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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Voltaire e as suas deduções sobre a existência de Deus

O homem é um ser caracterizado por grandes capacidades intelectuais e práticas, mas, em sua finitude, é concomitantemente um ser frágil que se encontra em meio a grandes forças externas, como a natureza e a sociedade, e forças internas, como os instintos e as paixões. Por causa de sua fragilidade, inquieta-se com o sentido de sua existência e sempre se pergunta qual o sentido de seu nascimento, de sua morte, da angústia, do medo, do sofrimento e do desespero. Diante disso, busca algo que lhe traga esperança, algo que lhe dê segurança e sentido para a vida, encontrando assim respostas na aceitação de um ser superior a ele, um ser perfeito e eterno, que é “Deus”.

Porém Deus não é um ser material, tangível, do qual facilmente se constate a existência. Por isso, sua existência foi e é uma questão muito discutida, principalmente no âmbito da filosofia. Vários filósofos escreveram sobre este tema e tentaram argumentar sobre a existência de Deus. Assim, será tratado neste artigo, especificamente, a perspectiva de Voltaire.

Voltaire (1694-1778) foi um filósofo francês iluminista considerado “deísta” (embora o próprio Voltaire use o termo teísmo para designar sua concepção de Deus). Acredita que Deus se manifesta ao homem não pela revelação histórica como a tradição judaico-cristã, mas através da razão, de modo que, negar a existência de Deus seria um absurdo, pois segundo ele: “Deus existe como a coisa mais verossímil que os homens podem pensar e a proposição contrária como uma das mais absurdas” (VOLTAIRE, 1978b, p.68).

No entanto, o filósofo em questão tem uma visão cética em relação à metafísica, pois a razão humana não é capaz de conhecer a natureza divina e a realidade transcendente. Ao contrário da presunção da antiga metafísica, que se gabava de tudo conhecer, Voltaire evita o conhecimento que supera o limite da natureza humana, porque segundo ele: “a verdadeira filosofia consiste em saber deter-se no ponto exato e nunca continuar sem um guia seguro” (ROVIGHI, 1999, p.355). Isto é, não existe um guia seguro para a metafísica, justamente por causa da insuficiência da razão em relação à realidade supra-sensível. .

Contudo, Voltaire acreditava numa certa ordem inerente à natureza. Uma prova desta ordem inerente é o fim com que cada coisa se relaciona, pois este fim comprova que existe uma função para cada coisa no universo, conforme se segue: “Não há arranjo sem objeto, nem efeito sem causa; logo tudo é igualmente o resultado, o produto de uma causa final; logo, é tão verdadeiro dizer que os narizes foram feitos para trazer lunetas, como é verdadeiro dizer que as orelhas foram formadas para ouvir os sons e os olhos para receberem a luz”. (VOLTAIRE, 1978a, p.191).

Deste modo, a partir da ordem inerente da natureza, Voltaire deduz duas provas da existência de Deus, as quais segundo ele resumiriam todas as outras provas e também todos os outros escritos sobre esta questão. Sendo assim, o primeiro argumento a ser considerado é exatamente esta ordem do universo, mas não só ela, como também o fim com que cada coisa se relaciona:

Quando vejo um relógio cujo ponteiro marca as horas, disso concluo que um ser inteligente montou as engrenagens desta máquina para que o ponteiro marque as horas. Assim quando considero as engrenagens do corpo humano, concluo que um ser inteligente montou os órgãos para serem recebidos e nutridos por nove meses na matriz: que os olhos nos são dados para ver, às mãos para segurar, e assim por diante. (VOLTAIRE, 1978b, p.63).

Por esse motivo, para Voltaire, como para Newton, Deus é o grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e regulou o sistema do mundo (REALE, 2005, p.257), ou seja, se existe uma ordem no universo é porque alguém ordenou, e o relógio é uma prova inegável da existência do relojoeiro, assim como o mundo é uma prova evidente da existência de um Criador Supremo que é Deus. “Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo, porém a natureza proclama a sua existência”. (REALE, 2005, p.257).

O segundo argumento a ser considerado é mais metafísico, partindo assim, do pressuposto da necessidade da existência de um Ser que exista necessariamente e seja eterno, pois se existe uma coisa ou existe eternamente ou foi criado por um Ser eterno que existe por si mesmo.

Existo, portanto alguma coisa existe. Se algo existe, existiu desde toda eternidade, pois aquilo que é, ou é por si mesmo ou recebeu seu ser de outro. Se é por si mesmo, é necessariamente, sempre foi necessariamente e é Deus. Se recebeu o ser de outro, e este seu ser de um terceiro, aquele de quem este último recebeu seu ser deve ser necessariamente Deus, pois não podeis conceber um ser que dê o ser a um outro se não tiver o poder de criar. (VOLTAIRE, 1978b, p.64)

Neste argumento a existência de Deus é provada pelo fato de ter que existir um Ser que exista necessariamente por si mesmo. Pois se existe algo, existe necessariamente por si mesmo desde toda eternidade ou seu ser deriva de um outro ser que existe desde toda eternidade sendo o seu ser a origem de todos os outros seres. Logo, este ser necessário que existe por si mesmo é Deus. E por fim, basta agora examinar, segundo a reflexão de Voltaire, se o mundo material é este Ser necessário que existe por si mesmo e que é a origem dos outros seres que não são necessários.

Se este mundo material existisse por si mesmo de modo absolutamente necessário, seria contraditório pensar que a mínima parte dela poderia ser diferente de como é, pois, se o seu ser neste momento é absolutamente necessário, isso é suficiente para excluir qualquer outra maneira de ser. Ora está fora de dúvida que esta mesa sobre a qual escrevo, esta pena de que me sirvo, não foram sempre aquilo que são; estes pensamentos que traço sobre esta folha um momento antes nem sequer existiam, e não existem de modo necessário. Ora, se cada parte não existe com absoluta necessidade, é impossível que o todo exista por si mesmo. Eu produzo movimento; portanto um movimento antes não existia; portanto, não é essencial a matéria; portanto ela o recebe de outro; portanto, há um Deus que o comunica a ela. (REALE, ,2005 p.73.)

Desta forma, se a matéria existisse como uma necessidade absoluta, todas as partes dela deveriam existir necessariamente. Porém, as partes não existem necessariamente, pois uma mesa nem sempre foi uma mesa e uma caneta nem sempre foi uma caneta. Sendo assim, se as partes não existem necessariamente, o todo também não existe necessariamente. Logo, a matéria não existe necessariamente e não é Deus. Pois como se percebeu, Deus é um ser que existe necessariamente por si mesmo.

Portanto, fica claro no pensamento de Voltaire que Deus se revela aos homens por meio de sua razão, no entanto esta mesma razão não é capaz de conhecer a realidade transcendente. E a existência de Deus é algo inegável, pois a natureza proclama sua existência, ou seja, as provas de sua existência são tiradas da ordem inerente que existe na natureza e esta ordem se dá pelo fim com que cada coisa se relaciona no universo.