Mostrando postagens com marcador Joachim Jeremias; Geza Vermes; Movimentos Messiânicos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Joachim Jeremias; Geza Vermes; Movimentos Messiânicos. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Joachim Jeremias, Geza Vermes, e a Esperança Messiânica no tempo de Jesus


A palavra “Messias” vem do hebraico mashíah, que significa 'ungido', e é traduzida pelo termo latino Messias. Segundo o dicionário Aurélio, Messias tem o sentido religioso de: pessoa ou coletividade na qual se concretizavam as aspirações de salvação ou redenção; pessoa a quem Deus comunica algo de seu poder ou autoridade; líder carismático; e, na linguagem coloquial, embora referido ao sentido religioso, pessoa esperada ansiosamente. 

Por outro lado, “Messianismo” significa, na religião bíblica, a expectativa do Messias; a esperança de um salvador ou redentor. A área da Antropologia Social define messianismo como qualquer movimento político-religioso baseado na crença em um enviado divino (já presente ou ainda por vir) que anuncia e prepara a abolição das condições vigentes, e por fim instaura, ou reinstaura, uma era de plena felicidade e justiça. Aplica-se o termo especialmente quando tal crença pode ser considerada uma referência ideológica para grupos e povos em situação de crise e de dominação, como por exemplo em contexto de domínio colonial ou sob qualquer forma de dominação. Veja-se os movimentos milenaristas como a Guerra de Canudos no Brasil. 

Em sua concepção de messianismo, judaísmo e cristianismo têm muito em comum, mas também divergem em pontos essenciais . O conceito de Messias vem do judaísmo. Representa a esperança de Israel na vinda do enviado de Deus, quando a Aliança deste com o povo eleito chegará à sua plenitude e as promessas se cumprirão em toda a sua extensão. Já o cristianismo nasceu da fé em Jesus de Nazaré como Messias, que, traduzido em grego, é Cristo. Daí vem o nome do fato novo por Jesus inaugurado dentro da história: Cristianismo. O Cristianismo é uma releitura da religião judaica a partir da fé em Jesus como Messias. 

Essa é a grande diferença entre judeus e cristãos. Para os primeiros, o Messias ainda é esperado. Para os últimos, ele já veio. Em muito de sua proposta, na verdade em quase tudo, a estrutura cristã como tal vem do judaísmo. Assim acontece com o monoteísmo, o conceito de Criação, o homem como imagem de Deus, as atitudes básicas perante Deus, a aliança, a expiação, o decálogo, o repouso semanal e a ressurreição dos mortos. Os cristãos conservam as Escrituras judaicas, a Tanach, no seu cânon. Assim é que os livros de Moisés, os Salmos e os Profetas também são Escrituras sagradas dos cristãos. E depois a esses se acrescenta os livros do Novo Testamento.

A idéia de Messias se liga à esperança de um mundo renovado por Deus, um mundo de justiça e paz, íntegro e redimido. O Messias é aquele que inaugura este novo tempo, o Reino de Deus entre os homens. Por isso a expectativa messiânica é uma idéia e uma esperança profundamente revolucionárias. É a afirmação de um futuro radicalmente distinto do passado. E é a negação de uma história cíclica condenada à repetição infindável de suas grandezas e misérias. Essa idéia, que fez a humanidade dar um verdadeiro salto qualitativo, foi fundamento de muitos movimentos libertários na história ocidental. 

Nunca mais o mundo foi o mesmo depois que surgiu a fé no Messias. Como dizia um sábio judeu: “Cada segundo é uma porta estreita por onde o Messias pode entrar”. Desta maneira, a esperança adquire o seu mais vigoroso fundamento. Portanto, quando Jesus de Nazaré se levanta na Galiléia e se manifesta ao povo, sua pessoa e sua pregação vão de encontro às mais profundas esperanças que aquele mesmo povo carregava consigo.

A Esperança Messiânica no tempo de Jesus

No tempo de Jesus os diversos grupos religiosos existentes gozavam de grande reputação diante do povo. Os homens simples passavam a ser influenciados pelas diversas mentalidades apresentadas por estes partidos, eram imersos neste turbilhão de expectativas. Esses grupos apresentavam suas doutrinas, de forma especial no referente ao messianismo. 

Os Fariseus: eram conhecidos como homens extremamente apegados à lei, cumpridores de todas as menores prescrições que se encontravam nela. Esperavam um Messias que cumprisse as Escrituras e levasse Israel à vivência plena da lei. Conhecidos por sua grande piedade e herdeiros da tradição dos assideus, este grupo esperava que o Messias realizasse tudo conforme as Escrituras. Eram hostis à dominação romana e esperavam que o Messias fizesse tombar este reino opressor, depositando nele a esperança de restauração do reinado de Davi. Os fariseus sustentavam o culto nas sinagogas, voltado para a explicação da Lei (junto a eles se encontrava a maioria dos escribas), e influenciavam desta forma o povo com suas idéias em oposição ao Templo. 

A esperança dos fariseus permanece profundamente nacionalista. Ela não esquece o apego ao Reino de Deus, virtualmente universalista. Mas a escolha de Israel e as promessas feitas à dinastia davídica fornecem à representação do Reino de Deus um suporte concreto: a realização do desígnio de Deus na história gira em torno do êxito dessas promessas. Este é impossível sem a fidelidade de Israel à Torah. Mesmo a restauração do poder político graças ao advento do Messias não tem outro objetivo senão a volta integral do povo a esta fidelidade. O nacionalismo religioso não é, portanto, concebido como uma espécie de anexação de Deus, posto a serviço das ambições de Israel: ele tem por objetivo o serviço a Deus por parte de Israel e, finalmente, por parte das outras nações, que também o reconhecerão e lhe serão submetidas. A exclusão de todo pecado, de toda injustiça, de toda opressão, constitui um objetivo essencial confiado ao povo e ao próprio Messias. Na expectativa do advento deste último, no momento que só Deus conhece, Israel deve desde já esforçar-se neste sentido, seguindo um caminho diferente e único, calcado no cumprimento da Lei. 

Os Essênios: representavam um grupo especial no judaísmo deste período. Judeus de estilo monástico, estes homens moravam em sua maioria em centros onde praticavam a vida comunitária e, entre outras coisas, o celibato. Estes homens eram profundamente admirados por sua ascese e sua piedade. O historiador Flávio Josefo os chama de "os mais fantásticos dentre os homens". Eram extremamente hostis a Roma e ao culto realizado no Templo. Este grupo esperava um Messias sacerdotal/régio que destruiria o culto desvirtuado praticado no Templo e instituiria o culto verdadeiro. Este grupo era extremamente belicoso e estava preparado para tomar armas e lutar guiados pelo Messias. “Não há dúvida de que o essenismo esperou, com certa impaciência, o cumprimento das promessas proféticas que falavam da libertação de Israel e do estabelecimento de um povo ideal”. A teoria dos dois ‘Messias’, de Aarão e de Israel, marca com clareza o caráter sacerdotal do partido religioso conhecido pelos textos de Qumran: a semente de Davi estará subordinada ao sacerdote escatológico, em um povo cuja vida estará centrada em Jerusalém, no seu Templo e no seu culto. 

Os Saduceus: eram o grupo formado pela aristocracia sacerdotal, aqueles que dominavam o Templo. Possuíam uma doutrina estritamente fechada, aceitando apenas o livro da Torá e eram bastante reservados com relação a novidades da teologia judaica como a existência dos anjos, a ressurreição dos mortos e outros. Este grupo simpatizava com a dominação romana e não esperava um Messias.

Os Zelotas: eram nacionalistas como os fariseus, porém de um zelo ainda mais acentuado. A seu respeito nos escreve Flávio Josefo: "estavam sob todos os aspectos de acordo com a doutrina dos fariseus, exceto nisto: a paixão deles pela liberdade era inabalável, dada a sua convicção de terem Deus como seu único Senhor". Era, portanto, difícil perceber o limite entre os fariseus e os grupos ativistas, entre os quais se encontravam os zelotas: a diferença situava-se essencialmente no campo das atitudes práticas, e não das concepções religiosas mais fundamentais em matéria de messianismo. Estes judeus nacionalistas eram conhecidos pelo seu forte caráter ativo, ou seja, estavam sempre prontos a tomarem armas e enfrentarem os dominadores romanos. Eram conhecidos também por "sicários", que significava ‘homens do punhal’, pois sempre tinham uma faca sob o manto para enfrentarem os soldados romanos. Existe a hipótese de que Judas Iscariotes, o apóstolo conhecido por ter traído Jesus, fosse sicário. Inclusive seu nome, Iscariotes, é uma corruptela de sicário, com grafia bastante parecida à deste nome. 

Dentre todas estas formas de expectativas e aspirações, percebemos elementos comuns que nos permitem sintetizar a figura de um messias político do qual se esperava que deveria restaurar a glória do Império Davídico. No século I da nossa era, os judeus apegados à corrente que liderava o povo desde o tempo dos reis e dos profetas, esperavam um Messias filho de Davi que realizasse, em primeiro lugar, a sua libertação política, e vencesse (ou até exterminasse!) as potências pagãs, estabelecendo em Israel uma ordem social justa e conforme às exigências da Tora. Ele restituiria ao Estado judeu o brilho perdido há muito tempo, asseguraria um reconhecimento universal do Deus único, permitiria a irradiação do Templo em que todas as comunidades dispersas viriam em peregrinações regulares até a sede do Judaísmo oficial. Em suma, o Messias seria aquele que conduziria ao seu coroamento a obra dos grandes reis de outrora. Esse sonho aparecia no horizonte desde o momento em que era pronunciado o nome do Messias. Certamente ele está subordinado ao tema muito mais fundamental do Reino de Deus, ele mesmo ligado à observância da Torah. Mas ele não é independente desse tema: é até a condição indispensável dele. Assim a esperança conserva uma dimensão de nacionalismo religioso, dimensão esta que até hoje não foi posta em questão por nada: o povo, a terra, o Templo, o culto, são aspectos indispensáveis da salvação esperada; a ‘redenção de Israel’ passa necessariamente por eles.

Podemos então, à raiz disto, perceber que os contemporâneos de Jesus e mesmo seus discípulos possuíam uma compreensão do messianismo influenciada por alguns destes grupos. Ao afirmarem, portanto, que Jesus é o "Messias", eles o faziam tendo em vista alguns desses "projetos humanos de Messias" e recebiam o impacto das expectativas messiânicas das principais correntes políticas de seu tempo. Os termos mesmo da pregação de Jesus foram muitas vezes bastante mal entendidos pelos discípulos e por todos os que o seguiam, pois, embora percebessem e experimentassem que de alguma forma Jesus respondia à aspiração messiânica de todos os grupos, não se conformava totalmente a nenhuma delas. Ao falar dos mistérios do Reino, o povo e os discípulos se deixavam atrair e fascinar por Ele e suas palavras, mas o entendiam conforme suas limitadas perspectivas. E também desenvolviam em relação a ele expectativas reduzidas e que não correspondiam ao que o próprio Jesus sentia ser sua missão e o desejo do Pai para sua vida. 

Podemos então, à raiz disto, perceber que os contemporâneos de Jesus e mesmo seus discípulos possuíam uma compreensão do messianismo influenciada por alguns destes grupos. Ao afirmarem, portanto, que Jesus é o "Messias", eles o faziam tendo em vistas "projetos humanos de Messias" e recebiam o impacto das expectativas messiânicas das principais correntes políticas de seu tempo. Os termos mesmo da pregação de Jesus foram muitas vezes bastante mal entendidos pelos discípulos e por todos os que o seguiam, pois, embora percebessem e experimentassem que de alguma forma Jesus respondia à aspiração messiânica de todos os grupos, não se conformava totalmente a nenhuma delas. Ao falar dos mistérios do Reino, o povo e os discípulos se deixavam atrair e fascinar por Ele e suas palavras, mas o entendiam conforme as suas limitadas perspectivas. E também desenvolviam em relação a ele expectativas reduzidas e que não correspondiam ao que o próprio Jesus sentia ser sua missão e o desejo do Pai para sua vida. 

A autoconsciência messiânica de Jesus

A messianidade de Jesus é ponto fundamental da fé das primeiras comunidades cristãs. Para Marcos – e por extensão, para os evangelhos sinóticos – isto se explicita com a confissão de fé do centurião romano, ao contemplar a morte de Jesus. Na declaração do centurião pagão, está a confissão de fé da comunidade cristã. Assim também está no princípio do Evangelho de Marcos que se autoproclama “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.” Essas palavras já designam Jesus de Nazaré como o Messias esperado, o que em si mesmo já é uma confissão de fé. O Messias e o carpinteiro Jesus que morreu crucificado pelos romanos são, então a mesma pessoa, quer dizer o evangelista. Esse Messias é inseparavelmente o Filho de Deus. O evangelista nos dá a fórmula da fé: vincula a pessoa de Jesus a um certo quadro histórico: o do ambiente judaico que espera a vinda de um Messias, que clama pela Redenção. 

Jesus, de acordo com o evangelho de Marcos, teve experiências espirituais que lhe foram marcantes na consciência de ser enviado para uma missão. Trata-se de experiências verdadeiramente vocacionais, como por exemplo o Batismo que é uma experiência fundante na vida de Jesus. Mesmo entre pensadores judeus, como Geza Vermes, é aceito que Jesus se considerou Filho de Deus em uma condição especial em virtude de suas experiências do Pai e devido à missão recebida. Diz Geza Vermes que essa distinção filial especial foi aceita por Vermes com um conteúdo messiânico: “comparando com o status do judeu comum, acredita-se que o Messias seja filho de Deus em sentido elevado e que, vice-versa, Deus é visto como seu Pai de forma distinta”. 

É desta misteriosa consciência de ser Filho e do fato que esta filiação configurava seu messianismo que deriva a autoridade de Jesus. A compreensão, aliás, da autoconsciência de Jesus passa necessariamente por sua experiência de Deus. Ele trata a Deus por Abba, meu Pai, e estimula seus discípulos a que entendam a Deus como “vosso Pai”. Assim Deus para Jesus é um Pai acessível a todos, que pode ser buscado e encontrado na oração, independentemente da mediação de pessoas e lugares sagrados. Para a sensibilidade dos contemporâneos de Jesus teria parecido irreverente, até mesmo inimaginável, invocar a Deus usando uma palavra tão familiar como Abba. Jesus porém ousou empregar a palavra Abba como invocação a Deus. E grandes exegetas como Joachim Jeremias afirmam que esta denominação Abba é uma ipsissima vox, ou seja, uma palavra que pode ser atribuída ao Jesus histórico. Na invocação Abba expressa-se o último mistério da missão de Jesus. Ele se entendia como alguém que havia recebido os plenos poderes para transmitir a revelação de Deus, porque este Deus se tinha dado a conhecer a ele como seu Pai querido. 

Por isso, a tendência da cristologia ascendente hoje nos permite afirmar que Jesus experimentou sua autoconsciência messiânica não em termos de um messianismo régio ou monárquico ou mesmo de uma condição de ser pré-existente, mas de um chamado divino. O que caracteriza portanto o messianismo de Jesus é o fato de sentir-se eleito e enviado para realizar uma missão divina particular e obedecer estritamente ao chamado de Deus. 

Nesse sentido as ações e o ensinamento de Jesus mostram que ele se autocompreendia dentro de uma relação marcante com Deus seu Pai e investido de uma missão especial. O sofrimento e a morte, do mesmo modo que a esperança na ressurreição foram assumidos como decorrência da obediência irrestrita à vontade do Pai. Essa vontade, necessariamente, contrariava a vontade daqueles que não aceitavam o messianismo de Jesus e sua ação libertadora e desejavam que a configuração do campo religioso judaico oficial permanecesse tal como estava antes de Jesus começar sua pregação. E embora Jesus tentasse e pretendesse conservar em segredo a natureza da autoridade que o fazia tão especial, sua coerência e a força de seu carisma não deixaram de provocar indignação naqueles que desejavam esse carisma para poder ter maior influência sobre o povo e que, no entanto, não o tinham. Esses mesmos que, observando a conduta de Jesus, entendiam o que acontecia com ele porque conheciam a religião e o Deus de Israel, que Jesus chamava de Abbá.

Um texto chave para a compreensão da autoconsciência messiânica de Jesus é o relato do capítulo 8 do evangelho de Marcos vv 27-33 : 
E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesaréia de Filipe; e no caminho perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou? E eles responderam: Joäo o Batista; e outros: Elias; mas outros: Um dos profetas. E ele lhes disse: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, lhe disse: Tu és o Cristo. E admoestou-os, para que a ninguém dissessem aquilo dele. E começou a ensinar-lhes que importava que o Filho do homem padecesse muito, e que fosse rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, e pelos escribas, e que fosse morto, mas que depois de três dias ressuscitaria. E dizia abertamente estas palavras. E Pedro o tomou à parte, e começou a repreendê-lo. Mas ele, virando-se, e olhando para os seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Retira-te de diante de mim, Satanás; porque näo compreendes as coisas que säo de Deus, mas as que são dos homens.

Esse texto é como um divisor de águas a respeito da compreensão que os discípulos têm sobre Jesus e sobre o que Ele diz de si mesmo. O evangelista Marcos, o mais antigo que tenha chegado até nós, conduz seus leitores frente ao fato de que Jesus não entende seu messianismo como uma atividade meramente política, de poder, mas sim de serviço, que incluirá a incompreensão, a rejeição e o sofrimento. Marcos lembra que o drama da Cruz é inseparável do messianismo jesuânico, uma vez que o próprio Jesus havia interpretado sua vida e sua missão como serviço e não como poder despótico. 

Marcos deixa além disso claro que esse messianismo que Jesus se dispunha a viver defraudou a muitos que esperavam que o messias fosse um libertador político e finalmente os libertasse do jugo do opressor estrangeiro. Jesus, quando afirma que um profeta nunca é bem recebido em sua própria terra não reprova o conceito que o povo tem dele. Não pretendeu amoldar-se às expectativas do povo para conseguir a aceitação, mas manteve-se fiel ao que sabia que Deus lhe havia dado como missão. 

O povo vê, sim, em Jesus um profeta que se dirige às dimensões religiosa e social do ser humano, mostrando-lhes o sentido da vida e a atitude correta a ter para com Deus e com os outros a fim de viver plenamente. Mas se afasta dele no momento em que compreende com certeza que ele não será nem pretenderá ser o reformador político que eles de alguma maneira esperam. 

A resposta dos discípulos simbolizados pela figura de Pedro, o chefe dos apóstolos, dá bem conta de que, embora se trate de uma afirmação de fé válida para o cristianismo primitivo, o Messias descrito na confissão de Pedro não se coaduna exatamente com o que Jesus pensava sobre si mesmo. Talvez, como supõem alguns exegetas e teólogos, essa confissão de fé ainda não estaria madura durante a vida terrena de Jesus. 

Em todo caso, Marcos deixa entrever aí, neste texto que é pós-pascal, porque já narra os detalhes da paixão e da ressurreição, que passou o tempo do segredo messiânico. A partir do v. 30 do capítulo 8, Jesus começa a revelar abertamente o conteúdo de sua messianidade, seja recusando a tendência de compreendê-lo em dimensão meramente política, seja oferecendo outro horizonte, que não se reduz à redenção nacional de Israel, mas abre os horizontes para além do povo eleito, apontando para uma redenção inclusiva para todos. Em relação a Pedro e aos apóstolos também, a advertência de Jesus, refletida na confissão petrina, mostra Jesus como o inverso do Messias esperado. Não um rei poderoso, mas um humilde e obediente servo de Deus seu Pai. 
Na tradição judaica, o Messias seria o ungido e sua ação teria três pontos básicos: conseqüências reais de libertação para o povo judeu; a bênção de Deus iria permanecer e criar um estado permanente de reconciliação; o resultado da ação do messias seria uma era de justiça, de partilha e solidariedade, com a satisfação plena de todas as necessidades humanas, como saúde, alimentação, moradia e inclusão social. Tudo isso, com o que Jesus pensava e dizia sobre si mesmo, parecia cair por terra. Por aí podemos compreender a dimensão conflitiva que carregava sua messianidade para aqueles que com ele conviviam, mesmo para os que o seguiam mais de perto. 

Os estudos sobre os evangelhos sinóticos e muito concretamente sobre o de Marcos mostram que até o momento da confissão de Pedro, Jesus relutou muito em aceitar o título de Messias e se o aceita a partir deste momento, certamente foi com outro conteúdo. Os discípulos contavam seguir um Messias vencedor dos inimigos de Israel e que iria triunfar sobre os romanos. Esperavam um rei vencedor! O que descobrem, decepcionados, é que Jesus não tinha assumido essa identidade. O Reino de que falava era de outra natureza. Instaura-se uma crise de desencanto e conflito no grupo de discípulos. 

A expressão “era necessário” que aparece não somente aí, mas também e inclusive nos relatos de aparições do Ressuscitado, como a aparição aos peregrinos de Emaús, etc. não significa que as dores messiânicas pelas quais Jesus devia passar eram parte de uma seqüência de eventos do final dos tempos, mas sim o cumprimento da vontade de Deus que não se dava sem dor e sofrimento. É de se notar que naquele momento não se poderia ainda falar da morte de Jesus em sentido salvífico, em nível de consciência jesuânica, mas como parte da visão que Jesus tinha de sua missão messiânica, que poderia incluir o sofrimento e a morte. E o evangelista está bem consciente disso. Ciente das realidades que o aguardavam, Jesus prevê o desfecho que haveria em Jerusalém. Mas confia no Pai e em seu poder. Trata de expor claramente estas coisas a seus discípulos, mas eles não o entendiam por estarem fixados no sonho do poder político. 

A comprovação daquilo que aqui afirmamos é o desejo de um cargo ou poder político, que aparece em Mc 10, 35-46, e que demonstra que os discípulos continuavam surdos e cegos. Seu Messias era o que eles tinham construído em seus sonhos e não aquele servo de Deus que Jesus revelava. Depois dos acontecimentos de Cesaréia, Jesus começa a conviver com a realidade de que o objetivo básico de sua missão entraria em confronto com os poderes do mal em suas inúmeras formas, no ser humano e nas estruturas sociais nas quais ele vivia e agia. 

Após a Páscoa, a comunidade vai relendo a vida e a morte de Jesus. A Paixão ganha um sentido vicário, harmonizando o conceito judeu de Messias com a Cruz que lhe foi imposta pelos romanos. Jesus vai sendo aceito e cultuado como Messias Crucificado. E sua cruz purifica os sonhos messiânicos dos discípulos inclinados ao mecânico, ao mágico e ao egoísta. 

Jesus mostra que seu messianismo está relacionado com o serviço a Deus. Seu messianismo não é monárquico e triunfal. Do ponto de vista político, Jesus será rejeitado justamente pelas autoridades formadas pelos anciãos, sacerdotes e escribas, representantes das principais correntes do Sinédrio. São esses que o condenarão. O sonho de glória dos discípulos que esperavam participar de um poder terreno de Jesus, é transtornado e frustrado pela realidade do sofrimento de Jesus. 

Ao descrever os fatos relativos a seu futuro, Jesus vai usar a expressão “Filho do homem” para referir-se a si mesmo. Segundo Joachim Jeremias, os ditos de Jesus sobre os sofrimentos do Filho do Homem têm em comum entre si a tradição de que Jesus previu, no decurso de sua atividade, o sofrimento e a morte como inevitáveis. 

Assim, cremos poder interpretar com consistência que Jesus usou a expressão Filho do Homem para simplesmente referir-se a si mesmo. Não a expressou no sentido da consciência de ser uma pessoa de outra natureza, que não a humana mas de ser uma pessoa humana com uma missão de natureza divina. Acreditava – e a comunidade cristã dará testemunho disso – que o momento histórico que vivia seria seguido por um momento apocalíptico e que Ele mesmo, sofredor agora, seria exaltado depois no Reino de Deus. Essa concepção não somente recalca a inevitabilidade das dores messiânicas como também a confiança irrestrita que Jesus tinha com relação ao cuidado e ao amor de Deus para com sua pessoa, vida e missão. 

Aos discípulos parece impossível reconciliar o sonho messiânico com a morte de Jesus, justamente sob o domínio das autoridades da nação a quem pretendiam libertar e governar. Não admira que Jesus repreenda a Pedro que o quer afastar do caminho que ele acredita ser o seu . Para Jesus o que Pedro propunha fugia da vontade de Deus para sua vida e missão, pois ela certamente não consistia em retomar o reino de Israel das mãos do Império romano por meio de uma ação guerrilheira de configuração zelote ou sicária. Jesus deixa claro que não pretendia restaurar a monarquia judaica e que sua consciência messiânica estava firmemente fundamentada não em sua ação, mas na ação de Deus.

Marcos não está preocupado com o julgamento do mundo e da história, mas com o tempo em que a comunidade a que se dirige vive, tempo este que separa a Páscoa de Jesus – na morte e ressurreição - de sua manifestação gloriosa. Este tempo deve ser um tempo propício para confessar Jesus a uma geração adúltera e infiel. A tomada de consciência de Jesus a respeito de seu messianismo foi processual, como esperamos demonstrar neste capítulo. Justamente por isso a comunidade de Marcos tinha para garantir sua fidelidade ao Messias Jesus tal como este se havia compreendido e manifestado apenas a vida concreta e histórica de Jesus de Nazaré, sua morte de cruz e a experiência de senti-lo vivo e ressuscitado da morte por Deus seu Pai.

Dificuldades na interpretação do messianismo de Jesus

Vimos, pois, que o messianismo bíblico tem formas diversas e a pessoa, a pregação e ação de Jesus vão se dar em meio a essa pluralidade de formas e expectativas. Na época de Jesus, a ocupação romana e o clima apocalíptico haviam exacerbado a espera e o povo aspirava intensamente por uma libertação. Havia mesmo casos em que as multidões se deixaram seduzir e arrastar por pseudo-messias, havendo toda a aventura terminado em grande massacre. 

Aqueles, porém, que seguiram Jesus viram nele o Messias tão esperado e finalmente presente. A radicalidade do seguimento e da pretensão de Jesus ao chamar seus discípulos já implica uma confissão de fé em sua pessoa. A formação de um grupo de seguidores e discípulos era comum entre os rabinos judeus. Jesus também o faz, reunindo discípulos à sua volta, mas com algumas conotações próprias que fazem o seu discipulado diferente dos outros: 
. Os candidatos não se apresentam. Jesus escolhe soberanamente "os que quer" (Mc 3,13)
. Não se trata de uma relação temporária mestre - discípulo que dura apenas até o discípulo se tornar mestre. Só há um Mestre até o fim (Mt 10,24 s; 23, 8).
. A ligação dos discípulos de Jesus com ele, o Mestre, é total, (mais que a dos rabinos com seus discípulos): devem dispôr-se a partilhar seu caminho errante e sem abrigo, seu destino perigoso, a ameaça constante da morte que ronda. Trata-se de uma comunidade de vida total e de destino.
. A decisão de segui-lo implica a ruptura de todas as amarras, o abandono de tudo (Mc 10,28), e mesmo o risco da própria vida (Mc 8, 34).
. Este seguimento radical equivale a uma confissão de fé em Jesus que terá como continuidade a confissão de fé pré e pós pascal que o reconhece como Filho de Deus. Não há homem que possa exigir tal radicalidade de seguimento. Assim também os mesmos discípulos vão reconhecer neste que vêem glorioso após a Ressurreição o mesmo a quem seguiram pelos caminhos da Palestina e que viram fracassado e morto na cruz. É do Mestre que foi Crucificado que dirão: “Este é o Filho de Deus, Senhor e Cristo” 

O Evangelho de Marcos situa o seguimento radical desde o início das pregações jesuânicas. Pode-se afirmar que os discípulos já tinham visto a Jesus e haviam se sentido cativados por suas palavras e seu carisma. Podemos mesmo ousar pensar que tenham reconhecido nele o motivo de suas esperanças, e por isso o seguiram de forma tão ousada, deixando tudo para trás. Aqueles que deixavam tudo traziam uma firme esperança em seus corações.

A multidão também se encanta e passa a segui-lo e aclamá-lo. Neste contexto de reconhecimento e êxito, Jesus chama solenemente os seus apóstolos "para permanecerem com Ele". E esses que foram chamados para algo mais íntimo e participativo do que a multidão, se encantam com as Palavras do Mestre e os milagres que ele opera, reconhecendo em seus feitos e ensinamentos palavras que lhes fazem lembrar o que conheciam sobre o Messias, ensinado pelos vários grupos que formavam o tecido sócio-religioso do povo de Israel.

Porém este período de êxito e entusiasmo encontra um momento de crise, um momento onde aqueles que seguem a Jesus passam a questionar-se sobre se ele é de fato aquele que esperam. Muitos percebem que não é o "Messias" como queriam e sonhavam que fosse. Encontramos neste período a crescente hostilidade entre Jesus e os chefes dos judeus que percebem que Jesus faz desmoronar muitos de seus ensinamentos.

A sombra do conflito e da cruz não obscurece apenas a última semana da vida de Jesus; pesou, de modo crescente, sobre todo o último período de sua pregação em Israel. A exegese e a teologia identificam aí uma mudança decisiva no ministério de Jesus, que é indicada com o nome de ‘crise galiléia’. Esta "crise galiléia" atinge também os discípulos, que passam a viver esta tensão ao verem o povo rejeitando a mensagem de Jesus e os líderes condenando os seus ensinamentos. 

Há alguns trechos dos Evangelhos que demonstram que mesmo os mais próximos a Jesus não conseguem compreender o modo como ele assume sua missão. Ao primeiro anúncio da Paixão, Pedro reage protestando que aquilo jamais poderá lhe acontecer (Mc8, 31ss). A multiplicação dos pães não é entendida pelos discípulos, a tal ponto que Jesus os questiona sobre se querem permanecer com ele ou ir embora (Mc 6,52). Jesus mesmo critica a dureza de coração e a dificuldade de compreender sua pessoa e seu mistério que vê nos discípulos (Mc 8, 14-20). Ao convidar os discípulos a viver os últimos dias de perseguição com Ele, estes supõem que ele finalmente está aderindo à corrente messiânica de sua época e os convoca a tomar armas. (Lc 22, 35-38). A multidão, em um determinado momento começa a ir embora e não anda mais com ele, sobretudo após a multiplicação dos pães e sua declaração de que o pão que ele dá é sua carne para a vida do mundo (Jo 6,60-66).

Pode-se perceber, portanto, como cresce paulatinamente a crise entre Jesus e aqueles que o seguiam por causa de uma diferença de visões de seu messianismo. Mais e mais vemos desenvolver-se a frustração entre aqueles que esperavam que ele fosse um Messias segundo as expectativas dos diversos grupos que influenciavam a esperança de Israel. 

Cresce também a oposição dos "chefes judeus" que não o aceitam ou o compreendem e querem impor-lhe uma norma de conduta, sentindo-se acusados em seu orgulho por Jesus. Os próprios discípulos começam a enfrentar esta crise quando Jesus passa a lhes anunciar o mistério da paixão. Encontravam-se presos a uma visão de Messias conforme a suas concepções, que oferecesse acima de tudo poder e glória. Esta rejeição supõe também uma rejeição interna, ou seja: eles rejeitavam o caminho abraçado por Jesus e escolhiam para si um caminho segundo seus próprios desejos. Jesus insiste em revelar a seus apóstolos o âmago de sua missão, mas estes permanecem fechados e não o entendem. 

Jesus: Messias e Servo

O messianismo de Jesus inclui e supõe sua submissão obediente à vontade do Deus que ele chama de Abbá = Pai. Nesta linha, o “sim” de Jesus à sua vocação messiânica significa para o kerigma das primeiras comunidades cristãs o pressuposto de seu caminho para a cruz e de sua ressurreição e glorificação. Jesus Cristo não é um messias triunfal. Com efeito, a expressão mais completa de sua messianidade se encontra no chamado hino cristológico, incorporado por Paulo a sua carta aos Filipenses (Flp 2,5ss), descrevendo o caminho de Jesus em kénosis, humilhação e obediência até a morte , pressuposto de sua exaltação à direita de Deus. 

O itinerário de Jesus contém a resposta sobre a identidade de seu messianismo. Apoiando-se sobre a promessa de Deus, e não sobre as expectativas humanas, ele quis ir ao encontro do ser humano naquilo que este tem de mais verdadeiro e fundamental: sua liberdade e responsabilidade. Jesus mostra por sua vida qual é a prática que convém pôr em marcha para significar a concretização do projeto do Reino de justiça e para que o verdadeiro Deus seja adorado. O amor e o serviço vão juntos com o reconhecimento de Deus que é amor.

A fecundidade histórica do messianismo de Jesus não será, portanto, fruto do poder, mas do serviço mais humilde, que começa a partir de baixo, resgatando a todos a partir dos mais pobres, oprimidos e diminuídos da sociedade. O caminho de Jesus de Nazaré, reconhecido e proclamado Messias de Deus, irá em curva descendente, sempre para baixo até desembocar na morte. Será um caminho difícil e doloroso. Deverá fazer-se entre a recusa de uma salvação que poderia ser fuga das realidades deste mundo em nome de uma espiritualidade desencarnada e a recusa de uma salvação que prefere ao perdão e à misericórdia gratuita e sem limites a violência dominadora. Eis por que as testemunhas desta salvação trazida por Jesus, homem que vem de Deus, são não os poderosos, mas os pequenos e rejeitados, os marginalizados de toda sorte. 

Esta é a lógica de Deus que Jesus de Nazaré assumiu e revelou em toda plenitude. Para revelar uma reconciliação universal, era necessário começar a situar seus sinais a partir dos excluídos. Não é nem seria possível haver excluídos à mesa de Jesus porque seus anfitriões são justamente os excluídos. Jesus revela em sua pessoa e em sua prática que a salvação de Deus é recusa de poder e de violência que rejeita e mata. E é por isso que as vítimas de toda sorte e os pobres é que lhe vão à frente e preparam seu caminho. 

A consciência deste messianismo, o próprio Jesus, plenamente humano, a irá adquirindo e assimilando enquanto vive, fala e atua; em seu ministério e em seu itinerário em direção a Jerusalém. Os evangelhos sinóticos relatam a história de Jesus à luz do mistério Pascal e justamente por isso apresentam a messianidade de Jesus como um mistério. Não projetam uma messianidade forçada sobre uma vida não messiânica. 

A passagem de Mc 8, 27-31, quando Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizeis que eu sou?” reflete a autenticidade de uma questão pelo mistério que Jesus é para si mesmo. Diante da confissão de Pedro, que o afirma como Messias, Jesus responde a si mesmo e aos discípulos. E essa resposta é o anúncio de sua Paixão. Somente na morte e na ressurreição se revelará quem ele é de fato. A resposta de Jesus à pergunta sobre seu messianismo, portanto, é anuncio da Paixão e chamado ao discipulado, chamado a segui-lo por este caminho. É o caminho do Messias feito de muito sofrimento, rejeição, morte. É a descida radical, em total auto-esvaziamento para o lugar onde não há mais nenhum suporte, senão somente o Deus que é Pai no qual Jesus confia com todo o seu coração de Filho. 

O verdadeiro mistério messiânico de Jesus, portanto, não se enquadra em nenhuma das categorias vigentes, mas é um mistério de serviço e de paixão. Mistério de uma paixão que é a culminância de um serviço obediente até o fim. Por meio de seu sofrimento, o Messias aprendeu a obediência, dirá a Carta aos Hebreus (Cf. Heb....) e somente nessa obediência ele se experimentará a si mesmo como Filho de Deus e Messias. 

Por isso Jesus, de uma certa maneira, é configurado por sua missão messiânica tão desconcertante aos olhos dos que o seguem. Seu messianismo não é algo que ele possui, mas a identidade mais profunda de seu ser divino e humano, enviado pelo Pai que no seio da história vai experimentando os acontecimentos do tempo messiânico que Ele mesmo inaugura. Esses acontecimentos o vão plasmando, configurando, chegando a sua plenitude nos sofrimentos do Servo de Deus e nas dores de parto da nova criação. 

Aquele a quem a comunidade chamará Senhor (Kyrios) chega a este senhorio apenas e unicamente pela via do serviço. Seu senhorio se revela num serviço humilde e sem triunfalismo . O Senhor exaltado é inseparavelmente o Servo de Deus e é por causa da sua condição de servo que se lhe pode proclamar Senhor. O conceito de Servo, presente por exemplo em Mc 10,44, tem indubitavelmente o pano de fundo de Is 53, ou seja, traz consigo o ‘ebed ywhw, centro de interesse dos cânticos do servo de Deus, que segundo uma antiga tradição foi aplicado a Jesus. Este tema perpassa todos os Evangelhos Sinóticos, ainda que muitas vezes não expresso com a palavra servo (doulós, paîs), mas como hyiós( = filho) (Cf. Mc 1,11 e pars = batismo; Mc 9,7 = transfiguração).

Em João, não aparece a denominação de Jesus como servo (paîs ou doulos), mas somente como filho (hyios). No entanto, segundo as circunstâncias do Evangelho, se dá também o motivo temático do servo (cf. Jo 13, 4ss: o lava-pés, serviço humilde do escravo, realizado por Jesus às portas de sua paixão). Assim Jesus Cristo, o Senhor exaltado à direita de Deus Pai, é inseparavelmente o servo que se esvazia das prerrogativas gloriosas de sua condição divina, para entrar num caminho de obediência que o levará até o sacrifício da cruz (cf. Fil 2,5ss).

O seguimento de Jesus: caminho de serviço 

Isso implica, para todos os cristãos, que entrar no caminho de Jesus Cristo é inelutavelmente entrar em sua obediência, em seu serviço humilde, em sua fidelidade ao Abbá=Pai até a morte de cruz, em seu amor aos irmãos até dar por eles a vida. Somente então se poderá participar em sua glória, na medida em que a infinita ciência e o senhorio de Deus o determinem. 

Para a comunidade eclesial, será algo de fundamental importância perceber e seguir o caminho vivido por Jesus de Nazaré na etapa terrena de sua vida, etapa que se caracteriza como de esvaziamento-serviço. Nessa etapa, a comunidade observa atitudes, prioridades, comportamento, pregação e opções de Jesus. E percebe que esses elementos de sua vida histórica têm valor paradigmático. “Para recuperar o messianismo de Cristo, é necessário voltar a Jesus de Nazaré. Mas então nos encontramos com uma novidade impensada: Jesus é um Messias crucificado. E isto deve ser incorporado também na compreensão atual do Messias” . E ainda que não se trate de imitação literal e sim de seguimento criativo e novo a cada passo, a comunidade se sente conduzida pelo mesmo Espírito que impulsionou a Jesus durante sua vida: o espírito do serviço, em favor da vida para todos, a começar pelos mais marginalizados. Ainda que as circunstâncias onde esse seguimento terá que dar-se sejam diferentes e possam mudar a cada dia.

O messianismo de Jesus Cristo, sem ser algo que se acomoda em um presente que já recebeu plenamente o cumprimento das promessas de Deus a seu povo eleito, recorda que há que estar sempre em tensão para o futuro, em direção ao que há de vir. Pois, sobre esse Messias esperado tão ansiosamente pelo povo, a fé cristã proclama não somente que já veio, mas que virá outra vez com glória. A existência cristã, portanto, a partir do messianismo de Jesus, é chamada a ser um constante anúncio da Boa Nova de que Aquele que já veio, virá novamente com glória e reconhecerá a todos os seus, e por eles será reconhecido. Enquanto isto, há que colocar-se em seu seguimento, na obediência, na humildade e no serviço constante e despojado.

Jesus é o cumprimento da esperança de Israel. Sua missão corresponde globalmente às promessas das Escrituras. Do quadro traçado se depreende um anúncio progressivo da figura e função do Messias. Progressivamente, durante séculos de espera, se passa da concepção entusiasta do messianismo real à mais pura do Messias paciente e, finalmente, à do Filho do Homem. Uma visão de conjunto leva a dizer com clareza que em um primeiro momento a importância da pessoa do Messias (humano) tende gradualmente a diminuir, no sentido de que a espera de Israel se polariza cada vez mais numa intervenção salvífica direta de Deus. Passa-se da imagem do Messias rei à do Messias como Servo paciente e à do Messias Filho do Homem, respeitando uma continuidade fundamental onde a ação poderosa de Deus terá a palavra final. 

O messianismo de Jesus é original, mas reveste os traços mais puros da tradição veterotestamentária Contudo na compreensão deste complexo fenômeno, observamos também uma certa involução que explica, ao menos em certa medida, a recusa de Jesus como Messias por parte da grande maioria do Povo judeu. Do messianismo real os seus contemporâneos agarraram-se exclusivamente ao aspecto temporal e político. Em contrapartida, a figura do Messias paciente será esquecida por completo. Assim, Jesus defraudou as expectativas dos seus contemporâneos ao oferecer uma imagem de Messias purificada das realidades políticas que a haviam revestido. Ele foi descendente de David e admitiu a aclamação “Filho de David”, mas recusou a concepção corrente de Messias. Deslocou a concepção do Reino a um plano espiritual, renunciando a uma realização do mesmo inspirada no poder, prestígio e êxito humano.Nem sequer se lhe atribuiu o papel glorioso do Filho do Homem de Daniel , exceto no que diz respeito Sua vinda definitiva. Em resumo, Jesus deu a preferência à figura messiânica do “Servo” descrito por Isaías, à qual permaneceu fiel durante toda a Sua existência, até à cruz, porque viu na obediência insuperável da humilhação e do sofrimento o único caminho eficaz para dar a salvação aos homens.O messianismo conduz, pois, a Jesus Cristo, e é a chave de compreensão do mistério de sua pessoa e seu caminho, mas não por caminhos humanamente previsíveis. Tanto mais que só fala de modo convincente o que vê os acontecimentos com os olhos da fé. (“crede ut intelligas”, crer para compreender).

No “odre novo” do ser humano reconfigurado por dentro pela ação do Espírito Santo poderá jorrar o “vinho novo” que é o anúncio da vitória do Ressuscitado sobre todas as forças antagônicas do sofrimento e da morte, aparecendo enfim no horizonte do povo como Messias triunfante através do serviço humilde e paciente “até o fim”.