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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O Enigma de Gênesis 6.1-8

Quem eram os “Filhos de Deus” em Genesis 6?

Sobre esse comentário expositivo de Gênesis 6.1-8, talvez fosse suficiente deixar claro que o texto trata da história dos descendentes de Sete e Caim, entretanto, tratarei de outras possibilidades teológicas encontradas nesse texto. Por isso, pretendo nesse breve adendo apresentar as duas mais importantes visões sobre a narrativa mosaica, seus defensores, pontos fortes e fracos, na intenção de oferecer ao leitor informações que o ajudem a entender o dilema e refletir sobre que opção parece mais aceitável diante das escrituras.

Entretanto, uma nota introdutória a esse estudo é importante, e sobre o assunto David Merkh diz:
“Não importa a interpretação adotada, o ponto parece ser o mesmo: o pecado agora está transpondo fronteiras espirituais (sejam celestiais, sejam terrestres). O vírus do pecado virou pandemia!1”.

A idéia é que independente da opinião teológica, a ênfase essencial do texto não é perdida, e a isso Derek Kidner complementa:

“Onde a escritura é tão reticente como o é aqui, Pedro e Judas nos aconselham a retirada. Coloquemo-nos em nosso próprio lugar! Mais importante do que as minúcias desse episódio é sua indicação de que o homem não pode socorrer-se a si mesmo, seja que os setitas tenham traído a sua vocação, seja que os poderes demoníacos tenham conseguido um tento 2”.

Portanto, ainda que a definição teologia seja importante, ela não é fundamental aqui para a essência da compreensão do texto. Como veremos, todas as opções tem suas fraquezas e falhas, mas não impedem o sentido geral do texto. A opinião do autor ficará evidente, e seu favoritismo por determinada opção não deve conduzir o leitor à suas conclusões, mas certamente tornará evidente a razão de sua preferência.

1. Filhos de Deus: Anjos Caídos

A opinião provavelmente mais tradicional é de que anjos caídos são representados pelo termo “Filhos de Deus” e que em sua devassidão abandonaram seu estado original e vieram a terra para coabitar com as filhas dos homens. A razão dessa distinção não é exclusivamente lingüística, mas aparentemente textual. Os defensores dessa linha de raciocínio defendem que essa é a leitura que melhor se harmoniza com o texto. Bob Deffinbaug entende que a terminologia usada por Moisés claramente indica o fato de que “Filhos de Deus” se referem a anjos no AT. Sobre isso atesta: “Os estudiosos que rejeitam esta opinião prontamente reconhecem o fato de que o termo preciso é claramente definido na Escritura. A razão para rejeitar a interpretação dos anjos caídos é que tal opinião é tida como uma afronta à razão e às Escrituras 3”.

a. Pontos Fortes:
Alguns pontos fortes podem ser levantados:

Antiguidade do Argumento: Essa interpretação é provavelmente a mais antiga tradição e é encontrada no Códice Alexandrino, que verte o texto com o uso de termo “aggeloi” (anjo) em tradução da expressão bene há’elohim (Filhos de Deus). No livro apócrifo de Enoque 4 encontramos essa tradição expressa: “E aconteceu que, quando os filhos dos homens se multiplicaram, naqueles dias, bela e formosa filhas nasceram. E os anjos, os filhos do céu, vendo-as as desejaram, e disseram uns aos outros: “Vem! Vamos escolher por nós mesmos esposas dentre o povo, e vamos gerar para nós filhos 5”.

Uso da Expressão: No Antigo Testamento a expressão “Filhos de Deus” é usada para descrever anjos. Em Jó.1.6 lemos: “Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles” (cf. 2.1). A tradução da LXX aqui adota novamente o termo “aggeloi” e, segundo Adam Clarke, a versão caldéia usa “tropa angélica”. Nesses textos em Jó parece não haver discussão sobre usa referência, observe: “quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó.38.7). Ao analisar esse texto, são raros os que não encontram aqui uma referência angélica. Mesmo os que defendem que em Gn.6 o termo não se refere a anjos, aqui o reconhecem, como Barnes: “E todos os filhos de Deus – Anjos – chamados filhos de Deus, de sua semelhança com ele, ou a serem criados por ele 6”. Em Sl.89.6 não há qualquer suspeita: “Pois quem nos céus é comparável ao SENHOR? Entre os seres celestiais, quem é semelhante ao SENHOR?” (cf. Dn.3.25).

Origem dos Gigantes: Os defensores dessa visão entendem que os gigantes, e homens de renome do mundo antigo são apenas explicados pela união entre seres angelicais e seres humanos. Sobre isso, Deffinbaug atesta: “As mulheres ansiavam pela esperança de ser a mãe do Salvador. Quem seria o pai mais apropriado para tal criança? Não seria um “homem poderoso de renome”, que também seria capaz de se gabar da imortalidade? Alguns dos piedosos descendentes de Sete viveram aproximadamente 1000 anos de idade, mas os Nefilins não morreriam, se fossem anjos. E assim começou uma nova raça 7”.

Contexto: Segundo os defensores o uso do termo “homem” (hb. ‘adam) no verso 1 não tem qualquer distinção do termo usado no verso 2. Se filhas dos homens tem um sentido mais restrito (como sugerem os defensores da união da descendência de Sete e Caim), o texto não introduz tal conceito e, portanto não deve ser uma opção válida. Não é possível diferenciar o homem do verso 1 das filhas dos homens do verso 2.

Respaldo Bíblico: Dois aspectos são defendidos aqui:

1. As escrituras ensinam que os anjos podem fazer-se presente entre os homens (Hb.13.2) e de serem de tal forma parecido com seres humanos que foram confundido com eles (Gn.19.1). Em defesa desse fato, os que adotam essa opção apresentam o caso de Sodoma e Gomorra, ocasião que os homens de Sodoma se sentiram atraídos sexualmente pelos seres angélicos: “Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles” (Gn.19.5). Aos olhos dos sodomitas, tais anjos eram homens atraentes.

2. O Novo Testamento apresenta textos que falam sobre esse evento: “E a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do Grande Dia” (Jd. 6; cf. 2Pe.2.4). O argumento aqui é que os anjos abandonaram seu domicílio, a presença de Deus, e desceram à terra

b. Pontos Fracos:
Vamos listar alguns:

Viola a Lei Natural Estabelecida por Deus: Uma das verdades que se tem por clara e evidentes nas escrituras é que a geração sempre acontece entre criaturas da mesma espécie. Essa verdade é estampada no relato da criação, em que vemos esse fato com uma bênção divina para plantas (1.11), animais (1.23-25), diferente do homem (1.26). Não há nada no relato da criação que aceite a idéia de uma geração mista entre entidades de diferentes espécies. Se um anjo caído tem poder reprodutor, a lei da natureza ainda impediria que o fruto desse relacionamento misto fosse reprodutor, pois assim acontece na natureza hoje, e não temos razões para crer que era diferente nesse aspecto na ocasião. Outro detalhe que deve ser lembrado é que as escrituras não falam sobre seres híbridos. Para se defender desse ponto, alguns alegam que tais anjos possuíram os homens, como vemos acontecer nos evangelhos e por isso a reprodução foi possível. Entretanto, aqui há larga contradição no argumento, pois se apenas seres angélicos são opção suficiente para a existência de gigantes, um homem possuído por uma entidade angélica ainda seria o progenitor biológico, e portanto, não teria qualquer distinção entre ele e um homem não possuído.

Ignora o juízo divino: Os que defendem essa opção precisam responder por que razão o julgamento divino incluiu apenas o homem, os animais e a terra, se os causadores do problema foram seres angélicos. Se a perversão da humanidade alcançou os céus, por que nenhuma menção de juízo, repreensão divina oferecida? Se tais anjos eram malévolos, por que razão Deus não manifestou sua ira contra eles? Essa ausência sugere que seres angelicais não estavam presentes na ocasião.

Ignora a terminologia mosaica em Gênesis: Essa crítica tem três aspectos:

1. O uso do termo “anjo” em Gênesis: Em Gênesis o termo em português “anjo(s)” é visto 15x (32x no Pentateuco) e em todas as ocasiões é a tradução do termo hebraico “mal’ak”. O termo hebraico é usado 17x em Gênesis (34x no Pentateuco) e em duas ocasiões se refere a um mensageiro (32.3, 6). Ou seja, todas as vezes que se quis retratar uma figura angélica em Gênesis (e no Pentateuco), Moisés não usou a expressão filhos de Deus, mas usou o termo hebraico para tal: mal’ak. Ora, se Moisés tem um costume de se referir a seres angélicos com esse termo, por que não o fez em Gn.6?

2. O uso da expressão “tomaram para si”: A idéia da expressão não é violentaram, forçaram, ou coabitaram com as mulheres, como se esperaria de espíritos malignos. O termo é usado para descrever uniões matrimoniais. Em Gênesis 11.29, vemos um claro exemplo para isso: “Abrão e Naor tomaram para si mulheres; a de Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que foi pai de Milca e de Iscá” (cf. Gn.4.19; Jz.21.18; Rt.1.4). A NIV já assumiu o uso do termo e traduziu assim o verso: “e os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e então se casaram com qualquer quer uma que escolhessem”. A questão que fica aqui é: Por que razão os anjos caídos iriam oficializar seus relacionamentos?

3. O uso do termo Gigantes: O termo hebraico para gigantes é “nephiyl” e é também usado no Pentateuco em Nm.13.33: “Também vimos ali gigantes (os filhos de Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos”. Se tais seres são resultados de seres angélicos e humanos, temos que considerar que: (a) ou todos não morreram no dilúvio; ou (b) o evento se repetiu. Entretanto, o contexto deixa claro que nem uma coisa nem outra aconteceram. Portanto, é seguro afirmar que esses gigantes não dependem da “genética angélica”.

O suporte neotestamentário é questionável: O uso de passagens neotestamentárias para validar essa opção não é convincente e pode certamente fazer referência a outros eventos. No caso de Jd.6, o texto podemo muito bem estar se referindo a Ez.28, ou Is.14 ao falar da queda de Satanás e dos seres angelicais.

Conforme vimos até aqui, tal opção, embora defendida a muito tempo, incluindo cristãos sérios com as escrituras não parece ser a opção mais aceitável. Vamos considerar a outra opção.

2. Filhos de Deus: Descendentes de Sete

A opção adota pelo autor é certamente favorecida (em sua opinião) em função do contexto maior de Gênesis. A clara distinção entre as gerações de Sete e Caim e seus feitos sugerem que a intenção de Moisés é demonstrar a distinção entre ambas as genealogias. Entretanto, notamos que o capítulo 6 inicia como um acréscimo ao capítulo cinco e não como um prelúdio ao dilúvio. A distinção parece pequena, mas faz grande diferença.

Aos que lêem Gn.6.1-4 como o prelúdio do dilúvio, acreditam que a severidade do juízo de Deus está ligada à perversidade iniciada por seres angélicos. Por outro lado, se Gn.6.1-4 for a conclusão do capítulo cinco, encontramos um cenário parecido com o que Jesus parece ter visto nos dias de Noé: “assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca” (Mt.24.38). Ou seja, os filhos de Deus estavam tomando para si as filhas dos homens (casavam e davam-se em casamento) como demanda o ciclo da vida do homem, e pela multiplicação da humanidade, houve a multiplicação da maldade da humanidade, causadora do dilúvio. Esse simples distinção pode diferenciar o modo como lemos o texto, mas vamos às suas características.

a. Pontos Fortes:
Alguns pontos fortes podem ser levantados:

Antiguidade do Argumento: Essa interpretação também não é recente nem inovadora. Certamente não é tão antiga quanto a anterior, mas já era observada desde Agostinho, e fez história na história da interpretação cristã, sendo favorecida por Calvino e Lutero.

Contexto: “Até aqui no contexto, o contraste tem sido entre a linha de Sete e Caim; cp. 4.26 e 5.22-24 mostra a linha de Sete (Enoque) andando com Deus. A introdução de anjos/demônios nesta altura de Gênesis, especialmente uma referência tão obscura, parece estranho 8”. O contraste apresentado no capítulo 4 e 5 é agora destruído pelo desejo lascivo do coração do homem. Deve-se notar que a ênfase primária do texto é a descrição da história da humanidade, e claramente se percebe que em Gn.6 há a continuidade dessa tônica: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (v.1). Essa identificação é favorecida pela continuidade do texto, no qual Deus demonstra sua punição ao homem por sua maldade, e não os seres angélicos.

Similaridade com Gênesis: O argumento é visto de dois pontos de vista:

1. Queda: O texto de Gn.6.2 segue em parte os passos da tentação de Eva antes da queda: Ver, tomar, o que é bom, desejável, agradável. Além de termos similares serem usados aqui, o processo sugere uma interação humana e não angélica. A resposta divina em punição em ambos os casos (também similares) demonstram por fato que Deus assim se manifesta com seres humanos.

2. Lameque: A idéia de tomar para si mulheres parece seguir o padrão de Lameque que tomou para si duas mulheres. Mais uma vez, a idéia está diretamente ligada com o coração lascivo da humanidade. A idéia da poligamia aqui não é estranha ao texto, e é uma representação das atitudes da descendência de Caim, o que na descendência de Sete é novo.

A expressão “Filhos de Deus”: Moisés usa uma expressão similar a encontrada em Gn.6.2 para descrever pessoas: “Filhos sois do SENHOR, vosso Deus” (Dt.14.1; cf. Dt.32.5). Nessa expressão “filhos do Senhor” (hb. banim YHWH) é uma clara descrição de seres humanos, e nenhuma razão há para se dizer que se trata de seres angelicais. Diversas vezes no AT a nomenclatura de “filho” de Deus faz referência ao povo de Deus (Sl 73.15; Is 43.6; Os 1.10, 22.1). Todas essas designações demonstram que a terminologia não exige a identificação dos filhos dos homens com os seres angélicos, e que o modo mais natural de ser entendido é em referência a seres humanos.

A terminologia mosaica: Três aspectos devem ser ressaltados:

1. Ainda que Moisés tenha feito aqui uso de uma expressão que na pena de outros autores foi usada para descrever seres angelicais, esse termo jamais foi usado para descrever demônios. Parece extremamente estranho às Escrituras chamar um anjo caído (demônio) de Filho de Deus. Por outro lado, parece repulsivo e injusto que anjos-não-caídos tenham feito isso sem se tornarem culpados por suas ações, ou sem alguma repreensão de Deus.

2. Moises quando se refere a seres angélicos usa exclusivamente o termo hebraico mal’ak, como já temos demonstrado. Portanto, é sensato esperar que se quisesse transmitir a idéia de seres angélicos teria usado o termo que lhe é comum.

3. Moisés usa a expressão “tomaram para si mulheres” que é usado normalmente por ele para descrição de casamento (Gn.4.19; 11.29). Entretanto, se o texto tratar de anjos se casando, essa informação está em franca contradição com a realidade angélica, pois eles não se casam nem se dão em casamento (Mc.12.25; cf. Mt.22.30; Lc.20.25).

Caráter profilático de Gênesis: Em diversos aspectos o livro de Gênesis é profilático: No que se refere a cosmogonia, Gênesis é uma clara correção ideológica. No que se refere ao conhecimento de Yahweh, como Deus de Israel, Gênesis é um auto-desvendamento de Deus e de suas Obras e Caráter. No que se refere a história do povo de Israel, Gênesis demonstras os perigos do jugo desigual. Embora nenhuma palavra tenha sido demonstrada em favor da preferência de Yahweh pela manutenção da descendência de pessoas que invocavam a Deus, sua vontade é claramente demonstrada em sua punição. O pecado de Lameque é aumentado pelos filhos de Deus, que optam por casar em conformidade com seus desejos lascivos, e não segundo a recomendação de Deus. Essa designação também seria profilática ao povo a quem Moisés escreveu o livro, que sofria os assédios do casamento misto.

b. Pontos Fracos:
Embora seja essa a preferência ela também tem suas dificuldades, observe:

Definição: Essa interpretação tem dificuldades em restringir o significado de algumas expressões usadas no texto, observe:

1. Filhos de Deus: Um dos problemas dessa interpretação é a definição de “Filhos de Deus” como referência aos descendentes de Caim: Em nenhum lugar essa nomenclatura é usada para descrever os setistas. Não há evidencias contextuais que suportem essa visão: ” Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1). Não há evidências que se encontre uma distinção entre os homens desse verso, usado de modo genérico ou geral, com as filhas dos homens, de modo específico, como sugere a interpretação dos casamentos mistos.

2. Filhas dos homens: Do mesmo modo, não podemos encontrar razões lingüísticas para definir filhas dos homens como um grupo distinto de dentre o todo da humanidade. Observe que Moisés disse que: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1). Não existe nenhuma evidência que faça distinção entre as filhas do verso 1 e as do verso 2.

3. Nephilim: “De maneira nenhuma fica claro porque a descendência de casamentos mistos deveria ser Nephilim-Gibborim, no entanto estes devem ser entendidos dentro do alcance da interpretação possível… Mas sua (a do autor bíblico) referência ao ato conjugal e à gestação encontra justificativa apenas se ele estiver descrevendo a origem dos nephilim-gibborim. A menos que a dificuldade que se segue a esta conclusão possa ser superada, a interpretação do casamento misto da passagem deve ser definitivamente abandonada 9”.

Contexto: Observe alguns detalhes importantes:

1. Contraste entre as Genealogias: Nada indica no contexto que todos os descendentes de Sete teriam sido piedosos e que os de Caim teriam sido infiéis. O que o contraste entre as genealogias apresenta entre pessoas de ambas as genealogias e sua relação com Deus. Na verdade, o contraste entre as genealogias está sendo supervalorizado nessa interpretação.

2. Descrição das Genealogias: Em nenhum lugar a descrição da genealogia de Caim apresenta sua descendência como tendo filhos e filhas. Sabemos que existiram filhas, mas se o contraste em Gn.6 exige que as filhas dos homens fossem descendentes de Caim, seria interessante encontrar alguma evidência disso no contexto. Enquanto na descendência de Caim a expressão “filhas” não é utilizada, na de Sete é usada nove vezes.

3. Implicações da Genealogia: a descrição de gênesis demonstra que apenas Noé era alguém justo, embora a descendência de Sete tivesse diversos exemplares no mesmo período. Ou seja, não se pode presumir que toda a descendência de Sete era formada por homens piedosos, como a interpretação sugere.

Em função de ser essa a opção adotada pelo autor, alguns comentários em réplica a esses pontos fracos podem ser feitos e sua força pode ser minimizada:

Sobre a Definição de termos:

1. homens e Filhos de Deus devam ter alguma distinção exegética ou lingüística para basear o argumento. Como não encontram rejeitam a interpretação. Entretanto, deve-se dizer que a distinção não é exegética, mas hermenêutica. Moisés estabelece um claro contraste entre as descendências, como o fará mais a frente com outras genealogias, e tal contraste antecedente ao relato de Gn.6 sugere que tal contraste está se perdendo. Ou seja, essa interpretação exige que os descendentes de Sete não estão tomando seu relacionamento com prioridade, de modo que nos dias de Noé ele apenas era descrito como homem justo. Segundo essa interpretação a decadência do homem atingiu até mesmo aqueles que passaram a invocar a Yahweh.

2. Nephilim: Nada é mais mítico do que pensar que tal descendência exige DNA angélico, e entra em contradição com Nm.13.33, que descreve esses homens novamente. Essa “necessidade” só é vista nos olhos daqueles que precisam enxergar no texto seres angélicos e precisam somar argumentos para se defender.

3. Yahweh e Elohim: Os que criticam essa visão não percebem o uso intercambiável que Moisés faz dos termos Yahweh e Elohim, Portanto, se em Enos se inicia a invocar a Yahweh e em Gn.6 os filhos de Elohim estão se casando com as filhas dos homens, eles não podem fazer parte do mesmo grupo. Se invocar pode ser identificado como “ser chamado pelo nome de Yahweh”, ser filho de Elohim pode se referir a esse grupo. Observe, não há exigência exegética, há possibilidade hermenêutica. Essa distinção é importante para a interpretação.

Sobre o Contexto:

1. Supervalorização das Genealogias: Na verdade o contraste entre as genealogias parece supervalorizado para os que defendem outra interpretação, e por isso tendem a minimizar tal contraste. De fato, o argumento é montado sobre o contraste entre as genealogias, mas não de modo a supervalorizar, mas de considerar a seqüência textual: Gn.6.1-4 é um adendo a realidade descrita nos dois capítulos anteriores: é uma breve explicação do que acontecem com o passar de muito tempo, até mesmo os homens fiéis se perverteram.

2. Descrição das Genealogias: Parece ingênuo inferir que pelo fato de Moisés não usar o termo “filhas” na genealogia de Caim, a expressão “filhas dos homens” não pode ser uma referência textual. O valor dessa crítica é numérica: ela soma-se a outras, e portanto, o número de críticas parece maior. Do ponto de vista da hermenêutica desse texto, tal argumento parece irrisório.

3. Implicações da Genealogia: O ponto levantado pelos contrários a nossa visão do texto apresentam exatamente o que pensamos sobre ele: No período de Noé ele era o único justo (pela fé), por isso apenas ele e sua família foram favorecidas por Deus. Esse é o clímax do texto: Até mesmo aqueles que invocavam o nome de Yahweh se extraviaram.

Diante da análise de prós e contras, tendo a crer que tal opção é favorecida por questões hermenêuticas e lingüísticas. Entretanto, outros críticos poderiam encontrar nessa apresentação e defesa outros motivos de crítica. Por isso, é recomendável ao leitor municiar-se de comentários e procurar orientar-se diante da palavra de Deus. O alerta de Merkh e Kidner no início dessa análise merece atenção aqui novamente:

“Não importa a interpretação adotada, o ponto parece ser o mesmo: o pecado agora está transpondo fronteiras espirituais (sejam celestiais, sejam terrestres). O vírus do pecado virou pandemia! 10”.

“Onde a escritura é tão reticente como o é aqui, Pedro e Judas nos aconselham a retirada. Coloquemo-nos em nosso próprio lugar! Mais importante do que as minúcias desse episódio é sua indicação de que o homem não pode socorrer-se a si mesmo, seja que os setitas tenham traído a sua vocação, seja que os poderes demoníacos tenham conseguido um tento 11”.

Conclusão

É bem verdade que poderíamos encontrar mais opções: Krell sugere mais duas possibilidades: Filhos de Deus como descrição de homens valentes do passado; Filhos dos homens como uma designação de filhos de Adão em termos gerais. A primeira leitura foi defendida por Flávio Josefo (Antig. Cap.3, 10, CPAD, pp.50) e pelo Targun de Onkelos e o supostamente de Jonatas Ben Uzziel. A segunda é bem menos familiar e o próprio autor não apresenta muitas defesas dessa opção.

O que é fato, e deve ser lembrado com clareza, é que nenhuma das duas principais opções apresentadas aqui interferem nas linhas gerais do texto: Ambas apresentam o papel devastador do pecado e sua conseqüência no dilúvio. Portanto, apesar da franca preferência do autor aqui pela interpretação da miscigenação, o leitor pode ter por certo que outros comentaristas ainda mais recomendados preferirão outras opções e que tais distinções não são fundamentais para o entendimento geral do texto. Assim, convido o leitor à crítica da minha posição em direção ao entendimento da passagem.
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1 MERCK, David, Graça e Desgraça.
2 KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.79.
3 DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-8). Bible.org
4 Livro provavelmente escrito por volta de 300-200 a.C.
5 Old Testamente Greek Pseudoepigrafica. Traduzido por Craig Evans. A mesma idéia é vista na tradução de R.H. Charles Litt (The apocrypha and pseudoepigraficaofthe Old Testament in English).
6 BARNES, Albert, Notes on the Bible.
7 DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-8). Bible.org
8 MERCK, David, Graça e Desgraça.
9 KLINE, Meredith G., Divine Kingship and Genesis 6.1-4. Westminster Theological Journal, XXIV, Nov, 1961 – Mai 1962, pp.190. IN: DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-8). Bible.org
10 MERCK, David, Graça e Desgraça.
11 KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.79