sexta-feira, 22 de julho de 2011

Primeiro Retrato de Jesus Achado em Uma Caverna

A imagem é estranhamente familiar: um homem barbado jovem com cabelos encaracolados. Após ficar por quase 2000 anos escondidos em uma caverna na Terra Santa, os pequenos detalhes são difíceis de determinar. Mas dependendo da luz, não é difícil de interpretar as marcas ao redor da testa da figura como uma coroa de espinhos.

A figura extraordinária de um tesouro recém-descoberto de até 70 livretos de chumbo - brochuras - encontrado em uma caverna nas colinas sobranceiras ao mar da Galiléia é um dos motivos pelos quais historiadores bíblicos estão clamando para poderem avaliar os antigos artefatos.

Se verdadeiro, este poderia ser o mais antigo retrato de Jesus Cristo, possivelmente até mesmo feito durante a vida de quem o conhecia.

A pequena brochura, um pouco menor que um cartão de crédito moderno, é selada em todos os lados e tem uma representação tridimensional de uma cabeça humana, tanto na frente quanto nas costas. Uma parece ter uma barba e a outra não. Até mesmo a impressão digital do fabricante pode ser vista na impressão de chumbo. Abaixo das figuras há uma linha de texto em hebraico antigo, ainda não decifrada.

Surpreendentemente, um dos folhetos parece ostentar a menção "Salvador de Israel" - uma das poucas frases até agora traduzidas.

O dono do achado é o caminhoneiro beduíno Hassan Saida, que vive na aldeia árabe de Umm Al-Ghanim, Shibli. Ele se recusou a vender os artefatos, mas duas amostras foram enviadas para a Inglaterra e Suíça para exames.

Uma investigação do Mail on Sunday revelou que os artefatos foram originalmente encontrados em uma caverna na aldeia de Saham na Jordânia, perto de onde Israel, a Jordânia e os Morros Sirios de Golã convergem - e a aproximadamente 5 quilometros do balneário israelense e fontes termais de Hamat Gader, um santuario religioso por milhares de anos.

De acordo com fontes em Saham, eles foram descobertos cinco anos atrás, depois de uma enchente lavar a região e afastar o solo empoeirado da montanha para revelar o que parecia uma pedra de grandes dimensões. Quando a pedra foi movida, uma gruta foi descoberta com um grande número de pequenos nichos nas paredes do conjunto. Cada um desses nichos continha um livreto. Havia também outros objetos, incluindo algumas placas de metal e chumbo enrolados.

A zona é conhecida como antigo refúgio dos judeus fugindo das sangrentas revoltas contra o Império Romano no primeiro e início do segundo séculos dC.

A gruta esta a menos de 100 quilômetros de Qumran, onde os Manuscritos do Mar Morto foram descobertos, e cerca de 60 quilômetros de Masada, cena da última parada e suicídio em massa de uma seita Zealote extremista frente ao cerco do exército romano em 72AD - dois anos após a destruição do Segundo Templo em Jerusalém.

É também perto de cavernas que foram usadas como refúgios de refugiados da revolta de Bar Kokhba, a terceira e última revolta judaica contra o Império Romano em 132AD.

A época é de crucial importância para os estudiosos da Bíblia, pois abrange as perturbações políticas, sociais e religiosos que levaram à separação entre judaísmo e cristianismo.

Ela terminou com o triunfo do cristianismo sobre os seus rivais como a nova religião dominante primeiro para os judeus dissidentes e depois para os gentios.

Neste contexto, é importante que, enquanto os Manuscritos do Mar Morto são pedaços de pergaminho ou papiro enrolados contendo as primeiras versões conhecidas dos livros da Bíblia hebraica e outros textos - o formato tradicional judaico para trabalho escrito - estas descobertas em chumbo estão em formato de livro, ou códice, que há muito tem sido associado com a ascensão do cristianismo.

Os códices visto pelo Mail on Sunday variam em tamanho. De itens menores que 7,5cm x 6cm até cerca de 25cm x 20cm. Cada um deles contêm uma média de oito ou nove páginas e parecem ser de molde, ao invés de inscritos, com imagens de ambos os lados e presos com aneis de chumbo. Muitos deles estavam severamente corroídos quando foram descobertos, embora tenha sido possível abri-los com cuidado.

O códice mostrando o que pode ser o rosto de Cristo parece não ter sido aberto ainda. Alguns códices mostram sinais de terem sido enterrados - embora isso possa ser simplesmente resultado de terem ficado em uma caverna por centenas de anos.

Ao contrário dos Manuscritos do Mar Morto, os códices de chumbo parecem consistir de imagens estilizadas, em vez de texto, com uma quantidade relativamente pequena de escrita, que parece estar em um idioma fenício, embora o dialeto exato ainda não tenha sido identificado. Na época em estes códices foram criados, a Terra Santa era povoada por diferentes seitas, incluindo essênios, samaritanos, fariseus, saduceus, dositeanos e nazarenos.

Não havia escrita comum e mistura considerável de linguagem e sistemas de escrita entre os grupos. O que significa que poderá levar anos de de estudos detalhados para interpretar corretamente os códices.

Muitos dos livros são selados em todos os lados com anéis de metal, sugerindo que eles não se destinavam a serem abertos. Isto poderia ser porque eles continham palavras sagradas que nunca deveriam ser lidas. Por exemplo, os primeiros judeus ferozmente protegiam o nome sagrado de Deus, que só era proferido pelo sumo sacerdote no templo em Jerusalém no Yom Kippur.

A pronúncia original se perdeu, mas tem sido transcritas em letras romanas como YHWH - conhecido como o Tetragrama - e é geralmente traduzida como Javé ou Jeová. Um livro selado contendo informações sagrado foi mencionado no livro bíblico de Revelações.

Uma placa foi interpretada como um mapa esquemático da Jerusalém Cristã apresentando cruzes romanas fora dos muros da cidade. Na parte superior pode ser visto de uma forma de escada. Isto é tido como sendo uma balaustrada mencionada em uma descrição bíblica do Templo em Jerusalém. Abaixo dele estão três grupos de alvenaria, para representar os muros da cidade.

Uma palmeira em frutificação sugere a casa de Davi, e há três ou quatro formas que parecem ser linhas horizontais intersectadas por linhas verticais curtas por baixo. Essas são as cruzes em forma de T que se acredita tenham sido usadas em tempos bíblicos (a forma de crucifixo familiar hoje é dita datar do século 4). A estrela de formas em uma longa linha representam a casa de Jessé - e então o padrão se repete.

Esta interpretação dos livros como artefatos proto-cristãos é apoiada por Margaret Barker, ex-presidente da Sociedade de Estudos do Antigo Testamento e uma das maiores especialistas da Grã-Bretanha no início do Cristianismo. O fato de uma figura ser retratada parece descartar o fato destes livretos estarem ligados ao judaísmo da época, onde o retrato de figuras reais era estritamente proibido, porque era considerada idolatria.

Se genuinos, parece claro que estes livretos foram, na verdade, criados por uma seita messiânica judaica primitiva, talvez intimamente ligada à igreja cristã primitiva e que estas imagens representem o próprio Cristo. Contudo uma outra teoria, defendida por Robert Feather - uma autoridade nos Manuscritos do Mar Morto e autor de O Mistério do Pergaminho de Cobre de Qumran - é que estes livros estão ligados a Revolta Bar Kochba Revolta dos anos 132-136 AD, a terceira maior rebelião dos judeus da Provincia de Judéia e a última das Guerras judaico-romanas.

A revolta estabeleceu um estado independente de Israel em partes da Judéia durante dois anos, antes do exército romano, finalmente, esmaga-la, com o resultado que todos os judeus, incluindo os primeiros cristãos, foram impedidos entrar em Jerusalém.

Os seguidores de Simon Bar Kochba, o comandante da revolta, o aclamaram como Messias, uma figura heróica que poderia restaurar Israel. Embora os judeus cristãos saudassem Jesus como o Messias e não apoiassem Bar Kochba, eles foram também impedidos de entrar em Jerusalém, juntamente com o restante dos judeus. A guerra e suas conseqüências ajudaram a diferenciar o cristianismo como uma religião distinta do judaísmo.

O líder espiritual da revolta foi o Rabino Shimon Bar Yochai, que lançou as bases para uma forma mística de judaísmo hoje conhecida como a Cabala, que é seguido por Madonna, Britney Spears e outros. Yochai se escondeu em uma caverna por 13 anos e escreveu um comentário secreto sobre a Bíblia, o Zohar, que evoluiu para os ensinamentos da Cabala. Feather está convencido de que parte dos texto nos livretos levam o nome do Rabino Bar Yochai.

Feaher diz que todos os códices conhecidos antes de cerca de 400 AD eram feitos de pergaminho e que o uso de chumbo impresso é desconhecido. Eles estavam claramente destinadas a existir para sempre e para nunca serem abertos. O uso do metal como material de escrita naquela época está bem documentado- no entanto, o texto sempre foi inscrito, não impresso.

Os livros estão atualmente na posse de Hassan Saida, em Umm al-Ghanim, Shibli, que fica no sopé do Monte Tabor, 18 milhas ao oeste do Mar da Galiléia.

Saida possui e opera uma empresa de transportes que consiste de pelo menos nove grandes caminhões de carroceria aberta. Ele é considerado na sua aldeia como um homem rico. Seu avô chegou lá a mais de 50 anos e sua mãe e quatro irmãos ainda moram lá.

Saida, que tem por volta de 30 anos, casado e com cinco ou seis filhos, afirma que herdou os livretos de seu avô.

No entanto, The Mail on Sunday tem conhecimento de reclamações que primeiro vieram à luz cinco anos atrás, quando seu parceiro de negócios beduíno encontrou um morador na Jordânia, que disse que tinha alguns artefactos antigos para vender.

O parceiro de negócios foi, aparentemente, apresentado a dois livros de metal muito pequenos. Ele os teria trazido pela fronteira com Israel e Saida ficara encantado por eles, chegando a acreditar que tinham propriedades mágicas e que era seu destino coletar tantos quanto pudesse.

A zona árida e montanhosa onde eles foram encontrados é tanto militarmente sensível quanto agronomicamente pobres. A população local tem por gerações complementado o seu rendimento pelo entesouramento e venda de artefactos arqueológicos encontrados em cavernas.

Mais cartilhas foram clandestinamente contrabandeadas através da fronteira por motoristas que trabalham para Saida - os menores normalmente usadas abertamente como amuletos pendurados em correntes no pescoço dos motoristas, os maiores ocultos por trás de painéis de carros e caminhões.

Para financiar a compra dos livretos dos jordanianos, que inicialmente os tinham descoberto, Saida alegadamente fez uma parceria com uma série de outras pessoas - incluindo o seu advogado de Haifa, Israel.

Os motivos de Saida são complexos. Ele constantemente estuda os folhetos, mas não toma cuidados especiais com eles, abrindo alguns e os revestindo no azeite de oliva, a fim de os "preservar".

Os artefatos foram vistos por colecionadores de antiguidades multi-milionário em Israel e na Europa - e Saida teve ofertas de dezenas de milhões de libras por apenas alguns deles, mas se recusou a vender.

Quando ele obteve os livretos, não tinha idéia do que fossem, ou mesmo se eles eram genuínos.

Entrou em contato com a Sotheby's em Londres, em 2007, em uma tentativa de contratar uma peritagem, mas a famosa casa de leilões se negou a lidar com eles, porque sua origem não era conhecido.

Logo depois, o autor e jornalista britânico Nick Fielding foi abordado por uma mulher palestina que estava preocupada que os livretos fossem vendidos no mercado negro. Fielding foi convidado a abordar o British Museum, o Museu Fitzwilliam, em Cambridge e outros lugares.

Fielding viajou para Israel e obteve uma carta da Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA) dizendo que não tinha nenhuma objeção a que os objetos fossem levados ao exterior para análise. Parece que o IAA acreditava que os livretos eram falsos, baseando-se em que nada como aquilo havia sido descoberto antes.

Nenhum dos museus queria envolver-se, novamente por causa de preocupações com a proveniência. Fielding foi então convidado a abordar especialistas para descobrir o que eram e se eram verdadeiros. David Feather, que é também um metalúrgico bem como um especialista em Manuscritos do Mar Morto, recomendou a apresentação das amostras para análise de metais na Universidade de Oxford.

O trabalho foi realizado pelo Dr. Peter Northover, chefe da ciência de materiais-base do Grupo de Arqueologia e um perito mundial na análise de materiais metálicos antigos.

As amostras foram então enviados para o Laboratório Nacional de Materiais de Dubendorf, na Suíça. Os resultados mostraram que eles eram consistentes com a antiga produção de chumbo do período romano e que o metal era fundido a partir de minérios que se originaram no Mediterrâneo. Dr Northover disse também que a corrosão nos livros era improvável de ser moderna.

Enquanto isso, a política em torno da origem dos livros está se intensificando. A maioria dos estudiosos profissionais são cautelosos na pendência de mais investigações e apontam para o julgamento de falsificação em curso em Israel sobre o ossuário de pedra calcária antiga que supostamente teria abrigado os ossos de Tiago, irmão de Jesus.

A Autoridade arqueológica Israelense tentou acalmar problemas de proveniência, lançando dúvidas sobre a autenticidade dos códices, mas Jordan diz que vai 'exercer todos os esforços em todos os níveis' para que as relíquias sejam repatriadas.

O debate sobre se esses livretos são verdadeiras e, nesse caso, se representam os primeiros artefatos conhecidos da igreja cristã primitiva e os primeiros indícios da Cabala mística, sem dúvida ira seguir e crescer pelos próximos anos.

O diretor do Departamento de Antiguidades da Jordânia, Ziad al-Saad, tem poucas dúvidas. Ele acredita que eles podem de fato ter sido feitos pelos seguidores de Jesus, poucas décadas imediatamente após a sua crucificação.

"Eles realmente se igualam, e talvez sejam ainda mais significativos do que os Manuscritos do Mar Morto", diz ele. "A informação inicial é muito encorajadora, e parece que estamos olhando para uma descoberta muito importante e significativa. - Talvez a descoberta mais importante na história da arqueologia

"Se ele estiver certo, então nós realmente podemos estar olhando para o rosto de Jesus Cristo.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Da Humilhação ao Triunfo da Cruz

Seus primeiros líderes forma perseguidos e executados.Quatrocentos anos depois, transformou-se na religião oficial do mais poderoso império do mundo.Mais 200 anos e converteu os bárbaros e a Europa toda e tornou-se a mais poderosa empresa sobre a terra.

O cristianismo absolveu tiranos e motivou revolucionários. Justificou genocídios e inspirou heróis da justiça e da paz. E sempre sempre esteve do lado vencedor.

Uma das histórias mais conhecidas no mundo é a dos últimos dias de Jesus, um carpinteiro nascido na Galiléia, que se autoproclamava o messias, ou seja, o escolhido – ou ainda, em grego, o cristo. Como Confúcio, Sócrates ou Buda, Jesus não deixou documentos escritos. Sua passagem pelo planeta tampouco deixou vestígios para a arqueologia. Ele nada construiu. Não assinou seu nome em lugar algum. Seu corpo não foi mumificado. Cronistas da época não registraram sua história, nem nas atas oficiais do Estado romano, nem nas obras de história judaica. Flávio Josefo, cuja extensa obra Antiguidades Judaicas apareceu por volta do ano 90, mencionou-o apenas numa nota ocasional, a propósito do processo e do apedrejamento de “Tiago, irmão de Jesus, o assim chamado Cristo”. O Talmude babilônico fala de Jesus como um mago, um agitador que zombou das palavras dos sábios, teve cinco discípulos e foi enforcado na véspera da Páscoa. A maior parte do que sabemos sobre ele nos foi contada pela Bíblia, um livro de tradições religiosas, escrito a partir das narrativas de gente que o conheceu, ou conheceu quem o conheceu, ou que apenas ouviu falar dele.

Mas, se a vida de Jesus foi curta, misteriosa e triste, a história daqueles que o escolheram como líder e que acreditaram naquilo que ele dizia é longa e, apesar das intempéries, vitoriosa. Senão, vejamos: o grupo que andava com Jesus foi perseguido. Eram tão poucos, pobres, incultos e malvistos entre a população de Jerusalém que viviam escondidos. Apenas 380 anos depois, o imperador romano (antes ele mesmo um semideus) se tornaria cristão e, passados mais meros 500 anos, nenhum soberano europeu seria digno de sua coroa se ela não fosse abençoada pela cruz. Em mil anos, o cristianismo seria a instituição mais poderosa do planeta e, na virada do ano 2000, cerca de 2 bilhões de pessoas, um terço da população mundial, professavam a religião. Se descontarmos a fé e alguma interferência sobre-humana (e, se não o fizermos, teremos que continuar esta reportagem em alguma publicação cristã), como explicar tamanho sucesso? Mas vamos por partes. No começo desta história, é preciso responder como o cristianismo sobreviveu.

Ressureição

Jesus nasceu em Nazaré, mas o cristianismo nasceu mesmo em Jerusalém. Na época, uma cidade com cerca de 100 mil habitantes, na periferia do vasto Império Romano, que ia da atual Inglaterra ao Iraque. A região, ocupada desde 63 a.C., pouco contribuía para o império e a vida era plantar, pastorear umas cabrinhas e pagar impostos para o templo, que os dividia com os representantes de Roma. Havia um rei que não mandava nada e uma pobreza endêmica. Em Jerusalém ficava o templo, cujos muros sagrados, segundo a tradição judaica, teriam sido erigidos sobre os escombros do original construído pelo próprio Salomão para abrigar as tábuas dadas a Moisés por Deus. Ou seja, era coisa importante. A vida dos judeus se organizava em torno do templo: ali se fazia comércio, encontravam-se os amigos, fazia-se política e, é claro, conspirava-se contra Roma.

Foi nesse cenário que um grupo formado por pescadores, trabalhadores braçais e pequenos comerciantes apareceu falando de um homem que morrera crucificado e que, por incrível que pudesse parecer, ressuscitara. A notícia de que o messias estivera por ali já circulava entre o povo da cidade. Alguns haviam ouvido falar de Jesus, que fazia curas e andava pelo deserto. Uns talvez até conhecessem João Batista – outro pregador que fizera algum sucesso tempo antes –, mas ninguém nunca ouvira dizer que ele revivera dos mortos. “O mito do Cristo que morre e ressuscita exerceu um fascínio incomum entre as pessoas e acabou desencadeando um vertiginoso crescimento da seita cristã”, afirma Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor de ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo. “Na época, havia um grande sincretismo religioso no Império Romano e, ao contrário do que se acredita, um intercâmbio do judaísmo com diferentes religiões mediterrâneas. Isso abriu espaço para doutrinas divergentes da tradição judaica, fato que preparou o caminho para a disseminação do cristianismo.”

Por volta do ano 40, o grupo já pregava nas sinagogas e dizia ser Jesus o cristo que todo mundo esperava. A mensagem sobreviveu em Jerusalém entre os judeus e não há indícios sobre atos de perseguição aos cristãos por parte dos romanos ou das autoridades judaicas. Quem não sobreviveu foi a própria Jerusalém, que entre 66 e 70 foi destruída pelos romanos – com templo sagrado e tudo – após uma revolta contra o pagamento de impostos. No entanto, para sorte do cristianismo, quando isso aconteceu a maioria dos cristãos não estava mais lá. A religião se propagara e chegara à Europa. Nesse processo, um homem teve especial importância. Nascido em Tarso, na Ásia Menor (na atual Turquia), um centro de cultura helenística, e cidadão romano, Saulo era judeu e aos15 anos mudou-se para Jerusalém para estudar numa conceituada escola da cidade. Sobre ele, o que se sabe está na Bíblia. Saulo, que passaria para a história como Paulo, não chegou a conhecer Jesus, mas em Jerusalém ouviu falar de seus seguidores. No início, não gostou nadinha deles, mas depois acabou se convertendo. A partir daí, passou a ser o principal propagador da nova fé. Entre 46 e 60, viajou por todo o mundo mediterrâneo falando de Jesus. “A influência de Paulo é indiscutível”, diz o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Se não fosse ele, o cristianismo provavelmente não teria passado de mais uma seita judaica.” Mas como ele fez isso? “Paulo era um teólogo prático, que cortou o cordão umbilical entre a nova fé cristã e o judaísmo, tornando-a mais aceitável para romanos, gregos e outros povos mediterrâneos”, afirma o pastor Martin Dreher, professor de história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, em seu livro A Igreja no Império Romano. As viagens de Paulo e sua mensagem, expressa em cartas enviadas às comunidades que fundou, foram essenciais para a doutrina cristã adquirir o caráter universal que tem hoje. Nelas, defendeu a obediência dos cristãos ao império, o pagamento de impostos, fez apologia da escravidão, legitimou a submissão feminina. Além disso, pregou contra a obrigatoriedade da circuncisão. O que foi um alívio para os homens.

Ao final do primeiro século, o cristianismo tinha adquirido alma própria. Cidades como Antioquia, capital da província romana da Síria (onde pela primeira vez, por volta do ano 45, o termo “cristão” foi usado para identificar os seguidores de Jesus), Éfeso, na Ásia Menor, Corinto, na Grécia, e Alexandria, no norte da África, já tinham comunidades bem estruturadas, que congregavam cerca de 8 mil seguidores. Não parece muito, não é verdade? Mas os cristãos haviam sobrevivido e, o mais importante para a nossa história, chegado ao centro do mundo: Roma.

Até o início do século 4, os cristãos tiveram que sobreviver nas sombras. No início, passaram quase despercebidos: reuniam-se sem alarde e conquistavam cada vez mais adeptos. “A maioria das religiões daquela época era ligada à etnia, à nacionalidade. O cristianismo, ao contrário, não tinha pátria e estava desatrelado de um rei, ou de um país. O reino de Jesus, diziam, estava em qualquer lugar e isso o ajudou a ser aceito em Roma, onde viviam muitos estrangeiros”, diz o teólogo e professor Ralph Norman, da Universidade de Canterbury, no Reino Unido. Mas o que ajudava a crescer também atraía a desconfiança. Historiadores romanos do século 2, como Tácito e Suetônio, registraram a perseguição aos cristãos, em Roma, tanto no período de Cláudio, imperador entre 41 e 54, quanto no de seu sucessor, Nero, que governou até 68. A perseguição gerou mártires entre os cristãos e seus túmulos passaram a servir de local de reuniões religiosas. “A adoração aos mártires, ou ‘homens santos’, é um sinal de como o cristianismo assimilou aspectos do culto greco-romano aos antepassados. Um sincretismo impensável na tradição judaica”, afirma Norman. Em 303, o imperador Dioclesiano decretou que todo cristão deveria ser preso e obrigado a cultuar o imperador.

Mas quem estava com os dias contados não era o cristianismo. Era o império. Crise, inflação, revoltas populares e derrotas militares: o mundo romano não era mais aquele. “O cristianismo não foi uma das causas da queda do império, mas se beneficiou de seu declínio”, diz André. Os cristãos formavam comunidades organizadas, que se reuniam em torno das igrejas e respeitavam uma estrutura hierárquica formal, composta por supervisores (em grego, episcopos, ou bispos), diáconos e presbíteros. Além disso, o cristianismo já havia se adaptado melhor às tradições romanas e vice-versa.

Em 313, o novo governante, Constantino I, percebeu que, ao invés de combater a cristandade, poderia trazê-la para seu lado e usá-la como base de sustentação de seu império. “Constantino foi um visionário. Fez uma opção política pelo cristianismo, numa época em que apenas 10% da população que governava pertencia a essa fé”, diz Martin Dreher. Com o seu gesto, o imperador pôs fim às perseguições e deu à Igreja um poder inédito. Ao mesmo tempo, preparou o caminho para que a fé cristã se tornasse a religião oficial do Império Romano – o que viria a ocorrer em 380, com o batismo do imperador Teodósio – e chegasse aos limites do império, como as ilhas britânicas e o Egito, por exemplo.

Europa de joelhos

No início do século 5, o cristianismo encontrava-se fortalecido em Constantinopa (atual Istambul, na Turquia), a nova capital do Império Romano, mas no Ocidente a coisa andava feia. O império pouco podia fazer contra a invasão dos bárbaros, povos belicosos de origem germânica, e em 452, quando Átila, chefe dos hunos, chegou às portas de Roma, não havia outra autoridade no local senão o papa Leão Magno. Só lhe restou pedir clemência. E quando, em 476, a cidade foi finalmente conquistada por Odoacro, rei dos hérulos, a Igreja já era tão influente que perdeu a riqueza, mas manteve intacta sua estrutura eclesiástica. Mais uma vez, o cristianismo soube se adaptar aos novos tempos. Os bárbaros acreditavam em forças da natureza, seus deuses vinham das florestas e seus ritos eram repletos de magia. Havia ainda deidades femininas e objetos sagrados, como o cálice, por exemplo, que tinha o poder de dar a vida e era usado em cerimônias festivas. “Nessa época surgem diversas novidades na liturgia cristã, algumas sob clara influência dos cultos pagãos”, diz Norman. “As imagens e relíquias de santos, por exemplo, passam a ser aceitas e a elas são atribuídos poderes mágicos. A própria Maria, mãe de Jesus, quase esquecida no mundo cristão-romano, ganha um novo papel. Muito mais místico: o de ‘mãe de Deus’.”

A queda de Roma desencadeou lutas ferozes entre os vários povos pelo domínio do espólio imperial: visigodos, vândalos, francos, hérulos, anglos e saxões, entre outros, queriam sua parte e a única instituição unificada e com algum nível de organização era a Igreja cristã. E os reis bárbaros sacaram isso. Alguns, por isso mesmo, perseguiram e mataram padres, papas e bispos. Outros preferiram se unir à Igreja. Em 508, Clóvis, rei dos francos, foi batizado. “Foi um momento importante, que fez com que a Igreja passasse a contar com a proteção do Estado e a Gália (atual França) tornou-se um centro de irradiação do cristianismo”, afirma o padre José Oscar Beozzo, diretor do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, em São Paulo. Em 587, foi a vez do rei visigodo Recaredo, que dominava a região da atual Espanha. Dois anos depois, Etelberto e Berta, o casal real da Grã-Bretanha, levaram os anglo-saxões para o rebanho cristão.

O contrato entre os reis e a Igreja duraria por séculos e estaria na raiz da legitimação divina do poder monárquico. O cristianismo estaria comprometido, a partir de então, com a formação dos países e dos sentimentos nacionais na Europa. Ora, quem são os franceses senão os bárbaros francos que se tornaram cristãos? O feudalismo separaria os povos em glebas e castelos, mas a religião os uniria numa nacionalidade única. Além disso, uma vez cristãos, os reis passaram a impor sua fé adiante. O maior expoente nesse quesito foi o rei franco Carlos Magno. Com a espada em uma mão e a cruz na outra, ele derrotou saxões, ávaros e lombardos e expandiu os domínios da cristandade. No Natal do ano 800, Carlos foi coroado pelo papa Leão III como o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. “Os cristãos do Oriente nunca aceitaram a consagração de Carlos Magno. Se, por um lado, esse episódio fortaleceu o cristianismo no Ocidente, por outro lançou a semente política do cisma que se concretizaria dois séculos depois”, afirma o teólogo José Oscar.

Segundo milênio

No alvorecer do ano 1000, o cristianismo passou por profundas transformações. A primeira ocorreu em 1054 com a ruptura entre Oriente e Ocidente. A Igreja de Constantinopla andava descontente com o papado de Roma e divergia quanto a costumes eclesiásticos e condutas litúrgicas ocidentais, como a obrigatoriedade de rezar missas em latim – os orientais defendiam que a liturgia fosse proferida na língua local –, a adoração de imagens e a obrigatoriedade de celibato – no Oriente, clérigos abaixo da posição de bispo podiam casar. A divergência chegou a tal ponto que o patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, foi excomungado pelo papa Leão IX. Como resultado, rompeu com Roma e criou a Igreja Ortodoxa. “Foi a primeira grande divisão no cristianismo e acabou com a unidade da Igreja”, afirma o pesquisador americano Earle Cairns, no livro O Cristianismo Através dos Séculos. Segundo ele, o período que se seguiu ao cisma até o início do século 14 pode ser considerado como o de maior influência do papado sobre o poder temporal.

Uma das conseqüências diretas desse extremo poder exercido pela Igreja nessa época, foram as Cruzadas. A primeira teve início em 1096 e durou três anos. Atendendo ao apelo do papa Urbano II, cerca de 25 mil peregrinos cruzaram a Europa com o objetivo de conquistar Jerusalém, que se tornara uma cidade muçulmana no século 7 e que, na época, estava sob o controle dos turcos selêucidas. Depois de uma dura batalha, os cruzados tomaram a cidade e protagonizaram uma carnificina, massacrando milhares de judeus e muçulmanos. “Se você estivesse ali, seus pés ficariam mergulhados até os tornozelos no sangue dos mortos”, declarou o cronista Fulcher de Chartres, que participou da expedição. Até o século 13, outras sete cruzadas seriam realizadas, sendo que, ao final delas, o objetivo das expedições, a libertação do Santo Sepulcro, local onde o corpo de Jesus supostamente havia sido guardado, não havia sido atingido. As Cruzadas, no entanto, assentaram o poder do papado sobre a cristandade e tiveram forte influência política, social e econômica no mundo ocidental.

Outro desdobramento do poder totalitário da Igreja foi a criação da Santa Inquisição, um tribunal de padres nomeados diretamente pelo papa, que tinha o poder de acusar, julgar e executar quem bem quisesse. Em países como a Espanha e a França, os inimigos da Igreja (e nessa designação cabiam de príncipes acusados de sodomia a cientistas julgados por bruxaria) passaram por maus bocados. Em 1252, o papa Inocêncio IV autorizou o uso da tortura e da fogueira para arrancar confissões. “Era um negócio sujo, mas quase todos após [Santo] Agostinho concordavam que salvar o corpo pela amputação de um membro era uma atitude sábia. Obviamente, a Igreja romana era o corpo e os hereges, o membro doente”, escreveu o historiador canadense Bruce Shelley em História do Cristianismo. No auge da perseguição, entre 1570 e 1630, estima-se que mais de 50 mil pessoas foram condenadas à morte em todo continente.

Reforma contra reforma

Na metade do segundo milênio, a sociedade européia encontrava-se em ebulição. Na Europa, o sistema feudal dava mostras de estar superado e os estados nacionais tinham surgido como unidades políticas autônomas. “A religião que fora a base da sociedade até então não dava mais conta da revolução que acontecia com o crescimento das cidades e a ascensão de uma classe média, que não se contentava com sua condição social”, diz Martin Dreher.

O momento era de contradições também no campo teológico. A Igreja, riquíssima detentora de terras, vivia em meio à pobreza crescente e às ondas de fome e doenças. O celibato clerical não era respeitado e os papas apoiavam monarquias sanguinárias. Um deles, Alexandre VI, teve quatro filhos e costumava promover orgias no Vaticano. Foi nesse cenário de degradação que a Igreja viveu seu segundo grande racha. Revoltado contra o comércio de indulgências – uma espécie de documento vendido pela Igreja que perdoava a pessoa de todos os seus pecados –, o monge alemão Martinho Lutero rompeu com Roma, dando início ao movimento reformista, chamado protestante.

À parte a polêmica levantada por suas posições teológicas – criticava a riqueza e a corrupção na Igreja e o papel privilegiado dos padres na sociedade, entre outras coisas –, Lutero dava força a uma classe de pessoas que cada vez tinha mais poder econômico, mas nenhum político: os comerciantes. Os protestantes não faziam muita onda com as “obras” e diziam que a fé bastava para ir ao céu. Ou seja, podem guardar seu dinheirinho, podem ter lucro sem remorso. Lutero foi excomungado pelo papa Leão X, em 1521. “A Reforma Protestante foi uma adequação da religião cristã ao mundo moderno”, afirma Lauri Emilio Wirth, coordenador da pós-graduação em ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo.

Mas a resposta do clero romano ao movimento reformista não demorou. O Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, oficializou a separação entre católicos e protestantes e deu novo fôlego à Igreja Católica, que não deixou de ser a principal influência sobre os reis europeus.

Mas, no Novo Mundo que nascia, haveria espaço para católicos e protestantes. Os europeus haviam chegado à América e, com isso, mais um contingente enorme de almas pagãs estava pronto para ser conquistado. A cristianização foi um dos instrumentos para a colonização do novo continente e, desde cedo – tanto o protestantismo, no Norte, como o catolicismo, na parte espanhola e portuguesa – surgiram como fontes de influência moral e política nas novas terras. Também aqui se repetiria o sincretismo entre o cristianismo e as crenças indígenas (principalmente no caso da América espanhola) e as religiões dos negros trazidos como escravos, basicamente no Caribe e no Brasil.

No final do século 18, no entanto, a própria estrutura do Estado nacional estava em xeque. O Iluminismo, movimento que enfatizava o uso da razão e da ciência para explicar o mundo, questionava o papel da religião na sociedade e queria uma nova ordem social em que os interesses humanos estivessem no centro das decisões. Contra as designações divinas, os homens teriam nascido todos livres e iguais. O filósofo francês Voltaire, uma das mais destacadas figuras do movimento, era um crítico incansável da religião e costumava referir-se ao cristianismo como “coisa infame”. Para os iluministas, a preocupação básica do homem não era a vida futura, como pregava a religião, mas a satisfação neste mundo. Em 1789, inspirados nessas idéias, os franceses – olha os descendentes de Carlos Magno aí – derrubaram a monarquia e instituíram a separação entre Igreja e Estado. Uma revolução e tanto.

Cristo vive

Depois de caminhar durante séculos de braços dados com o Estado, a Igreja passou os dois últimos séculos acostumando-se a sua nova posição. Não que sua influência tenha desaparecido ou seus fiéis tenham diminuído. Pelo contrário. No início do século 19, os seguidores do cristianismo somavam 230 milhões. Hoje são 2 bilhões.

Uma das experiências mais marcantes para esse crescimento foi o surgimento da Igreja Pentecostal, nascida de um ramo protestante nos Estados Unidos. Hoje ela tem o segundo maior rebanho cristão do planeta, com 500 milhões de fiéis. Mas entre os grandes ramos do cristianismo tradicional, como o catolicismo, a coisa também não ficou parada. A realização do Concílio Vaticano II, no início dos anos 1960, promoveu a modernização da religião e enfatizou o movimento ecumênico. Foi a partir desse encontro que as missas deixaram de ser celebradas exclusivamente em latim e passaram a ser rezadas na língua local.

O ecumenismo, por sinal, tem sido uma das marcas do papa atual João Paulo II. Durante os 26 anos de seu mandato, ele realizou viagens ao redor do mundo e esboçou movimentos de reaproximação com os cleros ortodoxo e anglicano (ramo protestante na Inglaterra). Hoje o cristianismo convive melhor com outras religiões. O papa teve, ainda, um importante papel na derrocada do regime comunista da União Soviética. No alvorecer do terceiro milênio, desculpou-se pelos erros cometidos pela Igreja no passado, notadamente pelo aval dado às atrocidades cometidas pelos conquistadores portugueses e espanhóis contra os povos nativos das Américas.

Suas campanhas, no entanto, não impediram que o catolicismo – e o cristianismo como um todo – ingressasse no século 21 fragilizado. Crenças doutrinárias inflexíveis relacionadas a temas sexuais – como aborto, homossexualismo e castidade pré-marital – e uma estrutura hierárquica fortemente masculina mostram-se pouco atraentes numa sociedade secularizada como a ocidental. Com isso, é cada vez menor o número de jovens que se dedicam ao sacerdócio e a Igreja Católica tem dificuldade de conquistar novas ovelhas. Atualmente, o islamismo é a fé que mais cresce no mundo e já é a segunda maior religião em vários países europeus, como França e Alemanha. Apesar disso, é inegável que o cristianismo ainda continue sendo uma das mais fortes instituições do planeta. E, a julgar pelas grandes dificuldades vencidas nos últimos 2 mil anos, não é de surpreender que, diante desse novo desafio, ele venha a superá-lo e fique ainda mais fortalecido. E, só para lembrar: nunca – nunca – houve um presidente americano não-cristão.

Via-Crúcis

45
Pela primeira vez o termo "cristão" é usado, em Antioquia, na Ásia Menor, para designar os seguidores de Jesus
46
Paulo de Tarso inicia suas jornadas missionárias. Nos anos seguintes, ele realizaria mais três viagens apostólicas
64
Os cristãos são acusados e martirizados pelo incêndio de Roma
7O
Jerusalém é destruída pelos romanos. Judeus e cristãos se dispersam pelo mundo
100
A população mundial é estimada em 310 milhões de pessoas. Os cristãos somam 8 mil
301
A Armênia torna-se a primeira nação a adotar o cristianismo como religião oficial
313
Os imperadores romanos do Ocidente, Constantino I, e do Oriente, Licínio, divulgam o edito de Milão, documento que confere liberdade de culto aos cristãos
380
O imperador Teodósio I é batizado e declara o cristianismo a religião oficial do Império Romano
384
O bispo de Roma, Damásio, encomenda a Jerônimo a primeira compilação em latim dos textos conhecidos como “evangelhos”. Reunidos aos textos judaicos, a coleção chamada de Vulgata tornaria-se a primeira versão da Bíblia
385
O bispo de Roma passa a ser chamado de papa
476
Roma cai diante dos povos bárbaros. É o início da Idade Média, período que se estenderia até 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos
500
Batismo de Clóvis, rei dos francos, primeiro chefe bárbaro a acolher a fé cristã
800
Carlos Magno é coroado imperador do Sacro Império Romano-Germânico pelo papa Leão III
1054
Primeiro grande cisma da Igreja cristã. O patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, rompe com o papa e cria a Igreja Ortodoxa
1077
O papa Gregório VII destitui o imperador Henrique IV, governante do Sacro Império Romano-Germânico, que se opôs à supremacia de Roma. Para perdoar Henrique IV, o papa obrigou-o a ficar descalço na neve fora dos portões do seu palácio
1095
O papa Urbano II convoca a primeira Cruzada. Outras sete ocorreriam até 1270
1231
Sob o papado de Gregório IX, é oficializada a Inquisição, o tribunal eclesiástico criado para combater os hereges
1305
Início do papado de Avignon, período em que a residência do papa foi alterada de Roma para Avignon, no sul da França
1517
Segundo grande racha da Igreja cristã. O teólogo Martinho Lutero rebela-se contra a venda de indulgência e dá início à Reforma Protestante
1545
Início do Concílio de Trento, que se estenderia por 18 anos. O encontro oficializou a separação entre católicos e protestantes
1789
A Revolução Francesa provoca a separação entre a Igreja e o Estado
1800
Os cristãos são 23% da população do planeta, estimada em 1 bilhão de pessoas
1870
O Concílio Vaticano I proclama a infalibilidade papal
1907
Surge a primeira igreja pentecostal, atualmente o segundo maior ramo do cristianismo, que congrega 500 milhões de fiéis
1962
Convocado pelo papa João XXIII, o Concílio Vaticano II é uma tentativa de modernizar o catolicismo
1978
O cardeal polonês Karol Wojtyla é eleito o primeiro papa não-italiano em 450 anos. Seu pontificado é marcado por forte conservadorismo e viagens de peregrinação
2004Dos 6,4 bilhões de habitantes do planeta, 2,1 bilhões professam a fé cristã. Metade são católicos. Os protestantes somam 300 milhões e os ortodoxos 200 milhões. Os demais são pentecostais

PAULO

Uma das principais figuras do cristianismo primitivo foi o judeu helenista Saulo (ou Paulo) de Tarso. Nascido por volta do ano 5, ele se converteu ao cristianismo durante uma viagem para Damasco, na Síria, e foi, juntamente com outros missionários como Barnabé e João Marcos, um dos maiores responsáveis pela propagação da religião na Antiguidade. Fez quatro viagens pelo Mediterrâneo e fundou várias igrejas. Cartas enviadas a essas comunidades podem ser lidas no Novo Testamento. Segundo a tradição, foi morto em Roma, por volta do ano 67

CARLOS MAGNO

Também chamado de Carlos I, Carlos Magno, rei dos francos (768 e 814) e imperador dos romanos (800 a 814), foi um dos grandes responsáveis pela consolidação do cristianismo na Idade Média, época em que a Europa era dominada por povos bárbaros, não cristianizados. Filho de Berta e Pepino, o Breve, era um homem forte (tinha quase 2 metros) e inteligente, mas ao mesmo tempo autoritário e, por vezes, sanguinário. Para defender a Igreja Católica, instituiu a pena de morte para quem não jejuasse nos feriados religiosos ou comesse carne às sextas-feíras.

CONSTANTINO I

O imperador romano Flavius Valerius Constantinus, ou simplesmente Constantino I, teve papel central na história do cristianismo, pois foi ele quem concedeu, em 313, liberdade religiosa para os cristãos. Até então, os seguidores de Cristo eram brutalmente perseguidos. Constantino, no entanto, não era nenhum santo. Ele costumava eliminar adversários políticos e quem o desagradasse, inclusive familiares, como a esposa Fausta e o filho Crispo. Sua opção pelo cristianismo, mais que um ato de fé, foi uma tentativa oportunista de salvar Roma da decadência em que se encontrava. Prova disso é que seu batismo só aconteceu no leito de morte.


LUTERO

Filho de uma família humilde da aldeia de Eisleben, na Saxônia, o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) liderou o levante religioso conhecido como Reforma Protestante. Considerado um homem sábio e letrado, ele era doutor em teologia e ensinava na Universidade de Wittenberg. Sua oposição à venda de indulgências e a publicação das 95 teses que deram início mudaram para sempre a história do cristianismo. Lutero foi autor da primeira tradução da Bíblia para o alemão.


JOÃO PAULO II

Primeiro papa não-italiano desde 1523, o polonês Karol Wojtyla nasceu em 18 de maio de 1920 em Wadowice, perto de Cracóvia, e foi escolhido como Sumo Pontífice da Igreja Católica em 22 de outubro de 1978. Seu longo pontificado – o segundo mais extenso da história – tem sido marcado por inúmeras peregrinações, que ajudaram a espalhar a influência papal pelos mundos católico e não-católico. No pIano político, João Paulo II teve papel fundamental na derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu. Extremamente conservador, ele condena com veemência o aborto, o homossexualismo e o controle da natalidade por métodos artificiais.





Quetzalcóatl, um dos deuses mais importantes para os Astecas

A cultura asteca, sua história, sua sociedade, sua produção artística estão intimamente ligadas às suas crenças religiosas. Essa religião é, principalmente, animista e dualista, na qual magia e cosmogonia fundem-se em um único elemento. Segundo Soustelle, os Astecas são os indígenas mais religiosos do México. Sua religião simples e dualista, quase que totalmente astral – ao menos em sua origem – foi enriquecendo-se ao longo do tempo através dos contatos com os povos sedentários do Centro. Conforme seu império foi se expandindo foi se incorporando novos elementos religiosos. Tanto que por volta do século XVI, sua religião era um denso conjunto de crenças e cultos de origens distintas.

A característica marcante da escatologia asteca é o seu caráter fatalista, onde não há vestígios de esperança. O caráter dualista domina o mundo espiritual asteca, estando presente nas forças da natureza e no panteão. Os deuses foram criados pela união dos princípios masculino e feminino: “os membros do casal supremo, Senhor e Senhora da Dualidade”.

Segundo Lehmann, a religião exercia um domínio total na vida dos astecas e absorvia grande parte de sua força. Os deuses comandavam tanto o Estado como o indivíduo. Todos os acontecimentos da vida, o dia do nascimento e o da morte, o bom ou mau destino, tudo fazia parte dos desígnios divinos. O princípio duplo inexoravelmente se manifesta também na formação dos deuses, e na formação da humanidade.

A maior dificuldade em se estudar a religião asteca e seu panteão (sua mitologia) está no caráter mágico dela, que se deve à visão dualista do mundo. Os astecas, ao assimilar outros povos, assimilavam também suas divindades e seus cultos. Todavia essa incorporação de novas divindades era organizada pela classe sacerdotal que buscava reduzir a quantidade de divindades considerando cada deus como multifacetado.

Essa multiplicidade de deuses de diversas origens e diferentes atributos é visível quando se tenta ordena-los. Cada divindade asteca podia sofrer diversas manifestações e apresentar-se com diferentes atribuições. É o exemplo de Quetzalcóatl, um dos deuses mais importantes. Sua origem é tolteca, porém há manifestações suas por toda a América Latina. Para os astecas ele é o deus do vento, da vida, da manhã, do planeta Vênus, dos gêmeos, dos monstros, patrono das artes e da sabedoria, criador e pai dos homens. Seus nomes são: Quetzalcóatl, Ehécatl, Tlahuizcalpantecuhtli, Ce Ácatl, Xólotl, entre outros.

O nome Quetzalcóatl significa literalmente “serpente de plumas”, porém quetzal é também o símbolo de “coisa preciosa”, e cóatl significa gêmeo. Portanto o nome Quetzal-cóatl pode ser traduzido como “gêmeo precioso”, indicando sua atribuição de estrela matutina e vespertina. Esta identificação com o planeta Vênus deu origem a diversos mitos e explica quase todas as lendas de Quetzalcóatl.

Dentre os mitos envolvendo esse deus o mais importante é o da criação do homem. O mundo para os astecas, foi criado varias vezes. Isso porque a criação era seguida pela destruição por cataclismos. A última vez que o homem foi criado o deus Quetzalcóatl foi ao mundo dos mortos recolher os ossos dos homens, verteu sobre eles seu próprio sangue e deu vida novamente aos homens. Essa lenda explica a importância dos rituais de sacrifício humano e o papel fundamental que o sangue exerce nessa religião. Os homens, para manter-se vivos precisam manter vivos os deuses, alimentando-os com sangue humano. Apesar dessa lenda que justifica o sacrifício humano estar ligada diretamente à Quetzalcóatl consta que ele, durante seu governo sobre o mundo, proibiu essa prática.

Quetzalcóatl foi, sem dúvida, o mito mais difundido por toda a Meso-América. Com caráter multiforme, porém sempre benigno. Esse aspecto valente, bom, de herói integrador seria muito bem aproveitado pelos evangelistas espanhóis no momento de “garimpar” almas para a religião cristã. Do mito de Quetzalcóatl há varias versões, entretanto nenhuma delas sobreviveu à conquista espanhola de 1519 sob a forma escrita. Os pontos em comum na grande maioria das versões é o fato de que Quetzalcóatl, após criar os homens, desceu das efemérides divinas e encarnou como homem, veio para ensinar à humanidade todas as artes, a sabedoria e a bondade.

O homem Quetzalcóatl foi um rei tolteca muito justo, sacerdote, astrônomo, foi quem adaptou o calendário maia em algumas partes e estruturou o calendário tolteca, assimilado mais tarde pelos astecas. Seu reinado marca a assimilação do povo maia pelos toltecas. Teria morrido em 5 de abril de 1208, exilado em algumas versões, traído e morto em outras. Independente da versão de sua morte e das condições que esta ocorreu o certo é que ao deixar o trono tolteca Quetzalcóatl afirmou que retornaria. Assim ele se converteu no centro de uma cosmologia religiosa. Esta história mitológica chega, na forma de tradição oral, aos ouvidos dos conquistadores espanhóis que rapidamente vão interpretá-la e aproveitar-se dela.

Um dos escritores que percebeu o caráter “messiânico” da lenda de Quetzalcóatl foi Bernardino de Sahagún. No primeiro livro de sua Historia general de las cosas de Nueva España ele tenta recuperar a figura de Quetzalcóatl assimilando-a a Jesus Cristo. A intenção de Sahagún foi explicar a outros missionários a concepção de mundo dos mexicas, para com isso poder afirmar o cristianismo e melhor evangelizar.

Notória é a visão tendenciosa que Sahagún passa em sua obra, nesta assimilação da figura do deus tolteca existe um interesse ideológico deformador. Por outro lado, a aristocracia mexica pós-conquista também possuía o peremptório desejo de reabilitar Quetzalcóatl, como uma figura quase cristã, pois isso legitimava seu poder e a conseqüente manutenção deste.

Sahagún não define o retorno de Quetzalcóatl como sendo uma profecia da chegada dos espanhóis, embora perpasse a idéia de que os espanhóis são companheiros do deus. Outros escritores vão além, é o exemplo de Las Casas que sugere que os cristãos são filhos e irmãos de Quetzalcóatl. Desta maneira tentou-se converter Quetzalcóatl em um apóstolo de Cristo para poder cristianizar mais facilmente. Como Paz salienta: a mentalidade européia viu-se confrontada pelas impenetráveis civilizações da América.

A partir de meados do século XVI foram feitas diversas tentativas para suprimir as diferenças entre mexicas e espanhóis. Alguns alegavam serem os antigos mexicanos descendentes de uma tribo perdida de Israel; outros os consideravam como sendo de origem fenícia ou cartaginesa; outros ainda estabeleciam relações entre certos ritos dos astecas semelhantes a cerimônias cristãs, imaginando que aqueles fossem um eco distorcido da pregação do evangelista São Tomé. Essa corrente defendia que o evangelista teria vindo para as Américas e adotado o nome de Quetzalcóatl.

A crença em uma evangelização realizada muito antes da chagada dos espanhóis no Novo Mundo, realizada por São Tomé, resulta da leitura de São Paulo que afirma que a palavra de Cristo foi levada até os confins da terra, pelos apóstolos.

Atualmente sabemos da existência de correntes marítimas ligando a costa oeste da África às laterais leste da América, todavia o pensamento quinhentista desconhecia esse fato. Lafaye informa que a descoberta de textos bíblicos e de fatos novos permeados de crenças antigas seriam argumento suficiente para corroborar a idéia de que Quetzalcóatl foi o apóstolo São Tomé.

Mesmo entre os índios houve confusão a respeito da similitude dos espanhóis com o mito do regresso de Quetzalcóatl. A lenda rezava que Quetzalcóatl regressaria de seu exílio e novamente instauraria a idade de ouro. Esta profecia possuía um caráter cronológico. O deus deveria retornar em um ano 1 acatl, coincidentemente os espanhóis aportaram no México em um ano 1 acatl, o ano de 1519. O próprio Hernán Cortéz foi confundido com o deus. Porém essa crença não logrou. O rei Montezuma mandou levar até Cortés os ornamentos sagrados de Quetzalcóatl com a finalidade de verificar a identidade do deus, o que não ocorreu.

Mesmo que ainda restassem dúvidas a respeito da identificação de Cortés com o deus, o massacre efetivado pelas tropas espanholas em Cholula, cidade sagrada de Quetzalcóatl, bastaria para dissipar quaisquer equívocos. Lafaye demonstra que a profecia de Quetzalcóatl “aparece como um caso particular, para México, de uma crença comum na maioria das populações indígenas. É certo que os espanhóis foram posteriormente considerados filhos do Sol, companheiros de Quetzalcóatl, este foi um estratagema político para facilitar a penetração do continente, mas serviu também como fonte de inspiração para os missionários criarem uma brecha para a evangelização.

Se São Tomé esteve na Meso-América pregando a “boa-nova”, ou se algum outro europeu esteve em terras mexicas em alguma era pré-colombiana, são conjecturas que até o momento não se podem provar. O fato é que os povos do México possuíam uma religião bastante complexa e dentre seu panteão destaca-se a importante figura de Quetzalcóatl. Esse deus foi criador da humanidade, professor dos homens, foi deus e rei encarnado. Sua morte causou tristeza em seu povo, a ponto de se construir uma profecia de seu retorno.

Como todo herói “messiânico”, indícios de sua volta não faltaram. Como se não bastasse a superstição do povo, os invasores chegam sob a auspiciosa data profética.

Os evangelizadores espanhóis tinham consciência de seu papel de divulgadores da “verdade” cristã e lançaram mão dos meios que lhes foram apresentados. Legitimar sua presença em solo mexicano através de um mito cosmogônico foi um meio para alcançar a mentalidade desse povo a ser conquistado e catequizado.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Rabi Akiva: o maior dos rabinos da história judaica

RABI AKIVA, UMA HISTÓRIA DE CORAGEM E AMOR

É o que se pode chamar de uma verdadeira história de amor. Uma história de coragem, heroísmo e sacrifício que, ao mesmo tempo, aquece o coração e o arrebata; inspira-nos, provocando júbilo e lágrimas. É a história do pastor humilde que se torna o maior dos rabinos da história judaica.

Akiva, filho de José, trabalhava para Kalba Savua, um dos homens mais ricos de Jerusalém, conhecido por sua generosidade. Rachel, sua bela filha, tomou-se de amores por Akiva, prometendo tornar-se mulher dele se ele concordasse em dedicar sua vida ao estudo da Torá. Mas, além de pobre, ele, aos 40 anos, era analfabeto. Certo dia, Akiva percebeu que as gotas d'água que caíam sobre uma pedra conseguiam perfurá-la. E lhe ocorreu um pensamento: "Se a água, que é tão mole, pode furar uma pedra dura, as palavras da Torá - que são tão concretas - certamente poderão deixar sua marca em meu coração sensível". Concorda, então, com a exigência de Rachel e os dois se casam. Kalba Savua, horrorizado com a escolha da filha, a rejeita e faz votos de deserdá-la. E, assim, acompanhado de sua dedicada esposa, que deixara para trás uma vida de luxo para estar a seu lado, Akiva começa a estudar a Torá cercado da mais cruel pobreza. O casal se mantinha juntando toras de madeira que Akiva, em parte, vendia, e ficava com o remanescente para fazer gravetos. Acesos, serviam para iluminar a casa durante suas prolongadas horas de estudo. Apesar de trabalharem, ainda lhes faltava alimento, em casa, e Raquel cortou suas lindas tranças e as vendeu. Com isso, seu marido podia devotar mais tempo a estudar a Lei.

Rabi Akiva deixou sua casa para estudar na Academia de Yavne, que, após a destruição de Jerusalém, tornara-se a sede do Sanhedrin e da erudição judaica. Lá, estudou sob a orientação de dois luminares talmúdicos - Rabi Eliezer e Rabi Yoshua. Após uma ausência de doze anos, voltou à sua cidade natal, acompanhado de 12 mil alunos. Ao se aproximar de casa, ouviu sua mulher que conversava com uma vizinha. Esta lhe perguntava: "Quanto tempo ainda você viverá como viúva?" Ao que ela respondeu que agüentaria outros doze anos de solidão para que seu marido se dedicasse por completo ao estudo da Torá. Ao ouvir aquilo, Rabi Akiva retrocede, voltando à yeshivá. Decorridos mais doze anos, ele finalmente volta a casa, acompanhado, desta vez, de 24 mil doutos estudiosos da Lei de Moisés. Rachel corre até ele, prostrando-se a seus pés. Seus discípulos, desconhecendo de quem se tratava, tentaram afastá-la, mas seu mestre os deteve com as palavras que ficaram imortalizadas: "O que hoje possuo e do qual todos vocês desfrutam, somente pude conquistar graças a ela".

Nesse ínterim, Kalba Savua tendo sabido da chegada à cidade de um notável erudito judeu, decide procurá-lo para conseguir a anulação dos votos que fizera contra a filha. Arrependia-se de ter permitido que Rachel passasse fome durante 24 anos e queria o seu perdão. E o grande erudito não era outro senão seu próprio genro, a quem rejeitara. Os dois se reconciliam e Kalba Savua dá a metade de sua fortuna a Rabi Akiva.

"Quem estuda a Torá na pobreza um dia o fará na riqueza", ensinam nossos Sábios. E foi o que ocorreu a Akiva. O Talmud revela que a partir de então, ele se tornou um homem abastado. Em sua casa havia mesas de ouro e prata. Para sua esposa, que tanto sofrera, que vendera o lindo cabelo para que ele estudasse, Rabi Akiva comprava os mais belos adornos. Um destes era uma reprodução de Jerusalém gravada em ouro.

A Torá de Rabi Akiva

O mestre ensinava que a Torá, por ter sido escrita pelo Criador, é completa, nada lhe faltando e, por outro lado, não contendo sequer uma letra supérflua. Em sua inteireza, é toda conteúdo, sem filigranas retóricas nem palavras vãs. Cada uma de suas letras e de suas pontuações abriga um significado profundo e, com freqüência, misterioso.

Até a época de Rabi Akiva, a Torá Oral, cuja transcrição era proibida, não era classificada nem organizada segundo seu conteúdo. Conseqüentemente, um erudito tinha que possuir tremenda capacidade de memorização para conseguir lembrar-se de todos os seus preceitos e ensinamentos. Para evitar que o povo judeu pudesse, algum dia, esquecer-se da Torá Oral, Rabi Akiva iniciou um trabalho de classificação de cada uma de suas leis de acordo com o teor. Assim, estabelecia as fundações para as compilações da Mishná - núcleo do Talmud - que acabou sendo transcrito e editado, anos mais tarde, pelo Rabi Yehudá HaNassi. Ao assim proceder, o sábio Akiva preservou a Torá Oral, assegurando, destarte, a sobrevivência do judaísmo.

Rabi Akiva dirigia uma academia de Torá em Bnei Brak. Com freqüência, assistia as sessões do Sanhedrin - a Suprema Corte Judaica - na cidade de Yavne. Esta corte jamais adotou uma lei importante de cuja redação ele não tivesse participado. Certa vez, chegando atrasado para uma sessão, permaneceu aguardando do lado de fora. Ouviu-se, então, alguém dizer, no recinto, que "a Torá se encontrava fora"; e enquanto o mestre não entrou, não se tomou interpretação judicial ou decisão qualquer.

Rabi Akiva também era versado em diferentes ciências, como medicina e astronomia. Falava vários idiomas e, a miúde, acompanhava um de seus mestres, Raban Gamliel, a Roma, levados pela causa do povo judeu.


Durante suas palestras, o estudioso mestre moralizava os ouvintes de forma inspiradora. Suas lições eram relatadas em todas as casas judias e todo judeu empenhava-se em regular sua vida segundo os preceitos morais de Rabi Akiva.

Seus professores, seus colegas e seus ensinamentos atestavam ser ele a personificação do amor e da generosidade. O mestre gostava de repetir que tudo o que D'us fizesse, era para o bem, "Gamzu le-tová". Dizia que o mundo deveria ser julgado segundo suas virtudes e o bem que aqui se recebia era apenas uma pequena parcela da recompensa que nos aguardava no Mundo Vindouro. Acreditava que até o mais simplório dos judeus se deveria considerar um aristocrata, por ser filho de Abrahão, Isaac e Jacob. Rabi Akiva também costumava dizer que o povo judeu atestava a grandeza de D'us: o Criador libertara os filhos de Israel do cativeiro para Se redimir juntamente com eles. E Akiva oferecia um ensinamento profético e assustador que acabou sendo aplicável a ele próprio: era em benefício do próprio D'us que Ele escolhera os judeus, entre todas as nações, pois que os outros povos louvavam seus deuses na prosperidade e os amaldiçoavam quando sua sorte lhes dava as costas. Mas os judeus, ensinava o Rabi, sempre louvam a D'us, quer na prosperidade quer na penúria. Não surpreende, pois, que de todos os livros da Torá, Rabi Akiva mais apreciasse o Cântico dos Cânticos. Foi dos primeiros a nele perceber a descrição do amor entre D'us e o povo judeu. E era, de fato, o amor o tema central de sua vida e de seus ensinamentos. Em seu entender, a essência de todo o judaísmo, o todo abrangente mandamento da Torá, pode ser encontrado em um de seus versos: "E amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico, 19:18).

O Talmud nos descortina inúmeras revelações sobre o homem Akiva - que ele pedia ajuda para os pobres, que reverenciava os Sábios e rejubilava no cumprimento dos mandamentos da Torá; que visitava pessoalmente um discípulo enfermo e varria seu quarto quando outros não o faziam. Ao orar, perdia-se por completo; o conceito de tempo e espaço deixava de existir para ele, quando se deixava enlevar pelo Divino. E, a despeito de sua grandiosidade, continuava humilde. Sabemos de sua generosidade e do quanto valorizava a vida, tendo declarado, em certa ocasião, que se porventura fosse um magistrado, homem algum jamais seria condenado à pena capital. Rabi Akiva era um homem do mundo - verdadeiro legislador da Torá, preocupavam-no as filigranas da lei - mas, ainda assim, um místico. Foi um dos quatro Sábios que, ainda em vida, adentrou o Pardêss - o Jardim Místico - vivenciando o Mundo Vindouro, ha-Olam Habá. Foi o único a voltar com vida e em paz consigo mesmo, pois fora o único a aprender a harmonizar sua existência física com a espiritual.

É famosa a seguinte história sobre sua pessoa. Seu mestre, Rabi Eliezer ben Hircano, levantou-se de um dia de jejum para entoar a prece pela chuva. Recitou 24 bênçãos, mas nenhum pingo se viu. Rabi Akiva acercou-se, então, do púlpito e exclamou: ""Avinu Malkenu, nosso Pai, nosso Rei: não temos outro rei além de Ti. Nosso Pai, nosso Rei, age por Tua causa e tem misericórdia de nós". De imediato, os pingos de chuva caem sobre eles. Mas a história não termina aí. O povo judeu adotou sua prece e, até os dias de hoje, recitamos o mesmo rogo nos jejuns coletivos, em Rosh Hashaná e durante os Dez Dias de Penitência, que culminam em Yom Kipur.

Rabi Akiva também leva a reputação de ter composto o Kadish - a oração recitada pelas almas dos que partiram deste mundo. Mas, curiosamente, o Kadish não fala em morte - nem uma vez sequer. Pelo contrário, é comprovadamente o texto mais lindo, mais emocionante em toda a liturgia judaica de louvor a D'us. Somente uma alma nobre como Akiva para encontrar significado e conforto mesmo na morte.

Seu sacrifício e morte

Sua vida foi sempre pontilhada pela tragédia, mas ele a superava, vez após vez, com seu amor infinito. Durante a epidemia que terminou em Lag Ba'Omer, 24 mil de seus discípulos pereceram. [O fim dessa peste é uma das razões que fazem do 33º dia de Omer uma data festiva]. Como teria qualquer outro ser humano, professor ou rabino, reagido a uma tal catástrofe? Abandonariam o ofício, afogar-se-iam em depressão, buscariam o exílio; quiçá almejassem a morte. Mas não Rabi Akiva. Armou-se de novas forças e, começou de novo, conquistou novos alunos a quem guiou pelos meandros do judaísmo. Seu amor pelo povo judeu, pela Torá e por D'us não se deixavam vergar pela tragédia. Nunca se desesperava e jamais, durante toda a sua vida - nem mesmo nos momentos mais sombrios - desistiu. Sequer titubeou. Como mérito por sua coragem e perseverança, ele legou ao povo judeu dois de seus maiores Sábios: Rabi Meir Baal HaNess - o Mestre dos Milagres - e Rabi Shimon Bar Yochai, autor do Zohar, o Livro do Esplendor, que sistematizou e começou a divulgar a sabedoria da Cabalá.

Rabi Akiva estava vivo quando o Segundo Templo foi destruído. Testemunhou, também, um dos holocaustos do povo judeu: em Betar, uma cidade em Eretz Israel, um general judeu de nome Shimon Bar Kochba iniciou uma revolta contra Roma. Bar Kochba, a princípio, teve êxito em sua campanha, levando Rabi Akiva a crer - e proclamar - que o grande guerreiro era o Messias. Mas a revolta judaica terminou vencida e os romanos capturaram e deram cabo à vida de Bar Kochba. Após a destruição de Betar, o Imperador romano, Adriano, anti-semita e assassino, decidiu aniquilar todo o povo judeu. Se os romanos capturassem algum judeu importante, este era torturado antes de ser exterminado. A brutalidade imposta a cada judeu de renome era proporcional à sua grandeza e importância.

Após a queda de Betar, Rabi Akiva foi preso e condenado à morte pelos romanos. Foi sentenciado à pena capital por ter violado o decreto romano que proibia o ensino da Torá. Em total desprezo a Roma, Akiva desafiadoramente ensinava a Lei de Moisés em público, agrupando os alunos onde os encontrasse. E por assim agir - e salvar o judaísmo - Roma exigia mais que a sua morte. Teria que ser barbaramente torturado - não na cruz, como o tinham sido outros 250 mil judeus. Para ele, Roma escolhera uma forma mais horripilante ainda de morte: Rabi Akiva seria esfolado vivo com rastelos de ferro. O algoz romano o rasgaria, pedaço por pedaço, até seu último suspiro.

E agora, voltemos ao Talmud e ao Midrash para conhecer seus momentos finais na Terra.

Uma história do Talmud. Nos Céus, Moisés viu um homem e o ouviu interpretar a Torá para seus discípulos. Dirigindo-se ao Eterno, perguntou Moisés: "Senhor de todo o mundo! Tendo tão grande homem na Terra, a mim caberia receber Tua Torá?" Ao que D'us respondeu: "Foi este o Meu desejo". Moisés retrucou, então: "Mostraste-me o homem; agora revela-me o seu fim". E D'us disse a Moisés que se virasse para testemunhar a tortura e morte de Akiva. "Senhor do Universo!", protestou Moisés, "tanto conhecimento da Torá e esta é a recompensa que lhe toca?" E D'us lhe ordena: "Cala-te! Pois é este o Meu desejo".

Há outra história semelhante, também do Talmud. D'us revelou a Adão todo o registro das gerações que o sucederiam - os futuros eruditos e líderes judeus que comporiam a sua descendência. O Criador também fez ver ao primeiro homem a geração de Rabi Akiva. Adão apreciou deveras tais informações, mas ficou profundamente entristecido com a visão da morte que aguardava Rabi Akiva. Tentou, por todas as maneiras, obter uma morte mais suave para o grande rabi, mas viu seu pedido negado.

Os anjos nos Céus também tentaram anular tal decreto. Uma lenda mística do Midrash nos conta que enquanto Akiva estava sendo destroçado pelos romanos, os anjos choravam amargamente e suas lágrimas caíram no grande mar e o fizeram ferver, enquanto o mundo todo era sacudido pela voz angelical que questionava D'us: "É esta a Tua recompensa a um homem que cumpriu tão fielmente a Tua Torá?"

Mas, na Terra, abaixo, um homem - um dos maiores a tocar seu solo, caminhava, com bravura, em direção à morte, sem que um som saísse de sua garganta, em protesto, nem uma lágrima de seus olhos escapasse. Rabi Akiva foi julgado e condenado à morte pelo governador romano na Terra de Israel, o maléfico Tirano Rufo. No dia de Kipur, Akiva foi conduzido ao local da execução. Era cedo, o dia começava; hora de recitar o Shemá. O povo judeu reuniu-se em torno de seu líder, acompanhando-o em seus derradeiros momentos. A execução era pública e presenciada por toda a população.

Mas, para choque e surpresa de todos os presentes, ao começarem a despedaçá-lo, Rabi Akiva tinha um sorriso nos lábios, prestes a desatar em riso. Exasperado, o governador romano grita-lhe: "Mesmo nesta hora, zombas de mim! Deves ser o demônio. Não há como um ser humano agüentar tanto sofrimento físico com tua calma e teu sorriso!". Seus alunos indagavam: "Mestre, o que está ocorrendo? Como podes rir numa hora destas?"

E o que lhes respondeu Akiva? Foi isto o que lhes declarou o maior rabino na história judaica: "Por que sorrio? Pois este é o momento mais glorioso de minha vida! Dia após dia, dia e noite, recitei as palavras do Shemá: 'e amarás o Eterno, Teu D'us, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu vigor'. Entendia as palavras 'com toda a tua alma' como sendo 'mesmo às custas de toda a tua alma', e sempre imaginava se mereceria a oportunidade de cumprir esse mandamento - o de abrir mão de minha própria alma em nome de D'us".

E Rabi Akiva continuou: "Hoje, isto está acontecendo. Hoje estou sendo morto por ser judeu. Hoje estou sendo morto por minha fé em D'us e por tê-la fortalecido entre os outros. Não é, pois, este, o momento supremo de minha vida - em que posso oferecer minha vida a D'us?" A seguir, recitou as palavras: "Shemá Israel, Ad-nai Elo-enu, Ad-nai Echad"- Escuta, ó Israel, o Eterno é nosso D'us, o Eterno é Um". Deteve-se na pronúncia da palavra Echad - "Um", como afirmação da Absoluta Unicidade de D'us - até que sua alma foi recolhida e devolvida ao Criador.

Foi enterrado em Tiberíades, assim como o foram outros grandes Sábios. Seus despojos físicos lá estão, mas sua alma está também em outras partes, talvez em todas as partes onde haja judeus. O Talmud ensina que uma pessoa que perde a vida por ser judeu torna-se santificada e não há quem a ela se iguale, em mérito. Um dos maiores sábios do Talmud, Rabi Yehoshua ben Levi, revelou que o Paraíso tem sete níveis e que a alma de Rabi Akiva está no mais alto deles, ao lado de todos os judeus de todas as gerações que foram mortos por serem judeus.

Sua grandeza e seu legado

Rabi Akiva, pastor pobre e analfabeto que começou a estudar a Torá aos quarenta anos, tornou-se o maior sábio de sua era - um homem que seria chamado de "pai do mundo". Foi odiado e admirado por seus inimigos romanos e reverenciado pelos judeus. Certa vez, debatia com um colega, o sábio Rabi Tarfon, sobre a lei que exigia dos sacerdotes condutores dos serviços no Templo não ter imperfeições físicas. A posição do colega era mais flexível que a de Rabi Akiva. "Lembro-me", disse Rabi Tarfon, "de ter visto meu tio, que era manco, tocar o shofar no pátio do Templo". Rabi Akiva não estava convencido e explicou que Rabi Tarfon presenciara uma assembléia - não um ritual de sacrifício - já que qualquer imperfeição física desqualificaria um sacerdote de realizar os sacrifícios. Ao que Rabi Tarfon retrucou: "Eu estava lá! Vi e ouvi tudo, ao passo que você nem lá esteve! Tudo o que tem é esse seu poder de interpretar a lei da Torá. E mesmo assim, sabe mais do que eu. Akiva, Akiva: afastar-se de você é afastar-se da própria vida!"

Assim como Moisés, Rabi Akiva, morreu aos 120 anos. Os dois - o maior dos profetas e o maior dos rabinos da história judaica - tiveram caminhos semelhantes. Ambos eram pastores. Seus primeiros quarenta anos foram isentos de Torá: Moisés vivia no palácio do Faraó, enquanto Akiva nem sabia ler. Os quarenta anos seguintes foram vividos longe de casa - um vivenciou a Revelação Divina e se tornou o maior profeta da história. O outro encontrou o Divino através do estudo, tornando-se o mais destacado mestre da Torá. E, por último, os derradeiros quarenta anos na vida de ambos foram vividos liderando o povo judeu e lhes transmitindo a Divina Torá.

Como Moisés, que constantemente colocava sua vida e seus méritos na posição de pleitear em nome do povo judeu, Akiva encontrava maneiras de eximir os outros de qualquer culpa por suas falhas ou transgressões. Com sua coragem e brilhantismo, o Rabi servia de inspiração a quem o conhecesse. Onde os demais viam tragédia e desespero, via esperança. Certa vez, enquanto ele e três outros grandes Sábios subiam a Jerusalém, ao Monte do Templo, viu uma raposa que saía do local do Santo Santíssimo, que era a câmara mais sagrada do Templo. Os três Sábios se puseram a chorar e Akiva a rir. Quando lhe perguntaram o motivo do riso, explicou: duas profecias tinham sido feitas acerca do Templo Sagrado - uma por Uriá e a outra por Zechariá. O primeiro previu sua total destruição; o segundo, aludindo à Era Messiânica, prometeu que os anciãos voltariam às ruas de Jerusalém. E explicou que enquanto a profecia de Uriá não se tinha cumprido, ele temia que a de Zechariá não se concretizaria. Mas agora, tendo presenciado a ocorrência do pior, ele estava certo de que haveria de chegar o dia em que o Terceiro Templo - e definitivo - seria erguido. Os Rabinos, aceitando seu raciocínio, disseram-lhe: "Akiva, tu nos confortaste. Akiva, tu nos confortaste".

O sol não se põe sem haver outro nascente, ensinam os Sábios. D'us não deixa este nosso mundo totalmente destituído de luz. O dia em que Rabi Akiva ascendeu aos Céus, naquele dramático Yom Kipur, nascia um grande líder do povo judeu - um homem cuja liderança e erudição em Torá são comparadas, pelo Talmud, com as de Moisés. Esse homem, Rabi Yehudá HaNassi, continuou a obra de Rabi Akiva; compilou e redigiu a Torá Oral, para que o povo judeu nunca a olvidasse, destarte salvaguardando o judaísmo para todo o sempre. Mas isto é uma outra história...

Rabi Akiva foi o exemplo supremo do Baal Teshuvá - o judeu que "retorna", voltando a abraçar o judaísmo. Sua trajetória até a grandiosidade não foi rápida nem fácil. Praticou a arte do silêncio antes de começar a falar a língua da sabedoria da Torá. Quando começou a aprender e a praticar os seus mandamentos, errava, às vezes, chegando até a ser repreendido por mestres e colegas. Ele nos faz lembrar que nunca é tarde demais, nunca há total desalento, pois que até o mais desinteressado dos judeus pode voltar à sua religião e à sua herança, e até o mais inculto dos judeus pode não apenas estudar a Torá, mas também a dominar e difundir. Rabi Akiva legou ao povo judeu a sua coragem, o seu heroísmo e o seu amor. Sua execução invoca uma imagem, tragicamente exibida muitas vezes na história de nosso povo: inúmeros judeus a caminho da morte certa - da fogueira, das câmaras de gás - rezando, recitando o Shemá, proclamando a unidade de seu Criador; e eis que de súbito irrompem em cantos. Teriam sido inspirados pelo amor de Rabi Akiva? Teria sido a sua coragem que os carregara quando desceram ao vale da morte e ascenderam à Eternidade?

Ele permanece como nosso grande herói. É difícil contar sua história com os olhos secos, ausentes. É difícil ouvir falar dele sem se curvar em humildade e gratidão. Akiva foi um pergaminho vivo da Torá, um ser que caminhava e respirava como nós, mortais. Foi Moisés quem nos trouxe a Torá dos Céus. Mas foi Rabi Akiva quem assegurou que a Lei de Moisés continuaria a imperar, para sempre, na Terra. Como rabino e mestre, ele continua sem paralelo, jamais igualado na história de nosso povo.

Um grande Sábio do Talmud, Rabi Dosa ben Harkinas, assim se referia a Rabi Akiva: "Seu nome ressoa de uma extremidade a outra do mundo". E assim continua a ressoar, reverberando, para sempre, através dos tempos. Seu nome se tornou uma bênção, um cântico, uma prece. Sim, foi Rabi Tarfon quem melhor o colocou em palavras: "Akiva, Akiva, afastar-se de ti é afastar-se da própria vida".

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Rabi Tovia Singer: E a Origem de Satanás.

Por que Deus não destruiu Satanás? Essa é uma das perguntas mais dificeis para qualquer pastor ou pregador. Existem diversas teorias e explicações para isto. Desde as mais simples até as mais complexas. A maioria se baseia principalmente na parabola de Yeshua sobre o Joio e o trigo (Mt 13,24-30) de modo analogo, comparando o joio com o diabo. Ateus e céticos são grandes criticos desta teologia e desta exegese, porque causa um certa impressão de impotência da parte de Deus, ou até mesmo, masoquismo, segundo ateus. Em partes, tais criticas possuem um certo grau de fundamento, pois se cremos que Deus é onipotente, onisciente e onipresente, é no minimo contraditório supôr que ele não possa ou não queira destruir seu inimigo, permitindo que ele corrompa os homens e os leve a pecar.

Certas religiões, como o judaismo ortodoxo, por exemplo, não crêem na existência de satanás como um ser, antropormófico, mas como uma inclinação para o mal de cada ser humano. Outras crenças, como a doutrina espirita, por exemplo, também seguem uma linha de raciocinio semelhante. Ja a grande maioria de religiões cristãs, crêem na existência fisica de satanás, como um ser, inimigo de Deus e da humanidade e que será derrotado na segunda vinda do messias. Algumas religiões possuem isto como dogma fundamental e pilar de fé. Para alguns fundamentalistas a crença na existência do diabo tornou-se tão fundamental quanto a crença no messias. Ja para teologos universitarios, a exegese judaica é mais coerente e menos blasfêmica, pois não torna o criador maligno, nem incapaz, mas tolerante e bom para com o homem.

A primeira coisa que observamos, se seguirmos uma linha do tempo biblica, é a diferença do monoteismo judeu para o cristianismo atual, que segundo alguns teologos, esta mais parecido com a cultura grega que a judaica. Antes de Abraão, os povos do mundo antigo eram politeistas e tinham um deus para tudo. Um deus da agricultura, um dos rios, um das chuvas, em do amor etc...Abraão foi o primeiro homem a reconhecer a existência de um único Deus. A partir dai, surgiu o monoteismo, a crença em um Deus invisivel, poderoso, que era tudo e responsavel por tudo. A partir de Abraão Deus formou seu povo, que se destacava dos demais por ser um povo monoteista e que tinha sempre a presença desse único Deus consigo, abençôando e até ajudando em combates e castigando quando seu povo desobedecia seus mandamentos. Essa caracteristica monoteista, vemos presente também em suas escrituras sagradas. Tudo era atribuido á Deus, até mesmo fatos que são de dificil compreesão para nós humanos, mas que tinham um propósito maior.

Era o próprio Deus que endurecia o coração do faraó do egito,para não libertar seu povo (Ex 9,12); foi o próprio Deus que enviou um espirito mau, o que nós chamamos de demônio, para atormentar o Rei Saul (1Sm 18,10); foi o próprio Deus que levantou Nabucodonossor, rei da Babilônia, contra seu povo como castigo por sua idolatria (Jr21,7) e tudo era atribuido a um único Deus. Quando então satanás entrou nas escrituras? Segundo alguns teologos, ele surge logo no livro de gênesis, como a serpente do Edén que tentou o homem e leovou a sua queda. Isto baseado no que diz o livro das revelações, apocalipse:
"E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele" Ap12,9.

Mas segundo alguns teologos a narrativa do gênesis não é literal, é simbólica. O judaismo mesmo não interpreta gênesis, Bereshith, literalmente. Alguns teologos ainda atribuem a serpente de forma simbolica, aos anjos que pecaram narrado no livro apócrifo de Enoque. E estes supostos anjos não teriam relação alguma com satanás, sendo que segundo as próprias escrituras eles estariam presos até o dia do juizo:
"Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo;" 2Pe2,4.

A palavra "Satã" significa em hebraico "acusador", "opositor". Aparece, pela primeira vez no livro de Ióv (Jó), sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no "Céu", de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Jó 1:6 "Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles".

O livro de Jó foi escrito depois do Exílio Babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano 538 a.C, assimilou muitos costumes dos persas. Isto ocorreu devido à simpatia e apoio que receberam do rei, que inclusive permitiu a construção do Segundo Templo judaico e ainda devolveu muitos de seus tesouros, que haviam sido roubados. A religião dos persas, o Zoroastrismo, influenciou sobremaneira o judaísmo. No Zoroastrismo, existe o Deus supremo Ahura-Mazda, que sofre a oposição de uma outra força poderosa, conhecida como Angra Mainyu, ou Ahriman, "o espírito mau". Desde o começo da existência, esses dois espíritos antagônicos têm-se combatido mutuamente.

O Zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus, e recompensa para os bons. E foi do Zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um Ahriman, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de SATAN - Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Jó e nos outros livros escritos após o exílio Babilônico, do ano 538 a.C. para cá. Irônicamente no mesmo livro, todo o mal que Jó passara também é atribuido somente á deus:...e o consolaram acerca de todo o mal que YHWH lhe havia enviado....Jó42,11.

Nestes livros já aparece a influência do Zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação de Adão e Eva é feita pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás. Os sábios judaicos, interpretando o Eclesisastes 10:11, afirmam (Pirkei de Rabi Eliezer 13) que, na verdade, a cobra que seduziu Adão e Eva era o Anjo Samael, que apareceu na terra sob a forma de serpente. Ele, que é conhecido como o "dono da língua", usou sua língua para seduzir Adão e Eva ao pecado. O poder do mal está em sua língua, e este poder pode ser usado somente para dominar o sábio. Ele não pode prevalecer sobre um ignorante. "Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos" Mt11,25.

Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C. e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24:1, você lê com relação ao recenseamento de Israel o seguinte:
"A cólera de YHWH se inflamou novamente contra Israel e excitou David contra eles, dizendo-lhe: Vai recensear Israel e Judá".

Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C, portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de Ahriman/Satanás. No capítulo 21:1 desse livro está escrito:
"E levantou-se Satã contra Israel, e excitou David a fazer o recenseamento de Israel".

Portanto, o que era YHWH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS (Confira em sua Bíblia). Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim, introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa.O livro de Jó também não possui uma interpretação literal. Na biblia hebraica ele figura dentre os livros sábios. Não situa uma época, um rei ou mesmo outro livro da biblia. Ele retrata a história de um homem justo e fiel, mesmo que sem nada e a relação de d'us com o sofrimento humano. Interpreta-lo literalmente também implica em contradições com outros livros da biblia. "Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta" Tg1,13.

Outra passagem interessante que observamos é em Mateus 16 a partir do versiculo 16, onde Kefa (Pedro) reconhece Yeshua como o Messias: "E Shimon Kefá, respondendo, disse: Tu és o Mashiach, o Filho do Elohim vivo..." E logo em seguida Yeshua mesmo lhe diz que quem lhe revelara isto não foram os homens, mas o próprio Eterno o revelara:...E Yeshua, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Shimon Bar Yona, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus...E logo depois Yeshua lhes diz que terá que sofrer e padecer nas mãos dos homens (vs21) Pedro o repreende pois não queria ver seu mestre sofrer e Yeshua então lhe diz:..."Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens".

Muitos exegetas interpretam esta passagem como se o diabo estivesse usando o apostolo Kefá. Mas esta interpretação gera dois problemas. Primeiro que é estranho imaginar uma manifestação demôniaca, bem na presença de Yeshua HaMashiach, ou mesmo o diabo estar usando o apostolo Kefá no mesmo instante que a Ruach do Eterno estava com ele e acabara de reconhecer Yeshua como messias. Segundo que é também estranho o diabo usar o apostolo Kefá para num ato de compaixão querer impedir que Yeshua sofresse e fosse preso. É no minimo contraditório. Se formos analisar sob a ótica teologica mais profunda, de que satã é só uma palavra que significa opositor, então podemos entender que Yeshua chamou Kefá de Satanás porque ele estava se opondo ao sacrificio que Yeshua teria de passar, portanto, por isso Yeshua o chama de satanás, não por uma possessão.

O mesmo ocorre no exemplo acima, do senso de Israel. Não foi um ser, satã que se levantou em Israel ou utilizou o rei David, mas uma idéia opositora, e o levou a pecar, indo contra a vontade do Eterno. Vemos nos versiculos seguintes do capitulo vinte e quatro de Samuel, que o Eterno Elohim oferece a Davi a opção de escolha de como deveria ser castigado e o próprio rei Davi diz: ...Eis que eu sou o que pequei...(vs17) Observe também que das três opções de castigo que o Eterno lhe oferece, nenhuma é para o diabo, mas todas para os homens: ...Queres que sete anos de fome te venham à tua terra; ou que por três meses fujas de teus inimigos, e eles te persigam; ou que por três dias haja peste na tua terra?(vs13)...Então onde fica a justiça divina neste exemplo? Satã se levanta em Israel, leva o rei David a pecar e quem é castigado é o povo? É claro que isto é incoerente com a própria natureza justa do criador. A explicação teologica e a judaica parecem mais coerente neste caso, que uma idéia opositora tomou conta do Rei David, não um ser.

Para analisarmos bem este tema, primeiro temos que entender que o cristianismo era originalmente uma crença judaica e que depois passou por uma transformação de Roma. Vejamos então a visão judaica sobre este tema. A seguir um texto do Rabi Tovia Singer :

A Idéia Original acerca do Satán.

Pra começar, Satán é um conceito judaico, que os cristãos usurparam, deturparam, modificaram, corromperam e antropoformizaram. Como dissemos, a palavra hebraica remete-nos a um inibidor, opositor, adversário [humano; jamais de D-us!] Segundo o Judaísmo, ele é um Maláh (Um ser espiritual autômato enviado por D-us para específicas missões, cuja indicação missionária está no título {nome} que é dado ao ser. Podemos no momento entender este ser simplesmente como “anjo”.) Um anjo, neste contexto é um princípio de força guiada pela Inteligência Suprema, D-us. A função ou missão do Satan é explicada no Talmud da seguinte forma: Esta entidade é o Ietzer Hará.

Esta entidade é o Satan. Esta entidade é o Maláh HaMávet (Anjo da Morte). Começando pela primeira explicação, quando falamos de Ietzer Hará, estamos nos referindo à má inclinação; às NOSSAS idéias estranhas ao nosso próprio objetivo ético e moral; ao desejo que cometer ações contrárias à Lei divina, e às justificativas mentais que são geradas POR NÓS enquanto decidimos sobre fazer ou não fazer aquilo que ferirá os princípios da Lei de D-us que decidimos observar. Do mesmo modo que temos dentro de nós o Ietzer Hará o Instinto ao Mal, temos na mesmíssima medida o Ietzer HaTov o Instinto ao Bem. Do mesmo modo, este nosso lado se mostra presente quando manifestamos pensamentos e conceitos que nos levam a agir à favor do bem e da justiça. Ambos estão dentro de nós na mesma medida.

Assim, por exemplo; se uma pessoa se levanta contra você para te matar, e você subitamente se vê motivado a se defender e proteger sua vida, mesmo que custe a vida daquele que primeiro se levantou contra você, esta é a motivação do Ietzer A essência do Ietzer Hará é o “fervor do sangue”. E a arma do Ietzer Hará é a imaginação, o devaneio. Mas o Ietzer Hará por si mesmo, não é mau, assim como a Imaginação ou o devaneio não são maus por si mesmos. O que ocorre é que a pessoa é aquela que caracteriza as forças dentro de si, tornando-as boas ou más. Outro conceito importante é que somente o ser humano pode ser mau. Portanto, o Ietzer Hará é a natureza humana voltada - pela própria pessoa - para o mal. Em si mesmo, não é mais que uma força neutra que podemos utilizar para o que desejarmos, inclusive para temas espirituais bons e de caráter justo. Já a natureza animal/ emotiva precisa ser controlada pelo intelecto. Após estar convencido de fazer o mal, a decisão da pessoa é levada pelo Satan diante da Corte Celestial para o veredicto. Então ele pode voltar com a missão de punir a pessoa, ou mesmo como a missão de ser o Maláh HaMávet (“anjo” da morte) e por um fim na vida de crimes vivida pela pessoa. Tudo isso são temas de caráter espirituais e portanto, NÃO PODEM SER COMPREENDIDOS LITERALMENTE.

Todas estas colocações são meros exemplos de conceitos puramente espirituais! Uma outra alegoria que explica o que dizemos, é o que é dito em Kabalá: O ar dos céus e o ar do inferno estão sempre nos rodeando. Quando uma pessoa faz uma boa ação esta é escrita no ar dos céus. Quando faz uma má ação é escrita no ar do inferno.A completa explicação destas alegorias é maior do que o que posso oferecer por agora, mas o ponto principal disso tudo, é que Satán não é mesmo o cara com chifres.

As Escrituras Hebraicas deixam bem claro, que o Altíssimo colocou no mundo, tanto o bem como o mal como está Escrito: Devarim {Deuteronômio} 30:15, "Vê que pus diante de ti hoje a vida e o bem, a morte; e o mal". Em Ieshaiáhu {Isaías} 45:7, o profeta descreve o plano da criação de D-us expressando que, "Eu formo a luz e crio a escuridão; Eu faço a paz e Sou Eu quem cria o mal; EU SOU o ETERNO que tudo faz".

Estes versos declaram abertamente que o único responsável pelo que chamamos de mal é D-us. Estes versos apóiam e comprovam a idéia judaica sobre o balanço espiritual perfeito entre o que denominamos “bem e o mal”, que toda alma confronta. Este é o plano de criação de seres conscientes, realizado pelo D-us o Altíssimo. Ieshaiáhu 45:7 e Devarim 30:15 (ver tbm Is8,,13) apresentam problemas teológicos ao Cristianismo, que mantém que D-us haveria criado o Satan, o anjo que ficou mal. De acordo com a doutrina cristã, o Satán teria sido um anjo elevado, o qual; por um ato de corrupção espiritual e rebelde desobediência, tornou-se o chefe adversário e caluniador de D-us, e teria sido ele quem introduzira o mal no mundo. Na teologia cristã D-us não criou aquilo que chamamos mal, ELE somente seria o autor do que chamamos bem. Portanto - dizem os cristãos - D-us jamais criaria algo tão sinistro como o diabo. Ao invés disso, foi o diabo mesmo que teria se tornado perverso e se transformado no diabo que é hoje. Esta concepção é completamente estranha ao pensamento hebreu (de onde a idéia de Satán se origina), e obviamente não tem suporte nos textos originais hebraicos; nem no sistema legal judaico. Afinal, sugerir que D-us teria criado o Satán perfeito, mas mesmo sendo “perfeito” o Satán ainda pudesse se rebelar contra D-us, mostra que D-us fez algo “perfeito” de forma “imperfeita”. Afinal, se D-us cria somente o bem, o mal é algo fora do seu plano, ou seja; uma conseqüência inesperada, que O levou para um “plano B”...E se o Satan tirou de dentro de si mesmo, sua própria rebelião, então não era de fato perfeito. Satan teria então, um “defeito de fábrica” que transferiria a responsabilidade para D-us, em última análise!

Ignorando esta contradição por enquanto, o Judaísmo ensina que o propósito da criação do Satán é justamente o sugerido por seu nome “ser um inibidor do homem”. Como servo de D-us, o Satan leva adiante os propósitos divinos em todos os seus detalhes. Satan é um dos “anjos” mencionados nas Escrituras Hebraicas. Em momento algum ele é chamado de diabo ou demônio. Em momento algum a palavra hebraica Maláh que significa mensageiro é usada nas Escrituras Hebraicas para referir-se a seres diabólicos!Não existe um único exemplo nas Escrituras Hebraicas, sobre o Satan ser inimigo de D-us ou ter um reino paralelo ao de D-us.

O Satán jamais se opõe a vontade de D-us! Em parte alguma da Bíblia Hebraica isso é mais evidente do que o livro de Ióv (Jó). No primeiro capítulo, Satan aparece juntamente com outros anjos diante de D-us, e sugere que a fé a fidelidade de Ióv poderia ser simples resultado da sua falta de dificuldades. Então propõe que Ióv fosse testado em suas convicções. D-us concorda com a elaboração de Satan, e não somente permite que ele realize o que sugeriu, mas ainda lhe concede instruções específicas, que ele por sua vez observa religiosamente. Ou seja, não estamos diante do relacionamento de dois inimigos! Estamos diante de D-us e uma de suas criaturas! Numa alegoria que procura nos revelar um pouco mais do caráter espiritual do mundo. Em última análise, todo o sofrimento de Ióv foi a vontade de D-us para ele para testá-lo e elevá-lo.

Enquanto em termos de interpretação cristã, o triunfo pessoal de Ióv é algo teologicamente impossível, enquanto que, em termos autenticamente judaicos sua história (a de Ióv) é apenas o reflexo da própria missão humana, e o modelo do projeto de D-us para a humanidade. Em Devarim {Deuteronômio} 30:15 a Torá declara abertamente sobre D-us colocar o que chamamos “mal” diante de nós, enquanto que em Ieshaiáhu {Isaías} 45:7 este mesmo conceito está vivo no Judaísmo ecoando a mensagem da Torá de que D-us mesmo é o criador do bem e do mal. E como tais conceitos obviamente foram problemáticos para os “tradutores”.

Como podem os cristãos manter a opinião de que D-us não criou o mal, se as Escrituras Hebraicas declaram que sim, ELE criou o mal? É até compreensível que os “tradutores” - por exemplo – os da Bíblia Católica Ave Maria, ao invés de traduzir corretamente a palavra Hebraica “ráh” (mal) registrada em Ieshaiáhu {Isaías} 45:7 escrevam ao invés disso: 7. formei a luz e criei as trevas, busco a felicidade e suscito a infelicidade. Sou eu o Senhor, que faço todas essas coisas.

As palavras “felicidade” e “infelicidade” foram eleitas para deturpar o conceito original do termo que nada mais é que o reflexo do próprio pensamento hebreu no uso da palavra “ráh” que significa literalmente Mal. Isso não incomoda nem mesmo os protestantes, e apenas demonstra o mau uso e desonestidade dos cristãos em geral no uso das Escrituras Hebraicas. Se existem Bíblias que procuraram traduzir corretamente este trecho em particular, não deixam de usar outros para continuar impondo seu sistema particular de pensamento em frente ao texto original hebraico. Agora, vale a pena mencionar que o Cristianismo apresenta Ieshaiáhu {Isaías} 14:12 como se fosse uma referência sobre a mitologia de um demônio rebelde que teria caído do céu, um anjo caído. Eles argumentam dizendo que Ieshaiáhu {Isaías} teria usado o termo “estrela da manhã”.

Temos aí sérios problemas com tais alegações.

Primeiro, caso cristãos mantenham que a expressão “estrela da manhã” seja uma referência ao Satan exclusivamente; como é que irão explicar que no seu próprio livro religioso, em Apocalipse 22:16 Jesus é chamado “estrela da manhã” também?

Em segundo lugar, uma leitura atenta de Ieshaiáhu {Isaías} 14 revela que ele está se referindo a Nevuhadnetzar (Nabucodonosor), o perverso rei da Babilônia e não ao Satán.Em 14:4 o profeta explicitamente menciona diretamente do rei da Babilônia como o tema da sua profecia: Que pronunciarão esta parábola sobre o rei da Babilônia: Como o opressor cessou de oprimir e como se esgotou sua arrogância? Por intermédio de todo este capítulo e do capítulo anterior, o profeta prediz o levante e a queda deste arrogante rei, que usou seu poder para atacar Jerusalém e destruir o Templo; mas que no fim; sofreria também uma queda cataclísmica. Em 14:12 Nevuhadnetzar é comparado ao planeta Vênus, cuja luz ainda pode ser vista no começo da manhã, mas que finalmente se esvai quando surge o sol. Assim como a luz de Vênus, Nevuhadnetzar reinaria e brilharia com um curto período de tempo, mas como o profeta disse, ele seria ofuscado pela luz de Israel que perduraria para além de seu tempo, e ofuscaria toda sua glória arrogante.

Rabi Tovia Singer

Então como vemos, segundo o conceito judaico, satãn nada mais é que um mensageiro a serviço do Eterno, ou nossa própria inclinação para o mal, nosso Ietzer Hará. Até os primeiros séculos da igreja, era assim que os primeiros seguidores do messias enchergavam satã, como um mensageiro ou uma palavra que indica oposição, não como um ser. Em sua segunda epistola aos corintios o apostolo Shaul (Paulo) parece exemplificar bem este conceito judaico:

"E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar." 2Cor 12,7.

Esta explicação parece ser mais coerente, e de acordo com o pensamento judaico. Senão teremos que imaginar explicações estranhas para algumas passagens controversas, como quando Paulo manda que se entregue pessoas a Satanás para se salvarem (1Cor5,55) e o mesmo admite que entregou dois homens, Himineu e Alexandre para satanás (1Ti1,20). Qual a lógica do apostolo Paulo, entregar dois homens á satanás e ainda recomendar que se entregue um para que seu espirito se salve no dia do juizo? Se tormarmos o significado da palavra como opositor, então o texto passa a ter mais lógica nos dois casos. Um exemplo muito citado por religiosos e ja praticamente um chavão é o de 2 corintios 11,14:

"E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz."

Mas se vemos o versiculo anterior, vemos que Shaul não esta falando de um ser espiritual mas de homens:
"Porque tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo".

Ou seja, homens falso, que fingiam-se apostolos, mas opunham-se ao evangelho de Cristo. Estranhamente quase ninguém ve este versiculo anterior ou o contexto deste. Será que é porque Shaul esta criticando justamente os falsos apostolos e obreiros? O mesmo ocorre com João 10,10, onde ao contar uma parabola, sobre o bom e o mau pastor, Yeshua diz que o Ladrão (o mau pastor) vem somente para roubar, matar e destruir. Religiosos ignoram este contexto e atribuem ao diabo esta passagem, mudando não só o contexto original como ignorando o que o próprio Yeshua disse neste mesmo contexto: "Eu sou o bom pastor". Atribuindo esta passagem ao diabo, eles além de blasfemarem contra o único Deus negando-lhe atributos e transferindo-os ao seu suposto inimigo, como contradizem as próprias escrituas como o livro do profeta Jeremias, onde o Eterno disse: "Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares, e para derrubares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para plantares". Jeremias 1,10.

Interpretar Satanás literalmente gera estes tipos de contradições dentro da própria escritura. Principalmente sobre a suposta queda de satanás que a teologia tradicional diz que se refere ao oraculo de Isaias 14,12 e ezequiel 28. (vide estudo sobre: lucifer e a estrela da manhã) Então segundo esta teologia ele caiu do céu no Edén, mas também caiu quando Yeshua enviou seus setenta discipulos a pregarem(Lc10,18), mas ainda cairá no final dos tempos(Ap12,9) Ou seja, não tem como respaldar esta teologia sem entrar em inumeras contradições. Todas essas passagens e todas que aparecem esta palavra, podem ser analisadas de uma forma mais coerente segundo uma ótica judaica que havia nos primeiros séculos.

Após a formação da igreja romana, isto virou uma grande Bavel, dividiram a glória de Elohim atribuindo-lhe um suposto inimigo, e ainda tranformaram isto em um dogma fundamental, sendo acusado de heresia, qualquer um que não interprete Hasatã como um ser, antropormófico. Mas nenhum consegue responder de maneira lógica e livre de contradições o porque Deus não destruiu o diabo e permite que ele continue corrompendo os homens. Respeito a visão teologica da maioria dos segmentos cristãos, mas acho produtivo e edificante analisar sob uma ótica judaica, afim de se evitar certas contradições e ter uma interpretação mais coerente e racional.

Por que Deus não destruiu satanás? Porque ele não é um ser. È só uma palavra que simboliza um mensageiro da vontade divina ou nossa inclinação para o mal.