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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

UFC (Unidade da Fé Cristã) Crossan X Craig


O Credo niceno afirma:

Cremos em um só Deus, Pai, Todo-Poderoso,

Criador do céu e da terra, de todas as coisas, visíveis e invisíveis.

Cremos em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus,

gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da luz,

verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado,

de uma só substância com o Pai.

Por ele todas as coisas foram feitas [...]

pelo poder do Espírito Santo se encarnou,

no seio da Virgem Maria,

e se fez homem.

Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;

padeceu a morte e foi sepultado.

Ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, conforme as Escrituras;

e subiu aos céus, onde está assentado à direita do Pai.

Como devemos entender esse credo que, em si, é uma tentativa de expressar o cerne da fé cristã — o “cristianismo puro e simples”, como disse C. S. Lewis?

O nascimento virginal e a encarnação (“se encarnou, no seio da Virgem Maria”), a crucificação de Jesus (“Por nós foi crucificado”) e a ressurreição física (“Ressuscitou dos mortos ao terceiro dia”) devem todos ser considerados fatos realmente his­tóricos, ocorridos no espaço-tempo? Ou são de algum modo mitológicos ou metafóricos, por expressarem verdades mais profundas e supra-históricas?

Em sua obra Metaphor of God incarnate [A metáfora do Deus encarnado], John Hick, filósofo da religião, recomenda a segunda abordagem. Somente tal visão faz sentido à luz da nova consciência global, o que deve despertar em nós uma consciência sensível a outras crenças e culturas. Desse modo, devemos falar de encarnação somente no sentido de que Jesus, em sua acessibilidade e receptividade à vontade de Deus, encarnou o amor divino por meio de seu próprio amor altruísta.

Em contrapartida, cristãos de todos os séculos consideram o nascimento virginal, a encarnação, a expiação e a ressurreição fatos reais e históricos. O Credo Niceno serviu de padrão para a igreja defi­nir aquilo em que o cristão deve crer. Rejeitar suas declarações, fun­damentais para o cristianismo, era chamar anátema sobre si mesmo, ser rotulado de herege. Essa era uma das conseqüências de eliminar da história a fé cristã. De fato, se as doutrinas do credo são mitos ou metáforas, então a fé cristã, crida há séculos, fica enfraquecida: “E, se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é inútil e ainda estais nos vossos pecados” (1Co 15.17).

Até uma época relativamente recente, os cristãos acreditavam não haver separação entre o Jesus da história e o Cristo da fé. Era tido como certo que o segundo dependia do primeiro. Contudo, no decorrer dos últimos duzentos anos ou mais, cristãos tradicionais tiveram de contender com um suposto desencontro entre o Jesus da história e o Cristo da fé. A íntima ligação entre o Jesus da história e o Cristo da fé resume o tema principal deste livro, ideia que toma a forma de uma discussão entre teólogos conservadores e liberais — entre os proponentes da posição evangélica ortodoxa e os parti­cipantes do Jesus Seminar [Seminário Jesus] — sobre a identidade do verdadeiro Jesus. Embora eu me sinta à vontade com o primeiro grupo, estou convencido da necessidade de interação entre pontos de vista opostos ou diversos. Normalmente precisamos dos opo­nentes intelectuais para ser levados a pensar mais claramente sobre nossa própria posição — e para nos afastarmos das caricaturas ou dos estereótipos.

O Cristo da fé e o Jesus da história

Antes de entrarmos em questões específicas, convém fornecer um breve panorama histórico. No decorrer dos últimos duzentos anos, três personagens moldaram significativamente o debate que cerca a distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé: David Friedrich Strauss, Martin Kähler e Rudolf Bultmann. Strauss (1808-1874) foi o primeiro a fazer distinção entre teologia e história, entre o Cristo da fé e o Jesus da história.

Strauss tentou enfraquecer a com­preensão sobrenatural dos Evangelhos em sua obra Das Leben Jesu, kritisch bearbeitet, publicada originalmente em 1835 e mais tarde traduzida para o inglês pelo romancista George Eliot. A visão tradi­cional de Jesus como o Deus-homem dos milagres dos Evangelhos pertencia à categoria do mito. Esses mitos, embora expressassem ideias importantes, não deveriam ser considerados fatos históricos no espaço-tempo. Se possível, deveriam ser esmiuçados com o obje­tivo de adequadamente remontar o Jesus histórico. Strauss sustentava que, se admitirmos o ponto de vista mítico, “desaparecem”, então, em um só golpe, “as inúmeras discrepâncias e contradições cronológicas das histórias do Evangelho, incapazes de jamais ser harmoni­zadas de outra forma”.

Na visão de Strauss, os Evangelhos “apresentam verdades religiosas, não históricas”. Ainda que essas verdades religiosas possam ter relação com a história, não devem ser avaliadas como história formal. Ao usar o termo mito, Strauss quis dizer que os fatos registrados não haviam acontecido de verdade, mas representavam as crenças da igreja primitiva projetadas retroativamente.

Naturalmente, o pensamento de Strauss não surgiu do nada. O racionalismo iluminista e a tese de G. W. F. Hegel sobre a revelação gradual da história influen­ciaram seu pensamento de maneira significativa. Anteriormente, Hermann Samuel Reimarus (falecido em 1768) lançara a busca pelo Jesus histórico, argumentando que Jesus tentou estabelecer um reino messiânico terreno, mas morreu desiludido e aban­donado por Deus. Temos aqui os primórdios de uma distinção entre o Cristo dos Evangelhos e o Jesus da história. Com Strauss, porém, essa demarcação se tornaria bastante clara.

Ou seja, a origem das verda­des teológicas sobre Cristo não deve ser encontrada na história, mas na construção feita pela igreja primitiva dos mitos a ele relacionados. De acordo com Strauss, “essas narrativas, como todas as outras lendas, foram montadas por estágios, por meio de passos cujos rastros não podem mais ser seguidos; gradualmente adquiriram coerência e, após muito tempo, receberam forma fixa nos Evangelhos escritos”.

No período entre a formação da primeira comunidade cristã e a criação dos Evangelhos ocorreu a “transferência para Jesus das lendas messiânicas, quase todas já formadas”.8 Dessa forma, pouquíssimos mitos dos Evangelhos eram “inteiramente novos”. Foram o resultado de uma “onda de entusiasmo religioso” que compensava a “conhecida carência religiosa do período [i.e., a Palestina do primeiro século]”. Strauss concluiu que a causa de tal entusiasmo não deve necessariamente ser atribuída aos milagres do Evangelho.

Em Strauss, portanto, vemos um enorme abismo entre fé e histó­ria. Para ele, no fundo, o Jesus da história e o Cristo da fé nem mesmo remotamente correspondem um ao outro, como era tradicionalmente aceito. Por sinal, Strauss considerava sua visão de que a Bíblia contém mitos “diretamente oposta às convicções do crente cristão”.

Depois de Strauss, essa bifurcação da história e da fé foi levada adiante basicamente por Martin Kähler (1835-1912). Em 1896, Kähler escreveu um pequeno livro intitulado The so-called historical Jesus and the historic, biblical Christ [O chamado Jesus histórico e o Cristo bíblico e histórico], que teve influência significativa sobre a cristologia do século XX.

Alarmado com o subjetivismo de alguns teólogos do século xix (Friedrich Schleiermacher, Albrecht Ritschl e Wilhelm Hermann), Kähler procurou oferecer uma abordagem mais frutífera com o objetivo de preservar a fé.

Entendia ter duas tarefas: “1) cri­ticar e rejeitar os aspectos errôneos da forma [histórica] de abordar a vida de Jesus e 2) estabelecer a validade de uma abordagem alter­nativa. A segunda sendo a mais importante”. Kähler denunciou a busca pelo Jesus da história com todos os métodos histórico-críticos, por considerá-la mal concebida, uma vez que “oculta de nós o Cristo vivo”. Depender da pesquisa histórica para lançar os fundamentos de nossa fé “não fornecerá apoio verdadeiro”. Para Kähler, o Jesus histórico era simplesmente uma invenção dos críticos acadêmicos. Em vez disso, Kähler concentrou-se no Cristo da Bíblia. Kähler presumiu que “não temos fontes para uma biografia de Jesus de Nazaré que se equipare aos padrões da ciência histórica contemporânea”. Isso não é o mesmo que dizer que os Evangelhos sejam insatisfatórios para os propósitos da fé. Afinal de contas, os Evangelhos foram escritos como testemunhos ou confissões a partir da perspectiva da fé: “Os apóstolos já acreditavam em Cristo quando escreveram sobre ele; portanto, o testemunho deles já era uma forma de teologia dogmática”.

Para Kähler, o verdadeiro Cristo é o Cristo pregado. O Cristo dos credos cristãos não é de forma alguma o Jesus histórico da erudição crítica. A distinção de Kähler (embora não faça separação) entre o Jesus da história e o Cristo da fé permitiu que ele pensasse na fé cristã baseada neste e não naquele: a fé cristã se baseia não em quem Cristo foi, mas no que atualmente faz pelos crentes. O método histó­rico tem pouca importância para a fé; não pode fazer nada para estabe­lecer ou negar a fé. De certo modo, a tentativa intelectual de recuperar o Jesus histórico é uma violação da justificação pela graça por meio da fé. Envolver-se nessa empreitada é adicionar obras à graça! No entanto, uma vez que uma pessoa entenda por fé que Deus, por meio de Cristo, estendeu sua graça a mim (pro me), então — supostamente — Jesus não precisa estar tão firmemente enraizado na história.

O que exatamente Kähler se propôs realizar não é tão perceptí­vel. O que está claro, porém, é que ele contribuiu significativamente para a dicotomia entre o Cristo da fé e o Jesus da história — dicotomia que desde esse momento moldou os estudos e a teologia siste­mática do Novo Testamento.

O foco de Kähler no Cristo pregado precedeu a obra de Rudolf Bultmann (1884-1976). Assim como Kähler, Bultmann via na busca pelo Jesus histórico um ataque à doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé. Para ele, se alguém buscasse nas averiguações ou probabilidades históricas a segurança para a fé, isso significaria o fracasso da própria fé. A fé genuína não precisa de reforço por parte da história. Por conseguinte, Bultmann não queria conhecer Cristo “segundo os padrões humanos” (2Co 5.16). Em vez disso, afirmava que tudo o que podemos saber sobre Jesus a partir da his­tória é que (daβ) ele existiu. Ninguém pode se aventurar além disso.

Paul Tillich, que foi aluno de Kähler, assim escreve no prefácio de The so-called historical Jesus: “Kähler era um pensador absolutamente sistemático que desenvolveu suas ideias sob influência do princípio dos Reformadores — ‘jus­tificação pela graça por meio da fé’ — sem repetir as formulações tradicionais da ortodoxia protestante”. Tillich acrescenta que Kähler procurou aplicar esse princípio da Reforma ao “posicionamento do homem moderno entre a fé e a dúvida”. Até mesmo quem duvida do que a Escritura ou os credos afirmam ainda pode ser “aceito por Deus” e pode “combinar a certeza da aceitação com a realidade até mesmo de uma dúvida radical”.

Conseqüentemente, os Evangelhos precisam ser “demitizados”, ou seja, o núcleo fundamental precisa ser extraído da casca obsoleta do sobrenaturalismo primitivo, que inclui os milagres e exorcismos. De­clarando que a cosmologia do Novo Testamento é essencialmente mítica em caráter e que os milagres dos Evangelhos são pré-científi­cos e primitivos, Bultmann fez sua famosa afirmação: “É impossível usar a luz elétrica, o telégrafo, submeter-nos às descobertas médicas e cirúrgicas da atualidade e, ao mesmo tempo, crer no mundo do Novo Testamento, cheio de demônios e espíritos. Podemos achar possível lidar com eles em nossa vida, mas esperar que outros o façam é tornar a fé cristã ininteligível e inaceitável para o mundo moderno”.

O evangelho (ou kerygma), sustentava Bultmann, está envolto em mito, o que não apresenta “uma imagem objetiva do mundo como ele é”.

Conseqüentemente, não devemos objetivar Deus com a linguagem; não devemos transformá-lo em objeto. No entanto, assim que removermos a casca — os mitos — que cercam o Jesus divinizado e miraculoso se chegará ao núcleo fundamental da mensagem cristã: Deus agiu de maneira redentora em Jesus, e nós, percebendo nossa condição desesperadora, somos salvos ao aceitar pela fé o dom da graça de Deus. Bultmann também tentou trazer um componente existencial à fé: deparamos com Cristo pessoal­mente, no presente, quando atendemos à pregação do evangelho; logo, entramos numa existência verdadeiramente humana.

Somente ao demitizar é que a pregação cristã pode tornar-se aceitável aos ouvidos modernos. A mensagem cristã deve elimi­nar toda referência a espíritos (malignos ou benignos), à historici­dade dos milagres do Novo Testamento e à doutrina da expiação de pecados com sangue. Essa erradicação também não pode ser seletiva: “A visão mítica do mundo deve ser aceita ou rejeitada por inteiro”. Não há meio-termo.

Por conseguinte, a pesquisa histórica não pode ajudar a funda­mentar ou reforçar nossa fé. Em vez disso, devemos abraçar a mensa­gem salvadora do evangelho sem referência a tal pesquisa. Bultmann declarou que “precisamos descobrir se o Novo Testamento oferece ao homem uma compreensão de si mesmo que o desafie a uma decisão existencial genuína”. Portanto, a genuína fé salvadora não depende de fatos históricos sobre Jesus de Nazaré.

Embora as motivações de Bultmann e Kähler para separar a fé em relação à história fossem distintas das de Strauss, o resultado foi o mesmo: todos eliminaram “a teologia e a fé do domínio pú­blico da investigação e do debate”.

Isso até que uma importante mudança de rumo aconteceu, quando, em 1953, Ernst Käsemann fez sua palestra sobre “o problema do Jesus histórico”. Ele declarou que, sem uma sólida ligação entre o Jesus da história e o Cristo da fé, o cristianismo desmoronaria em direção ao docetismo — a fé em uma quimera. Desde essa época, a maré virou nas pesquisas sobre a vida de Jesus: passou a haver uma crença cada vez maior entre os especialistas do Novo Testamento de que os Evangelhos oferecem informações históricas úteis e, de modo geral, confiáveis. O que ne­les lemos sobre Jesus encaixa-se muito bem com o que conhecemos sobre o ambiente do judaísmo da Palestina do primeiro século. Em decorrência da reaproximação do Jesus da história ao Cristo da fé, a pesquisa sobre a vida de Jesus afastou-se dos pressupostos teológico-filosóficos e encaminhou-se para uma orientação mais histórica.

Strauss buscou fazer uma separação entre história e mito e, desse modo, quis destruir a fé cristã, ao passo que Kähler e Bultmann queriam abrir espaço para a fé cristã autêntica, resgatando-a das preocupações históricas.

Surge então o Jesus Seminar. Objeto de muita atenção da mídia, ele indiscutivelmente reviveu a distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé. John Dominic Crossan, cofundador e ex-diretor do Jesus Seminar e participante deste volume, declara, por exemplo, em sua obra Jesus: a revolutionary biography que os Evangelhos, quando lidos comparativamente, contradizem uns aos outros; ou seja, ofere­cem diferentes interpretações de Jesus. Para resolver essa situação, Crossan tenta, com a utilização de “teoria e método” corretos, apre­sentar um retrato imparcial de Jesus que não seja encoberto pelas interpretações que os credos fornecem sobre ele.

Outros participantes do Jesus Seminar têm argumentado que o Jesus histórico deve ser resgatado das camadas de incrustação teológica adicionadas por seus seguidores. Aquilo que os cristãos normalmente acreditam sobre Cristo está muito longe do Jesus da história. Marcus Borg, outro colaborador deste volume, escreve: “É simplesmente incrível a ideia de que o Filho unigênito tenha vindo a este planeta oferecer a vida em sacrifício pelos pecados do mundo, que Deus não poderia nos perdoar sem isso ter acontecido e que somos salvos ao crer nessa história”. Diga-se de passagem, pedir às pessoas que creiam nisso representa um obstáculo para que abracem a fé cristã. O destaque conferido a tais argumentos tem contribuído para voltar a atenção novamente à dicotomia entre história e fé.

O debate

Em outubro de 1994, Dick Staub, apresentador de um programa de rádio na região de Chicago, convidou Crossan para debater na Moody Memorial Church com o filósofo cristão de posicionamento evangélico ortodoxo William Lane Craig. Crossan e Craig decidiram qual abordagem seria a mais adequada para chegarem a um retrato preciso do Jesus histórico. O colunista e autor William F. Buckley Jr., cuja simpatia claramente pende mais para o lado de Craig que de Crossan (como fica evidente no debate), participou como moderador.

O debate, patrocinado pela Turner-Welninski & Associates, foi um animado intercâmbio entre perspectivas cristãs conservadoras e liberais sobre a identidade do verdadeiro Jesus. O título do debate, Will the real Jesus please stand up? [O verdadeiro Jesus pode, por favor, se pôr de pé?] teve como base o popular programa da televisão americana To tell the truth [Dizer a verdade]. Nesse programa, três pessoas, cada uma delas afirmando ser determinado indivíduo, eram questionadas por um grupo de celebridades. Então, com base nas respostas, os participantes escolhiam qual das três pessoas cada um considerava estar dizendo a verdade. O clímax acontecia quando o apresentador dizia com entonação dramática “O verdadeiro _____ pode, por favor, se pôr de pé?”, e o verdadeiro _____ se levantava. Este livro faz uma pergunta semelhante sobre Jesus: quem é o verdadeiro Jesus? O Jesus que os cristãos têm ado­rado através dos séculos é uma figura lendária ou mitológica sim­plesmente exagerada por seguidores bem-intencionados? Ou ele é “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16)?

Dois defensores da posição evangélica ortodoxa e dois partici­pantes do Jesus Seminar foram convidados a oferecer uma resposta ao debate e, em particular, responder às seguintes perguntas:

1. Até que ponto podemos distinguir entre o Jesus da história e o Cristo da fé? Se essa é uma distinção legítima, quais linhas de demarcação devem ser usadas para substanciá-la?

2. O miraculoso (i.e., a intervenção divina sobrenatural) exerce, de algum modo, um papel legítimo na explicação dos dados históricos da primeira Páscoa?

O título do debate tornou-se também o título do livro em inglês.

3. Qual construção — a de Craig ou a de Crossan — melhor se encaixa nos fatos concernentes à ressurreição de Jesus? Da perspectiva do historiador, para qual lado pende a balança das probabilidades?

Além disso, todos os entrevistados levantaram questões signifi­cativas sobre a abordagem ou a metodologia correta na interpretação dos Evangelhos.

Falando com base em seu histórico católico e em suas intera­ções com partidários de outras religiões, Robert Miller, do Jesus Seminar, expressa suas dúvidas sobre a validade da apologética cristã, empreendimento no qual Craig regularmente se envolve. Ele apresenta o contra-exemplo da apologética muçulmana, que oferece a singularidade do Alcorão, a mensagem radical de Maomé e o notável crescimento do islã primitivo como provas de sua veraci­dade. Além disso, levanta questões sobre incongruências nas nar­rativas da ressurreição presentes nos Evangelhos e sobre a natureza apocalíptica de passagens como Mateus 27.51-53, dois pontos que colocam em questionamento a historicidade ou a natureza literal dos Evangelhos.

O ensaio de Craig Blomberg aborda indiretamente algumas das preocupações que Miller levanta, como, por exemplo, a confiabilidade geral dos Evangelhos e o papel da apologética cristã. Tam­bém argumenta que, ainda que a fé exija que caminhemos para além daquilo que a evidência histórica possa mostrar, não se trata de um salto absurdo: “A evidência histórica presta um grande serviço na direção de demonstrar nossa crença; por conseguinte, a fé necessária para preencher a lacuna restante é perfeitamente cabível”.

O terceiro participante, Marcus Borg, do Jesus Seminar, destaca que, embora Crossan e Craig confirmem a ressurreição, “cada um quer dizer algo diferente”. De acordo com Borg, metáforas como a história da Páscoa podem ser verdadeiras sem que se leve em conta o que aconteceu com o corpo de Jesus: “Se algo aconteceu ao corpo de Jesus, isso é irrelevante para a verdade da Páscoa”. O importante é que os seguidores de Jesus, tanto os do primeiro século como os de hoje, o experimentem como uma realidade viva após sua morte.

Os dois evangélicos ortodoxos foram incentivados a ler as respostas um do outro ao debate, o mesmo acontecendo com os dois membros do Jesus Seminar. O propósito era minimizar a superposição de conteúdo. Já Crossan e Craig não leram as reflexões finais um do outro antes da publicação do livro. O JESUS DOS EVANGELHOS: MITO OU REALIDADE?

O último participante é outro evangélico ortodoxo, Ben Witherington III. Ele dedica muita atenção a temas como a importância dos fatos históricos para a própria existência do cristianismo, a materialidade da ressurreição de Jesus e a importância teológica de sua ressurreição. Rejeitar a compreensão tradicional da ressurreição de Jesus a favor de uma compreensão metafórica é abraçar uma visão que Witherington chama de “ressurreição light”.

Depois de apresentar algumas explicações sobre seu debate com Craig, Crossan oferece uma breve reflexão final que esboça os pressupostos histórico-teológicos de ambos os lados do debate. Ele vê esses pressupostos como elemento crítico do debate e incen­tiva a existência de mais discussão entre os ramos conservador e liberal do cristianismo.

Além de defender a apologética cristã, a reflexão final de Craig defende uma cristologia indiscutível com base no consenso dos estu­diosos da atualidade. Ele destaca que o que fez no debate foi tomar quatro fatos bem estabelecidos sobre Jesus e depois inferir a melhor explicação: a ressurreição física de Jesus, que é um imprimátur divino da vida e do ministério de Jesus.

O que se espera é que o vigor e a franqueza deste debate, bem como as respostas, estimulem uma interação futura entre os dois gru­pos. Não há dúvida de que a maioria dos leitores desta obra estará ou no campo liberal, ou no conservador. É fácil fechar-se dentro de uma posição em particular, a ponto de não mais levar a sério os pontos de vista divergentes. Em seu tratado sobre o Espírito Santo, Basílio, o Grande, escreveu: “A verdade é sempre uma presa difícil e, portanto, devemos procurar suas pegadas em todo lugar”. Seja qual for o lado em que os leitores se encontrem, é minha oração que este livro ajude a esclarecer sua compreensão sobre quem é o verdadeiro Jesus — ainda que isso signifique colocar de lado certas ideias e pressupo­sições com o objetivo de buscar as pegadas da verdade.

Cumpre salientar que Crossan declinou da oportunidade de expandir sua reflexão final, que é consideravelmente menor que a de Craig, por considerar que a questão dos pressupostos histórico-teológicos era o aspecto mais importante a ser abordado no debate. Ele não acreditou que a discussão dos detalhes do debate seria frutífera.

SOBRE OS PARTICIPANTES William F. Buckley Jr. é colunista, fundador e editor da revista National Review, além de ser apresentador do programa televisivo de entrevistas chamado Firing Line. Obteve o grau de Bacharel em Humanidades com honra em Ciências Políticas, Economia e História na Universidade Yale. Buckley escreveu as obras God and man at Yale [Deus e o homem em Yale]; Right reason [Razão acertada]; Gratitude: reflections on what we owe to our country [Gratidão: reflexões sobre o que devemos a nosso país]; In search of anti-semitism [Em busca do antissemitismo] e Brothers no more [Nunca mais irmãos]. Reside na cidade de Nova York com a esposa, Patricia. William Lane Craig obteve o doutorado em Filosofia pela Univer­sidade de Birmingham, Inglaterra, e outro doutorado, em Teologia, pela Universidade de Munique, onde, como membro da Fundação Alexander von Humboldt, pesquisou amplamente a historicidade da ressurreição de Jesus. Craig tem atuado como professor visitante do Higher Institute of Philosophy na Universidade de Louvain, sen­do atualmente professor pesquisador da Talbot School of Theology. Escreveu mais de uma dezena de livros, dentre os quais Em guarda, Apologética para questões difíceis da vida, A veracidade da fé cristã, Filo­sofia e cosmovisão cristã (em coautoria com James P. Moreland) (todos publicados pela Vida Nova), Ensaios apologéticos (em coautoria com Moreland e Francis J. Beckwith, da Hagnos) e Assessing the New Testament evidence for the historicity of the resurrection of Jesus [Ava­liando as evidências neotestamentárias da historicidade da ressurreição de| O JESUS DOS EVANGELHOS: MITO OU REALIDADE? Jesus]. Vive em Marietta, na Geórgia (eua), com a esposa, Jan, seus dois filhos, Charity e John.John Dominic Crossan é um dos membros cofundadores do Jesus Seminar, além de ter sido um de seus diretores. É também presi­dente da Seção do Jesus Histórico da Sociedade de Literatura Bíbli­ca. Obteve doutorado em Teologia na Maynooth College, Irlanda. Seus estudos pós-doutorais concentraram-se na área de pesquisa bíblica do Instituto Bíblico Pontifício, em Roma, e em pesquisa arqueológica na École Biblique, em Jerusalém. Crossan tem lecio­nado em diversos seminários na região de Chicago e foi professor de Estudos Religiosos na Universidade DePaul por 26 anos. Es­creveu uma série de livros sobre o Jesus histórico — mais recen­temente, títulos de grande vendagem, como The historical Jesus: the life of a Mediterranean Jewish peasant [O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu do Mediterrâneo]; Who killed Jesus? Exposing the roots of anti-semitism in the gospel story of the death of Jesus [Quem matou Jesus? Desmascarando as raízes do antissemitismo no relato da morte de Jesus presente no evangelho] e Jesus, uma biografia revolucionária. Crossan e a esposa, Sarah, residem atualmente na Flórida.