conhecera um pai mundano, irado, verbalmente grosseiro e muito ausente. E, apesar de nunca ter entrevistado um catedrático, nunca ter estudado as informações, nem investigado as evidências históricas, ela vira de perto a influência que Jesus pode ter sobre a vida de uma pessoa. Na verdade, ela estava dizendo: "Se é isto o que Deus faz com uma pessoa, é isso que eu quero para mim".
    Remetendo-me a duas décadas atrás, posso ver com clareza que o dia em que me decidi sobre a questão de Cristo foi nada menos que o dia que mudou toda a minha vida.

    CHEGANDO AO SEU VEREDICTO
    Agora você. No começo, eu o incentivei a ver as evidências neste livro o mais próximo possível de um jurado justo e imparcial, tirando suas conclusões com base no peso das evidências. No fim o veredicto é seu e apenas seu. Ninguém pode votar por você.
    Talvez depois de ler a entrevista com um especialista após outro, ouvindo argumento após argumento, vendo as respostas a pergunta após pergunta e testando as evidências com sua lógica e bom senso, você tenha descoberto, como eu, que o argumento em favor de Cristo é conclusivo.
    A parte de João 1.12, que fala sobre crer, está firme no lugar; tudo o que falta é receber a graça de Jesus, para então tornar-se seu filho, lançando-se em uma aventura espiritual que pode florescer para o resto da sua vida e até a eternidade. Para você, a hora do passo experimental chegou, e não há mais como encorajá-lo além do que já fiz para dar esse passo com entusiasmo.
    Contudo, talvez algumas questões ainda estejam em aberto para você. Talvez eu não tenha tratado da objeção que é a mais importante em sua mente. Está certo. Nenhum livro pode tratar de todas as nuanças. Contudo, tenho certeza de que o montante de informações compiladas nestas páginas pelo menos terá convencido você de que é razoável — na verdade, é imperativo — que você continue sua investigação.
    Marque onde você acha que as evidências precisam ser mais investigadas e procure respostas adicionais de especialistas de renome. Se você crê que encontrou um cenário que explica melhor os fatos, disponha-se a sujeitá-lo ao escrutínio crítico. Use os recursos sugeridos neste livro para cavar mais fundo. Estude a Bíblia por si mesmo. (Sugestão: use a Bíblia de estudo Vida, destinada a pessoas que ainda não crêem que ela é a palavra de Deus.)
    Decida chegar a um veredicto quando tiver reunido uma quantidade suficiente de informações, sabendo que nunca terá a solução para todas as questões menores. Talvez até você queira ensaiar uma oração ao Deus que você não tem certeza de que existe, pedindo-lhe que o guie à verdade sobre ele. E, em tudo isso, você tem meu incentivo sincero enquanto avança em sua busca espiritual.
    Ao mesmo tempo, sinto uma forte obrigação de insistir em que você faça dessa questão um ponto primordial em sua vida. Não a encare de modo superficial ou leviano, porque muita coisa depende da sua conclusão. Como Michael Murphy disse, com muita propriedade, "nós mesmos — e não simplesmente as declarações da verdade — dependemos da investigação". Em outras palavras, se a conclusão de meus argumentos em favor de Cristo está correta, seu futuro eterno depende de como você responde a Cristo. Jesus disse: "Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus pecados" (Jo 8.24).
    Essas são palavras sérias, ditas com preocupação autêntica e amorosa. Eu as cito para sublinhar a magnitude da questão e na esperança de que elas o incentivarão a examinar ativa e profundamente a questão de Cristo.

    No fundo, todavia, lembre-se de que algumas alternativas simplesmente não são viáveis. As evidências somadas já as excluíram.
    Veja o que observou C. S. Lewis, o brilhante e antes cético professor da Universidade de Cambridge que acabou sendo conquistado para Jesus pelas evidências:

    Estou tentando evitar que se diga a coisa mais tola que muita gente diz por aí, a respeito de Cristo: "Estou pronto para aceitar que Jesus foi um grande mestre da moral, mas não aceito a sua prerrogativa de ser Deus". Eis aí precisamente o que não podemos dizer. Um homem que fosse só homem, e dissesse as coisas que Jesus disse, não seria um grande mestre da moral: seria ou um lunático, em pé de igualdade com quem diz ser um ovo cozido, ou então seria o Demônio. Cada um de nós tem de optar por uma das alternativas possíveis. Ou este homem era, e é, Filho de Deus, ou então foi um louco, ou algo pior. Podemos contra-argumentá-lo, talhando-o de louco, ou cuspir nele e matá-lo como um demônio; ou podemos cair a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas não venhamos com nenhuma bobagem paternalista sobre ser ele um grande ser humano. Ele não nos deu esta escolha. Nem nunca pretendeu.