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sexta-feira, 4 de março de 2011

Gênesis - a Criação, o Paraíso, o Dilúvio, Caim e Abel, e a Torre de BabeI, e os seus antecedentes literários na Mesopotâmia

Civilização é uma palavra esplêndida sob muitos aspectos: para uns quer dizer grandes cidades e progresso tecnológico, enquanto para outros significa elevação moral, idéias éticas e primorosas criações artísticas. Por qualquer desses critérios a Mesopotâmia foi o berço da civilização, pois foi o primeiro lugar da terra onde o homem criou e manteve por mais de 3.000 anos uma sociedade urbana, letrada, tecnologicamente bem desenvolvida, na qual todo o povo aceitava os mesmos valores e linha a mesma concepção sobre a origem e a ordenação do mundo.

A Mesopotâmia, entre todas as outras regiões, veio a representar papel decisivo na ascensão do homem que emergia do barbarismo - não é coisa para se apreender com facilidade. Não era, certamente, uma terra de promissão para os começos da vida civilizada. Quente, requeimada e varrida pelos ventos, sem madeira, pedra ou minérios, não parecia destinada a guiar e a influenciar o mundo. O que transformou a Mesopotâmia num paraíso fecundo e fez dela uma força criadora foram os dons intelectuais e a índole do seu povo. Observador, ponderado e pragmático, tinha inclinação para apreender o que era fundamental e explorar o que era possível.

Ao contrário de quase todos os outros povos antigos, os mesopotâmicos estabeleceram um sistema de vida orientado por um senso de moderação e de equilíbrio. Em termos materiais e espirituais - em religião e em ética, em política e economia - adotavam um meio-termo viável entre a razão e a fantasia, a liberdade e a autoridade, o conhecido e o transcendental. A Mesopotâmia também era uma sociedade aberta. Embora seus habitantes se considerassem um "povo eleito", não eram em nada provincianos. Davam-se conta de que havia muitos outros povos no mundo e não se trancavam evitando contatos com o exterior. Assim, enquanto menosprezavam aqueles vizinhos que eram seus inimigos, olhavam com simpatia para outros povos, como o Egito no oeste e como a gente do vale do Indo, no leste. A Mesopotâmia, de fato, pode ter mesmo representado um importante papel no crescimento dessas duas civilizações.

No caso do Egito, a influência mesopotâmica patenteia-se no uso de selos cilíndricos e em certos motivos da arte. É evidente na arquitetura egípcia, notando-se que algumas de suas obras são construídas de tijolos com o tamanho e a forma peculiares da primeira fase mesopotâmica e são ornamentadas com pilastras de reforço semelhantes às da Suméria. O Egito pode também ter adquirido do seu vizinho oriental a idéia da escrita, embora os hieróglifos de um e os pictógrafos do outro sejam inteiramente diversos.

Mais ao leste, a cultura do vale do Indo, parece ter tido fortes laços comerciais com a Suméria - numerosos selos típicos do Indo foram encontrados nas ruínas mesopotâmicas. O povo do Indo habitava uma área maior que a Mesopotâmia e o Egito combinados, e floresceu mais ou menos entre 2.500 e 1.500 a.C. A sua cultura era também urbana. Passando da lavoura à criação de gado, esse povo formou artífices e artesãos, comerciantes e administradores. Suas casas eram construídas com tijolos de fino acabamento, cujas dimensões uniformes atestam uma padronização de pesos e medidas.

Fato mais importante: os mesopotâmicos tinham uma linguagem escrita, um sistema pictográfico que abrangia cerca de 400 caracteres. Como as duas culturas são similares nesses aspectos e se conheciam, parece lógico supor que a cultura mais velha da Suméria influenciou a mais jovem do Indo. Entre a Índia e a Mesopotâmia situa-se outra região cujo débito à cultura mesopotâmica é mais fácil de traçar. O Irã, ou Pérsia, fazia fronteira se com a Mesopotâmia e naturalmente estava em íntimo contato com ela. De acordo com uma narrativa sumeriana, a cidade-estado iraniana de Aratta teve organização política e crenças religiosas quase idênticas às da Suméria. De igual modo, o antigo reino iraniano de Elam, a despeito de constantes e renhidas lutas armadas com a Suméria, foi ainda assim profundamente influenciado por esta. A arte e a arquitetura dos elamitas, como também as suas leis, a sua literatura e religião, eram mesopotâmicas em muitos aspectos - uma das principais deidades do Elam tinha mesmo um nome sumeriano. Os elamitas também adotaram a escrita cuneiforme da Mesopotâmia, como ainda o seu sistema de educação e muito do seu currículo educacional.

Mas a influência da Mesopotâmia sobre os seus contemporâneos no Egito, Irã e Índia, embora tenha sido inspiradora, foi de pouca duração. Coisa curiosa, foi no Ocidente, e não na terra dos povos vizinhos, que mais se enraizou a sua semente. A visão racional, positiva, pragmática, do homem ocidental tem similitude com a concepção mesopotâmica do mundo. Transfigurados pelos hebreus monoteístas, transmudados pelos filósofos gregos, os conceitos mesopotâmicos impregnaram a consciência ocidental e são responsáveis, em muito, pela agitada história de tensão vivida pelo homem do ocidente, entre razão e fé, esperança e desespero, liberdade e autoritarismo, progresso e derrota.

O impacto da Mesopotâmia sobre os hebreus foi tanto direto como indireto. Se, como pensam alguns estudiosos, a narrativa bíblica contém um pouco de verdade, e se o patriarca hebreu vivia em Ur no tempo de Hamurábi, nesse caso ele e sua família podem ter assimilado a cultura sumeriana muito antes de os judeus se constituírem numa nação. Parece claro que os ancestrais dos hebreus viveram na Mesopotâmia desde tempos bem recuados no tempo.

Documentos cuneiformes, cujas datas vão desde 1700 a 1300 a.C., mencionam com freqüência um povo chamado Habiru, nome com afinidade bem próxima com a palavra bíblica "hebreus". Segundo tais textos, os hebreus eram erradios, nômades, mesmo salteadores e proscritos, que vendiam seus serviços como mercenários aos babilônios e assírios, hititas e hurrianos. Já em 1500 a.C. esses ancestrais do Judeu Errante encetavam a conquista da Palestina. Entraram em contato com os cananeus, um povo que assimilou muito da Mesopotâmia. Os cananeus tinham uma escrita cuneiforme, suas escolas adotavam o currículo mesopotâmicos e a sua cultura estava profundamente imbuída das idéias e da fé criadas na "terra entre os rios".

O contato mais importante dos hebreus com a cultura mesopotâmica principiou no ano 586 a.C. quando o rei Nebuchadrezzar destruiu Jerusalém e levou o seu povo para o cativeiro em Babilônia. A instrução e os grandes conhecimentos dos babilônios impregnaram a mente e o pensamento dos hebreus. Quando, depois, os exilados voltaram à sua terra para formar o estado judaico, trouxeram consigo muitas das práticas litúrgicas, educacionais e legais da Mesopotâmia. Algumas delas foram introduzidas no cristianismo e, por intermédio da tradição judaico-cristã, penetraram na civilização ocidental.

O segundo povo que absorveu a cultura mesopotâmica e a canalizou para o Ocidente foram os gregos. Ao contrário dos hebreus, não tiveram eles contato direto com a Mesopotâmia, mas, durante a idade micênica da Grécia, desde cerca de 1600 a 1100 a.C., mantiveram íntimos laços políticos e comerciais com os vizinhos da Mesopotâmia, os hititas e os cananeus. Por todas as cidades litorâneas da Anatólia meridional e Canaã, Chipre e Creta, circulavam não só mercadorias mas também pensamentos e idéias - que indubitavelmente mergulharam raízes na terra grega. O fato de se haver descoberto, na cidade grega de Tebas, ainda recentemente, um depósito secreto de selos babilônicos, não chegou a causar muita surpresa aos arqueólogos e sem dúvida o futuro revelará no solo helênico muitos outros achados de tal espécie. Este primeiro contato com o Oriente Próximo encerrou-se quando entrou em colapso a cultura micênica. E só no século VIII a.C., quando os gregos começaram a emergir do seu tempo obscuro" é que voltaram eles a receber estímulo e inspiração dos seus vizinhos orientais. Durante esse último período os fenícios de Cananéia deram aos gregos o alfabeto que posteriormente se tornou o de todo o mundo ocidental. No curso dessa fase, também, os filósofos gregos pré-socráticos na Anatólia descobriram as obras dos astrólogos babilônicos e deram início aos grandes estudos filosóficos de Atenas. Quando, no século V a.C ., a Grécia entrou em sua Idade de Ouro, diversas das suas criações na arte, na arquitetura, na filosofia e nas letras apresentaram vestígios de origem mesopotâmica.

Avançando para o Ocidente, pelos canais do helenismo, do judaísmo e do cristianismo, o legado da Mesopotâmia à humanidade atingiu finalmente o mundo moderno. Em tecnologia, esse legado inclui milagres prosaicos tais como o veículo de rodas e o arado. Na ciência, incluiu as primeiras noções de astronomia e o sistema numérico baseado em 60 - sistema ainda em uso atualmente, dividindo o círculo em graus e a hora em minutos e segundos.

As observações astronômicas da Mesopotâmia permitiram que fossem afinal descobertos os equinócios das estações e a regularidade das fases da Lua; o complemento pseudocientífico da astronomia, a astrologia, revelou através das suas interpretações do "escrito no céu" as relações fixas das estrelas. Foi a Mesopotâmia. que criou as designações pelas quais até hoje são conhecidos os signos do zodíaco Touro, Gêmeos, Leão, Escorpião c outros.

A Mesopotâmia também deu à civilização ocidental duas das suas mais importantes instituições políticas - a cidade-estado e o conceito de uma realeza por direito divino. A cidade-estado espaIhou-se por grande parte do mundo mediterrâneo e a realeza - a noção de que a autoridade real fora concedida pelos deuses e só a eles o seu detentor devia prestar conta - infiltrou-se profundamente na sociedade ocidental. Não é só por mera coincidência que os monarcas britânicos de hoje são consagrados em cerimônias de coroação que lembram as da Mesopotâmia. Nem pode ser obra do acaso a semelhança entre as atividades que exercem habitualmente os chefes de Estado do nosso tempo e as que são registradas nos mais velhos arquivos dos reis mesopotâmicos. Por meio de burocratas altamente eficazes, que empregavam bem desenvolvidos sistemas de escrituração e contabilidade, os governantes da Mesopotâmia administravam a construção e a conservação de estradas, a edificação de hospedarias para os viajantes, a navegação mercante dos mares, o arbitramento das disputas políticas e a assinatura de tratados internacionais.

Um dos mais preciosos legados políticos da Mesopotâmia foi a lei escrita. Tendo origem numa tomada de consciência dos direitos individuais ~ estimulada por uma propensão à controvérsia e à demanda – a lei mesopotâmica veio a ser idealizada, sendo concebida como obra de inspiração divina para benefício de toda a sociedade. Palavras provenientes de tradições legais babilônicas e sumerianas aparecem em todo o vasto e heterogêneo corpo de comentários sobre alei hebraica conhecido como o Talmude babilônico. " Até nossos dias", escreveu o estudioso E.A. Speiser, uma das maiores autoridades nos sistemas legais do mundo antigo " o judeu ortodoxo usa um termo sumeriano quando fala de divórcio. E quando lê a lição da Tora na sinagoga ele ainda roça o lugar pertinente ao pergaminho com a fímbria do seu xale de oração, sem nem de longe imaginar que está assim reproduzindo acena na qual o antigo mesopotâmio imprimia a orla da sua veste numa placa de argila, como testemunho da sua obediência aos comandos do texto legal." Provavelmente não será exagero dizer-se que alei mesopotâmica irradiou a sua luz sobre grande parte do mundo civilizado. A Grécia e Roma sofreram a sua influência através de seus contatos com o Oriente Próximo e o Islã só adquiriu um código formal de leis depois de haver conquistado a região que é o Iraque, a terra da antiga Mesopotâmia. Exatamente quantas das leis modernas têm origem que remontam à Mesopotâmia é assunto que ainda não foi determinado, mas o historiador britânico H.W.F. Saggs, no seu livro A Grandeza Que Foi Babilônia, observa que "é quase certo ter a lei sobre hipotecas a sua fonte remota no antigo Oriente Próximo".

Da mesma forma, um opulento conjunto de rituais e de mitos mesopotâmicos, instituídos por um notável grupo de teólogos que viveram 3.000 anos antes do nascimento de Cristo, influenciou profundamente as religiões ocidentais, sobretudo o judaísmo e o cristianismo. A idéia mesopotâmica de que da água nasceram todas as coisas, por exemplo, infiltrou-se na narrativa do Gênesis sobre a criação do mundo, e a noção bíblica de que o homem foi feito de barro e recebeu o "sopro de vida" brotou de raízes mesopotâmicas. Assim também o conceito bíblico de que o homem foi criado primordialmente para servir a Deus e o de que o poder criador da divindade está no Seu Verbo. A idéia de que as catástrofes são castigos celestes por más ações, como a de que a dor e a adversidade devem ser suportadas com paciência, também encontram analogia na Mesopotâmia. Até mesmo a região dos mortos, imaginada pelos mesopotâmios, a sua escura e lúgubre "terra de onde não se volta", tem a sua contrapartida no Sheol dos hebreus e no Hades dos gregos.

Até na atualidade a liturgia judaica está repleta de contribuições babilônicas. O Kol Nidre, o canto judaico recitado nas vésperas do Dia da Inspiração, em penitência pela quebra dos votos, é semelhante às preces que figuravam nas cerimônias mesopotâmicas do Ano Novo. O mesmo quanto à solene descrição do destino humano que é declamada no próprio Dia da Inspiração. Durante o seu exílio em Babilônia os hebreus também adquiriram a crença nos demônios e seu exorcismo, o que sem dúvida explica diversas passagens do Novo Testamento concernentes à expulsão dos espíritos malignos.

Desde os dias do cativeiro em Babilônia, e daí em diante, o judaísmo apresenta um enxame de místicos religiosos com visões apocalípticas sobre o futuro do homem. Por meio desses visionários, diz o eminente orientalista w. F. Albright, "elementos inumeráveis da fantasia pagã e até mitos inteiros entraram na literatura do judaísmo e do cristianismo". Por exemplo, o rito do batismo - diz ele remonta às religiões da Mesopotâmia, como também muitos dos elementos na história da vida de Cristo. Entre estes o Dr. Albright inclui a sua concepção por uma virgem, o seu nascimento relacionado com os astros, e os temas da prisão, da morte, descida aos infernos, o desaparecimento por três dias e posterior ascensão aos céus.

A religião mesopotâmica era, sem dúvida, pagã e politeísta, e portanto um profundo abismo espiritual a separa do monoteísmo judaico e cristão. Além disso, tanto o Velho como o Novo Testamento se impregnam de uma sensibilidade ética e de um fervor moral que não encontram correspondência nos textos mesopotàmicos. Nem a Suméria, nem Babilônia, nem a Assíria jamais chegaram à elevada crença de que o "coração puro" e "mãos limpas" tinham mais valor espiritual do que sacrifícios e rituais esmerados. O vínculo de amor entre Deus e o homem, embora não de todo alheio ao pensamento religioso da Mesopotâmia, decerto é nele de significação muito menor do que no judaísmo e no cristianismo. Todavia, os primitivos mesopotâmios cultivaram o conceito de um deus pessoal e familiar que teve o seu eco na Bíblia com o "deus de Abraão, Isaac e Jacó" - e entre essa divindade protetora e o seu devoto adorador há uma relação íntima, de ternura e confiança, em alguns aspectos, comparável, com a que existiu entre Jeová e os patriarcas.

A literatura da Mesopotâmia, assim como a sua religião e o seu direito, contaminaram também todo o mundo ocidental. Temas que figuram nos capítulos iniciais do Gênesis - a Criação, o Paraíso, o Dilúvio, a rivalidade de Cain e Abel, e a Torre de BabeI - todos têm antecedentes literários na Mesopotâmia. No Livro dos Salmos, muitos dentre eles lembram hinos do culto mesopotâmio, e o Livro das Lamentações copia um dos motes literários mais cultivados pelos escritores mesopotâmicos - na Suméria era comum se comporem lamentações formais sobre a destruição de uma cidade. Nas coleções sumerianas de brocardos, máximas e adágios, há também antecedentes estilísticos para o Livro dos Provérbios. Mesmo ao Cântico dos Cânticos, de Salomão, o livro diferente de quaisquer outros do Velho Testamento pode ser atribuído um precedente da Mesopotâmia, com os cantos de amor do culto sumeriano.

A literatura grega mostra igualmente inumeráveis indícios da influência mesopotâmica. A história mesopotâmica do dilúvio, por exemplo, corresponde na mitologia grega à história de Deucalião, que constrói um barco e nele sobrevive a uma inundação que destrui o resto da humanidade. O tema do combata ao dragão nos mitos mesopotâmicos encontra equivalência em algumas ficções. como as de Jasão e Héracles. os quais mataram diversos monstros.

Pragas lançadas como punição pelos deuses também figuram na mitologia da Grécia e na da Mesopotâmia. E há acentuada semelhança entre o inferno grego; o mesopotâmio, sendo ambos lugares tenebrosos. Separados do reino dos vivos por um rio sinistro que os mortos atravessavam de barca. Da mesma forma elegia para o morto. parece ter o seu prenúncio em duas composições sumerianas. Recentemente traduzidas de uma inscrição no Museu Pushkin de Moscou; nelas, um poeta mesopotâmio pranteia em Linguagem hiperbólica a morte do pai e da esposa. Até a forma da epopéia grega que conduziu à criação da Ilíada e da Odisséia, tem analogia com o estilo dos poemas épicos da Mesopotâmia.

Na área da literatura grega de cunho instrutivo e edificante os estudiosos também descobriram ultimamente uma série de equivalência mesopotâmicas.

Diversas fábulas de Esopo têm similitude com histórias anteriores da Suméria. e as instruções no almanaque do fazendeiro sumeriano. Segundo uma versão do século XVIII a.C.. parecem-se singularmente com as de Trabalhos e Dias, um manual do lavrador composto. cerca de mil anos depois. pelo poeta grego Hesíodo. Diversos diálogos sumerianos estão sendo agora reconstituídos e decifrados, e também estes poderão revelar-se como precursores estilísticos de obras-primas como os Diálogos, de Platão.

Em outro plano. o da música e da teoria musical, a contribuição mesopotâmica é descobrimento ainda bem recente. No entanto, já desde muitos anos os arqueólogos sabiam que a Mesopotâmia tivera instrumentos musicais, particularmente harpas e liras.

Por exemplo. Sir Leonard Woolley, nas suas escavações em Ur. desenterrou os remanescentes de nove liras e duas harpas. E um hino dedicado ao rei Shulgi, de Ur. proclama que o governante sabia tocar a harpa "a doce lira de três cravelhas, (um) instrumento de três cordas que desafoga o coração", e mais uns dez outros instrumentos musicais não identificados. Os músicos cursavam escolas de preparação e constituíam importante classe profissional na Mesopotâmia. tornando-se alguns altos funcionários da corte. Entretanto nada se conhecia sobre a música propriamente dita até há pouco tempo, quando Anne Darffkorn Kilner. da Universidade da Califórnia. uma cuneiformista, e Madame Duchesne-Guillemin. da Universidade de Liege, na Bélgica. uma musicóloga. se reuniram para interpretar o contexto de uma inscrição cuneiforme que por 70 anos havia desafiado os estudiosos.

A chave principal para o texto da inscrição era uma série de números que pareciam referir-se às cordas de um instrumento de nove cordas. Estabelecido este ponto, descobriu-se que os números eram dispostos numa progressão que sugeria a afinação desse instrumento, e também se apurou que outras notações indicavam o que parecia serem os intervalos de uma escala musical. As inscrições nessa placa de argila, que provavelmente data de 1500 a.C. mais ou menos, fazem a história da música e da teoria musical remontar há mais de um milênio antes das primeiras notações musicais da Grécia que se conhecem. É, de fato, o primeiro registro na história de uma escala musical e de um sistema musical coerente.

O muito que já se apurou da contribuição mesopotâmica para a civilização em todos os aspectos ainda constitui ínfima fração da sua totalidade; é como a parte visível de um iceberg. Não se torna fácil pesquisar idéias e técnicas, temas e motivos, através dos tempos, a fim de se chegar ao seu local de origem. Os fios de transmissão, tênues como os de.. uma teia de aranha, muitas vezes escapam ao olhar e ao espírito que os procuram. Sem dúvida novas descobertas virão enriquecer o quadro e trarão certamente muitas surpresas. Mas o futuro poderá tão-só confirmar o que já se patenteia isto é, que a Mesopotâmia, com sua conjugação singularmente feliz de fatores geográficos e gênio humano, criou uma cultura sem precedente. A terra entre o Tigre e o Eufrates será sempre considerada o Berço da Civilização.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Zecharia Sitchin e os deuses Sumérios

Uma das leituras que mais fascina é sobre história antiga. E por ‘antiga’ entenda-se de quatro mil anos para trás. Impossível ler sobre civilizações que surgiram, cresceram e desapareceram sem denotar um mínimo de entusiasmo. Quem foram aquelas pessoas? Como era seu cotidiano? Claro que essas perguntas encontram respostas nos livros de história e nos achados arqueológicos – estelas de argila, inscrições, pergaminhos e papiros, que permitem traçar um esboço desses povos. Assim, temos noção de formas de governo, costumes, religião, comércio, leis e todos os elementos que compunham aquela sociedade.

E a civilização Suméria foi, sem dúvida, a mãe das civilizações da antiguidade e grande influenciadora da evolução do mundo como o conhecemos. A Suméria (Sinar na Bíblia, Sangar no Egito e KI-EN-GIR na língua nativa), que significa “Lugar dos Senhores Civilizados”, é considerada a civilização mais antiga da humanidade, localizava-se na parte sul da Mesopotâmia, posicionada em terrenos conhecidos por sua fertilidade, entre os rios Tigre e Eufrates. Evidências arqueológicas datam o início da civilização suméria em meados do quarto milênio a.C. Entre 3500 e 3000 a.C. houve um florescimento cultural e a Suméria exerceu influência sobre as áreas circunvizinhas, culminando na dinastia de Ágade, fundada em aproximadamente 2340 a.C. por Sargão I, sendo que este, ao que tudo indica, seria de etnia e língua semitas. Depois de 2000 a.C. a Suméria entrou em declínio, sendo absorvida pela Babilônia e pela Assíria.

Duas importantes criações atribuídas aos sumérios são a escrita cuneiforme, que antecede todas as outras formas de escrita, tendo sido originalmente usada por volta de 3500 a.C.; e as cidades-estado – a mais conhecida delas sendo a cidade de Ur, construída por Ur-Nammu, o fundador da terceira dinastia Ur, por volta de 2000 a.C.

Comecei a pesquisa em incontáveis páginas da web e culminei na bibliografia de Zecharia Sitchin, de quem já li uns cinco livros até agora. Zecharia Sitchin nasceu em Baku, Azerbaijão, foi criado na Palestina e adquiriu conhecimentos do hebraico antigo e moderno e outras línguas europeias e semíticas, do Velho Testamento e da história e arqueologia do Oriente e, chamou minha atenção por tocar num outro assunto de meu interesse: a etimologia.

Traduzindo as milenares escritas cuneiformes sumérias, ele defende a tese de que há 400 mil anos os deuses da antiguidade foram astronautas que vieram de outro planeta, chamado Nibiru. Ele chegou a essa conclusão ao traduzir escritas sumérias que diziam ser as primeiras dinastias na Terra constituídas pelos ‘deuses’, ou os AN.UNNA.KI, cuja tradução é “Aqueles Que Do Céu à Terra Vieram”. E a partir daí surge uma profusão de nomes, lugares e acontecimentos que se mesclam e se confundem. Em muitos momentos as deduções encontram um paralelo hollywoodiano, como o fato dos alienígenas virem à Terra para extrair ouro, transformá-lo em pó e pulverizar a atmosfera de Nibiru, que estava se desfazendo.

Sitchin reconstrói uma época pré-diluviana onde deuses realmente andaram entre os homens. Quanto mais eu lia os livros, mais certeza tinha de que esses deuses foram reais. Fica nítido que os grandes ANU, ENKI, ENLIN, NINHURSAG, MARDUK, NABU, INANNA e dezenas de outras ‘divindades’ foram pessoas reais. Homens e mulheres de profundo conhecimento e sabedoria, que ditaram regras para criar uma poderosa civilização. Os atributos metafísicos ou alienígenas ficam por conta da imaginação de Sitchin, que é veementemente rebatido por Michael Heiser, Ph.D. em estudos semíticos e hebreus da Universidade de Wisconsin-Madison.

É nítida a influência dos ‘deuses’ sumérios na Babilônia, Egito, Pérsia, Grécia, etc. Eram seres com amores e desafetos, constituíam família, iravam-se, riam, guerreavam, presenteavam, tinham relações incestuosas e davam pouca atenção aos ‘mortais’. Exatamente como os deuses gregos e egípcios. Daí conclui-se que a similaridade dos deuses antigos entre culturas diferentes é um reflexo ou cópia do panteão sumério. Por exemplo, a história de Inanna (Ishtar, na Babilônia) e sua insaciável libido remete à Afrodite/Vênus. Anu, o deus mais distante e que comandava os outros, é Zeus/Odin. Os irmãos Enki e Enlil são contrapartes egípcias de Ptah e Tot, respectivamente. Marduk é Rá no Egito, mas seu nome babilônico nas escrituras bíblicas é Merodaque.

Os nomes de notórios monarcas da antiguidade também estão intimamente ligados aos nomes dos ‘deuses’ aos quais eles eram devotos. No princípio, dizem os textos sumérios, os reis eram sacerdotes e serviam de interlocutores com a população. Com o tempo, os ‘deuses’ foram ampliando os poderes desses sacerdotes para que pudessem ter autonomia de governo, dando origem às monarquias. Esses reis mantinham em seus nomes o nome da divindade favorita, como no caso dos reis babilônicos Nabupolasar e seu filho Nabucodonosor – ambos com o nome do ‘deus’ NABU nas iniciais, afirmando uma linhagem divina. Essa mesma formação de epítetos ocorre no Egito, no nome do faraó Ramsés (RA-MOSES ou Ra-Ms-S), que significa “Filho do Deus Rá”.

Pela visão dos sumérios, entende-se a criação do horóscopo e notamos que as adivinhações publicadas nos jornais não são nem a sombra da ciência de observação astronômica da antiguidade. Para os sumérios (ou os Anunnaki), havia diferença entre Destino e Sorte. O Destino era tudo o que se podia prever – como a movimentação dos corpos celestes, o dia depois da noite, as estações do ano e tudo o que mantinha um movimento constante. A Sorte eram os acontecimentos que estavam além da capacidade de previsão dos próprios ‘deuses’ – os imprevistos. Assim, os sumérios sabiam que em determinada época do ano uma constelação seria vista no céu; mas não podiam dizer se alguém morreria nesse período. Parece idiota aos olhos do século XXI, mas pense nisso há seis ou sete mil anos atrás.

Surpreendeu-me, também, descobrir que ainda hoje temos influência suméria em nosso vocabulário. Por exemplo, a palavra suméria E.DIN é traduzida como a “Morada dos Justos” (de onde pode ter derivado a palavra bíblica Éden). A região de E.DIN ficava entre os rios Tigre e Eufrates, local que viria a ser conhecido depois como Mesopotâmia. É lá que se encontram os picos gêmeos do monte Arrata (Ararat). Foi em E.DIN que a primeira cidade, E.RI.DU (“Lar na Lonjura”), estabeleceu-se. O nome ‘Eridu’ foi traduzido para muitos idiomas do mundo, incluindo alemão (Erde), inglês médio (Erthe), curdo (Ertz) e hebreu (Eretz). A palavra acabou por se tornar o que em inglês atual conhecemos como Earth (Terra).

Como E.RI.DU era o nome de uma cidade-estado, os sumérios tinham outra palavra para designar o planeta Terra, que era Ki (o mesmo significado do ‘ki’ de An.unna.ki). Em acadiano, Ki tornou-se Gi (ou Ge) – de onde saiu a palavra Geo (de geografia, geologia, etc.). Mais tarde, os indo-europeus acrescentaram a palavra ‘Aia’, que significa “avó”, e daí surgiu a palavra Gaia, a “Avó-Terra”, mas que alguns antropologistas preferiram traduzir como “Mãe-Terra”.

Outra palavra suméria que usamos até hoje e que sofreu pouca alteração ao longo dos milênios é “mãe” ou “mamãe”, que deriva das palavras Mamma, Mammi ou Mami, as quais, por sua vez, são outros nomes utilizados para se referir à ‘deusa-mãe’ Ninhursag (“Senhora da Montanha”), associada à fertilidade.

Em seu livro Encontros Divinos, Sitchin faz uma descrição de inúmeros relatos registrando o encontro entre homens e ‘deuses’. Ele começa traçando um perfil de como eram esses encontros e como eles interferiam no cotidiano das pessoas, sempre pendendo para a teoria extraterrestre. Porém, Sitchin começa a enveredar por outros caminhos no último capítulo e decide traçar um paralelo entre todos os deuses sumérios e o Deus dos hebreus, no Velho Testamento. O propósito é identificar qual dos deuses sumérios seria o Deus descrito na Bíblia, então ele compara um a um buscando similaridades na personalidade, nos diálogos, nos feitos e nos milagres.

E só então um novo elemento nos é apresentado. Os poderosos ‘deuses’ da Suméria, quando viam seus planos frustrados ou quando enfrentavam algum imprevisto, reconheciam suas limitações e atribuíam esses acontecimentos a quem chamavam de “O Criador de Todas as Coisas” (cujo poder controlava tanto a Sorte quanto o Destino). Ou seja, os ‘deuses’ possuíam um Deus. Não encontrando paralelo no panteão sumério, Sitchin admite que o Deus bíblico é, de fato, o Criador de Todas as Coisas.

Essa informação é esclarecedora para os primeiros capítulos do Velho Testamento, ao visualizarmos a dificuldade e resistência que Abraão, Moisés e os outros patriarcas enfrentaram ao tentar difundir a Palavra de um Deus invisível para povos acostumados a ‘deuses’ que viviam entre eles, tinham esposas e filhos – algumas daquelas pessoas podiam até mesmo ser descendentes desses ‘deuses’.