terça-feira, 30 de junho de 2015

Inscrição em vaso da época do Rei Davi revela nome que, até agora, só aparecia na Bíblia


Quando esteve no Brasil em 2014, apresentando palestras no I Seminário Internacional de Arqueologia da ABAMO, o Dr. Yosef Garfinkel relatou terem sido encontradas duas inscrições nas escavações de Khirbet Qeiyafa, dirigidas por ele. A primeira, do séc. X a.C., que já havia sido publicada em 2008, apresenta cinco linhas de texto e faz menção a rei, juiz e escravos. Quanto à segunda, o Dr. Garfinkel não revelou seu conteúdo, uma vez que ainda estava sob restauração e análise nos laboratórios da Autoridade de Antiguidades de Israel (AAI). Nesta semana, essa segunda inscrição foi publicada.

Essa inscrição, também do séc. X a.C, contém uma única linha, gravada próxima à boca de um grande jarro cerâmico, que era geralmente usado para armazenagem de grãos e outros produtos agrícolas, cujos fragmentos foram descobertos em 2012, em Khirbet Qeiyafa. Nela, em escrita Proto-Canaanita, precursora do Hebraico antigo, lê-se: “Propriedade de Eshba'al ben Beda”, isto é, “Propriedade de Es-Baal filho de Beda”.

O nome Es-Baal significa “homem de Baal”. Até então, não se conhecia ninguém da antiguidade com esse nome, exceto o quarto filho do rei Saul, mencionado na Bíblia, em I Crônicas 8:33 e 9:39. Em II Samuel 2:8 ele também é mencionado, porém sob o nome de Is-Bosheth. A modificação no nome se deve ao fato de que alguns judeus evitavam dizer ou escrever o nome do deus Baal. No lugar dele, fazendo um trocadilho, usavam a palavra “bosheth”, que significa “vergonha”.

A inscrição recentemente encontrada, porém, não se refere a “Es-Baal, filho de Saul” e sim a “Es-Baal, filho de Beda”. Pelo que tudo indica, são duas pessoas distintas. Mas é muito significativo que um nome que não ocorre em nenhum registro histórico de séculos posteriores, apareça apenas num contexto arqueológico do séc. X a.C., justamente a época em que os textos hebraicos dizem que esse nome era usado.

Até recentemente, acreditava-se que as antigas escrituras hebraicas não poderiam ter sido produzidas muito antes do séc. X a.C. porque praticamente não havia evidência de que a escrita já tivesse se desenvolvido o suficiente para isso nos séculos anteriores. Portanto, a conclusão lógica era de que as escrituras hebraicas foram produzidas muitos séculos após os eventos que pretendem retratar. Pela mesma lógica, acreditava-se não ser possível a existência do Reino de Davi e Salomão, descritos na Bíblia, porque um reino requer, no mínimo, a existência de um sistema de escrita muito bem desenvolvido. Em 2002, por exemplo, referindo-se à descoberta do “livro da Lei” mencionada em II Reis 22:8, Israel Finkelstein, um dos mais renomados arqueólogos da atualidade, escreveu: “Para sumarizar, não há dúvida de que uma versão original [isto é, recentemente escrita] de Deuteronômio é o livro da Lei mencionado em II Reis. Ao invés de ser um livro antigo que foi de repente descoberto, parece seguro concluir que foi escrito no sétimo século a.C., pouco antes ou durante o reinado de Josias.”

(Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman. The Bible Unearthed. New York: Simon and Schuster, 2002, p. 281. Frase entre colchetes acrescentada por este autor).

Contudo, recentemente, foram descobertas nada menos do que quatro inscrições datadas do final do séc. XI e começo do séc. X a.C, a época do Rei Davi, uma em Jerusalém, uma em Beth-Shemesh e, agora, duas em Khirbeth Qeiyafa.

Segundo o Dr. Yosef Garfinkel, responsável por sua descoberta e publicação, essa nova inscrição “muda completamente nossa compreensão da distribuição da escrita no Reino de Judá. É claro agora que a escrita era muito mais difundida do que se pensava. Parece que a organização do reino requeria uma estrutra de escrivães e escritores, e sua atividade manifesta-se na descoberta dessas inscrições.”
(Israel Ministry of Foreign Affairs: http://mfa.gov.il/mfa/israelexperience/history/pages/who-are-you-eshbaal-ben-beda-16-jun-2015.aspx, em 16/junho/2015).

O fato de que o nome de Es-Baal está inscrito em um jarro sugere que ele era uma pessoa importante e, aparentemente, proprietária de uma grande propriedade rural. Isso é clara evidência de estratificação social, da existência de uma classe que controlava a economia justamente quando, segundo as escrituras hebraicas, estava se formando o Reino de Judá.

Os achados de Khirbet Qeiyafa indicam que, qualquer que seja a época em que os textos bíblicos foram escritos, eles preservam muitas memórias, essencialmente históricas, de personagens, acontecimentos e contextos sociais. Como disse o próprio Dr. Garfinkel: "É fascinante ver a correlação entre o texto bíblico e o texto arqueológico."

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