Mostrando postagens com marcador Os métodos de interpretação da Bíblia; Hermenêutica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Os métodos de interpretação da Bíblia; Hermenêutica. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Os métodos de interpretação da Bíblia

 
Neste estudo, serão apresentados os métodos de interpretação da Bíblia usados durante a história da Igreja (e ainda hoje), ressaltando os erros do método alegórico e dos métodos histórico-crítico e pós-moderno, e a coerência do método histórico-gramatical, que é a mais honesta abordagem das Escrituras, tendo sido usada pelos cristãos no início, resgatada após a Reforma e usada até aos dias de hoje por cristãos sinceros.

Falaremos também sobre as questões da inerrância e da infalibilidade das Sagradas Escrituras, e das traduções da Bíblia.

I – O método alegórico

A partir da Idade Média, o método cristão de interpretação da Bíblia sofreu alterações. Os exegetas medievais, seguindo Orígenes (185-253 d.C.), consideravam o sentido literal das Escrituras como pouco importante e pouco edificante. Eles diziam que o texto bíblico sempre tinha quatro níveis de sentidos: o sentido literal, o sentido anagógico, o sentido escatológico e o sentido moral. Eram inspirados na abordagem de Orígenes, que usava a figura do ser humano aplicada à interpretação da Bíblia, onde esses quatro pontos eram resumidos em uma tricotomia: (a) o corpo do texto – sentido literal (que Orígenes dizia ser apenas “casca e aparência”); (b) a alma do texto – sentido espiritual; e (c) o espírito do texto – sentido alegórico e cristológico. O texto sempre tinha, portanto, mais de um sentido, e o sentido literal era o menos importante.

Com base nessa hermenêutica, sempre e invariavelmente atribuíam a cada afirmação bíblica três sentidos ou níveis de significado além do literal, geralmente deixado de lado. Cada um desses sentidos levava a um sentido alegórico amplo, que consideravam “mais profundo” e, por isso, mais edificante, como julgavam.

Com o sentido moral, aprendiam as regras de conduta; com o propósito alegórico, procuravam ressaltar artigos de fé; e com o sentido anagógico, queriam aprender as realidades invisíveis do Céu. Por exemplo: todas as vezes que viam o termo “Jerusalém” nas Escrituras, sempre afirmavam que além de denotar literalmente uma cidade na Palestina, também se referia, no sentido moral, à sociedade civil; alegoricamente, à Igreja; e anagogicamente, ao Céu. Apenas esses três sentidos tinham valor para o estudo teológico dos exegetas medievais. O registro literal não tinha valor, apenas como um veículo de sentido figurativo.

Como bem define o teólogo britânico James I. Packer, “a exegese medieval foi, assim, exclusivamente mística. Fatos bíblicos se tornaram apenas uma base de salto para o terreno dos anseios teológicos; os fatos eram espiritualizados”.

II – O método histórico-gramatical


Com a Reforma Protestante no século 16, a importância do sentido literal do texto bíblico é resgatada e o “misticismo hermenêutico”, deixado de lado. Os reformadores protestaram contra o método alegórico e enfatizaram que o sentido literal, a intenção do autor, o sentido original de cada passagem das Escrituras, são o único guia seguro para entender a Palavra de Deus. Com isso, não estavam querendo dizer que esse “literalismo” não reconhecia as figuras de linguagem empregadas nas Escrituras, mas afirmava que deveria se fazer distinção clara entre o que era explicitamente figura de linguagem e o que não era.

Uma declaração exemplar da visão coerente dos reformadores é a de William Tyndale: “Tu deverás compreender, portanto, que as Escrituras têm apenas um sentido, que é o sentido literal; e esse sentido literal é a raiz e o fundamento de tudo, e a âncora que nunca falha, sem a qual errarás o caminho. E se te afastares um pouco do sentido literal, deverás ter cuidado para não saíres do caminho. As Escrituras usam provérbios, similitudes, alegorias, como todos os outros discursos usam, mas o significado do provérbio, similitude ou alegoria é sempre o sentido literal, que tu tens de buscar diligentemente”.
Outro detalhe é que embora os católicos, como os protestantes, entendam que a Bíblia é a Palavra de Deus, eles também consideram como fonte de revelação, com o mesmo peso da Bíblia Sagrada, o magistério eclesiástico católico preservado na tradição oral e os pronunciamentos do papa ex cátedra. Enquanto isso, os protestantes aceitam apenas a Bíblia como regra de fé e prática.

Ao reconhecerem a Bíblia como Palavra de Deus, os protestantes estão afirmando não que ela foi toda ditada por Deus (algumas passagens o foram, porém a maioria esmagadora não), mas, sim, que ela é totalmente inspirada por Deus e, por isso, infalível em sua mensagem e conteúdo. A Bíblia é, portanto, um livro divino, uma vez que dado por Deus, inspirado totalmente por Deus; mas também é um livro humano, uma vez que Deus respeitou a humanidade de seus autores – a linguagem, por exemplo. Por isso, para entendê-la, devemos orar, mas, ao mesmo tempo, estudá-la – e com isso estamos nos referindo ao estudo do seu contexto histórico e do aspecto gramatical.

Deve-se respeitar a intenção do autor – que só pode ser entendida pelo estudo do contexto histórico e o aspecto gramatical – e a evolução da revelação. O texto bíblico só pode ter um sentido, não quantos sentidos o leitor desejar. O sentido verdadeiro é o pretendido pelo autor quando foi inspirado pelo Espírito Santo.

III – O método histórico-crítico de interpretação


O método histórico-crítico de interpretação é um método de interpretação da Bíblia próprio do liberalismo teológico, que é a sua base ideológica. É também chamado de Alta Crítica. 

A gênese do método histórico-crítico está no Iluminismo, quando os homens passaram a achar que a própria razão, a análise crítica e racional, é o suficiente para o homem entender o mundo e resolver os seus problemas. A filosofia predominante era o racionalismo. Essa influência fez surgir o deísmo e, a partir daí, o liberalismo teológico. O liberalismo e o seu método histórico-crítico nasceram originalmente no deísmo, mas hoje é adotado até mesmo por teólogos agnósticos.

No método histórico-crítico, a interpretação da Bíblia deixou de ser uma tarefa para entender o que o autor queria dizer para ser uma tarefa de questionamento da produção do texto. O objetivo era tirar do cânon formal o cânon normativo. O teólogo alemão Johann Salomo Semler (1725-1791) dizia: “A raiz de todos os males (na teologia) é usar os termos ‘Palavra de Deus’ e ‘Escritura’ como se fossem idênticos”. Logo, segundo ele, era preciso distinguir e separar a “Palavra de Deus” da “Escritura”. O que Semler estava querendo dizer com isso é que a Escritura conteria erros e contradições ao lado de palavras que provêm de Deus. Estava implícita também nesta declaração a descrença na possibilidade do sobrenatural na história, devido à influência do racionalismo e do deísmo. Rejeitava-se a infalibilidade e a autoridade das Escrituras. Foi a partir desses pressupostos teológicos que o método histórico-crítico foi construído.

As etapas do método histórico-crítico são:

I – Crítica das Fontes – Partia do princípio de que os textos bíblicos eram edições feitas a partir de várias fontes diferentes, e usavam como pista qualquer aparente diferença de vocabulário ou estilo, repetições de histórias e digressões. A primeira hipótese desse tipo de crítica foi a Hipótese Documentária, que cria nas fontes Eloísta, Javista, Deuteronomista e do Quarto Documento no Antigo Testamento. Segundo os defensores dessa teoria, a Bíblia Hebraica teria sido editada para aglutinar quatro fontes. Tudo começou com um médico francês chamado Jean Astruc, que em 1753 levantou a tese de duas fontes – Eloísta e Javista – em Gênesis.

II – Crítica da Forma – Ainda mais radical. Já que poder-se-ia dizer ainda que as fontes se baseavam em tradição oral, então os liberais partiram para a crítica da forma do texto. Todos os textos tinham uma intenção política e eram manipulados. Bultmann chega a dizer que menos de 10% das falas de Jesus foram realmente proferidas por Ele. Tentam diferenciar o “Jesus da Fé” do “Jesus Histórico”.

III – Crítica da Redação – Objetivava identificar as “edições” na redação do texto bíblico e expurgá-las para extrair o que seria real e historicamente confiável segundo os liberais.

Nas últimas décadas, o método histórico-crítico começou a declinar. Por quê?

a) Caiu-se na real de que, na verdade, nunca fora um método neutro.

b) O subjetivismo inerente aos critérios utilizados para reconhecer a Palavra de Deus dentro do cânon fez com que os resultados fossem completamente diferentes, ao ponto de até hoje não existir um consenso do que seria a Palavra de Deus dentro do cânon reconhecido e aceito pelos próprios críticos.

c) O objetivo era impossível. Uma vez que desacreditava as Escrituras, elas perdiam todo o valor. Então, para que entender Deus pela Bíblia? Cada um passaria a ter uma teologia subjetiva agora. Daí o surgimento da Hermenêutica Pós-moderna

d) As igrejas aceitaram o liberalismo social e murcharam. As passagens contrárias à visão do liberalismo social foram vistas como “cânon formal” e não “cânon normativo”. As igrejas esfriaram, pois os pastores não pregavam mais a Bíblia e não oravam, apenas “meditavam”. As igrejas esvaziaram e morreram na Europa e em outras regiões.

Um detalhe importante é que, apesar de Karl Barth ter a sua importância, a Neo-ortodoxia também adotou o método histórico-crítico e é, em essência, mais relacionada ao liberalismo do que propriamente à ortodoxia.

IV – Hermenêutica pós-moderna

Os cristãos emergentes defendem que devemos aceitar interpretações diversificadas da Bíblia. Dizem que a Igreja é melhor enriquecida e abençoada quando há pluralidade de interpretações (cada uma atendendo a uma necessidade do momento). Eles desprezam conceitos básicos de Hermenêutica Bíblica, tais como a intenção dos autores bíblicos, o contexto cultural de cada livro e passagem (isto é, desprezam o princípio de que texto sem olhar o contexto é pretexto) e a homogeneidade da Bíblia (ou seja, desprezam o princípio de que a Bíblia se explica pela própria Bíblia). Assim, distorcem o significado de passagens da Bíblia a seu bel prazer para acomodá-las a seus pontos de vista. É o que se chama também de “Hermenêutica Pós-moderna” ou “Hermenêutica Generosa”. É desonestidade completa.

Jacques Derrida (1930-2004) pode ser considerado, involuntariamente, o pai da “Hermenêutica Pós-moderna”. De origem judaica, Derrida nasceu na Argélia, então colônia francesa, e sofreu muito em sua infância por causa do anti-semitismo. Já na juventude, tornou-se discípulo confesso dos escritos dos ateus Friedrich Nietzsche, Jean-Jacques Rousseau e Albert Camus. Inspirado nesses seus ídolos, Derrida fundou o desconstrutivismo, tese que propõe a indeterminação do sentido dos textos. Por descrer em verdade absoluta e ser defensor ferrenho do relativismo, Derrida ensinava que qualquer texto deve ser lido sem nos preocuparmos em achar qualquer intenção do autor por trás dele. Para o francês, devemos ser livres na interpretação de um texto, que pode ter quantos significados sejam necessários, independente do propósito do autor ao escrevê-lo. Caberia a cada leitor, portanto, dar aos textos o significado que ele mesmo acha que tenham.

Seguindo os pressupostos desconstrutivistas, os teólogos emergentes ensinam que a interpretação de um texto bíblico pode ter vários significados, não sendo possível determinar um sentido único que seja apresentado como o verdadeiro. O sentido do texto não estaria dentro do texto, mas fora do texto. Não seria intra-textual, mas extra-textual. O significado e a interpretação de todos os textos bíblicos seriam, portanto, relativos e caberia a cada um extrair dos textos bíblicos, sem preocupar-se com regras de hermenêutica, as lições que achar interessantes, conforme a necessidade do momento.
V – Uma visão honesta e correta das Escrituras

Jesus disse certa vez que os escribas e fariseus erravam por não examinarem as Escrituras e ignorarem o poder delas (Mt 22.29). Isso demonstra que desconhecer o propósito das Escrituras resulta em não experimentarmos o seu poder e eficácia em nossas vidas. A Bíblia é suficiente, mas ela só se torna eficiente em nossas vidas quando nós a aceitamos como Palavra de Deus, como regra de fé e prática para nossas vidas.

O apóstolo Paulo, escrevendo ao seu discípulo Timóteo, apresenta o propósito das Sagradas Escrituras. Afirma Paulo: “Toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus [1] seja perfeito e [2] perfeitamente instruído para toda a boa obra”.

O vocábulo grego traduzido por “perfeito” em 2 Timóteo 3.17 é artios, que só aparece nessa passagem em todo o Novo Testamento. O vocábulo significa “provido”, “completo”, “perfeito” ou “aperfeiçoado”. Quando Paulo fala que as Escrituras são, em primeiro lugar, para que o homem de Deus seja artios, ele está evocando o mesmo que afirma em Efésios 4.12-15.

Jesus afirmou que a Bíblia é infalível. Disse Ele que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35). Logo, a infalibilidade das Escrituras não é uma invenção dos estudiosos da Bíblia, e as pessoas que tentam encontrar falhas na Bíblia e ao mesmo tempo dizem que crêem em Jesus estão sendo contraditórias, pois, para empreender essa busca, já têm que partir do princípio de que Jesus mentiu ou se equivocou ao dizer que a Escritura é infalível.

Outro detalhe sobre a infalibilidade das Escrituras é que os que tentam contestá-la são justamente aqueles que desprezam uma hermenêutica correta. Por exemplo, desprezam a necessidade de atentarmos para a intenção dos autores bíblicos para entendermos o significado do texto (mais à frente, ainda neste capítulo, vamos nos dedicar a esse assunto). Um exemplo: Será que quando Josué escreveu que o Sol e a Lua pararam (Js 10.12-15) ele tinha a intenção de afirmar necessariamente que o Sol e a Lua giram em torno da Terra ou será que estava apenas descrevendo, com suas próprias palavras e conhecimento limitado, um milagre que presenciou com seus próprios olhos após a sua oração? Como é que alguém, na época de Josué, descreveria o milagre de o dia ficar prolongado? Não diria que o Sol e a Lua ficaram estacionados em cantos opostos do horizonte? Inclusive, ainda hoje nós não dizemos que o Sol “nasce” e “se põe”? Qual era a intenção do autor ali? Se o texto de Josué fosse uma passagem bíblica em que a intenção do autor fosse apresentar ou descrever, com base na inspiração e na revelação divinas, uma verdade sobre o universo (como em Gênesis 1 e 2), aí seria diferente, mas não é o caso.

A Bíblia também é inerrante, posto que:

(a) O próprio Jesus asseverou que ela é fidedigna em seus mínimos detalhes (Mt 5.18);
(b) As Escrituras dizem que Deus, que a inspirou (2Tm 3.16), não pode errar (Hb 6.18; Tt 1.2);
(c) E Jesus afirma que a Palavra de Deus é a verdade (Jo 17.17).

Se a Bíblia foi dirigida pelo Deus da verdade, conforme ela mesma nos diz, então podemos confiar em sua inerrância. Isto é, todas as vezes que a Bíblia prescreve o conteúdo de nossa fé (doutrina) e o padrão de nossa vida (ética) ou registra eventos reais (história), ela não mente, não erra, mas fala a verdade. Há dificuldades em algumas passagens da Bíblia? Sim, só que essas dificuldades são logo dissipadas quando nos dedicamos a estudá-las sinceramente em busca de respostas, em vez de tomar a nossa primeira dificuldade em entendê-las como prova de que não podem ser entendidas. Quando agimos assim, as contradições se revelam aparentes. Muitos delas são, inclusive, contradições decorrentes de uma leitura isolada do texto sem olhar o seu contexto, que muitas vezes é toda a Escritura. Como lembra o teólogo escocês Bruce Milne, “quando uma passagem da Escritura é interpretada de acordo com a intenção do escritor e em harmonia com outras passagens bíblicas, sua verdade inerrante será percebida claramente” (Conheça a verdade, Bruce Milne, ABU Editora, 1987).

A Bíblia também é autoritativa e normativa, pois ela mesma se apresenta assim em suas páginas. O próprio termo “Escritura” para se referir à Bíblia hebraica e depois ao Novo Testamento (2Pe 3.15,16) era usado nos tempos bíblicos para descrever o texto sagrado como autoritativo e normativo. O próprio termo “Palavra de Deus”, que Jesus utilizou para se referir à Escritura em Marcos 7.7-13, era usado também para demonstrar que o texto do Antigo Testamento tem valor normativo e autoritativo. Aliás, nessa mesma passagem, Jesus afirma aos fariseus que a Bíblia está acima da tradição como referência normativa e chama a Palavra de Deus também de “mandamento de Deus”. Cristo ainda usou a autoridade das Escrituras para rebater o Maligno (Mt 4.4) e sempre invocou a Bíblia como normativa e autoritativa para várias questões (Mt 19.4; 10.34-36).

O Mestre também aceitou a ética do Antigo Testamento como normativa (Mt 5.17) e a Bíblia apresenta a lei moral de Deus como algo que devemos obedecer. O termo “lei” sugere autoridade e normatividade.

O Antigo Testamento, que é chamado de “Palavra de Deus” (como vimos, por exemplo, em Marcos 7.13), é também chamado de Escritura divinamente inspirada (que é justamente o significado de “Palavra de Deus”), que é a mesma categoria dada às Epístolas de Paulo (2Pe 3.16,17) que, por sua vez, compõem o Novo Testamento. Logo, se o Novo Testamento é Escritura divinamente inspirada como o Antigo Testamento, ambos são “Palavra de Deus”.

Quem lê a Bíblia apenas como uma obra literária excepcional com grandes lições morais, mas sem considerá-la a revelação de Deus aos homens e um livro que apresenta proposições para a fé, isto é, doutrinas, não está aceitando, de fato, a Bíblia como ela é. Ler a Bíblia apenas de forma literária é, simplesmente, não levar a Bíblia a sério. O apóstolo Paulo, escrevendo aos tessalonicenses, destacou a importância de recebermos a pregação do conteúdo bíblico como Palavra de Deus (1Ts 2.13). Devemos fazer o mesmo hoje e sempre.

VI – Quanto às traduções da Bíblia

A maioria das traduções que temos da Bíblia hoje em dia é bastante confiável. Claro que pode-se fazer críticas a algumas versões como Atualizada, NVI e Bíblia na Linguagem de Hoje, quanto à real fidelidade em algumas passagens muito específicas do texto bíblico, porém as diferenças são minimizadas por não envolverem nenhuma questão doutrinária essencial. Essas versões as quais mencionei não usam como base o Texto Recebido, usado pela Igreja do 16º ao 19º século, mas os exemplares de Texto Crítico de Westcott e Hort, de Eberhard Nestle e das Sociedades Bíblicas Unidas. Já a Revista e Corrigida, e principalmente a Corrigida Fiel, usam o Texto Recebido. A versão mais preocupante é a NIV (a em inglês), mas a NVI (em português) evitou muitos desses erros desde a sua primeira edição, que foi apenas inspirada na proposta original da NIV, não seguindo todas as suas sugestões de tradução.

Bem, mas de forma geral, sobre esse assunto de traduções, é preciso entender o seguinte:

A) Em primeiro lugar, é errada a teoria de que a inspiração da Bíblia só pode ser conservada na sua língua original ou numa versão em língua clássica ou erudita. Tal conceito seria o mesmo que defender a crença da língua sagrada, como o árabe no islamismo, o sânscrito no hinduísmo e o latim no catolicismo medieval. No próprio Novo testamento há inúmeras citações da Septuaginta, que é o Antigo Testamento em grego. Jesus fez uso dessa versão em seus ensinos e pregações (Is 7.14; 8.8,10; Mt 1.23; Is 42.4 e Mt 12.21) e fizeram o mesmo os apóstolos Paulo (Dt 27.26 e Gl 3.10), Pedro (Is 28.16 e 1Pd 2.6) e Tiago (Pv 3.34 e Tg 4.6). Os apóstolos não impuseram o hebraico às nações quando levaram o Evangelho para outros povos.

B) Em segundo lugar, a linguagem pode ser atualizada, mas a mensagem jamais pode ser alterada. Quando a mensagem é modificada, a versão deixa de ser inspirada, pois o texto foi corrompido e falsificado. Exemplo: A geração de judeus que retornou do cativeiro babilônico falava aramaico, que era a língua oficial do império. Eles não entendiam bem a leitura em hebraico da Lei e dos Profetas, que era comum nas sinagogas. Por isso, surgiu a necessidade de explicações orais em aramaico, como vemos em Neemias 8.8. Com o passar dos anos, essas explicações foram escritas, tornando-se os Targumim, traduções parafraseadas do Velho Testamento hebraico para o aramaico. O Targum de Ônquelos contém o Pentateuco e o de Jônatas, os Profetas. Curiosamente, o Targum de Ônquelos parafraseou a expressão “Eu Sou” de Êxodo 3.14 e Deuteronômio 32.29 da seguinte forma: “Aquele que é, e que era, e que há de vir”. Essa mesma expressão aparece 5 vezes em Apocalipse (Ap 1.4,8; 4.8; 11.17; 16.5). Isso mostra que as várias formas, estilos e construções gramaticais são válidas, contanto que o conteúdo do texto, seu sentido, não seja corrompido. 

C) Em terceiro lugar, no processo de tradução, a paráfrase pode ser usada, mas com muito cuidado. A paráfrase traduz explicando o texto. Na paráfrase, em vez de traduzir palavra por palavra, se traduz idéia por idéia. Esse recurso deve ser usado apenas quando uma tradução literal não ajuda o leitor a entender a passagem; é quando é necessário o uso de nossas expressões idiomáticas para que o texto fique mais claro. É perfeitamente possível manter a fidelidade ao texto original assim, mas esse recurso, repito, só pode ser usado em passagens em que realmente se faz necessário isso.

D) O Texto Recebido (Textus Receptus) é a última revisão do texto impresso do Novo Testamento grego, preparado originalmente por Erasmo de Roterdam e publicado em 1516. Foi o primeiro texto impresso do Novo Testamento grego a ser publicado após a invenção da imprensa. O de Francisco de Cisneros foi preprado antes, mas publicado só em 1520. Como Erasmo não dispunha de manuscritos completos do Novo Testamento, fez uso de apenas quatro manuscritos gregos cursivos: um do século 10, dois do século 12 (sendo que um deles contém apenas o Apocalipse com algumas lacunas supridas pela Vulgata) e um do século 13, que contém apenas Atos e as Epístolas. Na época, Erasmo não teve acesso aos principais manuscritos e os papiros antigos ainda não tinham sido descobertos. O texto de Erasmo foi revisado várias vezes até que os irmãos Bonaventure e Abraham Elzevir publicaram uma nova e definitiva edição desse texto de Erasmo em 1624, intitulando-a Textus Receptus. É a base das principais traduções do Novo Testamento, como, por exemplo, a tradução de João Ferreira de Almeida, a inglesa King James Version e a versão espanhola de Casiodoro de Reina.

Hoje, há mais de 5,7 mil manuscritos gregos no Novo Testamento. Com base nos novos manuscritos que foram descobertos, foram feitas revisões, o chamado Texto Crítico, mas tais revisões, para espanto dos tradutores, mostrou como o texto bíblico permanecia extremamente puro apesar dos séculos.

Como bem afirma o pastor e teólogo assembleiano Esequias Soares, em artigo publicado no jornal Mensageiro da Paz, “seria muita ingenuidade esperar que todas as cópias do NT produzidas à mão em três continentes durante mais de 13 séculos ficassem exatamente iguais, como as páginas impressas. Como era de se esperar, há algumas diferenças como ordem diferente de palavras, sinônimos, soletração, palavras, frases e versículos omissos, acrescidos ou deslocados”, mas nada que não pudesse ser claramente identificado para que se garantisse o texto puro. “A Crítica Textual, desde 1750, checou cada versículo em todos esses manuscritos” – frisa pastor Esequias, acrescentando ao final que, depois do intenso trabalho de investigação, “os críticos ficaram estupefatos com o grau de exatidão” do texto do Novo Testamento. A fidedignidade do conteúdo fora preservado.

Os 5,7 mil manuscritos foram submetidos à análise de críticos textuais os mais exigentes, que, em sua meticulosidade, descobriram cerca de 250 mil variações entre todos os manuscritos do Novo Testamento, só que, a maioria esmagadora dessas variações, quase que a totalidade, girando apenas em torno de ortografia e disposição de palavras, e não afetando em absolutamente nada o conteúdo doutrinário. Os poucos casos maiores envolvem interpolações ou erros de copistas (mas que são facilmente identificáveis), o que garante, no mínimo, uma pureza de 99,5% do texto bíblico que temos em mãos em relação aos seus autógrafos originais.

Só para se ter uma idéia, essas mais de 200 mil variações, se vertidas para a nossa língua, nem apareceriam! Não podem sequer ser traduzidas da língua grega para qualquer idioma. São nuances do grego e diferenças de ortografia sem alteração alguma no sentido da passagem. E dentre os 0,5% que são realmente substanciais, não há nada que comprometa a Teologia Cristã. Textos como alguns versículos de Marcos 16, João 8 1João 5, que são interpolações, são os casos maiores, e mesmo assim nenhum deles, se omitidos, mudaria qualquer doutrina bíblica. E ainda há o fato de que algumas dessas interpolações são altamente discutíveis se são ou não interpolações mesmos. Exemplo: Marcos 16.9-20.

Além de Marcos terminar de forma abrupta, no original o versículo 8 termina com uma conjunção (“gar”) e, como afirmam os especialistas, “na literatura grega, a conjunção ‘gar’ jamais é usada como conclusão de um texto”. O vocábulo “gar” significa “pois” ou “porque”. Outro detalhe importantíssimo é que apesar de as duas cópias mais antigas de Marcos não conterem os versículos de 8 a 20 (o Manuscrito Sinático, conhecido como Códice Alef, escrito em cerca de 340 d.C, e o Manuscrito do Vaticano, conhecido como Códice B, datado de 350 d.C), mas apenas o terceiro mais antigo (o Manuscrito Alexandrino, Códice A, do ano 450 d.C.) contém o texto e todas as demais 677 cópias restantes, os Pais da Igreja, bem antes dessas cópias mais antigas, mencionam muitos versículos de Marcos 16.9-20 em seus escritos teológicos. Exemplos são Irineu (125-202 d.C.); Hipólito (160-236 d.C.) e Taciano, um seguidor de Justino Mártir, que viveu no final do segundo século, todos atestando conhecer a existência da redação de Marcos após o versículo 8. Além do que, como já afirmamos, dos 5,7 mil manuscritos gregos do Novo Testamento, aproximadamente 680 deles contém o Evangelho de Marcos completo e apenas dois desses 680 manuscritos não incluem esses versículos; e as 8 mil versões do latim contém os versículos de 9-20, além das versões góticas, egípcias e armênias.

E) Finalmente, é importante frisar que há, atualmente, mais de 5,7 mil cópias de manuscritos gregos do Novo Testamento ou de porções neotestamentárias, indo do primeiro ao nono século, e a maioria é do terceiro, quarto e quinto séculos. Isso é impressionante, uma vez que nenhuma outra obra da literatura grega pode ostentar uma abundância tão grande de cópias.

“A Ilíada de Homero, a maior de todas as obras clássicas gregas, é subsistente em cerca de 650 manuscritos; e as tragédias de Eurípides existem em aproximadamente 330 manuscritos. O número de cópias de todas as outras obras da literatura grega é bem menor. Além disso, deve-se acrescentar que o espaço de tempo entre a composição original e o manuscrito subsistente mais próximo é muito menor para o Novo Testamento do que para qualquer obra da literatura grega. O lapso de tempo para a maioria das obras clássicas gregas fica entre oitocentos e mil anos, enquanto que o intervalo para muitos dos livros do Novo Testamento é de cerca de 100 anos”, destaca o teólogo norte-americano Philip Wesley Comfort.

Flávio Josefo, historiador judeu do primeiro século, fala da existência do Cânon Hebraico do Velho Testamento já estabelecido: “...e pelos quais temos tal respeito, que ninguém jamais foi tão atrevido para tentar tirar ou acrescentar, ou mesmo modificar-lhes a mínima coisa. Nós os consideramos como divinos” (História dos Hebreus, Contra Ápion, Livro 1, capítulo 21, CPAD). Essa recomendação de não alterar as Escrituras Sagradas aparece ao longo da Bíblia (Dt 4.2; 12.32; Pv 30.5-6 e Ap 22.18-19). Esse Cânon mencionado por Josefo parece ser o mesmo mencionado por Jesus (Lc 24.44), cuja tríplice parte está presente em Josefo e na Bíblia Hebraica ainda hoje.