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sexta-feira, 4 de março de 2011

Gênesis - a Criação, o Paraíso, o Dilúvio, Caim e Abel, e a Torre de BabeI, e os seus antecedentes literários na Mesopotâmia

Civilização é uma palavra esplêndida sob muitos aspectos: para uns quer dizer grandes cidades e progresso tecnológico, enquanto para outros significa elevação moral, idéias éticas e primorosas criações artísticas. Por qualquer desses critérios a Mesopotâmia foi o berço da civilização, pois foi o primeiro lugar da terra onde o homem criou e manteve por mais de 3.000 anos uma sociedade urbana, letrada, tecnologicamente bem desenvolvida, na qual todo o povo aceitava os mesmos valores e linha a mesma concepção sobre a origem e a ordenação do mundo.

A Mesopotâmia, entre todas as outras regiões, veio a representar papel decisivo na ascensão do homem que emergia do barbarismo - não é coisa para se apreender com facilidade. Não era, certamente, uma terra de promissão para os começos da vida civilizada. Quente, requeimada e varrida pelos ventos, sem madeira, pedra ou minérios, não parecia destinada a guiar e a influenciar o mundo. O que transformou a Mesopotâmia num paraíso fecundo e fez dela uma força criadora foram os dons intelectuais e a índole do seu povo. Observador, ponderado e pragmático, tinha inclinação para apreender o que era fundamental e explorar o que era possível.

Ao contrário de quase todos os outros povos antigos, os mesopotâmicos estabeleceram um sistema de vida orientado por um senso de moderação e de equilíbrio. Em termos materiais e espirituais - em religião e em ética, em política e economia - adotavam um meio-termo viável entre a razão e a fantasia, a liberdade e a autoridade, o conhecido e o transcendental. A Mesopotâmia também era uma sociedade aberta. Embora seus habitantes se considerassem um "povo eleito", não eram em nada provincianos. Davam-se conta de que havia muitos outros povos no mundo e não se trancavam evitando contatos com o exterior. Assim, enquanto menosprezavam aqueles vizinhos que eram seus inimigos, olhavam com simpatia para outros povos, como o Egito no oeste e como a gente do vale do Indo, no leste. A Mesopotâmia, de fato, pode ter mesmo representado um importante papel no crescimento dessas duas civilizações.

No caso do Egito, a influência mesopotâmica patenteia-se no uso de selos cilíndricos e em certos motivos da arte. É evidente na arquitetura egípcia, notando-se que algumas de suas obras são construídas de tijolos com o tamanho e a forma peculiares da primeira fase mesopotâmica e são ornamentadas com pilastras de reforço semelhantes às da Suméria. O Egito pode também ter adquirido do seu vizinho oriental a idéia da escrita, embora os hieróglifos de um e os pictógrafos do outro sejam inteiramente diversos.

Mais ao leste, a cultura do vale do Indo, parece ter tido fortes laços comerciais com a Suméria - numerosos selos típicos do Indo foram encontrados nas ruínas mesopotâmicas. O povo do Indo habitava uma área maior que a Mesopotâmia e o Egito combinados, e floresceu mais ou menos entre 2.500 e 1.500 a.C. A sua cultura era também urbana. Passando da lavoura à criação de gado, esse povo formou artífices e artesãos, comerciantes e administradores. Suas casas eram construídas com tijolos de fino acabamento, cujas dimensões uniformes atestam uma padronização de pesos e medidas.

Fato mais importante: os mesopotâmicos tinham uma linguagem escrita, um sistema pictográfico que abrangia cerca de 400 caracteres. Como as duas culturas são similares nesses aspectos e se conheciam, parece lógico supor que a cultura mais velha da Suméria influenciou a mais jovem do Indo. Entre a Índia e a Mesopotâmia situa-se outra região cujo débito à cultura mesopotâmica é mais fácil de traçar. O Irã, ou Pérsia, fazia fronteira se com a Mesopotâmia e naturalmente estava em íntimo contato com ela. De acordo com uma narrativa sumeriana, a cidade-estado iraniana de Aratta teve organização política e crenças religiosas quase idênticas às da Suméria. De igual modo, o antigo reino iraniano de Elam, a despeito de constantes e renhidas lutas armadas com a Suméria, foi ainda assim profundamente influenciado por esta. A arte e a arquitetura dos elamitas, como também as suas leis, a sua literatura e religião, eram mesopotâmicas em muitos aspectos - uma das principais deidades do Elam tinha mesmo um nome sumeriano. Os elamitas também adotaram a escrita cuneiforme da Mesopotâmia, como ainda o seu sistema de educação e muito do seu currículo educacional.

Mas a influência da Mesopotâmia sobre os seus contemporâneos no Egito, Irã e Índia, embora tenha sido inspiradora, foi de pouca duração. Coisa curiosa, foi no Ocidente, e não na terra dos povos vizinhos, que mais se enraizou a sua semente. A visão racional, positiva, pragmática, do homem ocidental tem similitude com a concepção mesopotâmica do mundo. Transfigurados pelos hebreus monoteístas, transmudados pelos filósofos gregos, os conceitos mesopotâmicos impregnaram a consciência ocidental e são responsáveis, em muito, pela agitada história de tensão vivida pelo homem do ocidente, entre razão e fé, esperança e desespero, liberdade e autoritarismo, progresso e derrota.

O impacto da Mesopotâmia sobre os hebreus foi tanto direto como indireto. Se, como pensam alguns estudiosos, a narrativa bíblica contém um pouco de verdade, e se o patriarca hebreu vivia em Ur no tempo de Hamurábi, nesse caso ele e sua família podem ter assimilado a cultura sumeriana muito antes de os judeus se constituírem numa nação. Parece claro que os ancestrais dos hebreus viveram na Mesopotâmia desde tempos bem recuados no tempo.

Documentos cuneiformes, cujas datas vão desde 1700 a 1300 a.C., mencionam com freqüência um povo chamado Habiru, nome com afinidade bem próxima com a palavra bíblica "hebreus". Segundo tais textos, os hebreus eram erradios, nômades, mesmo salteadores e proscritos, que vendiam seus serviços como mercenários aos babilônios e assírios, hititas e hurrianos. Já em 1500 a.C. esses ancestrais do Judeu Errante encetavam a conquista da Palestina. Entraram em contato com os cananeus, um povo que assimilou muito da Mesopotâmia. Os cananeus tinham uma escrita cuneiforme, suas escolas adotavam o currículo mesopotâmicos e a sua cultura estava profundamente imbuída das idéias e da fé criadas na "terra entre os rios".

O contato mais importante dos hebreus com a cultura mesopotâmica principiou no ano 586 a.C. quando o rei Nebuchadrezzar destruiu Jerusalém e levou o seu povo para o cativeiro em Babilônia. A instrução e os grandes conhecimentos dos babilônios impregnaram a mente e o pensamento dos hebreus. Quando, depois, os exilados voltaram à sua terra para formar o estado judaico, trouxeram consigo muitas das práticas litúrgicas, educacionais e legais da Mesopotâmia. Algumas delas foram introduzidas no cristianismo e, por intermédio da tradição judaico-cristã, penetraram na civilização ocidental.

O segundo povo que absorveu a cultura mesopotâmica e a canalizou para o Ocidente foram os gregos. Ao contrário dos hebreus, não tiveram eles contato direto com a Mesopotâmia, mas, durante a idade micênica da Grécia, desde cerca de 1600 a 1100 a.C., mantiveram íntimos laços políticos e comerciais com os vizinhos da Mesopotâmia, os hititas e os cananeus. Por todas as cidades litorâneas da Anatólia meridional e Canaã, Chipre e Creta, circulavam não só mercadorias mas também pensamentos e idéias - que indubitavelmente mergulharam raízes na terra grega. O fato de se haver descoberto, na cidade grega de Tebas, ainda recentemente, um depósito secreto de selos babilônicos, não chegou a causar muita surpresa aos arqueólogos e sem dúvida o futuro revelará no solo helênico muitos outros achados de tal espécie. Este primeiro contato com o Oriente Próximo encerrou-se quando entrou em colapso a cultura micênica. E só no século VIII a.C., quando os gregos começaram a emergir do seu tempo obscuro" é que voltaram eles a receber estímulo e inspiração dos seus vizinhos orientais. Durante esse último período os fenícios de Cananéia deram aos gregos o alfabeto que posteriormente se tornou o de todo o mundo ocidental. No curso dessa fase, também, os filósofos gregos pré-socráticos na Anatólia descobriram as obras dos astrólogos babilônicos e deram início aos grandes estudos filosóficos de Atenas. Quando, no século V a.C ., a Grécia entrou em sua Idade de Ouro, diversas das suas criações na arte, na arquitetura, na filosofia e nas letras apresentaram vestígios de origem mesopotâmica.

Avançando para o Ocidente, pelos canais do helenismo, do judaísmo e do cristianismo, o legado da Mesopotâmia à humanidade atingiu finalmente o mundo moderno. Em tecnologia, esse legado inclui milagres prosaicos tais como o veículo de rodas e o arado. Na ciência, incluiu as primeiras noções de astronomia e o sistema numérico baseado em 60 - sistema ainda em uso atualmente, dividindo o círculo em graus e a hora em minutos e segundos.

As observações astronômicas da Mesopotâmia permitiram que fossem afinal descobertos os equinócios das estações e a regularidade das fases da Lua; o complemento pseudocientífico da astronomia, a astrologia, revelou através das suas interpretações do "escrito no céu" as relações fixas das estrelas. Foi a Mesopotâmia. que criou as designações pelas quais até hoje são conhecidos os signos do zodíaco Touro, Gêmeos, Leão, Escorpião c outros.

A Mesopotâmia também deu à civilização ocidental duas das suas mais importantes instituições políticas - a cidade-estado e o conceito de uma realeza por direito divino. A cidade-estado espaIhou-se por grande parte do mundo mediterrâneo e a realeza - a noção de que a autoridade real fora concedida pelos deuses e só a eles o seu detentor devia prestar conta - infiltrou-se profundamente na sociedade ocidental. Não é só por mera coincidência que os monarcas britânicos de hoje são consagrados em cerimônias de coroação que lembram as da Mesopotâmia. Nem pode ser obra do acaso a semelhança entre as atividades que exercem habitualmente os chefes de Estado do nosso tempo e as que são registradas nos mais velhos arquivos dos reis mesopotâmicos. Por meio de burocratas altamente eficazes, que empregavam bem desenvolvidos sistemas de escrituração e contabilidade, os governantes da Mesopotâmia administravam a construção e a conservação de estradas, a edificação de hospedarias para os viajantes, a navegação mercante dos mares, o arbitramento das disputas políticas e a assinatura de tratados internacionais.

Um dos mais preciosos legados políticos da Mesopotâmia foi a lei escrita. Tendo origem numa tomada de consciência dos direitos individuais ~ estimulada por uma propensão à controvérsia e à demanda – a lei mesopotâmica veio a ser idealizada, sendo concebida como obra de inspiração divina para benefício de toda a sociedade. Palavras provenientes de tradições legais babilônicas e sumerianas aparecem em todo o vasto e heterogêneo corpo de comentários sobre alei hebraica conhecido como o Talmude babilônico. " Até nossos dias", escreveu o estudioso E.A. Speiser, uma das maiores autoridades nos sistemas legais do mundo antigo " o judeu ortodoxo usa um termo sumeriano quando fala de divórcio. E quando lê a lição da Tora na sinagoga ele ainda roça o lugar pertinente ao pergaminho com a fímbria do seu xale de oração, sem nem de longe imaginar que está assim reproduzindo acena na qual o antigo mesopotâmio imprimia a orla da sua veste numa placa de argila, como testemunho da sua obediência aos comandos do texto legal." Provavelmente não será exagero dizer-se que alei mesopotâmica irradiou a sua luz sobre grande parte do mundo civilizado. A Grécia e Roma sofreram a sua influência através de seus contatos com o Oriente Próximo e o Islã só adquiriu um código formal de leis depois de haver conquistado a região que é o Iraque, a terra da antiga Mesopotâmia. Exatamente quantas das leis modernas têm origem que remontam à Mesopotâmia é assunto que ainda não foi determinado, mas o historiador britânico H.W.F. Saggs, no seu livro A Grandeza Que Foi Babilônia, observa que "é quase certo ter a lei sobre hipotecas a sua fonte remota no antigo Oriente Próximo".

Da mesma forma, um opulento conjunto de rituais e de mitos mesopotâmicos, instituídos por um notável grupo de teólogos que viveram 3.000 anos antes do nascimento de Cristo, influenciou profundamente as religiões ocidentais, sobretudo o judaísmo e o cristianismo. A idéia mesopotâmica de que da água nasceram todas as coisas, por exemplo, infiltrou-se na narrativa do Gênesis sobre a criação do mundo, e a noção bíblica de que o homem foi feito de barro e recebeu o "sopro de vida" brotou de raízes mesopotâmicas. Assim também o conceito bíblico de que o homem foi criado primordialmente para servir a Deus e o de que o poder criador da divindade está no Seu Verbo. A idéia de que as catástrofes são castigos celestes por más ações, como a de que a dor e a adversidade devem ser suportadas com paciência, também encontram analogia na Mesopotâmia. Até mesmo a região dos mortos, imaginada pelos mesopotâmios, a sua escura e lúgubre "terra de onde não se volta", tem a sua contrapartida no Sheol dos hebreus e no Hades dos gregos.

Até na atualidade a liturgia judaica está repleta de contribuições babilônicas. O Kol Nidre, o canto judaico recitado nas vésperas do Dia da Inspiração, em penitência pela quebra dos votos, é semelhante às preces que figuravam nas cerimônias mesopotâmicas do Ano Novo. O mesmo quanto à solene descrição do destino humano que é declamada no próprio Dia da Inspiração. Durante o seu exílio em Babilônia os hebreus também adquiriram a crença nos demônios e seu exorcismo, o que sem dúvida explica diversas passagens do Novo Testamento concernentes à expulsão dos espíritos malignos.

Desde os dias do cativeiro em Babilônia, e daí em diante, o judaísmo apresenta um enxame de místicos religiosos com visões apocalípticas sobre o futuro do homem. Por meio desses visionários, diz o eminente orientalista w. F. Albright, "elementos inumeráveis da fantasia pagã e até mitos inteiros entraram na literatura do judaísmo e do cristianismo". Por exemplo, o rito do batismo - diz ele remonta às religiões da Mesopotâmia, como também muitos dos elementos na história da vida de Cristo. Entre estes o Dr. Albright inclui a sua concepção por uma virgem, o seu nascimento relacionado com os astros, e os temas da prisão, da morte, descida aos infernos, o desaparecimento por três dias e posterior ascensão aos céus.

A religião mesopotâmica era, sem dúvida, pagã e politeísta, e portanto um profundo abismo espiritual a separa do monoteísmo judaico e cristão. Além disso, tanto o Velho como o Novo Testamento se impregnam de uma sensibilidade ética e de um fervor moral que não encontram correspondência nos textos mesopotàmicos. Nem a Suméria, nem Babilônia, nem a Assíria jamais chegaram à elevada crença de que o "coração puro" e "mãos limpas" tinham mais valor espiritual do que sacrifícios e rituais esmerados. O vínculo de amor entre Deus e o homem, embora não de todo alheio ao pensamento religioso da Mesopotâmia, decerto é nele de significação muito menor do que no judaísmo e no cristianismo. Todavia, os primitivos mesopotâmios cultivaram o conceito de um deus pessoal e familiar que teve o seu eco na Bíblia com o "deus de Abraão, Isaac e Jacó" - e entre essa divindade protetora e o seu devoto adorador há uma relação íntima, de ternura e confiança, em alguns aspectos, comparável, com a que existiu entre Jeová e os patriarcas.

A literatura da Mesopotâmia, assim como a sua religião e o seu direito, contaminaram também todo o mundo ocidental. Temas que figuram nos capítulos iniciais do Gênesis - a Criação, o Paraíso, o Dilúvio, a rivalidade de Cain e Abel, e a Torre de BabeI - todos têm antecedentes literários na Mesopotâmia. No Livro dos Salmos, muitos dentre eles lembram hinos do culto mesopotâmio, e o Livro das Lamentações copia um dos motes literários mais cultivados pelos escritores mesopotâmicos - na Suméria era comum se comporem lamentações formais sobre a destruição de uma cidade. Nas coleções sumerianas de brocardos, máximas e adágios, há também antecedentes estilísticos para o Livro dos Provérbios. Mesmo ao Cântico dos Cânticos, de Salomão, o livro diferente de quaisquer outros do Velho Testamento pode ser atribuído um precedente da Mesopotâmia, com os cantos de amor do culto sumeriano.

A literatura grega mostra igualmente inumeráveis indícios da influência mesopotâmica. A história mesopotâmica do dilúvio, por exemplo, corresponde na mitologia grega à história de Deucalião, que constrói um barco e nele sobrevive a uma inundação que destrui o resto da humanidade. O tema do combata ao dragão nos mitos mesopotâmicos encontra equivalência em algumas ficções. como as de Jasão e Héracles. os quais mataram diversos monstros.

Pragas lançadas como punição pelos deuses também figuram na mitologia da Grécia e na da Mesopotâmia. E há acentuada semelhança entre o inferno grego; o mesopotâmio, sendo ambos lugares tenebrosos. Separados do reino dos vivos por um rio sinistro que os mortos atravessavam de barca. Da mesma forma elegia para o morto. parece ter o seu prenúncio em duas composições sumerianas. Recentemente traduzidas de uma inscrição no Museu Pushkin de Moscou; nelas, um poeta mesopotâmio pranteia em Linguagem hiperbólica a morte do pai e da esposa. Até a forma da epopéia grega que conduziu à criação da Ilíada e da Odisséia, tem analogia com o estilo dos poemas épicos da Mesopotâmia.

Na área da literatura grega de cunho instrutivo e edificante os estudiosos também descobriram ultimamente uma série de equivalência mesopotâmicas.

Diversas fábulas de Esopo têm similitude com histórias anteriores da Suméria. e as instruções no almanaque do fazendeiro sumeriano. Segundo uma versão do século XVIII a.C.. parecem-se singularmente com as de Trabalhos e Dias, um manual do lavrador composto. cerca de mil anos depois. pelo poeta grego Hesíodo. Diversos diálogos sumerianos estão sendo agora reconstituídos e decifrados, e também estes poderão revelar-se como precursores estilísticos de obras-primas como os Diálogos, de Platão.

Em outro plano. o da música e da teoria musical, a contribuição mesopotâmica é descobrimento ainda bem recente. No entanto, já desde muitos anos os arqueólogos sabiam que a Mesopotâmia tivera instrumentos musicais, particularmente harpas e liras.

Por exemplo. Sir Leonard Woolley, nas suas escavações em Ur. desenterrou os remanescentes de nove liras e duas harpas. E um hino dedicado ao rei Shulgi, de Ur. proclama que o governante sabia tocar a harpa "a doce lira de três cravelhas, (um) instrumento de três cordas que desafoga o coração", e mais uns dez outros instrumentos musicais não identificados. Os músicos cursavam escolas de preparação e constituíam importante classe profissional na Mesopotâmia. tornando-se alguns altos funcionários da corte. Entretanto nada se conhecia sobre a música propriamente dita até há pouco tempo, quando Anne Darffkorn Kilner. da Universidade da Califórnia. uma cuneiformista, e Madame Duchesne-Guillemin. da Universidade de Liege, na Bélgica. uma musicóloga. se reuniram para interpretar o contexto de uma inscrição cuneiforme que por 70 anos havia desafiado os estudiosos.

A chave principal para o texto da inscrição era uma série de números que pareciam referir-se às cordas de um instrumento de nove cordas. Estabelecido este ponto, descobriu-se que os números eram dispostos numa progressão que sugeria a afinação desse instrumento, e também se apurou que outras notações indicavam o que parecia serem os intervalos de uma escala musical. As inscrições nessa placa de argila, que provavelmente data de 1500 a.C. mais ou menos, fazem a história da música e da teoria musical remontar há mais de um milênio antes das primeiras notações musicais da Grécia que se conhecem. É, de fato, o primeiro registro na história de uma escala musical e de um sistema musical coerente.

O muito que já se apurou da contribuição mesopotâmica para a civilização em todos os aspectos ainda constitui ínfima fração da sua totalidade; é como a parte visível de um iceberg. Não se torna fácil pesquisar idéias e técnicas, temas e motivos, através dos tempos, a fim de se chegar ao seu local de origem. Os fios de transmissão, tênues como os de.. uma teia de aranha, muitas vezes escapam ao olhar e ao espírito que os procuram. Sem dúvida novas descobertas virão enriquecer o quadro e trarão certamente muitas surpresas. Mas o futuro poderá tão-só confirmar o que já se patenteia isto é, que a Mesopotâmia, com sua conjugação singularmente feliz de fatores geográficos e gênio humano, criou uma cultura sem precedente. A terra entre o Tigre e o Eufrates será sempre considerada o Berço da Civilização.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Grécia, Roma, Israel e a Plenitude dos Tempos

A Plenitude dos Tempos: Em Gálatas 4.4, Paulo chama a atenção para a era histórica da preparação providencial que antecedeu a vinda de Cristo a terra em forma humana: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho...”. Marcos também indica que a vinda de Cristo aconteceu quando estava tudo já preparado na terra (Mc 1.15). O estudo dos eventos que antecederam o aparecimento de Cristo sobre esta terra faz com que o estudante equilibrado reconheça a verdade das afirmações de Paulo e Marcos.

Na maioria das discussões sobre este assunto, esquece-se que não apenas os judeus, mas os gregos e os romanos também, contribuíram para a preparação religiosa para a aparição de Cristo. A contribuição grega e romana foi, na realidade, negativa, mas em muito contribuiu para levar o desenvolvimento histórico até o ponto em que Cristo pudesse exercer o impacto máximo sobre a história de uma forma até então impossível.

01 – O Ambiente
A – Contribuições Políticas dos Romanos

A contribuição política anterior à vinda de Cristo foi basicamente obra dos romanos. Este povo, seguidor do caminho da idolatria, dos cultos de mistérios e do culto ao imperador, foi então usado por Deus, a quem ignoravam, para cumprir a sua vontade.

1 – Os romanos, como nenhum outro povo até então, desenvolveram um sentido de unidade da espécie sob uma lei universal. Este sentido da solidariedade do homem no Império criou um ambiente favorável à aceitação do Evangelho que proclamava a unidade de raça humana, baseada no fato de que todos os homens estavam sob pena do pecado e no fato de que a todos era oferecida a salvação que os integra num organismo universal, a Igreja Cristã, o Corpo de Cristo.

Nenhum Império do antigo Oriente Próximo, nem mesmo o império de Alexandre, tinha conseguido dar aos homens um sentido de unidade numa organização política. A unidade política seria contribuição particular de Roma. A aplicação da lei romana aos cidadãos de todo o Império era imposta diariamente a todos os cidadãos e súditos do Império pela justiça imparcial das cortes romanas. Esta lei romana se originava da lei consuetudinária da antiga monarquia. Durante a primeira república no quinto século, antes de Cristo, esta lei foi codificada nas Doze Tábuas, que eram parte essencial na educação de toda criança romana. A compreensão de que os grandes princípios da lei romana eram também parte das leis de todas as nações sob o domínio dos romanos como praetor peregrinus, que era encarregado da tarefa de tratar com as cortes em que estrangeiros estivessem sendo julgados, tornou-se realidade para todos os sistemas jurídicos desses estrangeiros. Assim, o código das Doze Tábuas, baseado no costume romano, foi enriquecido pelas leis de outras nações. Os romanos de inclinação filosófica explicavam essas semelhanças pelo uso de conceito grego de uma lei universal cujos princípios foram escritos na natureza do homem e seriam descobertos por um processo racional.

Um passo adicional no estabelecimento da idéia de unidade foi a garantia de cidadania romana aos não romanos. Este processo foi principiado no período anterior ao nascimento de Cristo e foi completado quando Caracala concedeu , em 212, a todos os homens livres do Império Romano a cidadania romana. O Império Romano reunia todo o mundo mediterrâneo que contava na história de então; desse modo para todos os propósitos práticos, todos os homens estavam debaixo de um sistema jurídico, como cidadãos de um só reino.

A lei romana, com sua ênfase sobre a dignidade do indivíduo, e no direito deste à justiça e à cidadania romana, além de sua tendência a agrupar homens de raças diferentes numa só organização política, antecipou um Evangelho que proclamava a unidade da raça ao anunciar a pena do pecado e o Salvador do pecado. Paulo lembrou aos da igreja filipense que eles eram membros de uma comunidade celestial (Fp 3.20).

2 – A movimentação livre em torno do mundo mediterrâneo teria sido mais difícil para os mensageiros do Evangelho antes de César Augusto (27 a.C. – 14 d.C.). A divisão do mundo antigo em grupos, cidades-estados ou tribos, pequenos e enciumados um do outro, impedia a circulação e a propagação de idéias. Com o aumento do poderio imperial romano no período da expansão imperial, uma era de desenvolvimento pacífico ocorreu nos países ao redor do Mediterrâneo. Pompeu tinha varrido os piratas do Mediterrâneo e os soldados romanos mantinham a paz nas estradas da Ásia, África e Europa. Este mundo relativamente pacífico tornou mais fácil a movimentação dos primeiros cristãos nas cidades onde pregavam o Evangelho a todos os homens.

3 – Os romanos criaram um ótimo sistema de estradas que iam do marco áureo no fórum a todas as regiões do Império. As estradas principais eram de concreto e duraram séculos. Elas passavam por montes e vales até chegarem aos pontos mais distantes do Império; algumas delas são usadas até hoje. Um estudo das viagens de Paulo indica que ele se serviu muito deste ótimo sistema viário para atingir os centros estratégicos do Império Romano. As estradas romanas e as cidades estrategicamente localizadas às margens dessas estradas foram uma ajuda indispensável na concretização da missão de Paulo.

4 – O papel do exército romano no desenvolvimento do ideal de uma organização universal e na propagação do Evangelho não pode ser ignorado. Os romanos adotavam a prática de usar habitantes das províncias no exército como forma de suprir a falta de cidadãos romanos atingidos pelas guerras e pelo conforto da vida. Os provincianos entravam em contato com a cultura romana e ajudavam a divulgar suas idéias através do mundo antigo. Em muitos casos, alguns destes homens converteram-se ao cristianismo e levaram o Evangelho às regiões para onde eram designados. É provável que a introdução do cristianismo na Bretanha seja um resultado dos esforços de soldados cristãos que acantonaram por lá.

5 – As conquistas romanas levaram muitos povos à falta de fé em seus deuses, uma vez que eles não foram capazes de protegê-los dos romanos. Tais povos foram deixados num vácuo espiritual que não estava sendo satisfeito pelas religiões de então.

Além disso, os substitutos que Roma tinha a oferecer em lugar das religiões perdidas nada mais podiam fazer além de levar os povos a compreenderem sua necessidade de uma religião mais espiritual. O culto ao imperador romano, que surgiu cedo na Era Cristã. Fazia um apelo ao povo somente como um meio de tornar tangível o conceito de Império Romano.

As várias religiões de mistério pareciam oferecer muito mais que isso como um meio de auxílio espiritual e emocional, e nelas o Cristianismo achou seu maior rival. A adoração de Cibele, a grande mãe terra, foi trazida da Frigia para Roma. A adoração desta deusa da fertilidade tinha ritos tais como o drama da morte e ressurreição do consorte de Cibele, Átis, o que parecia suprir as necessidades emocionais dos homens. O culto à Ísis, importado do Egito, era semelhante ao de Cibele, com sua ênfase sobre a morte e ressurreição. O Mitraísmo, importado da Pérsia, teve aceitação especial entre os soldados romanos. Tinha um festival em dezembro, um Maligno, um Salvador nascido miraculosamente – Mitra, um deus-salvador – além de capelas e cultos de adoração.

Todas essas religiões enfatizam o deus-salvador. O culto de Cibele conclamava seus adoradores ao sacrifício de um touro e o batismo de seus seguidores com o sangue desse touro. O mitraísmo possuía, além de outras coisas, refeições sacrificiais. Por causa da influência dessas religiões, elas pareciam algo esquisitas frente ao Cristianismo e suas demandas sobre o indivíduo. Quando muitos descobriram que os sacrifícios de sangue dessas religiões nada podiam fazer por eles, foram guiados pelo Espírito Santo a aceitar a realidade oferecida a eles no Cristianismo.

A consideração destes fatores permite concluir que o Império Romano criou um ambiente político favorável para a propagação do cristianismo nos primórdios da sua existência. Mesmo a Igreja da Idade Média não conseguiu se desfazer da glória da Roma imperial, acabando por perpetuar seus ideais num sistema eclesiástico.

B – Contribuições Intelectuais dos Gregos

Embora importante para a preparação para a vinda de Cristo, a contribuição romana foi ofuscada pelo ambiente intelectual criado pela mente grega. A cidade de Roma pode ser identificada com o ambiente político do cristianismo, mas foi Atenas que ajudou a criar um ambiente intelectual propício à propagação do Evangelho. Os romanos podem ter sido os conquistadores dos gregos, mas como indicou Horácio (65 a.C. – 8 d.C.) em sua poesia, os gregos conquistaram os romanos culturalmente. A mente prática dos romanos pode ter construído boas estradas, pontes fortes e belos edifícios, mas a grega erigiu os grandiosos edifícios da mente. Foi graças à influência grega que a cultura basicamente rural da antiga República deu lugar à cultura intelectual do Império.

1 – O Evangelho universal precisava de uma língua universal para poder exercer um impacto real sobre o mundo. Os homens têm procurado desde a Torre de Babel criar uma língua universal para que possam comunicar suas idéias uns aos outros sem problemas. Assim como o inglês no mundo moderno e o latim no mundo medieval erudito, o grego tornou-se no mundo antigo, ao tempo em que o Império Romano apareceu, a língua universal. Os romanos mais ilustres sabiam grego e latim.

O processo pelo qual o grego se tornou o vernáculo do mundo é interessante. O dialeto ático usado pelos atenienses começou a ser usado amplamente no quinto século antes de Cristo com a solidificação do Império Ateniense. Mesmo depois de o Império ser destruído ao final do quinto século, o dialeto de Atenas, que se originara da literatura grega clássica, tornou-se a língua que Alexandre, seus soldados e os comerciantes do mundo helenístico, entre 338 e 146 a.C., modificaram, enriqueceram e espalharam através do mundo mediterrâneo.

Foi através deste dialeto de homem comum, conhecido como Koinê e diferente do grego clássico, que os cristãos foram capazes de se comunicar com os povos do mundo antigo, usando-o inclusive para escrever o seu Novo Testamento, o mesmo fazendo os judeus de Alexandria para escrever seu Velho Testamento, a Septuaginta. Só recentemente se soube que o grego do Novo Testamento era o grego do homem comum dos dias de Jesus Cristo, o que o diferencia do grego dos clássicos. Um teólogo alemão chegou mesmo a dizer que o grego do Novo Testamento era um grego especial criado pelo Espírito Santo para a produção do Novo Testamento.

Adolf Deissman (1866-1937) descobriu, no final do século passado, que o grego do Novo Testamento era o mesmo usado pelo homem comum do primeiro século nos relatos deixados em papiros sobre seus negócios e em documentos fundamentais de sua vida diária. Desde então, eruditos como James Hope Moulton (1863-1917) e George Millgan (1860-1934) deram uma base científica à descoberta de Deissman ao estudarem comparativamente o vocabulário dos papiros e o do Novo Testamento. Esta descoberta deu origem ao surgimento de inúmeras traduções modernas. Se o Evangelho foi escrito na língua do povo comum à época de sua produção, raciocinam os tradutores, deve ser colocado então na língua do homem comum de nossos dias.

2– A filosofia grega preparou o caminho para a vinda do Cristianismo por ter levado à destruição as antigas religiões. Qualquer um que chegasse a conhecer seus princípios, fosse grego ou romano, logo perceberia que sua disciplina intelectual tornou a religião tão ininteligível que a acabava abandonando em favor da filosofia. A filosofia falhou, porém, na satisfação das necessidades espirituais do homem, que se via obrigado então a tornar-se um cético ou a procurar conforto nas religiões de mistério do Império Romano. À época do advento de Cristo, a filosofia descera do ponto elevado que alcançara com Platão para um sistema de pensamento individualista egoísta, como é o caso do Estoicismo ou do Epicurismo. Na maioria dos casos, a filosofia apenas aspirava por Deus, fazendo dEle uma abstração; jamais revelava um Deus pessoal de amor. Este fracasso da filosofia do tempo da vinda de Cristo tornou as mentes humanas prontas para entender uma apresentação mais espiritual da vida. Só o cristianismo pode preencher o vazio na vida espiritual de então.

A outra forma pela qual os grandes filósofos gregos ajudaram o cristianismo está ligada ao fato de chamarem a atenção dos gregos para uma realidade que transcendia o mundo temporal e visível em que viviam, Tanto Sócrates quanto Platão ensinaram, cinco séculos antes de Cristo, que este presente mundo temporal dos sentidos é apenas uma sombra do mundo real em que os ideais supremos são ao mesmo tempo abstrações intelectuais, o bem, a beleza e a verdade. Insistiam que a realidade não era temporal e material, mas espiritual e eterna. Sua busca da verdade jamais lhes conduziram a um Deus pessoal, mas evidenciou que o melhor que o homem deve fazer é buscar a Deus através do intelecto. O cristianismo ofereceu a este povo que aceitava a filosofia de Sócrates e Platão, a revelação histórica do Bem, da Beleza e da Verdade na pessoa do Deus-homem, Cristo. Os gregos aceitavam a imortalidade da alma, mas não tinham lugar para ressurreição do corpo.

A literatura e história grega evidenciam claramente que os gregos estavam preocupados com os problemas do certo e do errado e com o futuro eterno do homem. Ésquilo (525-456 a.C.) em sua peça Agamenon, aproxima-se da afirmação bíblica (“Estai certos de que o vosso pecado vos há de atingir” – Nm 32.23), ao propor que os problemas de Agamenon eram conseqüência de seu mau procedimento. Os gregos, entretanto, viam o pecado como um problema mecânico e contratual; não o viam como um problema pessoal que afrontava a Deus e prejudicava os homens.

À época da vinda de Cristo, os homens tinham compreendido finalmente a insuficiência da razão humana e do politeísmo. As filosofias individualistas de Epicuro (341-270 a.C.) e Zenão e as religiões de mistério testemunham do desejo humano por um relacionamento mais pessoal com Deus. O cristianismo, com sua oferta de um relacionamento pessoal, forneceu aquilo para o que a cultura grega, em função de sua própria inadequação, tinha produzido muitos corações famintos.

3 – O povo grego também contribuiu no campo da religião para preparar o mundo a aceitar a nova religião cristã quando ela surgisse. O advento da filosofia grega materialista no sexto século antes de Cristo destruiu a fé das pessoas no velho culto politeísta como descrito na Ilíada e na Odisséia de Homero. Embora os elementos deste culto se baseassem no culto mecânico oficial, logo perderiam a sua vitalidade.

O povo voltou, então, à filosofia. Esta também, entretanto, perdeu o seu vigor. A filosofia tornou-se um sistema de individualismo pragmático, dirigido pelos sucessores dos sofistas ou um sistema de individualismo subjetivista, como se apresentava nos escritos de Zenão, o estóico, e Epicuro. Lucrécio (I século a.C.), o expoente poético da filosofia epicurista, fundamentava seus ensinos de recusa ao sobrenatural numa metafísica materialista que considerava até o espírito do homem um tipo desenvolvido de átomo. O estoicismo ainda considerava o sobrenatural, mas seu deus era de tal modo identificado com a criação que acabava caindo num panteísmo. Embora ensinasse a paternidade de Deus e a fraternidade do homem e sustentasse um elevado código de ética, o estoicismo deixava que o homem, por um processo racional, praticasse sua própria obediência às leis naturais que deveriam ser descobertas apenas pela razão.

Desse modo, os sistemas gregos e romanos de filosofia e religião contribuíram negativamente para avinda do cristianismo, ao destruírem as velhas religiões politeístas e demonstrarem a incapacidade da razão para alcançar Deus. As religiões de mistério, para onde muitos foram, familiarizaram o povo a pensar em termos de pecado e redenção. Então, quando o cristianismo apareceu, as pessoas do Império Romano estavam bem receptivas a uma religião que parecia oferecer uma perspectiva espiritual para a vida.

02 – Contribuições Religiosas dos Judeus

As contribuições religiosas para a “plenitude do tempo” incluem tanto a dos gregos e romanos como a dos judeus. Todavia, por mais importantes que as contribuições de Atenas e Roma, como pano-de-fundo histórico, tenham sido par o cristianismo, as contribuições dos judeus formam a Herança do Cristianismo. O cristianismo pode ter se desenvolvido no sistema político de Roma e pode ter encontrado o ambiente intelectual criado pela mente grega, mas seu relacionamento com o Judaísmo foi muito mais íntimo. O Judaísmo pode ser considerado como o botão do qual a rosa do cristianismo abriu-se em flor.

Ao contrário dos gregos, os judeus não intentavam encontrar a Deus pelos processos da razão humana. Eles pressupunham Sua existência e lhe prestavam o culto que sentiam lhe dever. O povo judeu foi muito influenciado a estas atitudes pelo fato de que Deus o procurou e Se revelou a ele na história por Suas aparições a Abraão e a outros grandes líderes da raça. Jerusalém tornou-se o símbolo de uma preparação religiosa positiva para a vinda do cristianismo. A salvação viria, pois “dos judeus”, como Cristo diria à mulher no poço (Jo 4.22). Desta pequenina nação cativa, situada no caminho da Ásia, África e Europa, viria um Salvador. O judaísmo tornou-se o berço do cristianismo e, ao mesmo tempo, forneceu o abrigo inicial da nova religião.

A – Monoteísmo

O Judaísmo contrastava flagrantemente com a maioria das religiões pagãs, ao fundamentar-se num sólido monoteísmo espiritual. Nunca, depois da sua volta do cativeiro babilônico, os judeus caíram em idolatria. A mensagem de Deus para eles através de Moisés ligava-os ao único Deus verdadeiro de toda a terra. Os deuses dos pagãos eram apenas ídolos que os profetas judeus condenavam em termos muito claros. Este sublime monoteísmo foi espalhado por numerosas sinagogas localizadas em volta da área mediterrânea durante os três últimos séculos anteriores à vinda de Cristo.

B – Esperança Messiânica

Os judeus ofereceram ao mundo a esperança de um Messias que estabeleceria a justiça na Terra. Esta esperança messiânica estava em claro antagonismo com as aspirações nacionalistas pintadas por Horácio (65-68 a.C.) no poema em que descrevia um rei romano ideal que haveria de vir – o filho que nasceria a Augusto. A esperança de um Messias tinha sido popularizada no mundo romano a partir desta firme proclamação pelos judeus. Até mesmo os discípulos depois da morte e ressurreição de Cristo ainda esperavam por um reino messiânico sobre a terra (At 1.6). Certamente, os homens instruídos que viveram em Jerusalém na época imediatamente anterior ao nascimento de Cristo tiveram contato com esta esperança. A expectativa de muitos cristãos hoje em torno da vinda de Cristo ajuda-nos a compreender a atmosfera da expectação no mundo judeu acerca da vinda do Messias.

C – Sistema Ético

Na parte moral da lei judaica, o judaísmo também ofereceu ao mundo o mais puro sistema ético de então. O elevado padrão proposto nos Dez Mandamentos se chocava com os sistemas éticos prevalecentes e com as práticas por demais corruptas dos sistemas morais pelos quais se pautavam. Para os judeus, o pecado não era o fracasso externo, mecânico e contratual dos gregos e romanos, mas era uma violação da vontade de Deus, violação esta que se expressava num coração impuro e, mais ainda, em atos pecaminosos, externos e visíveis. Esta perspectiva moral e espiritual do Velho Testamento favoreceu uma doutrina de pecado e redenção que realmente resolvesse o problema do pecado. A salvação vinha de Deus e não seria encontrada em sistemas racionalistas de ética ou nas subjetivas religiões de mistério.

D – O Antigo Testamento

O povo judeu, ademais, preparou o caminho para a vinda do cristianismo ao legar à Igreja em formação um livro sagrado, o Velho Testamento. Mesmo um estudo superficial do Novo Testamento revela a profunda dívida de Cristo e dos apóstolos para com o Velho Testamento e sua reverência por ele como a palavra de Deus para o homem. Muitos gentios também o leram e se familiarizaram com os fundamentos da fé judaica. Este fato é indicado pelos relatos de vários prosélitos judeus. Muitos desses prosélitos foram capazes de passar do judaísmo ao cristianismo por causa do Velho Testamento, o livro sagrado da nova Igreja. Muitas religiões, o Islamismo por exemplo, confiam em seu fundador por causa do seu Livro sagrado, mas Cristo não deixou textos sagrados para a Igreja. Os livros do Velho Testamento e os do Novo Testamento, produzidos sob a inspiração do Espírito Santo, seriam a literatura viva da Igreja.

E – Filosofia da História

Os judeus tornaram possível uma filosofia da história por insistirem que a história tem significado. Eles se opuseram a toda e qualquer visão que deixasse a história sem significado, como uma série de círculos ou como um processo de evolução linear. Eles sustentavam uma visão linear e cataclísmica da história, na qual o Deus soberano, que criou a história, iria triunfar sobre a falha do homem na história para trazer uma era dourada.

F – A Sinagoga

Os judeus também forneceram uma instituição da qual muitos cristãos esqueceram a utilidade, no surgimento e desenvolvimento do cristianismo primitivo. Esta instituição era a sinagoga judia. Nascida da necessidade decorrente da ausência dos judeus do templo de Jerusalém durante o cativeiro babilônico, a sinagoga se tornou parte integrante da vida judaica. Através dela, os judeus e também muitos gentios se familiarizaram com uma forma superior de viver. Foi também o lugar em que Paulo primeiro pregou em todas as cidades por onde passou no itinerário de suas viagens missionárias. Foi ela a casa de pregação do cristianismo primitivo. Há algo de convincente na idéia de que o sistema de governo praticado na Igreja primitiva tenha sido apropriado de antecedentes judaicos na sinagoga. O judaísmo foi, pois, o paidagogos para conduzir os homens a Cristo (Gl 3.23-25).

Os assuntos que têm sido discutidos demonstram o quão beneficiado foi o cristianismo, tanto quanto à época como quanto à região, no período de sua formação. Em nenhum outro lugar na história do mundo antes da vinda de Cristo houve uma região tão grande sob uma mesma lei e um mesmo governo. O mundo mediterrâneo tinha seu centro cultural em Roma. Uma língua comum tornou possível levar o Evangelho à maioria das pessoas do Império numa língua comum a elas e ao pregador. A Palestina, o berço da nova religião, estava estrategicamente neste mundo. Paulo estava certo ao mostrar que o cristianismo “não se fez em qualquer canto” (At 26.26), porque a Palestina era um importante cruzamento que ligava os continentes da Ásia e da África com a Europa por via terrestre. Muitas das batalhas importantes da historiai antiga foram travadas por causa da posse desta estratégica região. Nunca nas épocas antiga e medieval, as condições para a propagação do cristianismo através do mundo mediterrâneo foram tão favoráveis como no período de sua formação e durante os seus três primeiros séculos de existência. Esta é também a opinião do principal erudito do mundo em missões.

Negativamente, através da contribuição do mundo grego e romano, e positivamente, através do judaísmo, o mundo foi preparado para a “plenitude dos tempos” quando Deus enviou Seu Filho para levar a redenção a uma humanidade partida pelas guerras e fatigada pelo pecado. É significativo que, de todas as religiões praticadas no Império Romano ao tempo do nascimento de Cristo, apenas o judaísmo e o cristianismo tenham conseguido sobreviver ao curso dinâmico da história humana.