Mostrando postagens com marcador O Evangelho Secreto de Marcos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador O Evangelho Secreto de Marcos. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Morton Smith e os Carpocracianos...Mc. 14:51.52 " Certo jovem o seguia...mas ele largando o lençol fugiu nu.


EVANGELHO SECRETO DE MARCOS

O secretismo de Marcos foi sempre considerado uma das características marcantes do estilo do seu evangelho. As razões deste secretismo tiveram tanto a ver com a estratégia messiânica de Jesus, por razões que outros evangelhos sugerem, como também por características pessoais de João Marcos que só uma abordagem psicanalítica poderia entender inteiramente. O fato e que a sua qualidade de jovem rico e sempre virgem, levita, presumível sumo-sacerdote destituído por falta de idade, e discípulo amado de Jesus o terão obrigado a ser assim, tímido, reservado e adepto do secretismo iniciático.

A carta de Clemente de Alexandria a Teodora. Tradução a partir da de Morton Smith:

Das cartas do mais santo Clemente, o autor do Stromateis, para Teodoro. Fizeste bem em silenciar os ensinos inqualificáveis dos Carpocracianos, pois estes são as "estrelas cadentes" referidas na profecia, que vagueiam da estrada estreita dos mandamentos para um abismo ilimitado de pecados completamente carnais. Pois, orgulhando-se eles de conhecimento, como eles dizem, "das coisas profundas de Satanás" não sabem que eles estão a lançar-se em "um mundo inferior da escuridão" de falsidade, e, ostentando que eles são livres, eles se tornaram os escravos de desejos servis. Tais homens devem ser postos completamente de parte e de todos os modos. Pois, até mesmo se eles disserem algo verdadeiro, quem ama a verdade não deve, mesmo assim, concordar com eles. Pois nem todas as coisas verdadeiras são a Verdade, nem a verdade que somente parece verdadeira, de acordo com opiniões humanas, deve ser preferida à verdadeira Verdade, de acordo com a fé.

Agora das coisas que eles têm dito acerca do divinamente inspirado Evangelho de acordo com Marcos, algumas são completas falsificações, e outras, mesmo se contiverem alguns elementos verdadeiros, ainda assim não devem ser verdadeiramente consideradas. Porque as verdadeiras coisas que estão misturadas com invenções estão falsificadas, de forma que, enquanto vão sendo ditas, até mesmo o sal perde o seu sabor.

Marcos, então, durante a estadia de Pedro em Roma escreveu um relato das ações do Senhor, porém, não as declarando todas, nem tão pouco indicando as secretas, mas seleccionando o que ele pensou mais útil para aumentar a fé dos que estavam para ser instruídos. Porém, quando Pedro morreu mártir, Marcos veio para Alexandria, trazendo tanto as próprias notas quanto as de Pedro, das quais ele transferiu para o seu primeiro livro as coisas mais satisfatórias para tudo o que pudesse trazer progresso ao conhecimento. Assim ele compôs um Evangelho mais espiritual para o uso desses que estavam sendo instruídos. Não obstante, ele não divulgou ainda as coisas que não eram para ser proferidas, nem subscreveu os ensinamentos hierofânticos do Senhor, mas, às histórias já escritas ele somou ainda outras e, além disso, trouxe certas declarações das quais conheceria a interpretação que, como um mestre de mistérios, conduzia os ouvintes até ao santuário mais íntimo da verdade escondida por detrás de sete véus.

Assim, em suma, ele preparou estes assuntos, não de forma presunçosa nem descuidada, em minha opinião, e, depois de morto, ele deixou a sua composição à igreja de Alexandria onde é ainda mais cuidadosamente guardada, sendo lida apenas pelos que estão a ser iniciados nos grandes mistérios.

Mas como os demônios sujos estão sempre a inventar a destruição da raça humana, os Carpocratas, instruídos por eles e usando artes enganosas, seduziram um certo presbítero da igreja de Alexandria para que ele obtivesse uma cópia do Evangelho secreto que eles interpretaram de acordo com a sua doutrina blasfema e carnal, e, além disso, o poluíram, misturando com as palavras imaculadas e santas mentiras completamente vergonhosas. Desta mistura foi despejado o ensino dos Carpocracianos.

Então, como eu disse acima, uma pessoa nunca lhes deve dar crédito; nem, quando eles avançaram com as suas falsificações, nem se deverá conceder que o Evangelho secreto é de Marcos, mas antes se deverá negar isto até mesmo em juramento. Pois, "Nem todas as verdadeiras coisas serão ditas a todos os homens". Por isto a Sabedoria de Deus, desde Salomão, aconselha, "Responde ao louco com a linguagem da sua loucura", ensinando que a luz da verdade deverá ser escondida dos que são mentalmente cegos. Novamente está dito, "Dele que não terá que ser deitado fora" e, "Deixemos o tolo andar na escuridão". Mas nós somos "as crianças de luz", tendo sido iluminados pela "fonte dos dias" do espírito do Senhor "do alto" e "Onde o Espírito do Deus está", se diz, "há ali liberdade", porque "Todas as coisas são puras para o puro".

A ti, então, eu não hesitarei em responder às perguntas que tu formulaste, enquanto refutando as falsificações pelas mesmas palavras do Evangelho. Por exemplo, depois de, "Eles estavam na estrada que sobe para Jerusalém," e o que se segue, até " Ele ressuscitará depois que três dias," o Evangelho secreto traz o seguinte material, palavra por palavra:

(Marcos 10: 32 Eles estavam a caminho de Jerusalém, e Jesus ia adiante deles, e os discípulos estavam surpresos enquanto os que o seguiam estavam atemorizados. Novamente ele levou os Doze aparte e lhes contou o que lhe ia acontecer. 33 "Nós estamos subindo para Jerusalém," disse ele "e o Filho de Homem será entregue aos sumo-sacerdotes e professores da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos Gentios 34 que o escarnecerão e cuspirão nele, o açoitarão e o hão-de matar. Três dias depois ele ressuscitará".)

E eles foram para Betânia onde estava uma mulher cujo irmão tinha morrido. E, aproximando-se, ela se prostrou diante de Jesus e lhe disse: "Filho de David, tem clemência de mim". Mas os discípulos afastaram-na.

Irritando-se, Jesus foi com ela para o jardim onde estava o túmulo. E imediatamente um grande som saiu do túmulo, e Jesus, enquanto ia ao seu encontro, rodou a pedra de fora da entrada do túmulo. E entrando imediatamente onde o jovem estava, ele esticou uma mão e o levantou, enquanto lhe segurava a mão. Então, o homem olhou para ele e o amou e ele começou a chama-lo para junto de si, porque ele queria estar com ele. E saindo do túmulo, eles foram para a casa do jovem, porque ele era rico. E depois de seis dias, Jesus o instruiu. E pela tarde, o jovem foi ter com Ele. Ele tinha posto uma faixa de linho fino em volta do seu corpo nu, (que retirou?) e, por aquela noite, ele permaneceu com ele (de homem nu para homem nu). Pois Jesus lhe ensinou o mistério do reino de Deus. Depois que ele saiu de lá, ele voltou à região do Jordão.

Depois destas palavras vem o texto seguinte: "E, aproximaram-se dele Tiago e João” e toda esta secção. Mas "homem nu para homem nu," e outras coisas sobre que escreveste não se encontraram ali. 35 E aproximaram-se dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, dizendo: Mestre, queremos que nos faças o que pedirmos. 36 E ele lhes disse: Que quereis que vos faça? 37 E eles lhe disseram: Concede-nos que, na tua glória, nos assentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda. 38 Mas Jesus lhes disse: Não sabeis o que pedis; podeis vós beber o cálice que eu bebo e ser baptizados com o baptismo com que eu sou baptizado? 39 E eles lhe disseram: Podemos. Jesus, porém, disse-lhes: Em verdade vós bebereis o cálice que eu beber e sereis baptizados com o baptismo com que eu sou baptizado, 40 mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo, mas isso é para aqueles a quem está reservado. 41 E os dez, tendo ouvido isso, começaram a indignar-se contra Tiago e João. 42 Mas Jesus, chamando-os a si, disse-lhes: Sabeis que os que julgam ser príncipes das gentes delas se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre elas; 43 mas entre vós não será assim; antes, qualquer que, entre vós, quiser ser grande será vosso serviçal. {ou criado} 44 E qualquer que, dentre vós, quiser ser o primeiro será servo {ou escravo} de todos. 45 Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos. 46 Depois foram para Jericó.

E depois das palavras "De seguida, foram para Jericó" o evangelho secreto adianta apenas: E a irmã do jovem a quem Jesus amou estava lá, como também a mãe dele e Salomé. Mas Jesus não lhes deu as boas-vindas.

Mas, as muitas outras coisas sobre as quais escreveste ambos parecem ser e são falsificações. Assim, é esta a verdadeira explicação e a que mais concorda com a verdadeira filosofia...

[Aqui o texto para abruptamente a meio da página]

Claro que, nos tempos permissivos e libertários em que vivemos, não são as fantasia eróticas que podem exalar desta passagem o que mais pode por em causa as hierarquias das igrejas. A pedofilia persegue as Igrejas desde a sua fundação apenas na medida em que esta é apenas mais uma das heranças tão indesejadas quanto irrecusáveis da antiga tradição clássica senão mesmo um passo incontornável do amadurecimento da humanidade. Dito de outro modo teria sido impossível acender ao amor platônico do professor pelo discípulo, por projeção de transferência do amor familiar, sem ter incorrido na tentação dum amor físico entre idades diferentes construído à sombra paternalista da ausência da mulher, num contexto de paralelismo entre a fragilidade da idade e, a do eterno feminino, instituída como essencial!

A referida carta de Clemente de Alexandria poderá ser uma falsificação ainda mais fascinantes do que o "testamento de Constantino", mas a verdade é que, por se tratar do "Evangelho secreto de Marcos", a plausibilidade deste episódio torna-se de tal modo patente que só um falsário que estivesse, de forma explícita, a par da tese da identificação de Marcos com Lázaro poderia ter tido a ousadia de ter inventado todo este episódio tão estranho quanto misterioso.

Porém, uma mentira piedosa indemonstrável é tão fidedigna como qualquer um dos livros canônicos autenticados pela inspiração divina depois de sujeitos à censura prévia do martelo revisionista da comissão corretora de padres conciliares encarregados pelo imperador Constantino o Grande de apresentarem em Nicéia uma versão ortodoxa das escrituras cristãs retificada de toda a heterodoxia e sem mancha de gnosticismo herético.

De fato, Constantino que esperava utilizar o cristianismo para unir um império em decadência começava a ficar desanimado com o espetáculo de fragilidade doutrinária do cristianismo, à época dividida pela heresia ariana. A decadência política sustentada por uma vasta burocracia de rapina e defendida por um exército dividido por insucessos militares repetidos contra os godos e os partos, expressos na "tetrarquia” que retalhava o império em vários centros de poder, derivava duma longa recessão econômica larvar que decorria da profunda crise econômica dos latifúndios. Estes, até então sustentados por um regime de escravatura impiedoso, alimentados pela expansão inicial do império, começavam a dar sinais de improdutividade.

Precisamente à medida que abrandavam os sucessos militares nas fronteiras diminuía a fonte fresca de escravatura enérgica que até então tinha sido fundamentalmente a que resultava de prisioneiros de guerra. Entretanto generalizava-se a pax romana e melhoravam as condições de trabalho dos antigos escravos e se alterava, por natural humanização dos costumes, o estatuto dos escravos nascidos nos latifúndios.

A escravatura resultante do próprio crescimento reprodutivo da classe de escravos tendia a tornar-se envelhecida enquanto os filhos dos escravos aprendiam depressa as manhas da vida que lhe permitiam amaciar o jugo, alcançar a alforria migrando para as cidades e a corromperem os capatazes conseguindo trabalhar com menos afinco e com muito menos produtividade. No oriente a crise dos latifúndios daria origem ao inicio duma espécie de reforma agrária natural que começava pelo arrendamento de terras a servos livres dedicando-se o excedente de mão-de-obra ao artesanato e o comércio num sistema econômico relativamente equilibrado que iria fazer a fortuna, primeiro do império bizantino e depois do império árabe, onde a estes fatores se iria juntar uma certa estabilização da natalidade resultante do regime de poligamia por compra de esposa que, longe de aumentar a natalidade por família tendia a diminuir o número de filhos por mulher deixando muitos homens solteiros por falta de capacidade econômica.

No ocidente, a crise do latifúndio viria também a ser superada pelo recurso aos servos da gleba, mas sem o sucesso que este obteve a oriente na medida em que não foi complementado pelo crescimento das classes urbanas sendo uma das razões do feudalismo que se prolongou a acidente até ao surgimento das repúblicas italianas, verdadeiras cidades estados do começo do renascimento.

Em conclusão, a aparente unicidade canónica do cristianismo moderno é artificialidade pura resultante de Eusébio de Cesareia, o autor da história eclesiástica a quem Jacob Burckhardt chama "o primeiro historiador dos tempos antigos totalmente desonesto e injusto". Porém, esta imagem de marca da intolerância censória da ortodoxia e do catolicismo, servida mais tarde pelo tribunal do santo ofício e pela execrável inquisição, será por todo o sempre até aos tempos atuais o paradigma das polícias secretas de todos os totalitarismos e hegemonias políticas e ideológicas a que apenas o liberalismo, iniciado com a independência americana, iria por fim. No oriente islâmico o fanatismo e o fundamentalismo religioso surgirão também no rescaldo da crise econômica dos impérios islâmicos posteriores às descobertas marítimas dos povos ibéricos nos sec. XV e XVI.

A verdade é que o episódio da iniciação secreta de Lazaro / João Marcos (que deveria fazer parte do Evangelho original de Marcos porque dum mistério iniciático se tratava e, como tal só poderia fazer parte dum Evangelho secreto como parece ter sido o caso!) é menos explícito do que outras fontes gnósticas já conhecidas como é ocaso do Apocalipse de Jaime.

Porque como tu foste o primeiro a vestir-te também será o primeiro a despir-te e voltarás a ser como eras antes de te despires!

E ele me beijou na boca e me abraçou dizendo: -- Meu querido! Aqui te vou a revelar o que nem os céus sabiam nem os arcontes.

Aqui te vou revelar quilo que não conheceste, ou seja, aquele que se (projetou) noutro fora de mim. Não estou vivo? Visto ser um pai (não tenho) poder sobre todas as coisas? É aqui que te vou a revelar todas as coisas, meu querido! Conhece e compreende tudo para que saias tal como eu! É aqui que eu te revelarei o que está oculto. Pois, agora estende a mão e agora abraça-me! Imediatamente estendi as mãos e não o encontrei como eu o havia imaginado! Então eu o conheci e senti medo! E (logo) me alegrei com um enorme prazer! -- SEGUNDO APOCALIPSIS DE TIAGO, tradução do original de Jürgen Denker.

Assim, não é de estranhar a forma desastrada e inquisitória como as autoridades oficiais reagiram à descoberta deste manuscrito, mesmo depois de dois séculos de reincidência contumazes no fanatismo dogmático, na arrogância da infalibilidade papal, e na prepotência doutrinaria dum conservadorismo religioso contrário à própria mensagem essencial do cristianismo de amor à verdade, humildade espiritual, caridade e perdão. Tais atitudes intelectuais só reforçam as probabilidades de estarmos perante uma de entre outras provas de que os textos fundadores do cristianismo foram, enquanto isso foi técnica e epistemologicamente possível, sendo reformulados de modo a consegui manipular a história do cristianismo de acordo com os dogmas fundamentais das Igrejas. Para alguns pensadores de sublime ironia tais espetáculos retóricos degradantes só reforçam a beleza e magnitude da força da mensagem cristã essencial que, apesar de ter andado a ser desacreditada pelas hierarquias do poder clerical, tem conseguido resistir mantendo-se ainda hoje como um exemplo de radicalidade ética difícil de contornar, porque o que é nela perene não é letra, mas o espírito da "lei da procura da verdade da vida"!

Verdadeiramente, os inquisidores modernos mais não fazem do que manterem-se autênticos na sua fé cega no valor material dos mesmos princípios denegatórios das verdades incômodas, por sinal os mesmos referidos no texto do bispo Clemente de Alexandria.

Seguramente que esta filosofia de prudência institucional já existia antes dos cristãos justificar o secretismo dos mistérios gregos de que pouco ou nada sabemos, a não ser precisamente pelo que resultou das indiscrições dos primeiros apologetas cristãos.

O que verdadeiramente deixou estes saudosistas dos tempos da inquisição furiosos foi o serem confrontados com a exumação de cadáveres, que se supunham enterrados na cave das velharias medievais, da política da hierarquia religiosa que foi, pelo menos desde as primeiras cismas gnósticas, quase sempre maquiavélica e intelectualmente hipócrita em nome duma interpretação excessivamente liberal do princípio sensato de que nem toda a verdade seria para revelar a todos; para evitar o pecado de escandalizar as criancinhas, segundo o próprio Cristo (Mat 18, 6-12; Mar 10, 14-16); e os cristão mais fracos de espíritos, segundo S. Paulo, a propósito do consumo por cristãos de carnes imoladas aos ídolos (1 Cor, 8, 13). Enfim, a sensatez como pretexto para a insanidade mental das atitudes fanáticas sensoriais que revelam a intemperança cultural dos que usam o poder da razão apenas para aceder às mordomias decorrentes do exercício da autoridade doutrinária.

Por outro lado, os paradoxos da ressurreição iniciática teriam que acarretar algumas conseqüências quanto mais não fosse provocando equívocos semânticos e confusões a nível das crenças do senso-comum. Segundo o evangelho de Filipe, quem for ressuscitado pode alcançar morrer em paz e, libertar-se finalmente do Limbo onde pairam as "almas penadas", ou, segundo a mitologia oriental, do ciclo eterno e infernal das reencarnações.

Os que dizem que o Senhor morreu primeiro e (então) se levantou estão enganados, pois ele primeiro se levantou e (depois) morreu. Se alguém não alcança primeiro a ressurreição ele não morrerá. Assim como Deus vive, ele iria (..) - Evangelho de Filipe.

No entanto, a metafísica da ideologia gnóstica de Filipe deveria ser minoritária e contrária ao senso-comum, razão pela qual ela fazia parte de ritos secretos de iniciação. Dito de outro modo, a estranha metafísica de Filipe indicia que as crenças do senso-comum seriam precisamente aquelas que levariam a pensar que, como só se pode morrer uma vez, alguém que já foi ressuscitado não pode voltar a morrer tornando-se então num semideus ou num fantasmagórico morto vivo! Como Lázaro tinha sido ressuscitado há bem pouco tempo então os discípulos inferiam, pelo bom-senso das palavras de Jesus, habitualmente sibilinas, que este não morreria.

“Por isso vos disse noutro tempo: "Onde eu estiver, lá estarão também os meus dose discípulos", mas Maria Madalena e João o Virgem sobressairão sobre todos os meus discípulos e sobre todos os homens que receberem os mistérios do Inefável. E eles estarão a minha direita e à minha esquerda. E eu sou eles e eles serão eu! E eles serão como vós em todas as coisas excepto que vossos tronos sobressairão sobre os deles e o meu trono sobressairá sobre os vossos." Pistis Sophia, p193, cap. 96.

Evangelho De Bartolomeu: Terminada a oração, disse: - Sentemo-nos no chão e vem tu, Pedro, que és o chefe. Senta-te à minha direita e apoia com tua esquerda meu braço. Tu, André faz o mesmo do lado esquerdo. Tu, João, que és virgem, segura o meu peito. E tu, Bartolomeu, põe-te de joelhos atrás de mim e apoia as minhas costas para que, ao começar a falar, meus ossos não se desarticulem.

Notar que o Livro copta de Pitis Sofia, não tem nada do estilo helenista, metafísico e filosófico de Valentino (G.R.S. Mead) e tem todo o estilo dum texto tipicamente copta e alexandrino, uma mistura de cabala judia e hermetismo egípcio com todas as típicas especulações teológicas essênias. Por outro lado, para quem costuma encontrar nos textos coptas uma sistemática confusão dos nomes bíblicos encontra-se neste texto um tal clareza na identificação dos nomes dos discípulos regulares de Jesus que podemos inferir claramente neste texto que João, o Virgem, sempre colocado perto de Maria Madalena é perfeitamente distinto do outro João, tratado ao mesmo nível dos restantes dose apóstolos. Quer dizer que, se o Gnosticismo não tivesse sido eliminado pela "caça às bruxas" de Ireneu e seguintes, nunca se teria dado a confusão de identidade entre João o virgem, e João Boanerges.

O texto copta do Evangelho de Bartolomeu está cheio de anacronismos mas neles trespassa uma ingenuidade bastante para que seja impossível não aceitar neles um o fundo de verdade conservada por uma tênue ligação a uma tradição original e genuína. O seu estranho conteúdo reporta-nos para um evangelho de mistérios iniciáticos recomposto ao gosto iconográfico bizantino a que foram adicionados pastiches anacrônicos como o da referência à chefia de Pedro que há época não existia ainda.

No entanto o fundo verídico da cena reporta-nos para um realismo trágico dum Jesus ressurreto ainda combalido pelos rigores da paixão e da cruz. Por outro lado, o contraponto com a Pistis Sofia e o Evangelho de Evangelho de Bartolomeu permite-nos confirmar que este João Virgem era o "discípulo amado" que a tradição errônea e precipitadamente confundiu com João Zebedeu por não ter conseguido entender a verdade estranha de João Marcos poder ter a autoria de dois evangelhos canônicos tendo sido também co-autor do 4º evangelho.

A verdade é que o texto do "Evangelho secreto de Marcos" vem na continuação de outros indícios que apontavam já no mesmo sentido dum fenômeno da pederastia iniciática que segundo Bernad Sergent no seu livro "Homossexualité e iniciation chez lés peuples indo-européens" foi comum a todas as sociedades iniciáticas antigas e arcaicas.

Os ritos iniciáticos para os neófitos que queriam entrar no Reino de Deus correspondiam a uma forma de castração mística menos cruenta do que nos ritos de Cibel mas possivelmente mais eficaz por via da transferência psicanalítica e duma forma de homossexualidade platônica que fazia dos essênios seres angelicais vestidos de linho branco condenados a ter que adotar órfãos ou crianças abandonadas por terem renunciado ao casamento! E é então que a homossexualidade atravessa os bastidores da cena da última ceia travestida de crime nefando suficientemente assustador para os cristãos ao ponto de nem verem o óbvio: que o celibato católico deve ser encarado como uma forma de homossexualidade platônica herdada dos cultos de Cibel e do xamanismo arcaico! Mas a verdade é que o voto de castidade católico previsto nos evangelhos é uma manifestação explícita da sua relação com os sacerdotes eunucos dos cultos iniciáticos de Cibel.

Marcos 10: 10 E em casa tornaram os discípulos a interrogá-lo acerca disso mesmo. 11 E ele lhes disse: Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra adultera contra ela. 12 E, se a mulher deixar a seu marido e casar com outro, adultera. (Obviamente que, como nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido, Marcos foi um dos não pode receber o mistério dos eunucos que se castram a si mesmos" porque ainda não tinha sido iniciado e por isso Jesus terá evitado dizer isto de forma que Marcos ouvisse! Pelo contrário, Marcos ficou encantado por o reino de Deus ser recebido como uma criança que se toma nos braços porque ele era ainda uma criança, ou quase porque era um adolescente ainda não iniciado! 13 E traziam-lhe crianças para que lhes tocasse, mas os discípulos repreendiam aos que lhas traziam. 14 Jesus, porém, vendo isso, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus. 15 Em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. 16 E, tomando-as nos seus braços e impondo-lhes as mãos, as abençoou. 17 E, pondo-se a caminho, correu para ele um homem, o qual se ajoelhou diante dele e lhe perguntou: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Mateus, 19: 9 Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério. 10 Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. 11 Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. 12 Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do Reino dos céus. Quem pode receber isso, que o receba. 13 Trouxeram-lhe, então, algumas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse; mas os discípulos os repreendiam. 14 Jesus, porém, disse: Deixai vir a mim os pequeninos e não os estorveis de, porque deles é o Reino dos céus. 15 E, tendo-lhes imposto as mãos, partiu dali. 16 E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei, para conseguir a vida eterna?

Esta opinião de Jesus a respeito das causas para a existência de homens solteiros é apenas referido por Mateus. É referida dum modo tal que se suspeita que Cristo não faça parte dos eunucos sagrados por ser já casado com Maria Madalena.

A piedade cristã, posterior ao puritanismo estóico do baixo-império, pretende ver neta passagem uma fundamentação canônica para a consagração da virgindade e da castidade como virtude moral de referência e para a instituição do celibato católico como caso um particular desta. Em rigor, porém, Jesus apenas tentava explicar aos seus discípulos a razão de ser da tradição arcaica xamânica pela qual existiam homens santos, como os essênios, que não só se abstinham de relações com mulheres como chegavam mesmo a agir literalmente como eunucos ou quase mulheres, vestindo de branco e carregando das fontes bilhas de água à cabeças (Mar 14, 13).

Não terá sido por mero acaso que toda esta secreta revelação a respeito dos castrados sagrados, carregada de homossexualidade platônica, antecede a sagrada paixão à primeira vista entre Jesus e o "jovem rico" João Marcos que viria a ser, depois de rebaixado num rito de passagem iniciático individual ao papel dum Lázaro despojado da vida e de todos os bens terrenos antes de ser misticamente ressuscitado como "discípulo amado"!