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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

De Xenófanes até Bart D. Ehrman: O Problema com Deus

Todo o debate se resume a esta questão fundamental que dividi o mundo em inúmeras nomenclaturas filosóficas e religiosas; todas quais, alias, se julgam detentora da resposta verdadeira ou a(s) melhor(es) para a questão. Pretendo aqui dissecar sob meu ponto de vista pessoal a vocês e apresentar algumas observações que recolhi ao longo de minhas reflexões do por que não considero as tentativas das escrituras bíblicas apropriadas para o mundo que vivemos. Também farei uso do livro O Problema com Deus de Bart D. Ehrman da qual me identifiquei quase que instantaneamente.

    A evolução do conceito religioso da humanidade e o paradoxo a tríplice afirmação Judaica – Cristã – Islâmica

    Em todas as tentativas de desenvolver critérios conciliadores e gerais para as religiões, em essência está a questão: por que nós sofremos? Ao fazer esta pergunta, também estamos questionando; Qual é o caráter de Deus? Temos condições de compreender sua vontade? A religiosidade é um caminho seguro para uma resposta? Essa resposta é individual ou comunitária?

    Antes de continuar, acho necessário vermos como os pensadores ao longo da história viam a religião e como estas visões diferentes mudam a forma de interpretar, não só apenas em exegese, mas psicologicamente o papel da religião para a questão da teodicéia. A visão dos pensadores:

    Na Grécia antiga, Xenófanes (570-460 a.C.) foi um dos primeiros a formular uma análise crítica da religião, questionando a Divindade e o que dela se pode saber. Ele não afirma a inexistência dela, ao contrário, sugere que ela existe, mas é inalcançável pela mente humana. Para ele, o que os homens fazem nas suas religiões é nada mais do que projetar nos deuses suas vãs opiniões. Pode parecer um pensamento óbvio hoje, não para a época (basta ver os deuses grego-romanos e seus defeitos), mas, mesmo tendo em vista as religiões de hoje - que colocam Deus acima das concepções humanas - algumas doutrinas ainda carregam consigo traços dessa concepção antropormofizada de Deus, seja em adesivos de carro ("Deus é fiel") ou em passagens do Velho Testamento.

    Entre os romanos, historiadores apontaram a relação entre crença religiosa e alienação, sobretudo política. Políbio (séc II a.C.) afirmava que, sendo as massas populares instáveis, cheias de paixões e ira irracional, devem ser contidas pelo medo do invisível, pelo temor aos deuses que os líderes políticos conseguem engendrar. Tito Lívio (59-19 a.C.), ao comentar sobre o organizador da religião romana (Numa), afirma que este sabia que "a melhor maneira de controlar um povo ignorante e simples é enchê-lo de medo dos deuses".

    Vamos agora ao séc 19, onde analisaremos as religiões modernas.

    Ludwig Feuerbach (1804-1872), ao analisar a religião cristã, trabalha com a noção de que Deus seria o interior do homem projetado para o exterior. Nesse processo de projeção do homem em Deus reside, para Feuerbach, uma alienação fundamental, pois, embora a religião seja a relação do homem consigo mesmo, ela é experienciada como uma relação do homem com outra coisa, externa a ele. Sua essência torna-se outro ser. A alienação será faltal, pois "para enriquecer Deus, o homem deve empobrecer-se; para que Deus seja tudo, o homem deve ser nada". Para Feuerbach, este seria o pecado fatal da religião cristã (e possivelmente de toda religião). O que é interessante notar é que, dentro do Novo Testamento, mais especificamente nas parábolas de Jesus, vemos o movimento de trazer Deus (ou o Divino) para dentro das relações sociais (Sermão da Montanha, parábola do bom samaritano, etc). Aliás, isso foi insistentemente colocado por Jesus, então não se pode dizer que é um pecado da doutrina cristã, mas talvez das religiões cristãs que se apossam da mensagem e a distorcem, especialmente inculcar culpa, medo e inferioridade, e assim conseguir controlar os fiéis.


    Com base nisso Karl Marx (1818-1883) conclui que foi o "homem quem fez a religião, não foi a religião (ou Deus) que fez o homem", e desdenha a religião como "o ópio do povo".


    Robertson Smith (1889) acreditava que a religião não é o produto de uma elaboração intelectual, e sim o fruto de uma cultura, de um conjunto de costumes, de uma organização comunitária que contrói e desenvolve seus ritos. Desse processo ritual se desenvolvem os mitos, ou seja, as legitimações ideológicas e as teorizações religiosas. Outra teoria evolucionista que ganhou grande influência na concepção científica da religião foi a de James George Frazer (1854-1941), que acreditava em três estágios da evolução da humanidade: magia, religião e, finalmente, no topo, a ciência. Segundo ele, a magia está na raiz de todas as religiões, e permanece como resquício quando a religião passa a dominar: "a religião consta de dois elementos, um teórico e outro prático, a saber, uma crença em poderes mais altos que o homem e uma tentativa deste para propiciá-los ou aproveitá-los". Vemos isso constatado na Umbanda, Candomblé e (quem diria) nas comunidades evangélicas mais populares, bastando ligar a TV pra ver a fogueira disso, a corrente de oração daquilo, o óleo sagrado daquilo outro, a rosa ungida e todos os talismãs e "poderes mágicos" (milagres) que Deus confere aos que estiverem naquele grupo.


    No início do séc. XX, Emile Durkheim propõe uma nova compreensão da religião, definindo-a como "uma coisa eminentemente social", produto - e, mais importante, produtora - da sociedade. Como Feuerbach, Durkheim formula que os homens, ao adorarem os deuses, estão adorando a si mesmos. Entretanto, essa projeção-idealização se dá em um contexto coletivo, social. Todavia, a religião não representa a sociedade como ela é (real, concreta), mas sim de um modo ideal. Isso pode ser mais ou menos vislumbrado no judaísmo e no islamismo, pois são religiões que não se atém a uma geografia, nem mesmo a uma cultura regional, e sim a uma cultura religiosa (no caso do judaísmo ainda pesa o fator descendência). A teoria de Durkheim difere da de Marx porque não crê que a religião se limite a traduzir, em outra linguagem, "as formas materiais da sociedade e suas necessidades imediatas e vitais". A categoria do sagrado, essência da religião, relaciona-se à noção de força, de poder especial:

    Acredita-se que ela (a religião) consiste em um sistema de idéias, exprimindo, mais ou menos adequadamente, um sistema de coisas. Mas esta característica da religião não é a única nem a mais importante. Antes de tudo, a religião supõe a ação de forças sui generis, que elevam o indivíduo acima dele mesmo, que o transportam para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência profana, e que o fazem viver uma vida muito diferente, mais elevada e mais intensa. O crente não é somente um homem que vê, que conhece coisas que o descrente ignora: é um homem que pode mais.
    (Durkheim, 1977)

    Não é novidade nenhuma que a religião tem um papel transformador nas pessoas, que vencem desafios impostos pela classe social com dignidade e obstinação. Isso é chamadoresilência, e pode ser conferido in loco por quem for ao Coque, uma enorme comunidade marginalizada pela violência, onde a ONG Neimfa (Núcleo Educacional dos Irmãos Menores de Francisco de Assis) se instalou e, através das religiões (católica, evangélica, espírita, budista, hinduísta e umbandista) e da ciência (psicólogos, médicos, professores), fornece suporte físico, psicológico e espiritual para mais de 300 famílias, com resultados visíveis.


    Max Weber (1864-1920) tem uma visão mais pragmática e funcional da religião, imaginando-a não como um sistema de crenças, mas sim "sistemas de regulamentação da vida que reúnem massas de fiéis", voltando-se para o sentido que o ethos religioso atribui à conduta. Em seus textos Weber visa expor como as religiões geram ou constituem formas de ação e disposições gerais, relacionadas a determinados estilos de vida. Na análise do protestantismo, por exemplo, vemos essa relação, quando Lutero usa a palavra Beruf tanto pra se referir à vocação religiosa como ao trabalho secular (embora o autor diga que a afinidade do protestantismo com o espírito do capitalismo e do progresso como o entendemos hoje só remonta ao início do séc. XVIII). Assim, o pedreiro passa a servir a Deus construindo casas, o padeiro, fazendo pães, o comerciante, vendendo e comprando. Nessa linha, Deus não solicitava mais imagens ou templos ornados, mas determinada disposição em relação à vida cotidiana, à inserção e ao trabalho no mundo secular; trata-se do ascetismo intramundano, que nos lembra um pouco a filosofia zen budista de procurar estar dentro do mundo (não procurando algo fora dele), praticando sua religiosidade através das ações (mesmo as mais mundanas).


    A ética protestante representa uma ruptura em relação à ética católica tradicional. A negação da devoção aos santos e seus milagres, a recusa a certos sacramentos e uma nova perspectiva de relação com o sagrado e com as ascese configuraram uma religiosidade menos ritualista e mágica e mais intelectualizada. O fiel protestante, racional, disciplinado e, fundamentalmente, previsível, é também o operário capitalista, necessariamente previsível e disciplinado. Assim, Weber busca articular o ethos religioso com o ethos econômico no decurso da história. Segundo ele, pra cada formação religiosa há tipos específicos de "comunalização religiosa" e de "autoridade". Dois tipos formulados por Weber são a "igreja" e a "seita". A igreja implica um certo projeto universalista, que a coloca para além de laços tribais, familiares ou étnicos, assim como um corpo sacerdotal profissional, dogmas e cultos fundamentados em escrituras sagradas que se racionalizam e se institucionalizam progressivamente. Já a "seita" diz respeito a tipos de associações voluntárias de fiéis, que se caracterizam por uma certa ruptura com a sociedade mais geral. Os fiéis não seguem "profissionais religiosos", mas autoridades carismáticas. Interessante notar como a Igreja católica entrou num movimento de reafirmação onde está cada vez mais distante da sociedade geral, admoestando os "católicos de fim de semana" e procurando valorizar os dogmas dentro de um núcleo doutrinário, excluindo o aculturamento... Quase uma seita.

    Weber também se preocupa com as relações entre religiosidade e os diferentes grupos sociais. Assim, para as classes oprimidas politica, social ou economicamente, as crenças preferidas estariam relacionadas à possibilidade de "redenção" ou "compensação", enquanto as classes privilegiadas e dominantes buscam formas de religiosidade que permitam "legitimação" das relações sociais estabelecidas. O espiritismo cumpriu muito bem ambos os papéis no Brasil quando, em plena ditadura militar, foi bem aceito pelos dois lados (militares e a população oprimida pela ditadura).

    Peter Berger (1985) acredita que os homens são congenitamente forçados a impor uma ordem sinificativa à realidade, e aí entra o sentido da religião, como um escudo contra o terror.

    Em um certo nível, o antônimo de sagrado é o profano (...) Em um nível mais profundo, todavia, o sagrado tem outra categoria oposta, a do caos. (...) A oposição entre o cosmo e o caos é frequentemente expressa por vários mitos cosmogônicos. (...) Achar-se em uma relação "correta" com o cosmos sagrado é ser protegido contra o pesadelo das ameaças do caos.

    Pode-se dizer que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano da construção do mundo. (...) A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.

    Sigmund Freud (1856-1939) vê a religião como uma ilusão infantil, um sistema de defesa socialmente contruído com o qual o homem lida com sua condição fundamental de desamparo e sentimentos ambíguos em relação à figura paterna. Freud, assim, ignora o sentimento de transcendência e resilência que a religião aparentemente proporciona, preferindo colocar a experiência religiosa de eternidade e fusão como o Todo como um sentimento que não teria origem transcendental, mas sim algo intelectual/afetivo, como um retorno à experiência primeva do bebê, fundido com sua mãe. Embora Freud reconheça a religiosidade como vivência humana importante, tende a considerá-la derivada de outras experiências, não sendo, assim, uma experiência primária. Já a relação do Homem com Deus é apenas a projeção da relação com o pai (a imago paterna). Daí as relações intensas e ambíguas que surgem, como o Pai/Deus poderoso, dominante, protetor, onipresente, punitivo, odiado, vítima do ódio dos filhos e redentor.


    Erik Erikson (1902-1994) relaciona a religião com a imago materna, ou seja, a experiência primeva com a mãe, a separação e a tentativa sempre recorrente de reencontro.


    Carl Gustav Jung (1875–1961), como sempre, vai além do seu mestre e postula a religiosidade como elemento natural do psiquismo humano, uma parte constitutiva e essencial da natureza do próprio homem. Dessa forma, a religiosidade seria, por assim dizer, um instinto. Mas isso não quer dizer que as representações de Deus e dos elementos sagrados de cada cultura não sejam fenômenos socialmente construídos, mas sim baseadas num fundamento religioso humano universal.

    Quando, por exemplo, a psicologia se refere à concepção da virgem, trata apenas do fato de que existe essa idéia, mas não da questão de estabelecer se essa idéia é verdadeira ou falsa em determinado sentido. A idéia é psicologicamente verdadeira na medida mesma em que existe.

    O pressuposto da existência de deuses e demônios invisíveis é, na minha opinião, uma formulação do inconsciente psicologicamente adequada, embora se trate de uma projeção antropomórfica. (...) tudo quanto se acha fora, quer seja de caráter divino ou demoníaco, deve retornar à alma, ao interior desconhecido do homem, de onde aparentemente saiu.

    Não é Deus que é um mito (como podem sugerir as ciências), mas o mito que é a revelação de uma vida divina no homem. Não somos nós que inventamos o mito, é ele que nos fala como Verbo de Deus.

    Mas, para Jung, nem tudo na religiosidade é expressão dos recônditos da alma humana. Determinadas crenças, dogmas e ritos podem ser, de fato, recursos sociais protetores contra a experiência religiosa originária, imediata e, potencialmente, avassaladora:

    A experiência imediata do arquétipo da divindade representa um impacto tão violento que o ego corre o perigo de desintegrar-se. Com os meios de defesa face a esses poderes, a essas existências mais fortes, o homem criou os rituais. Poucos são aqueles capazes de aguentar impunemente a experiência do numinoso. As cerimônias religiosas coletivas originam-se de necessidades de proteção, funcionam como anteparos entre o divino e o humano, isto é, entre o arquétipo da imagem de Deus - presente no inconsciente coletivo - e o ego.


    Fiz essa pausa pois a questão da teodicéia está diretamente ligada ao desenvolvimento de cada religião, então é importante vermos como ela foi analisada e influencia pelos pensadores cada um a seu tempo, todos mostrando uma tentativa de resposta. Neste sub-tópico veremos como as religiões judaica, cristã e islâmica compartilham de uma visão unilateral devidamente apropriada a seu contexto, mas quando relacionada, mostra-se ineficiência ao mundo moderno.

    Nestas religiões, ao longo dos anos, os filósofos e os teólogos que discutiam a teodicéia desenvolveram um problema lógico. Este problema envolve três afirmações tidas como verdades absolutas nestas três religiões abramanica:

    Deus é todo-poderoso;

    Deus é todo amor;

    Há sofrimento.

    Como todas as três podem ser simultaneamente verdadeiras? Se Deus é todo-poderoso, então é capaz de fazer o que quiser (e, portanto, pode eliminar o sofrimento). Se ele é todo amor, então obviamente quer o melhor para as pessoas (e, portanto, não quer que elas sofram). E ainda assim as pessoas sofrem. Como explicar isso?

    Alguns pensadores tentaram negar uma ou outra das afirmações. Alguns, por exemplo, argumentam que na verdade Deus não é todo-poderoso – essa é a resposta apresentada pelo rabino Kushner em Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas. Para Kushner, Deus gostaria de interferir para eliminar todo o sofrimento, mas suas mãos estão atadas. Assim, ele permanece a seu lado de modo a dar a você a força necessária para lidar com a dor na vida, mas não pode fazer nada para acabar com a dor. Para outros pensadores, isso é estabelecer um limite ao poder de Deus e, na verdade, é uma forma de dizer que Deus não é Deus.

    Outros argumentam que Deus não é todo amor, pelo menos não no sentido convencional. Essa é mais ou menos a visão daqueles que consideram Deus culpado pelo terrível sofrimento suportado pelas pessoas [...] Outros fazem objeções e alegam que se Deus não é amor, mais uma vez ele não é Deus.

    Há algumas pessoas que querem negar a terceira afirmação. [...]

    Trecho extraído do livro O Problema com Deus – Bart D. Ehrman, editora Agir; 2008.

    A terceira negação nem precisa debatida. Só não vê sofrimento aqueles que se iludem! Sofrer é a maior realidade do homem, em todos os níveis; deste a uma mera desilusão amorosa, até uma perda familiar ou um genocídio provocado pelas guerras fartamente documentadas e visíveis dentro e ao redor de nosso cotidiano.

    O próximo sub-tropico é complementar a este e ira mostrar cada uma as concepções dos profetas, editores, escribas e redatores bíblicos ao longo do tempo e mostrar que, dentro de seu contexto, sua época e preceitos morais, as respostas são eficientes, mas nunca escritas para serem universais, nem tão pouco aplicáveis ao sofrimento além da condições pré concebidas pela escritura. Ou seja, para as exceções, não há resposta satisfatória. Nem mesmo para o seu próprio contexto!

    O fato de haver exceções (sabem quais?), somado ao paradoxo da tríplice afirmação, nos leva a conclusão que a questão do sofrimento humano está totalmente ligada ao caráter de Deus. O que nos faz pensar melhor na segunda afirmação; Deus é realmente todo amor?

    Introdução aos Profetas e a concepção judaica anterior, no e pós-exílio da teodicéia

    Veremos aqui como os profetas lidam com a questão do sofrimento e quais são suas respostas e como elas deixam brechas para questões que não são respondidas.

    Os livro proféticos são hoje os livros mais incompreendidos do AT, principalmente por aqueles que o lêem de forma anacronologica, dando-lhe um ar de superioridade entre os seus além de suas épocas. Isos é compreensível, pois os livros exclama acontecimentos de seu presentes como futuro acontecimentos. O literalismo intimamente ligado ao desejo de vingança não permite que os leitoras da Bíblia não sejam críticos e concebam estes livros dentro de seu contexto.

    E de forma ainda mais radical - que hoje é tida naturalmente - a interpretação cristã é mais ainda descontextualizada. Pré-moldada em superstições oriundas do sincretismo dos valores mal compreendidos dos profetas pagãos junto aos profetas judaicos, além é claro da alienação cinematográfica. Os profetas pagãos eram “videntes com bolas de cristais”, por assim dizer, que por meio de ritualísticas complexas – sendo muito delas arcaicas – diziam, predizer acontecimentos futuros, seja em êxtases de sacerdotisas virgens, ou nas entranhas de um animal sacrificado. Essas predições, quando analisadas, nos mostram apenas que não passam de cálculos de probabilidade baseado em axiomas. Porém, os profetas judaicos, diferenciavam radicalmente, não apenas em sua metodologia, mas na ênfase da iminência.

    Por isso, é um erro interpretá-los se forma atemporal. Nem tão pouco devem ser lidos de forma universal (apesar dos problemas exortados nos livros serem comuns até hoje. Tem dado resultado se espelhar em seu exemplo?), mas sim de acontecimentos breves, regionais, delineados e na maioria das vezes, conseqüência de ações sociais.

    Os profetas - que no meu julgamento não é errado chamá-los também de filósofos, teólogos ou reformadores sociais - estavam diretamente ligado aos acontecimentos de sua época. O seu presente momento. Não um futuro além da compreensão. Para eles, o que viria a acontecer era apenas a conseqüência dos atos humanos - que nesta visão - não agradará Jeová.

    Ler os livros proféticos de forma atemporal é ignorar a mensagem como um todo de cada livro. Livros que devem ser lidos cada um a seu modo, analisando suas perspectivas culturais e os fenômenos que a caracterizam cada um na época e de sua escrita. Mais agressivo em meu posicionamento, digo que estes livros não mais representam significados além de sua documentação [pseudo] histórica. Todas as “profecias” do AT já se cumprirão, pois: 1) exortavam acontecimentos de um futuro breve 2) baseavam em uma teologia pré-moldada em axiomas da comunidade judaica 3) buscavam acolher e confortar o povo judaico em seu tempo, para o que já estava acontecendo, o que mais iria acontecer e principalmente o porquê e as conseqüências.

    E é exatamente no “porque e nas conseqüências” que vamos nos concentrar.

    Como veremos, os profetas tinham em comum uma resposta padronizada, baseada na “herança do pecado de Adão”. Deus havia se enfurecido com a indiferença dos homens para com sua Lei e por isto impõe a punição severa para o pecado.

    É uma lógica simples: pecado gera punição. Experimentamos isso na nossa infância quando agimos de forma errada para com nossos pais e eles nos colocam de castigo de pé contra a parede. É apenas educação... Puni-se para que haja reflexão.

    Em escala maior: Deus te dá um mundo perfeito, e o que você faz? O despreza. Dá-te Leis para ter uma relação especial com ele. E o que o faz? Não as cumpri. Qual a única solução que deus todo-poderoso vê para este dilema? Sofrimento, mais e mais sofrimento... Assim diz ser a palavra de Deus segundo a exortação dos profetas [fundamentalistas?].

    E, por que o sofrimento? Para que o homem veja sua insignificância e implore por Ele ajuda, como um filho que só, no chão sujo e machucado, vê que precisa do pai para lhe orientar e o ajudar a empurrar na bicicleta. Neste sentido, Freud está totalmente certo quando nos diz que muito (tido por alguns como essência) da religiosidade é fruto de uma carência paterna.

    Essa visão teológica arcaica é baseada na interpretação histórico-literal do Gênesis. Como sabemos, Deus (mesmo sendo todo-poderoso) se irritou com Adão, Eva e a Serpente, por terem lhe ofendido com a desobediência de ter comido do fruto proibido e como punição, deu-lhes o conhecimento da dor, em todos níveis, para eles e suas gerações futuras. E, muito pouco observado até então, dor e sofrimento para os outros animais do Éden que nada tiveram culpa na “desobediência” deles. Mesmo assim todas as fêmeas de todas as espécies de animais que são inocentes nesta pseudo-história deveriam carregar para si e suas gerações futuras a dor do parto junto com os transgressores.

    Essa é a principal exceção observada nos escritos bíblicos na qual não há uma resposta nem mesmo pré-formulada. Por que os inocentes sofrem? Por que sofrem junto com os transgressores? Toda dor é proveniente da vontade de Deus? Deus quer mesmo que os inocente sofram?

    Aparentemente sim! Pune-se coletivamente os erros de alguns. Isto esta claro na exortação de profetas como exemplo, Amós de Teuda.

    6 Assim diz Javé: Por três crimes de Israel e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias;

    7 pisoteiam os fracos no chão e desviam o caminho dos pobres! Pai e filho dormem com a mesma jovem, profanando assim o meu nome santo.
    8 Diante de todos os altares eles se deitam sobre roupas penhoradas e no templo do seu deus bebem o vinho de juros.9 E a frente de vocês, fui eu quem derrotou os amorreus, altos como cedros do Líbano e fortes como carvalhos: os frutos deles, eu cortei por cima, e por baixo as suas raízes. 10 Fui eu quem retirou vocês da terra do Egito e, através do deserto, guiei vocês durante quarenta anos, a fim de os tornar proprietários da terra dos amorreus. 11 Entre os filhos de vocês escolhi profetas, e entre os jovens de vocês escolhi homens consagrados. Não foi assim, ó filhos de Israel? - oráculo de Javé.

    12 No entanto, vocês embriagaram os homens consagrados e taparam a boca dos profetas.

    13 Pois eu vou abrir o chão debaixo de vocês, como abre o chão uma carroça carregada de feixes.
    14 O mais veloz não conseguirá fugir, a força do valente de nada lhe valerá; o forte não escapará da morte, 15 o arqueiro não ficará de pé, o ligeiro das pernas não escapará, e nem mesmo o cavaleiro salvará a própria vida; 16 o mais corajoso dos guerreiros fugirá nu nesse dia! - oráculo de Javé.

    O profeta Amós denuncia e julga o que está acontecendo no reino de Israel, pátria dos ouvintes. Acusa-os de injustiça social, corrupção, idolatria, manipulação ideológica. Os principais atingidos pela profecia são as autoridades: ao invés de promoverem condições de justiça e vida, exploram, oprimem e manipulam ideologicamente o povo, reduzindo-o à fraqueza, miséria e abandono. Enganado, o povo não consegue nem ter acesso às condições libertadoras, apresentadas pelos profetas e por outras pessoas consagradas (nazireus). A essa infidelidade dos governantes, o profeta contrapõe a fidelidade de Jeová, que libertou o povo da escravidão e o fez conquistar a terra da vida. O castigo anunciado nos vv. 13-16 refere-se à invasão do reino do Norte pela Assíria.

    Pela teologia convencional é nos aparentemente justo! Os iníquos soberanos e exploradores sociais devem pagar terrivelmente por oprimir o povo. Amós é um profeta social. Em Isaías 1:23 vemos a mesma exortação social, como também em Jeremias 5:26-29. Mas, em nenhuma parte, é explicado ou sugerido o por que Deus (todo amor) quis que os defendidos oprimidos na exortação fossem assassinados, torturados, escravizados e dito suas mulheres estrupadas junto com os iníquos.

    E este problema do sofrimento com os justos vemos em todos os livros proféticos. Para Oséias, por exemplo, o motivo da punição de Jeová era principalmente a idolatria. Assim como também em Juizes 2:11-15 e 2Reis 17:5-18. Nas palavras de Oséias há uma generalização não esclarecida ou até mesmo proposital. Todos são como prostitutas oferecendo para os deuses – em especial Baal – a graça oferecida por Jeová (Oséias 2:8-12).

    Aqui cabe uma observação: Usar a generalização de Oséias para com o povo no sentido de que este também seja culpado da ira de Deus para justificar a questão anterior do livro de Amós onde o povo é a vitima, é anacronismo. Como disse no inicio, são temas diferentes, públicos e mensagens diferentes. Infelizmente cristãos e até mesmo os judeus modernos usam deste artifício para querer demonstrar uma justificativa.

    Cada livro deve ser lido individualmente e ter sua construção como o todo analisada para que não se perca o foco de sua mensagem central. Cada caso um caso...

    Voltando ao livro de Oséias... E pior ainda, Jeová – pelas palavras de seu profeta – também generaliza novamente como critério para a punição!!! Vemos isso em Oséias 13:16, por exemplo, onde é dito que grávidas terão seus ventres abertos. Isso faz qualquer um que seja critico pensar qual foi o crime destas crianças que nem nasceram ainda para que Deus as puna junto de suas mães, mesmo considerando que suas mães sejam pecadoras?

    Uma resposta praticamente instintiva comum dos apologistas é que por serem puras, Deus prefere que elas nem nasçam de mães impuras. Mas sejamos sinceros; Deus é - como nos é dito na tríplice afirmação - todo-poderoso e todo amor. Não é possível compreender por que sendo todo amor não teve misericórdia de suas mães pecadoras lhes poupando a vida e / ou lhes oferecendo a redenção por meio desta nova vida. Deus todo amor? Parece-me mais intransigente!

    Ainda analisando este caso; como fica a tentativa de resposta de Isaias, por exemplo, de redenção por intermédio alheio? Este caso é do livro de Oséias, mas pode ter certeza que achará no citado Isaias caso semelhante onde a mesma pergunta sem resposta continua.

    Mesmo com tantas “lacunas” evidentes nas respostas apresentadas pelos profetas, os apologistas fogem da discussão, se negando a serem críticos, e nisso contra-respondem com “mistério” ou “não julgue Deus”. Isso é o mesmo que fechar os olhos para a terceira afirmação: há sofrimento.

    Outro detalhe a ser observado é como o problema é apresentado nos livros sapienciais: aqui nos é dito que Deus faz distinção entre justos e iníquos, diferente da visão clássica anterior dos profetas que fazem poucas distinções (autoridades explorando o povo) e muito freqüentemente generalizando (principalmente na punição a ser imposta). A distinção é vista, por exemplo, em Provérbios 3;33, 10;3, 11;8, 13;21.

    Mas a realidade está ai a sua volta. E na própria Bíblia. Os iníquos prosperam e os justos continuam a serem explorados. E quando Deus pune, ambos são punidos juntos. Por que?

    Mediante ao mundo real é totalmente necessário perguntar: quais são os critérios de Deus para permitir que os justos prosperem?

    E mais uma vez o apologista nos diz: "O justo que não é recompensado em vida é recompensado no Céu.”

    Isto é totalmente errado! Não apenas teologicamente, mas também historicamente. TODO o contexto dos livros proféticos esta formulado segundo a compreensão judaica ortodoxa da punição pelo pecado como meio de reflexão, e do sofrimento como teste de fé (mais à frente volto neste ponto). E a resposta apresentada é sempre a mesma: a recompensa virá ao justo em vida. Era essa a esperança dada ao povo pelos profetas! Que Deus recompensaria os justos com o regresso a suas terras, a seu lar, a paz. A preocupação total dos escritos proféticos judaicos é dar esperança ao povo após a invasão e destruição causada pelos Assírios e depois pelos Babilônicos.

    Historicamente, os judeus não tinham um conjunto de valores espirituais além tumulo até sua estadia no Exílio, onde lá, sua teologia foi perdendo gradualmente a ortodoxia e mitos e valores persas foram assimilados a visão judaica. É do exílio, por exemplo, a idéia de inflição de sofrimento por meio de Demônios como também a graça dada pelos Anjos. O próprio Satanás é original desta teologia sincrética. Anterior ao exílio, é unânime a compreensão dos pesquisadores que os judeus viam tanto o bem como mal em suas vidas como ações de Deus. Isto está explicito em Isaías 45,7.

    A teologia da graça do Céu surgiu posteriormente e se desenvolveu mesclando os valores persas adotados no exílio com os valores helenísticos, chegando a sua “formula final” com o advento do Cristianismo. Anterior aos cristãos, era defendido pelos fariseus e pelos essênios (de forma diferentes!), mas totalmente negada pela classe sacerdotal do Saduceus que tentavam manter a ortodoxia – já perdida.

    Ninguém soube responder a estes enigmas. E provavelmente a resposta não virá externamente. Talvez seja pessoal, individual e limitada ao sofrimento de cada um. Não pretendo tentar dar uma resposta alternativa, mesmo por que não a tenho. Apenas sei, e digo SEI de forma totalmente pessoal, que as respostas apresentadas pelos profetas não são suficientes. São limitadas, regionais e temporais, apropriadas para a mensagem teologicamente construída baseada exclusivamente nos valores de sua época. Todas escritas para satisfazer os questionamentos inevitáveis do por que Deus permitiu a seu “Povo Escolhido” tamanho sofrimento para com nações estrangeiras.

    Essa resposta, como vimos, é baseada na punição ao pecado como estimulo a reflexão, reconciliação e conseqüentemente, alivio ao sofrimento. Porém ha variações desta resposta padrão, como por exemplo, na história de José (Joshua ou Josué - dependendo da tradução) em Gênesis cap. 37-50. Não é necessário resumir a historia, todos nos a conhecemos e conhecemos sua mensagem principal: que Deus inflige sofrimento como um teste, e desta forma, mostra que é possível gerar frutos bons de coisas ruins. É uma mensagem bela de fato, instigadora e até mesmo animadora para esta discussão.

    Mas não se anime demais. A primeira vista ela é A resposta para as questões anteriores. Só a primeira vista.

    Alguém dirá: “Deus inflige sofrimento aos justos para os fortalecer e fazerem suas vidas grandiosas, dignas, benévolas com a paz e a graça do Senhor!”

    Sim, essa é a mensagem do texto. Mas, eleve seu senso critico para esta questão:

    E quando o justo testado morre?

    Fica claro que esta história de Gênesis cap. 37-50 não responde a esta questão. A moral da história é que o homem glorioso suporta o teste e sai dele vitorioso em vida e disso, regojiza em vida das benções de Deus.

    Eis que sem demora, de forma insistente um apologista grita em protesto: “SE MORREU, FOI POR QUE FRACASSOU AO TESTE. SUA ALMA SE CONTAMINOU AO TORMENTO E ELE PECOU CONTRA A VONTADE DE DEUS!”.

    Bem, é um raciocino simples do apologista. Fracassou porque não tinha fé suficiente em Deus. Simples assim.

    Talvez deveríamos concordar com isso, mas nos sentimos compelidos a fazer novas perguntas: Sendo ele justo e justo se manteve até quando Deus lhe impôs o teste, qual será o destino de sua alma? Céu ou inferno? Deus, sendo todo amor condenaria ao tormento do inferno seu filho que sempre foi justo em sua vida toda; que, unicamente por conta de sua soberana vontade, fracassou por não souber como se portar? E mais importante: Sendo Deus todo-poderoso – onisciente - por que submeteria um servo fiel a um teste que Ele sabia que não conseguiria cumprir?

    É muito importante pensar nestas perguntas quando analisarmos as escrituras. Mais importante é ter consciência que a Torá é o primeiro conjunto de histórias, e por conta disso, a resposta do sofrimento como teste não se aplica ao caso dos profetas, visto que estes próprios tinham suas respostas baseadas na primeira tentativa de resposta do pecado de Adão. Insisto também em meu posicionamento que ler a Bíblia de forma Holística é desvalorizar a mensagem de cada livro. Os profetas agiram como filósofos tentado compreender as adversidades que seu povo sofriam. Como teólogos buscando na Lei formas de conciliar sua visão aos acontecimentos e, por fim, como reformadores sociais tentado exortar sua compreensão do problema para os outros.

    Há mais um tipo de resposta ao sofrimento. O Citado ligeiramente aqui, também temos o caso da [suposta] resposta de Isaias. E Este é especial para entendermos a teodicéia do Novo Testamento; o sofrimento como forma de redenção - não apenas de si - mas de muitos.

    Uma teoria para a formulação proto-cristã da interpretação de Isaías 53

    Neste sub-tópico proponho uma teoria para o principal fundamento da fé cristã; a comprovação de Jesus como “Redentor de muitos” através de uma soma de interpretações selecionadas e “mistas” de trechos da Bíblia Hebraica e sua própria evolução teológica, com especial destaque para Isaias 53. Enfatizo que é uma teoria, pois é formulada a partir de minhas reflexões sobre o vasto material disponível para o assunto. Tentarei e me submeterei ao risco de ser mais afirmativo que os autores que li.

    Quando confrontamos a questão do sofrimento do Antigo Testamento com o Novo Testamento, encontramos um mundo e um Deus radicalmente transformados. Tanto que pensadores posteriores chegaram a pensar que o “Pai” de Jesus não era o Deus dos judeus – como, por exemplo, Marcião e a tentativa de resposta gnóstica que será tocada mais pra frente. Historicamente, eles não estavam totalmente errados!!!

    E de fato todo a teologia da teodicéia é renovada de forma incrível. Não apenas a ênfase no Amor é explicita, mas Deus é o Amor, e o amor quer viver eternamente enamorado a sua grande paixão. Mas “alguém” o impede disso. Quem é esse alguém? Quem é capaz de instigar o homem a ser contra Deus? Não é mais o homem culpado por seus pecados? Quando aconteceu tamanha mudança?

    Eu tenho uma teoria para isso. Acredito firmemente que o trauma da experiência do Exílio Babilônico para os judeus fora tamanha que, aqueles que não se sentiam mais satisfeitos e frustrados com as respostas de seus ancestrais começaram a perder sua fé, e com ela, as barreiras do medo foram se desvaindo junto com a ortodoxia. E o resultado desta “perda de fé” fora à aceitação das respostas ao sofrimento dado pelos outros cultos.

    Longe de sua terra [prometida] e de seu templo, os judeus ficaram incapacitados de realizar seu principal ritual de redimição dos pecados. E isso gerou muito tormento em suas almas...

    Certamente lhes doía pensar: Como poderei adorar meu Deus corretamente se estou impotente em terras estrangeiras de realizar os ritos que Ele mesmo nos ordenara para louvá-lo? (Levítico 1-7)

    È da Lei que em determinado local sagrado – antigo Tabernáculo e posteriormente, no Templo – sejam feitos sacrifícios e holocaustos para acalmar a ira de Deus. Como o pecado gerava punição, a oferenda era uma forma de compensação. Em outras palavras, o animal sacrificado substituía o homem, que não mais precisava ser morto por seus pecados já que o animal foi. (Gn 22:1-14). Esta foi à solução criada na teologia judaica para amenizar o sofrimento (pelo menos, psicologicamente).

    Não só entre os judeus, esta idéia de sacrifício é a base mais antiga de resposta para as adversidades da humanidade em toda sua história religiosa. É de todas religiões antigas a idéia de que o homem fora criado para servir (os) Deus(es) e quando irritados, devem ser louvados para conseguir o perdão.

    Nas concepções mais antigas (segundo a Bíblia, iniciada por Caim e Abel), os deuses literalmente se alimentavam de suas oferendas [ = humanos como cozinheiros e garçons] e em retribuição, ofereciam fartura nas colheitas, sorte nas caças e paz da natureza [ = pagamento]. Um ciclo sem fim de dar e receber.

    Alguns cultos, porém, foram mais além, e começaram a sacrificar humanos para satisfazer e acalmar a ira de seus deuses. A melhor explicação para tamanha monstruosidade é que após grandes períodos de escassez, essas comunidades em ruína começaram a ficar desesperadas, e como ultima tentativa começaram a sacrificar suas próprias vidas e / ou os menores de sua primitiva sociedade (virgens, crianças ou prisioneiros de guerra) para que os deuses voltem a olhar por eles, lhe tragam fartura, caça e paz. Deve ter dado certo, já que o choque desta experiência fora tamanha que vimos estas idéias se perpetuarem como normais nestas comunidades primitivas até poucos séculos atrás.

    Felizmente não encontramos nos escritos judaicos essa tentativa extrema de manter a relação com seu Deus. Apenas em uma alegoria de Abraão com seu filho Isaque tendo sua fé testada com o objetivo de provar para Jeová que o louvava sem interesse.

    Mas esta idéia de sacrifício extremo poderia ter acontecido, isso se os judeus não tivessem exemplos de como é repulsivo tal ato de seus vizinhos baais.

    Atormentado pela dúvida tiveram que se recolher a respostas alternativas. E qual foi à solução que eles encontraram no Exilo Babilônico?

    Um adversário para Deus! E para isso a teologia dualista do profeta persa Zoroastra (ou Zaratrusta) era perfeita.

    Assim falava Zaratrusta: Ahura Mazda [deus bom] criou os seres celestiais (anjos) e o homem, lhe deu a terra coberta de fartura, uma companheira e condições para nela frutificar e para louvá-lo. Este bom e todo poderoso deus - como Jeová - também fez uma proibição ao homem de jamais comer de um fruto. E nisso o homem foi feliz e obediente. Mas o grande Ahura Mazda tinha um inimigo, Arimã [deus mal] que sentiu inveja e rancor da criação perfeita de seu adversário e quis impor a intriga e a desordem no mundo perfeito. Para isso, ordenou que um de seus seres celestiais (demônios) provocasse dor na terra e como maldade maior; colocasse na mulher “impurezas”. O resto da história vocês já devem suspeitar...

    O grande diferencial desta história para com o Gênesis está na existência de Dois grandes deuses, sendo um todo bom (e mais forte) e o outro todo mal (por ser mal, mais fraco). Igualmente no judaísmo, Ahura Mazda oferece um acordo especial ao profeta Zoroastra caso persevere em sua fé e louvor a Ele. Uma idéia que até então não tinha sido formulada no judaísmo; a recompensa da vida eterna aos justos no reino dos seres celestiais após a morte. A ressurreição dos justos e dos iníquos mortos antes do dia do Senhor e o julgamento final das forças das trevas e de seus seguidores iníquos. (lembrem-se disso quando forem ler o NT!)

    Dado o desenvolvimento teológico judaico até a ascensão cristã é visisvel que a resposta zoroastrica para a teodicéia se mostrou bastante convincente. Não só ela, mas a forma de se redimir com Deus: pela perseveração da fé! Isto lhe diz algo caro leitor cristão?

    Mas havia um problema: como conciliá-la com a teologia judaica de um só Deus?

    A resposta encontrada foi rebaixar o deus adversário para um ser celestial rebelde. Usando de um mito também zoroastrico; Satanás foi criado, se rebelou e foi expulso do Céu.

    Alguém dirá: “Interessante. Mas amigo, na Torá aparece várias vezes anjos. Como você explica isso? Não está você cometendo anacronismo? Se fossem mesmo influências zoroastricas, eles não apareciam no Gênesis por exemplo.

    Não há problema algum se você reconhecer que os livros foram escritos, editados e reeditados no e pós-exílio.

    Continuando... Não só um antagonista cósmico para Deus, mas posteriormente, a classe dos judeus que mais se identificou com os valores dualistas do Zoroastrismo, chamados de Fariseus, começaram a se questionar qual seria o papel do Messias-guerreiro para eles já que o bem maior viria diretamente da ação iminente de Deus?

    Acredito firmemente que a resposta encontrada por eles foi dar um novo atributo ao Messias - sem é claro, de inicio, excluir o modelo da tradição de guerreiro. Uma espécie de interlocutor e juiz de Deus para o povo justificado pela fé no mundo. E assim foi surgindo e crescendo o conceito amplamente usado mais pra frente pelos cristãos na formulação dos evangelhos: o “servo sofredor” fundido ao “Filho do Homem”.

    Nota: A primeira menção do Filho do Homem nos escritos judaicos está no livro de Daniel. Este livro foi muito importante para o desenvolvimento teológico pré-cristão.

    O judaísmo nunca mais foi o mesmo...

    Para entender onde quero chegar é necessário compreender estes quatro dos principais fatores da renovação da teologia judaica até a formulação do NT:

    1. Sacrifício como meio de compensação de seus pecados;

    2. Sofrimento não mais causado por Deus, mas sim por um adversário (do hebreu: Saithan = Satanás) de grande poder;

    3. Recompensa da vida eterna aos justos de boa fé em Deus no outro mundo;

    4. Messias como juiz da vontade divina.

    Com base nisso podemos analisar o contexto do livro de Isaias e o famoso capitulo 53.

    Quem hoje ao ler as poderosas palavras de Isaias 52:13-53:8 não vê Jesus nelas?

    Certamente hoje todos nós identificamos Jesus nestas palavras. Mas será esta a intenção do autor? [u]Ou será esta a intenção dos autores dos evangelhos cristãos?

    Se bem lembram no sub-tópico anterior disse que nunca fora o objetivo dos profetas escritores um futuro além da compreensão. Todos os três livros de Isaias estão diretamente ligados aos acontecimentos anterior, no e pós-exílio.

    Fazendo uso mais uma vez de um trecho do livro de Ehrman; “Há mais de cem anos, os estudioso se deram conta de que os capítulos 40 a 55 do livro de Isaías não poderiam ter sido escritos pelo mesmo autor responsável pelos primeiros 39 capítulos (ou a maior parte deles). Os primeiros capítulos pressupõem uma situação na qual a Assíria está prestes a atacar Judá – ou seja, foram escritos no século VIII a.c. Os capítulos 40 a 55, por outro lado, pressupõem uma situação em que o reino do sul tinha sido destruído e seu povo, levado para o exílio – ou seja, meados do século VI a.c. Talvez por que os dois livros têm temas proféticos semelhantes, alguém posteriormente os somou em um único rolo, acrescentando ainda os capítulos 56 a 66, de um profeta ainda mais recente (o terceiro Isaias), que escreveu em um terceiro contexto.” (pág. 72)

    No primeiro Isaias, a mensagem tradicional profética é exortada (pecado gera punição, arrependam-se!). Já o segundo Isaias enfatiza que o sofrimento já foi aplacado e que Deus irá os perdoar – mensagem mais que apropriada para os judeus já exilados.

    Está mais que claro para quem lê o segundo Isaias dentro de seu contexto que Israel é o servo (41:8 ou 49:3). Sendo mais critico em nossa analise, não há nada em Isaias 52:13-53:8 que sugira que o autor esteja falando sobre um futuro Messias. Nada! Nem mesmo a palavra Messias aparece nesta passagem. Além é claro que está explicito que o sofrimento deste “servo” está no passado, não no futuro. (Ehrman, pág. 76)

    E por que os proto-cristãos o interpretaram assim?

    Tudo indica que “herdaram” esta interpretação. Talvez devemos nos perguntar primeiro quando aconteceu. E a resposta para quando aconteceu está diretamente relacionada a crescente popularidade dos escritos apocalípticos.

    Em 2000, Israel Knohl, Yehezkel Kaufmann professor de Estudos Bíblicos na Universidade Hebraica de Jerusalém e um investigador sénior no Instituto Shalom Hartman publicou o audacioso livro [i] O Messias antes de Jesus[/i] onde apresenta a tese que um messias sofredor era uma crença popular pelo menos entre uma minoria de intérpretes das escrituras. No livro, Knohl apresenta Menahem, o essênio, como um modelo deste novo conceito Messiânico.

    De inicio, Knohl teve sua tese desacreditada por não haver até então nenhuma prova textual, mas felizmente temos agora um achado arqueológico para comprovar os argumentos e com isso rever toda a teologia proto-cristã da interpretação de Isaías 53 e com isso avançar na busca para as respostas das origens culturais do Cristianismo Paulino. O achado:

    http://www.nytimes.com/2008/07/06/world/middleeast/06stone.html?em&ex=1215489600&en=28e25c3c87821bc2&ei=5087%0A

    Destaco da resenha do livro O Messias antes de Jesus este parágrafo para terminar este sub-tópico:

    O autor, Israel Knohl, acredita que a figura do Messias qumrânico e a ideologia messiânica a ele ligada tiveram uma profunda influência sobre Jesus e sobre o desenvolvimento do messianismo cristão. Afirma que Jesus foi influenciado em seus últimos anos por essa outra tradição religiosa, da qual ele recebeu sua doutrina messiânica por um encontro com aqueles que mantiveram o legado do Messias de Qumran. Essa teria sido a “Cristologia de Jesus”.