quarta-feira, 25 de março de 2015

Os Judeus Helenistas e a Primeira Expansão Cristã: Questões de Narrativa, Visibilidade Histórica e Etnicidade no livro dos Atos dos Apóstolos

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GRÉCIA E ROMA. (Pedro Paulo Funari) Download completo


Este livro foi pensado para todos aqueles que também queiram encontrar na Antiguidade um mundo cheio de mistérios e encantos, um mundo a ser explorado nas páginas que seguem. Quero passar um pouco do fascínio da Grécia e de Roma e levar à leitura de outras tantas obras da Antiguidade ou sobre ela. Quando fui pensar o que contar sobre essas duas grandes civilizações, deparei-me com as dificuldades de selecionar alguns aspectos da Grécia e de Roma. Com tantas coisas interessantes, decidi tratar um pouco de tudo que é importante para nós, hoje em dia. Nossa sociedade moderna liga-se, de muitas maneiras, às civilizações clássicas e sempre há grande interesse pelos mais variados aspectos da cultura antiga que se fazem manifestar, de forma mais ou menos explícita, aqui ou ali, gerando primeiro a curiosidade e, em seguida, o interesse por saber mais. Democracia e teorema de Pitágoras, República, o Direito romano são temas que estão presentes em nosso cotidiano, em geral descontextualizados sem que se possa entender bem seu sentido, a que se referem.

Este livro visa, assim, introduzir o leitor nesses contextos. Por se tratar de um livro leve, não usei notas, nem citei muitos autores. Mais importante do que os nomes de autores, são suas idéias e são estas que nos interessam. Para atender a uma coleção como esta, que busca "repensar a História", foram introduzidas, no decorrer do volume, diversas discussões recentes sobre o mundo antigo, apresentando não apenas um, mas vários pontos de vista, a fim deque os leitores possam ter uma noção mais precisa das várias maneiras de pensar essas sociedades. Sempre desconfiei dos relatos da História que afirmavam que "as coisas foram assim e ponto". Certa vez, quando estava na sétima série, discordei do que dizia o livro e a professora acusou-me de "tapado". Ou seja, "verdades" absolutas nos levam à dúvida, o que é muito salutar e procurei preservar este gosto pela diversidade. Uns dizem isto, outros aquilo, cabe a nós fazermos nossa própria cabeça. Ou como diziam os antigos: de omnibus dubitandum (o que nada tem a ver com o ônibus): "Deve duvidar-se de tudo".

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LIVRO GRÉCIA E ROMA DE PEDRO PAULO FUNARI EM PDF
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segunda-feira, 23 de março de 2015

David Hume e Epicuro: sobre o Mal


Talvez você já ouviu falar do “Problema do Mal”. A expressão se refere à mais difícil pergunta da história da teologia cristã: Se Deus é onipotente e bondade, por que ele permite a existência do mal e do sofrimento? Afinal, o que quer a expressão "Problema do Mal"? Antes de tudo, é importante reconhecermos que o mal não é necessariamente um problema no sentido filosófico do termo. O conceito de problema pode ser invertido aqui. Por exemplo, uma perspectiva pessimista e ateísta que afirma a realidade do mal como experiência básica da realidade e nega o divino e o bem, teria de enfrentar o “problema do bem”. Explicando melhor: “se o universo não tem propósito e é absurdo (como sugerem alguns existencialistas ateus, por exemplo), como explicar a experiência do belo, do inefável e do prazer”? Não seria esse um grande problema filosófico? Como disse o famoso biblista autraliano Francis I. Andersen: "A rigor, a desgraça humana, ou o mal em todas as suas formas, é um problema somente para a pessoa que crê num Deus único, onipotente e todo amoroso". Isso significa que outras religiões e filosofia não enfrentam um dilema, no sentido de terem de explicar a existência do mal.Mesmo assim, o mal ainda permanece um problema para todos os sistemas de pensamento por causa da questão do sofrimento.

A tentativa cristã de lidar com esse tripé "Deus todo-poderoso", "Deus todo-amoroso" e "existência do mal", mostrando que a despeito do mal, Deus continua justo, bom e poderoso foi historicamente denominada Teodicéia. A palavra foi cunhada em 1710 pelo filósofo alemão Gottfried Leibnitz (1646-1716). Seu sentido é "justificação de Deus" (do grego theós "Deus" e dikê"justiça"). A dificuldade do problema foi bem definida pelo filósofo escocês David Hume (1711-1776) numa retomada do antigo filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.). Conforme escreveu David Hume: “As antigas perguntas de Epicuro permanecem sem resposta. Quer ele (Deus) impedir o mal, mas não é capaz de fazê-lo? Então ele é impotente (i.e, não é onipotente). Pode ele fazê-lo, mas não o deseja? Então ele é malévolo. Não é ele tanto poderoso como o deseja fazê-lo? De onde, pois, procede o mal?

O problema do mal também é discutido e compartilhado pelo judaísmo e islamismo. A importância da discussão na tradição judaica foi expressa por Nachmânides quando se referiu ao problema do mal como “a questão mais difícil que se encontra tanto na raiz da fé quanto da apostasia, com a qual estudiosos de todas as épocas, povos e línguas têm lutado”.

Historicamente, na tentativa de construir-se essa explicação que procura manter a justiça de Deus diante do mal, vários tipos básicos de teodicéia foram elaborados. Os principais tipos respondem ao problema assim:

A TEORIA DO LIVRE-ARBÍTRIO

É a posição clássica das religiões monoteístas. Ela afirma que Deus permite o mal e o utiliza para fins bons. Deus permite o mal para produzir um bem maior. Nunca foi elaborada solução mais razoável e esperançosa do que a judaico-cristã. Para explicar a origem do mal, afirma-se que o mal sempre seria uma possibilidade, visto que Deus criou seres dotados de vontade livre. E para que fossem de fato livres, e não máquinas, tais seres sempre teriam a possibilidade de optar contra a vontade de Deus, dando assim origem ao mal. Portanto, a única saída para a impossibilidade plena do mal seria a inexistência de seres pessoais livres, o que nos daria um universo mecanicista, composto de seres impessoais, destituídos de arbítrio. Os defensores dessa posição ainda argumentam que Deus apenas permite o mal, o que é diferente de ser autor direto do mal, por razões e finalidades boas que não compreendemos plenamente agora. Evidentemente, a força desses argumentos depende de suas pressuposições. O argumento teísta clássico afirma que o mal pode ter início no bem, embora isto nunca seja de modo essencial. Não há derivação essencial do bem para o mal. Isso é compreensível, pois segundo o teísmo clássico o mal não existe enquanto substância, conforme mostrou Agostinho, ou seja, o mal não possui existência plena. É como a ferrugem que atinge o ferro. Não existe um ferro totalmente enferrujado, pois esse deixaria de existir. Assim como a ferrugem existe em função do ferro como elemento parasita e destruidor, também o mal só existe em função do bem.

A TEORIA PEDAGÓGICA

Numa teodicéia pedagógica o enfoque é deslocado da origem do mal e é colocado principalmente nos possíveis bons resultados da experiência do sofrimento. A idéia é que a experiência do sofrimento (mal) é um benefício indispensável para o desenvolvimento das capacidades humanas, do contrário a humanidade permaneceria eternamente na infância. Argumenta-se, por exemplo, que um pouco de sofrimento aumenta a nossa própria satisfação com a vida e que um sofrimento maior e mais intenso desenvolve em nós uma maior profundidade de caráter e de compaixão. Além disso esta posição enfatiza a realidade de que vivemos em um mundo regulado por leis naturais e que boa parte do mal existente no mundo decorre da atuação destas leis. Deveria Deus ter criado um mundo desprovido de ordem natural para satisfazer a vontade de cada um? Isso seria bom? Todavia, há duas grandes dificuldades aqui: 1) nem sempre o sofrimento produz maturidade e aprendizado. Muitas vezes o que fica é ódio e amargura; 2) em alguns casos não há muito o que aprender e o preço pago é muito alto. Quando milhares de pessoas morrem em uma guerra, devemos perguntar: que tipo de pedagogia é essa que mata seus próprios alunos?

A TEORIA ESCATOLÓGICA

Uma teodicéia escatológica diz que há esperança para o problema, pois ela está baseada na convicção de que a vida transcende a morte e que justiça e injustiça receberão sua devida recompensa. As perspectivas variam desde uma esperança entre o inaugurar de uma nova história humana por meio da ressurreição ou ainda como uma vida em um reino celestial após a morte. O futuro tem a resposta e a solução do que acontece no presente. Apesar de essa ser uma das esperanças mais enfatizadas pelas religiões monoteístas, muitos descartam esta possibilidade e questionam que tipo de reparação pode haver pela desgraça atual. Alguém que teve sua família arruinada e assassinada repentinamente pode de fato ter tal sofrimento “reparado”? Será possível isso?

A TEORIA DA TEODICÉIA PROTELADA

É uma postura de expectativa e fé em Deus a despeito do mal. A fé na soberania e bondade finais de Deus espera a compreensão de todas as questões. A diferença entre essa teodicéia e a teodicéia escatológica é a seguinte: na teodicéia protelada espera-se mais uma compreensão do que uma compensação final do mal. Argumenta-se que as limitações humanas e a tremenda distância que separa Deus do homem não nos permitem conhecer as razões da permissão do mal agora. Deve-se destacar ainda que tal posição também é diferente da idéia que sugere ser impossível avaliar o comportamento de Deus.

A TEORIA DA TEODICÉIA DE COMUNHÃO

Para muitos, a experiência do sofrimento leva o homem a encontrar motivos para romper com o divino. Essa é, por exemplo, a fonte do ateísmo, do agnosticismo e do antagonismo religioso. A Teodicéia de Comunhão enfatiza que Deus é principalmente percebido e conhecido no sofrimento. O Deus verdadeiro é aquele que se compadece. É o Deus que sofre com suas criaturas e que, de certa forma, é vítima do mal, juntamente com elas. Esta teodicéia não explica o sofrimento imerecido. Todavia, transforma a visão sobre o sofrimento, pois o sofrer por um propósito justo é fazer a vontade de Deus e torná-lo conhecido. O sofrimento é a grande oportunidade para Deus e o homem entrarem em comunhão e colaboração. O sofrimento é transcendido e aquilo que parecia ser o pior é visto como a ocasião da mais intensa experiência religiosa.

A Rejeição da Resposta Cristã

No panorama da história, muitas correntes de pensamento apresentaram soluções alternativas para o problema, sem a intenção de justificar a Deus. Vamos apresentar um resumo daquelas posições filosóficas que tratam o problema do mal com um enfoque distinto do teísmo ou da teodicéia. As diversas propostas de resolução das relações entre o divino e o mal serão delineadas, destacando os seus principais representantes.

ALGUNS NEGAM A EXISTÊNCIA DO MAL

O Mal é visto como ilusão. Essa perspectiva é encontrada em conceitos monistas e panteístas. A tensão entre Deus e o mal é resolvida pela negação do mal. A cosmovisão hindu (ensinos Vedanta), Zenão (336-274 a.C.) e Spinoza (1632-1677) são exemplos desta perspectiva. Spinoza, por exemplo, chega a afirmar que o mundo parece cheio de mal apenas porque é visto de uma perspectiva humana estreita e errônea. Da perspectiva divina, porém, o mundo forma um todo necessário e perfeito. A dificuldade dessa posição é provar que os sentidos não merecem confiança alguma, visto que eles apontam para a realidade objetiva do mal. Além disso, os defensores dessa perspectiva precisam responder por que tal "ilusão" é tão comum e se mostra persistente na história humana? Que conhecimentos nos levam a tal conclusão? Seria tal conclusão uma ilusão também?

Alguns Negam a Existência de Deus

Essa é a perspectiva do ateísmo. É a negação da realidade de Deus. Os ateus opõem-se diretamente aos “ilusionistas”. Afirmam a realidade do mal com base nos sentidos e negam a realidade de Deus, cuja existência é incompatível com o mal. O pensamento ateísta sistematizado desenvolveu-se nos últimos dois séculos de história da filosofia ocidental, fruto do racionalismo. Os principais argumentos ateístas são: 1) Deus e o mal são mutuamente excludentes: se o mal existe, logo Deus não pode existir; 2) Se Deus existisse, ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de bondade por permitir o mal; 3) Se Deus existisse ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de poder visto que permite o mal.

Essa perspectiva é encontrada no budismo que pressupõe uma alienação entre o homem e o universo. O universo é impessoal e opera por causa e efeito. Não existe a figura de Deus, o sofrimento decorre da vontade humana e a sua solução se dá de maneira individual e existencial. Por isso o budista anseia pelo estado impessoal no nirvana. Esse pessimismo também encontra exemplos no pensamento grego clássico. Hegesias de Cirenaica ensinava ser a vida sem valor e que o único bem, que nunca seria alcançado, seria o prazer. Todavia esse pessimismo não marca o pensamento helênico propriamente dito que, de modo geral, acreditava na vitória sobre o mal por meio da virtude e da sabedoria.

É no pensamento europeu contemporâneo que encontraremos um exemplos dessa posição: Arthur Schopenhauer (1788-1860). Há também filósofos existencialistas ateus que enfatizam o absurdo da realidade, vendo o homem como um ser sem saída. Os principais são Jean Paul Sartre (1905-1980) e Albert Camus (1913-1960), famoso por sua obra “A Peste”. Schopenhauer cria que a realidade última é a cega vontade irracional de viver que a todos impulsiona. Tal vontade transcendental é essencialmente má, particularmente pelo fato de haver criado o nosso corpo com desejos que não podem ser satisfeitos. O sofrimento é causado pelo desejo incessante que nunca pode ser plenamente atendido. A dor e a ilusão são inevitáveis. A maior tragédia humana é o fato de ter o homem nascido.

Entre o pensamento judaico-cristão e as alegações ateístas têm surgido propostas problemáticas e incompletas que merecem ser mencionadas.

1. Negação da bondade de Deus. Deus pode ser poderoso, mas é visto como mau e comprometido com a desgraça e o sofrimento.

2. Negação do poder de intervenção de Deus. O bem não tem poder infinito sobre o mal. Essa é a posição deísta, da teologia do processo e do teísmo aberto. Fundamenta-se na realidade da persistência do mal. O bem parece não ter poder para destruí-lo.

3. Negação do poder original de Deus. Deus foi obrigado a criar um mundo mau. Deus, sendo limitado, tinha necessidade de criar um mundo e não pode impedir que este fosse mau.

4. Negação da onisciência divina. Deus não podia prever o mal. Deus é criador, e justo, mas não é plenamente onisciente.

5. Negação da imanência divina. Deus não pode ser avaliado pelos nossos padrões morais. Desse modo não é necessário defender sua conduta. Suas ações estão numa esfera de atuação que não podemos julgar.

A verdade é que o Problema do Mal permanece como a questão mais difícil da história da teologia. As outras tentativas de resolve-lo parecem apenas tê-lo complicado ainda mais. A esperança cristã continua afirmando uma mistura das teodicéias aqui apresentadas. Mas a sua essência ecoa por toda a história: Deus permite o mal e o utiliza para fins bons, e Deus permite o mal para produzir um bem maior. Por isso, vivemos pela fé e sempre na esperança.

quinta-feira, 19 de março de 2015

de Saulo para Paulo?


Ele não mudou. Muitos supõem equivocadamente que Deus mudou o nome de Saulo para Paulo após Saulo se converter do judaísmo para o Cristianismo, o que aconteceu durante seu encontro com Cristo no caminho para Damasco (Atos 9, 1-9). Ao contrario da mudança que Jesus fez do nome de “Simão” para “Pedro”, significando o papel especial que ele teria na Igreja (Mateus 16,18), no caso de Paulo não houve nenhuma mudança.

Paulo de Tarso nasceu judeu, “circuncidado no oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, um hebreu parente dos hebreus, em observância da lei dos fariseus” (Filipenses 3,5)
O nome hebreu dado de seus pais a ele era Saulo, mas, como seu pai era um cidadão romano (e, no entanto, Saulo herdou a cidadania romana), Saulo também tinha o nome latino “Paulo” (Atos 16,37), o costume de dois nomes começou a se tornar comum nessa época. 

Como ele nasceu em um ambiente fariseu rigoroso, o nome Saulo era o nome mais adequado para usar. Mas depois de sua conversão, Saulo decidiu mudar seu nome para anunciar o Evangelho aos gentios, então ele “limpou” o seu nome romano e se tornou conhecido como Paulo, nome que era conhecido entre os gentios.

Adotar um nome romano fazia parte do estilo missionário de Paulo. Seu método era se aproximar das pessoas e lhes transmitir o Evangelho numa linguagem e estilo nos quais elas poderia entender. Nós deveríamos copiar de Paulo o seu trabalho apologético. Não, nós não precisamos adotar outros nomes, mas nós deveríamos nos empenhar mais na anuncio para as pessoas. Nós deveríamos anunciar para as pessoas no estilo delas, o máximo que pudermos, e querer as ajudar a resolverem seus problemas. Nós não devemos levantar polemicas sobre as pessoas sem antes as terem conhecido. 

Como Paulo explicou:

"Embora eu seja livre em relação a todos, tornei-me o servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Com os judeus, comportei-me como judeu, a fim de ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei - embora eu não esteja sujeito à Lei -, a fim de ganhar aqueles que estão sujeitos à Lei. Com aqueles que vivem sem a Lei, comportei-me como se vivesse sem a Lei, - embora eu não viva sem a lei de Deus, pois estou sob a lei de Cristo -, para ganhar aqueles que vivem sem a Lei. Com os fracos, tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo. Faço tudo isto por causa do Evangelho, para me tornar participante dele". (1 Coríntios 9,19-23)

As Civilizações do Oriente Próximo na Construção da Religião dos Hebreus


A história das religiões e religiosidades da humanidade está profundamente ligada na necessidade de achar respostas para a complexidade de sua existência. Medo do desconhecido, anseios, sentimentos de perda, são terrenos férteis para a criação de crenças no sobrenatural, notadamente entre as pessoas com pouco conhecimento das leis que regem a natureza, onde estas crenças e rituais religiosos procuram preencher este vazio imanente presente em nosso consciente, e que na verdade nada mais são do que produções humanas intrinsecamente enraizadas na esfera da cultura e que propõem estabelecer um conceito e uma filosofia histórica.
Nesse aspecto, de acordo com Fustel de Coulanges[1], foi diante da morte que o homem, pela primeira vez, teve a ideia do sobrenatural e tentou vislumbrar mais do que seus olhos humanos podiam mostrar-lhe. A morte foi, pois, o seu primeiro mistério, colocando-o no caminho de outros mistérios, elevando seu pensamento do visível para o invisível, do transitório para o eterno, do humano para o divino.
Essas criações humanas do sobrenatural começaram a pender para o ostracismo, sobretudo pelo avanço da ciência a partir do século XIX. A História como ciência, eivada pelas descobertas da arqueologia nos estudos dos fósseis, da antropologia, da geografia, da filosofia, do estudo das religiões comparadas, bem como das demais ciências humanas, nos proporcionaram enxergar a raiz destas manifestações.
Infere-se, portanto, que as primeiras civilizações, sobretudo as mesopotâmicas, de onde vimos nascer a escrita, os códigos de leis, a arte da guerra e as instituições, bem como rivalidades e modos de vida que até hoje ainda existem em algumas partes do mundo, nos legaram também a religião, influenciando, no caso das civilizações do Oriente Próximo, todo o mundo ocidental.
Essa religiosidade perpassa milênios e inúmeras civilizações dentre Sumérios, Acádios, Hititas, Babilônios, Assírios, Persas, Egípcios, Romanos, entre outros, que ao longo do tempo foram se transformando e evoluindo, mas que não ficaram alheias a diferentes interpretações e enxertos ao longo desse processo.
Muito embora a Bíblia hebraica nos encaminhe para uma religião com características originais, dentre as quais a de ser monoteísta desde a sua essência, uma análise mais acurada e despida de preconceitos nos permite entender que tais características começaram a delinear-se somente a partir do século VII AEC e que, por conseguinte, ajudaram a esculpir os futuros pilares do Cristianismo.      
 2 ELEMENTOS DA RELIGIOSIDADE DAS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA MESOPOTÂMIA E EGITO ANTIGO
 Os alicerces de nossa sociedade atual, sobretudo dos ocidentais, remontam as primeiras civilizações que habitavam a região entre os rios Tigre e Eufrates no Oriente Próximo a cerca de pelo menos 6.000 anos atrás. Ali, em meio a diversas sociedades que existiram uma após a outra, travando guerras de conquistas, suas culturas também foram sendo assimiladas umas após a outra, acrescentando um ou outro elemento de suas próprias características, não sendo diferente no aspecto da religião.
Por muito tempo, as histórias sociais e políticas, bem como as do aspecto da religiosidade dessas antigas civilizações, permaneceram quase desconhecidas, sendo a Bíblia a única forma de se conhecer algumas características dessas sociedades, tratando do tema quase sempre por olhares etnocêntricos. Entretanto, os avanços científicos na área das ciências humanas, permitiram que historiadores e especialistas no estudo dessas sociedades desenvolvessem pesquisas o que nos possibilitou conhecer e compreender melhor como elas viviam e como tratavam seus problemas de aspecto moral, o que vestiam, bem como suas preferências, entre muitas outras.
Os estudos que o pesquisador Federico A. Arbório Mella[2], dentre outros historiadores e arqueólogos, desenvolveu com base em escavações empreendidas nas cidades antigas da Mesopotâmia, permitiu concluirmos que todos os povos da antiguidade, incluindo os hebreus, tinham práticas religiosas politeístas, ou seja, conservavam uma variedade de deuses o que se denominou chamar de Panteão e que representavam os elementos da natureza (água, ar, Sol, terra, etc), bem como apresentavam outras inúmeras características mitológicas semelhantes.
Dentre essas civilizações, os Sumérios, reconhecidos pelo desenvolvimento da primeira forma de escrita no mundo pela introdução de caracteres cuneiformes em tabuas de argila, ocuparam a região da Mesopotâmia por volta do quarto milênio AEC. Deslocando-se do planalto do Irã estabelece-se na região da Caldeia, que compreende a Baixa e a Média Mesopotâmia, tendo Quish como primeira cidade fundada, seguida por Eridu, Nipur, Ur, Uruk e Lagash.
 Desenvolveram uma civilização grandiosa em feitos e descobertas que serviram de base para outros povos da Antigüidade. Desde a chegada dos Sumérios até a formação do primeiro Império Babilônico (em 2003 a.C.), uma série de outros povos ocuparam a região e contribuíram para a composição do que hoje conhecemos da história mesopotâmica.[3]

A religião dos Sumérios se constituía de mitos que correspondiam a suas especificidades, algumas das quais tratavam de narrativas sobre a criação do mundo e do homem precedidas pela criação do cosmos (cosmogonia), exercendo forte influencia nas civilizações posteriores.
A despeito das divindades dos povos Mesopotâmicos, cada cidade tinha seu próprio deus. Marduk, na época de Hamurabi era o deus protetor da cidade da Babilônia e passou a ser o mais importante na região. Ishtar simbolizava a fertilidade, Baal dos fenícios era também cultuado pelos israelitas como Baal-Peor durante o período do reinado de Acabe e talvez sendo o deus oficial das dez tribos, (I Reis 18 – Bíblia hebraica). Os antigos mesopotâmicos também acreditavam na existência de heróis, demônios e gênios. Construíram diversos Zigurates, templos erguidos onde se acreditava eram habitados pelos deuses, os quais foram símbolos de uma arquitetura grandiosa dos tempos antigos. Neles os sacerdotes exerciam papel de elo entre os deuses e os homens. Uma enorme variedade de outros deuses fazia parte do Panteão mesopotâmico, dentre eles Enlil deus do vento e das chuvas, Shamach do sol, Anu do céu.
Os Persas, outra civilização que constituiu um império grandioso, acreditavam na imortalidade da alma e na existência do bem e do mal (dualidade) e sua religião denominava-se Zoroastrismo, em homenagem ao profeta Zoroastro ou Zaratrusta, líder espiritual que a criou. Não se sabe com precisão o período em que viveu Zoroastro, mas os historiadores situam sua vida entre o século XVIII e X AEC. Existe uma lenda que atribui o nascimento do profeta por intermédio de uma virgem e que desde sua adolescência possuía uma grande sabedoria. A religião zoroastrista é considerada por muitos especialistas no estudo das religiões, tais como Bart Ehrman, como a primeira manifestação religiosa de caráter monoteísta. De acordo com os textos do Avesta, uma coleção de livros sagrados dessa religião, a ideia de ressurreição fazia parte de um de seus fundamentos. Zoroastro também ensinou que o fim do mundo seria precedido por um grande acontecimento, a ser predito por profetas[4]. Os persas tiveram os seus profetas, que foram Ascedermani e Ascerdemat, os quais se acredita, correspondem aos personagens da Bíblia sob os novos nomes de Enock Elias.
Concernente aos Egípcios, esses também possuíam inúmeros deuses dentre os quais Rá, Anúbis, Osíris, Ísis, Hórus. Mas em dado momento, por volta do século XIV AEC, sem colocar em discussão neste trabalho as causas políticas deste feito, o faraó Amenófis IV promoveu uma reforma religiosa que constituiu Aton, representado pelo disco solar, como o único deus do Egito, abolindo a adoração milenar aos demais deuses e instalando o monoteísmo em seu país. Não obstante, devemos considerar o fato que por algum tempo a região de Canaã tenha sido uma colônia egípcia, bem como um grupo de hebreus tenha migrado para o Egito, possibilitando que houvesse um sincretismo religioso entre as duas culturas, conforme as pesquisas apontam[5].
Os sacrifícios de animais, bem como em certos momentos de seres humanos, também faziam parte do cenário religioso dos antigos povos mesopotâmicos como forma de apagar a “ira dos deuses”. Em diversos lugares tais como Ur, Mári, Assíria, Ugarit, Amou, por volta do século XXIV AEC era prestado um culto ao deus Molok. Nele, crianças eram queimadas vivas. Esse culto foi introduzido na história de Israel pelas mãos do Rei Salomão. “Da tua semente não darás para a fazer passar pelo fogo perante Molok, e não profanarás o nome do teu deus” (Levítico 18:21-Bíblia hebraica). Salomão construiu altares para o deus Camos dos Moabitas e para Molok dos Amonitas. (I Reis 11:1-7). Outros reis de Israel fizeram seus filhos passar pelo fogo à Molok. O rei Acaz (II Reis 16:1-3), Manassés (II Reis 21:1-6). De acordo com a Bíblia hebraica esse culto parece ter se tornado uma prática entre o povo. (II Reis 17:16-17). Escavações em sítios nos arredores de Israel também encontraram restos de recém-nascidos sob fundações de habitações de Cananeus e Hebreus, parecendo significar uma espécie de oferenda para edificação da casa aos deuses.
Em um regime político teocrático, tanto na Babilônia como na Assíria e demais povos da antiguidade, o poder emanava de um Deus dos deuses sendo que o representante político era considerado um deus na terra. De acordo com o historiador Emerson Borges[6], o sacrifício tem por objetivo ser substituto do fiel para expiação e salvação conforme se depreende de um poema antigo citado pelo mesmo autor: “Ele entregou o cordeiro pela sua vida. Ele entregou a cabeça de cordeiro por cabeça de homem”. Todas essas práticas de imolação são consequências ocidentais do sacrifício caldeu. É razoável, portanto, sugerir que esses mitos foram assimilados pelos hebreus que os transcreveram para o Talmud[7], sendo consequentemente retransmitido para os Evangelhos do Novo Testamento, demonstrando que, em religião, as ideias nem sempre são originais.

2.1 A origem e religiosidade do povo hebreu na história
Os hebreus descendem de grupos nômades de origem semita que habitavam o noroeste da Mesopotâmia e que migraram para a região da Palestina por volta do século XX AEC, buscando terras mais favoráveis à agricultura. Diferente de sua origem descrita na Bíblia hebraica, estudos arqueológicos demonstraram haver bases culturais semelhantes com os Cananeus, merecendo destaque para concluirmos que se trata, provavelmente, do mesmo grupo que originou-se daqueles semitas nômades. 
No que diz respeito as suas origens religiosas as quais compõe sua construção a partir das histórias contidas na Bíblia, notadamente as que mencionam a criação do homem através do barro, dilúvio global, torre de babel, um salvador sendo gerado por uma virgem, dicotomia céu e inferno, dentre outras, foram influenciadas por diversas civilizações que habitavam a região do crescente fértil com as quais conviveram e que os colonizaram e escravizaram ao longo de sua existência como bem discorre Emerson Borges:
Pesquisas demonstraram diversas provas de que a Bíblia hebraica foi sobremaneira influenciada por mitos tais como o Enuma Elish (babilônico), o Livro dos Mortos (egípcio), o código de Ur-Nammu (sumério), o código de Hamurabi (babilônico), a Epopéia de Gilgamesh (acadiano), a Batalha dos Titãs gregos e a origem do Hades (inferno), o culto persa depois assimilado pelos romanos ao Deus Sol Invictus (nascimento, morte e adoração do Deus sol entre as doze constelações do zodíaco) entre outros.

Quando do exílio dos hebreus para a Babilônia no século VI AEC, até este momento o politeísmo era uma realidade cultural dentre esse povo. Só depois, quando o rei persa Ciro conquistou a região e os libertou é que o culto de adoração exclusiva a YAHWEH[8] (Javé ou Jeová) foi tomando forma, tornando-se universalmente aceito como um culto monoteísta, provavelmente a partir do reinado dos Macabeus no século II AEC (BORGES, 2014).
Analisando a crença dos povos do antigo Oriente Próximo que tiveram proximidade com os hebreus acreditamos ser possível que o Deus bíblico do Antigo Testamento seria provavelmente uma compilação de deuses pagãos de civilizações vizinhas. Arqueólogos e especialistas em estudos das civilizações do Oriente Próximo tais como Finkelstein e Silberman estão escavando sítios nos arredores de Israel desde muitos anos tendo encontrado antigas inscrições, artefatos e esculturas que permitem concluir existir uma grande influência e junção de diversos deuses com personalidades correlatas. O deus El dos Cananeus, bem como Baal e Asherah são deidades personificadas na figura bíblica de Yahweh dos hebreus, concluem esses historiadores e arqueólogos[9]. Nesse aspecto, Haroldo Raimer[10] também acrescenta que:
O monoteísmo hebraico, apesar de ser uma expressão identitária de um grupamento social e cultural específico de hebreus ou judeus, não surgiu de forma estanque a partir do depósito de bens simbólicos de uma só cultura semítica. Sua construção se deu em diálogo e em intercâmbio com expressões simbólicas de outros grupos presentes no antigo Oriente Próximo no período em questão.

Existem inúmeros indícios de que Yahweh dos hebreus seja uma fusão entre o deus idoso e paternal El, o deus guerreiro Baal e a deusa Asherah dos Cananeus, tendo em vista existir uma base cultural comum entre esse povo e o antigo povo hebreu. A Bíblia hebraica os trata como culturas distintas, mas os achados arqueológicos apontam para uma profunda semelhança de língua, costumes e cultura material. Com relação à língua, poucas são as diferenças entre a dos cananeus com o hebraico bíblico. Embora Ugarit, principal cidade-estado Cananéia ter sido completamente destruída pelos bárbaros em 1200 AEC, os arqueólogos conseguiram recuperar diversas inscrições da cidade que permitiram observar uma mitologia com incríveis semelhanças com as narrativas da Bíblia. A palavra El, significando deus, é encontrada repetidas vezes na versão original em hebraico nos textos do Antigo Testamento da Bíblia hebraica. El também se refere a uma divindade singular, como patriarca ou chefe de família dos deuses. Na cidade Cananéia de Ugarit, El tem simbolismo com a figura de Deus no período patriarcal mencionado no livro do Gênesis e personificado pelos ancestrais dos hebreus, Abraão, Isaac e Jacó. Conforme Emerson Borges (2014):
El Shadday (literalmente “El da Montanha”, embora a expressão normalmente seja traduzida como “Deus Todo-Poderoso”), El Elyon (“Deus Altíssimo”) e El Olam (“Deus Eterno”). O curioso é que, na mitologia Cananéia, El também é imaginado vivendo no alto de uma montanha e visto como um ancião sábio de vida eterna.

Ainda de acordo com Emerson Borges “El é um nômade, vivendo numa tenda dos beduínos e tem uma relação especial com os chefes dos clãs e tal como Abraão, Isaac e Jacó, ele os protege e lhes promete uma descendência numerosa”.
Outros estudos apontam que Yahweh era uma divindade originária do Sinai, onde a própria Bíblia nos oferece tal indício mencionando que Moisés teve contato com os povos desta região por meio de seu sogro Jetro, o qual era Quenita. “E Moisés tornou-se pastor do rebanho de Jetro, sacerdote de Midiã, de quem era genro” (Êxodo 3:1). “E os filhos do queneu, de quem Moisés era genro” (Juízes 1:16). É plausível sustentar que os hebreus tinham uma conexão com os Quenitas e Midianitas que viviam no deserto ao sul de Israel, sendo perfeitamente coerente dizer também que a origem de Moisés pode ser uma construção literária de tribos nômades como os primeiros hebreus e cananeus que adoravam a divindade El. Outros textos bíblicos também confirmam que a habitação original de Yahweh (Jeová) se estabelecia no deserto do Sinai:
E ele passou a dizer: “Jeová de Sinai ele veio, e raiou sobre eles desde Seir, reluziu desde a região montanhosa de Parã, e com ele havia santas miríades, à sua direita, guerreiros pertencentes a eles (Deuteronômio 33:02). Jeová, quando saíste de Seir, quando marchaste desde o campo de Edom, tremeu a terra... Montes fluíram de diante da face de Jeová, este Sinai, de diante da face de Jeová, Deus de Israel (Juízes 5:4-5). O próprio Deus passou a chegar de Temã, sim, um Santo desde o monte Parã. Sua dignidade cobriu os céus. e do seu louvor encheu-se a terra (Habacuque 3:3)[11].

Em relação ao politeísmo dos hebreus também é na própria Bíblia que encontramos as evidencias. “Pequei. Agora, por favor, honra-me diante dos anciãos do meu povo e diante de Israel, e volta comigo, e eu certamente me prostrarei diante de Jeová, teu Deus” (I Samuel 15:30). Nesta passagem o Rei Saul implora ao profeta Samuel perdão por não ter cumprido sua ordem em exterminar toda a nação dos Amalequitas, incluindo animais, mulheres e crianças recém-nascidas, bem como o próprio Rei Aguague que foi poupado por Saul assim como o melhor do seu rebanho. Samuel então diz que Yahweh havia rejeitado Saul. A expressão usada por Saul, “teu Deus”, nos remete concluir que Yahweh era Deus apenas de Samuel e que Saul reverenciava outro Deus, pois Saul pertencia a uma tribo diferente da tribo do profeta Samuel. As evidencias arqueológicas indicam que cada tribo tinha seu próprio Deus antes da reforma religiosa empreendida pelo Rei Josias.
Existiam profetas de diferentes deuses no Antigo Israel: de Jeová, de Baal, de Asherah, entre muitos outros. Diversas cidades de Israel contemplam Baal em sua formação, tais como Baal-Gad, Baal-Hammon, Baal-Thamar, entre outras[12]. Vejamos outras referencias bíblicas que nos permite inferir que os antigos israelitas, a exemplo das demais civilizações da antiguidade, cultuavam diversos deuses:
Certo dia, Acazias caiu da sacada do seu quarto no palácio de Samaria e ficou muito ferido. Então enviou mensageiros para consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom, para saber se ele se recuperaria (2 Reis 1:2). Quem entre os deuses é semelhante a ti, ó Jeová?.  (Êxodo 15:11). Não há nenhum igual a ti entre os deuses, ó Jeová, nem há quaisquer trabalhos iguais aos teus. (Salmos 86:8). Agora sei deveras que Jeová é maior do que todos os deuses.  (Êxodo 18:11). Pois, Jeová, vosso Deus, é o Deus dos deuses.  (Deuteronômio 10:17). O Deus dos deuses, o Deus dos deuses, bem o sabe, e Israel deve sabê-lo: se houve de nossa parte rebelião ou infidelidade para com Deus, que ele deixe de nos salvar neste dia. (Josué 22:22).
  
Portanto, expressões como “demais deuses”, “entre os deuses” e “Deus dos deuses” encontradas na Bíblia hebraica, apontam que o antigo Israel, a exemplo das demais civilizações da antiguidade, era politeísta e só após o exílio na Babilônia, sob o comando do Rei Josias que implantou a reforma Deuteronomista, os hebreus passaram a cultuar apenas um deus.

2.2 Semelhanças entre as religiões da antiguidade com a dos hebreus
O mito da criação babilônico é descrito no poema Enuma Elish[13], descoberto nas ruínas da Biblioteca de Assurbanipal em Nínive, atual Iraque, no final do século XIX sendo sua composição no período da Idade do Bronze nos tempos de Hamurabi. Esse achado é bem anterior ao descrito no livro do Gênesis da Bíblia hebraica, e contém profundas semelhanças. É impossível não reconhecer as similaridades entre a história da criação no Enuma Elish e a história da criação no Livro do Gênesis, com a mesma temática entre o Caos e a Ordem.
Conforme discorre o historiador Emerson Borges, divindades transformando caos em ordem eram muito antigas e comuns aos povos dessas antigas sociedades. Tanto no relato do Gênesis como no descrito no mito da criação babilônico, a criação é feita pela mesma ordem, começando na Luz e acabando no Homem[14]. A deusa Tiamat do Enuma Elish é comparável ao abismo (água das profundezas) no Gênesis 1:2, sendo que a palavra hebraica para abismo (Tehom) tem a mesma raiz etimológica que Tiamat. (L.W. King, Épico da Criação).
O dilúvio mundial do Gênesis bíblico é descrito na Epopeia de Gilgamesh, um antigo poema mesopotâmico considerado uma das primeiras obras da literatura mundial também encontrado sob as ruínas da Biblioteca de Assurbanipal em Nínive (atual Iraque) com seu registro em uma tábua de argila escrito em Acádio datando do século VIII AEC, sendo ainda proveniente de escritos do século XX AEC e que remontam tradições orais ainda bem mais antigas.[15] Esse poema descreve uma grande inundação enviada pelos deuses com objetivo de exterminar toda a vida na terra, sendo escolhido o herói Utnapishtim para sobreviver dando-lhe instruções sobre como construir uma embarcação e congregar um casal de cada espécie de animal. 
Sobre a Lei Mosaica, contida na Torá da Bíblia original, existem elementos de grande similaridade com o Código de Hamurabi, Livro Egípcio do Mortos e Código de Manu dos Indus. Vejamos algumas semelhanças entre o Código de Hamurabi e a Bíblia hebraica dentre muitas outras: 
Lei Mosaica lemos: “Fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará” (Levítico 24:20). No Código de Hamurabi lemos “Se um cidadão destruiu o olho de um (outro) cidadão, destruirão o seu olho” (Artigo 196); Se quebrou o osso de um cidadão, quebrarão o seu osso” (Artigo 197); “Se um cidadão arrancou um dente de um cidadão igual a ele, arrancarão o seu dente”. Lei Mosaica: “E caso homens cheguem a altercar, e um golpeie outro com uma pedra ou com uma enxada e ele não morra, mas caia de cama, se ele se levantar e deveras andar em volta, portas afora, com algo em que se apóie, então aquele que o golpeou terá de ficar livre de punição; somente dará compensação pelo tempo de trabalho que o outro perder, até que o faça completamente são” (Êxodo 21:18, 19). Código de Hamurabi: “Se um cidadão, em uma briga bateu em um (outro) cidadão e lhe infligiu um ferimento, esse cidadão deverá jurar ‘não bati nele deliberadamente’, e pagará o médico” (Art. 206).

No tocante a religião persa, é impossível não perceber as características religiosas dessa religião presentes na religião do povo hebreu, tais como imortalidade da alma, uma crença que já existia muito antes de serem levados cativos para a Babilônia, bem como a crença no livre arbítrio, produto da criação persa, a qual levaria o homem a escolha entre o bem e o mal. Do mesmo modo, na Ciropédia[16], bem anterior a Zoroastro, se lê que Ciro, moribundo, disse: 
Não creio que a alma que vive em um corpo mortal se extinga desde que saia dele, e que a capacidade de pensar desapareça apenas porque deixou o corpo que não tem como pensar por si mesmo.

Sendo assim, depreende-se que as histórias das religiões do mundo antigo, notadamente as da região do Oriente Próximo, foram sendo assimiladas pelo povo hebreu desde o tempo dos patriarcas, as quais foram compiladas e ordenadas pelos escribas “principalmente, no tempo do rei hebreu Josias (640-609 a.C.), para oferecer uma legitimação ideológica para ambições políticas e reformas religiosas específicas[17].
  
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode afirmar com precisão a influência do Épico de Gilgamesh com o Dilúvio bíblico, tendo em vista que tanto um quanto o outro podem ter sido influenciados por tradições orais ainda mais antigas que ao longo da história foram sendo transmitidos para gerações futuras, tendo em vista haver naquela época intensa circulação de mercadores das mais diversas etnias e religiões situados na região do Mediterrâneo, bem como em relação às demais crenças mitológicas que existiam entre as civilizações antigas.
Ao analisarmos a história do povo hebreu, percebemos que ele estabeleceu contato com os mitos e lendas sumério-acadianos, ora tomando por empréstimo e juntando às suas lendas e mitos, ora criando novos. Desta forma, os hebreus começaram a escrever sua própria história, ora compilando fatos de seu próprio povo em grandiosas lendas, ora adaptando mitos antigos à sua realidade e aos seus propósitos.
Além das mencionadas nessa pesquisa, existem inúmeros outros elementos que constituem claras evidências a despeito das influências que ocorreram entre as religiões da antiguidade. À medida que as pesquisas avançarem ainda mais na região do Oriente Próximo, elas poderão suscitar fatos ainda mais reveladores. Entretanto, já existe um consenso entre a maioria da comunidade acadêmica sobre a similaridade da religiosidade entre os povos da antiguidade os quais insistem que um pensamento religioso de uma determinada sociedade não é isolado sem as características de um pensamento que o antecedeu.
Portanto, ao estudarmos o contexto histórico em que o livro do Gênesis foi pensado e escrito, de acordo com Finkelstein e Silberman, nota-se que “a saga histórica contida na Bíblia não foi uma revelação miraculosa, mas um brilhante produto da imaginação humana”.
Desse modo, podemos discorrer que toda a cultura humana de uma determinada sociedade assume características e influências de culturas de sociedades anteriores e contemporâneas com as quais tiveram alguma proximidade. Esses fenômenos culturais estão presentes em todo o processo da trajetória humana, o que nestes termos tendemos a ser condescendentes com Fernand Braudel quando diz que: “O passado das civilizações nada mais é que a história dos empréstimos que elas fizeram umas às outras ao longo dos séculos[18].



terça-feira, 17 de março de 2015

Curso: História das Religiões Mediúnicas no Brasil

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ATENÇÃO! A Disciplina começará dia 26/03/2015 (Quinta) na sala 303D do Campus Largo de São Francisco da UFRJ. Os interessados devem enviarNome Completo e DRE (Caso sejam alunos da UFRJ) para o e-mail contato@klineeditora.com

PLANO DE CURSO

 DISCIPLINA: História das Religiões Mediúnicas no Brasil CÓD.: PROFESSOR: André Chevitarese / José Henrique M. Oliveira / Nicolas Theodoridis CARGA HORÁRIA: 45 Horas/Aula DIA DA AULA: 5ª Feira (Tarde) HORÁRIO: 14 h. às 17 h. SEMESTRE: 1º Semestre de 2015 TURMA: SALA:

EMENTA: Estudo da História das Religiões Mediúnicas no Brasil (espiritismo e umbanda), enfatizando as múltiplas relações tecidas entre elas e os demais componentes do campo religioso brasileiro.

 OBJETIVOS DA DISCIPLINA: 
 Possibilitar a compreensão da historicidade das Religiões Mediúnicas e sua inserção no campo religioso brasileiro.
  Discutir as relações entre as religiões mediúnicas e os principais componentes do campo religioso brasileiro.
  Oportunizar situações onde o aluno desenvolva a aplicação dos conhecimentos obtidos na disciplina em sua futura vivência profissional, como docente ou pesquisador. 


CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: 
1. Religiões Mediúnicas 
1.1 Contexto histórico 
1.2 Caracterização do campo mediúnico brasileiro
 1.2.1 O Espiritismo
 1.2.2 A Umbanda

2. Religiões Mediúnicas: Historiografia e Ciências Sociais

3. Religiões Mediúnicas e Campo Religioso Brasileiro
 3.1 Religiões mediúnicas e religiões afro-brasileiras
3.2 Religiões mediúnicas e catolicismo 
3.3 Religiões mediúnicas e religiões pentecostais 

4. Discurso Religioso e Lutas de Representação

 ESTRATÉGIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: 
Aulas expositivas dialogadas, atividades em grupo, apresentação de filmes.

AVALIAÇÃO:
 Provas, seminários, trabalhos em grupo, resenhas. 


BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

 GEERTZ, Clinfford. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. ______. O Fim da Religião. São Paulo: Attar, 2002.

FERRETTI, Sérgio. Notas sobre o sincretismo religioso no Brasil: modelos, limitações, possibilidades. In: Revista Tempo. Niterói (RJ): UFF, nº 11, 2001; p. 13-26.

 ISAIA, Artur C. Hierarquia católica e religiões mediúnicas no Brasil da primeira metade do século XX. In: Revista de Ciências Humanas. Florianópolis: Edufsc, nº 30, 2001; p. 67-80.

 MONTERO, Paula. Religião, Pluralismo e Esfera Pública no Brasil. In:Novos Estudos (74), Mar. 2006; p.47-65. 

NEGRÃO, Lísia Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. In: Revista Tempo Social. São Paulo: USP, Ano 5, v. 1-2, 1994; p. 113-122. ______. Magia e Religião na Umbanda. In: Revista USP. V. 31, 1996; p. 76-89. 


OLIVEIRA, José Henrique M. Entre a Macumba e o Espiritismo: uma análise do discurso dos intelectuais de umbanda durante o Estado Novo. In: Revista CAOS, nº 14. João Pessoa: UFPB, 2009; p. 60-85.

 ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo: Brasiliense, 1999. 

QUEIROZ, Maria Isaura P. Identidade nacional, religião e expressões culturais: a criação religiosa no Brasil. In: Viola Sachs. Brasil & EUA: religião e identidade nacional. Rio de janeiro: Graal, 1988; p. 59-83. 

STOLL, Sandra Jaqueline. Espiritismo à Brasileira. São Paulo: Edusp, 2003. 

THEODORIDIS, Nicolas. Diálogo com o espiritismo. In: Arquitetura das Ideias: a dessacralização da sociedade ocidental e o advento da fé raciocinada no contexto europeu da 2ª metade do XIX. Rio de Janeiro: UFRJ (Dissertação de Mestrado, 2014.

 VASCONCELOS, Sérgio Sezino D. Sincretismo e construção de identidade. In: Religião & Cultura. PUC-SP, v. 5, nº 10. Paulo: Paulinas-Educ, 2006; 21-32.



"Quem vos ouve, ouve a mim": Oralidade e Memória nos Cristianismos Originários Lair Amaro dos Santos Faria

"Quem vos ouve, ouve a mim": Oralidade e Memória nos Cristianismos Originários
Lair Amaro dos Santos Faria
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segunda-feira, 16 de março de 2015

Calvino e as epístolas de Inácio de Antioquia

Embora atualmente a maioria dos protestantes aceite a genuinidade das epístolas de Santo Inácio de Antioquia e até queiram utilizá-la em sua apologética anti-católica, o mesmo não acontecia com um dos pais do protestantismo: Calvino. Calvino ao ler as epístolas de Santo Inácio via que ela não se enquadrava em seu corpo doutrinário, por isto as rejeitava com a alegação de que elas eram totalmente espúrias. Não é de se estranhar que ele rejeitasse os principais documentos primitivos que minavam a ideologia protestante.
A Enciclopédia católica (Verbete: Santo Inácio de Antioquia) provê um sumário geral, com o qual nós podemos nosso exame:
Em intervalos durante os últimos séculos uma controvérsia quente tem sido exercida por patrólogos quanto à autenticidade das cartas de Santo Inácio. Cada recensão, teve seus defensores e seus opositores. Cada um tem sido favorecida com a exclusão de todas as outras, e todas, por sua vez, foram rejeitadas em massa, especialmente pelos correligionários de Calvino. O próprio reformador, em linguagem tão violenta quanto acrítica (Institutas, 1-3), repudia in globo as cartas que desacreditam completamente suas próprias visões peculiares sobre o governo eclesiástico. A evidência convincente de que as cartas suportam a origem divina da doutrina católica não é propícia para as predisponentes críticas não-católicas em seu favor, de fato, isso acrescentou não pouco ao calor da controvérsia. Em geral, os estudiosos católicos e anglicanos se mostram ao lado das cartas escritas aos Efésios, Magnesians, tralianos, romanos, Filadelfios, esmirniotas, e Policarpo; enquanto presbiterianos, como regra, e talvez a priori, repudiam tudo reivindicando a autoria inaciana.
Calvino exclama em suas institutas:
Com relação ao que eles fingem como de Inácio, se eles tivessem como se fossem de menor importância, que eles provem que os apóstolos promulgaram leis relativas a Quaresma, e outras corrupções. Nada pode ser mais repugnante do que os absurdos que foram publicados sob o nome de Inácio; e, portanto, a conduta daqueles que se oferecem com essas máscaras para decepção tem o menor direito à tolerância. (Livro I, Capítulo 13, Seção 29)
E mais uma vez em seu comentário a Filipenses 4, 3:
Aqueles que manter isso, citam Clemente e Inácio como suas autoridades. Se eles citaram corretamente, eu não iria certamente desprezar homens de tal eminência. Mas, como os escritos são apresentados a partir de Eusébio, que são falsas, e foram inventados por monges ignorantes, eles não são merecedores de muito crédito entre os leitores de bom senso. Vamos, portanto, interrogar-se sobre a própria coisa, sem tomar qualquer falsa impressão das opiniões dos homens.
O presbiteriano W.D. Killen escreveu um livro em 1886, intitulado, The Ignatian Epistles Entirely Spurious. [As Epístolas Inacianas Totalmente falsas]. Aqui está um trecho, onde ele menciona Calvino:
A questão da autenticidade das epístolas atribuídas a Inácio de Antioquia continuou a despertar o interesse desde o período da Reforma. Essa grande revolução religiosa deu um imenso impulso ao espírito crítico; e quando trouxe à luz do seu exame não poucos documentos e alegações que tinha passado por muito tempo incontestadas foram sumariamente declaradas espúrias. Eusébio escrevendo no quarto século nomeia apenas sete cartas atribuídas ao Inácio; mas muito antes dos dias de Lutero mais do que o dobro, estavam em circulação. Muitos destas foram rapidamente condenadas pelos críticos do século XVI. Mesmo as sete reconhecidas por Eusébio eram vistas com grave suspeita; e Calvino - que então estava à frente de teólogos protestantes - não hesitou em denunciar todas elas como falsificações. O longo trabalho empregado como um livro-texto em Cambridge e Oxford foi as Institutas do reformador de Genebra; [Nota de rodapé 2: 1] e, com seus pontos de vista sobre este assunto são há muito proclamados enfaticamente [2: 2]podemos presumir que todo o corpo da literatura inaciana era naquele momento visto com desconfiança pelos líderes de pensamento nas universidades inglesas.
Em outra parte do livro, ele exaltou grandemente Calvino por suas (agora completamente desacreditadas) opiniões:
Isto é prova da sagacidade do grande Calvino que mais de três séculos atrás, passou uma condenação arrebatadora sobre estas epístolas de St. Inácio... Calvino sabia que um homem apostólico deveria estar familiarizado com a doutrina apostólica, e ele viu que essas cartas deveriam ter sido produção de uma época em que a pura luz do cristianismo foi muito obscurecida. Por isso, ele denunciou-os de forma tão enfática; e o tempo verificou sua libertação.” (Citado na Enciclopédia de Literatuda bíblica, teológica e eclesiástica, John McClintock, pp. 492-493)
Apesar dos estudos de Zahn (1873) & Harnack (1878), ambos estudiosos protestantes, e Lightfoot (1885,1889), bispo anglicano, refutarem totalmente a teoria infundada de Calvino, de que as Epistolas de Santo Inácio teriam sido falsificadas, ainda houve quem acreditasse na palavra infundada dele, e rejeitasse os estudos destes proeminentes teólogos do meio protestante.
Robert Ellis Thompson (Presbiteriano) observa:
Em 1557 Valentin Pacaeus publicou em grego doze epístolas com o nome de Inácio de Antioquia. Sua autenticidade foi imediatamente posta em causa por Calvino e outros bons estudiosos, mas elas foram tratadas como uma autoridade para episcopado primitivo pelos Drs. Whitgift, Hooker, Andrews, Hall e outros que favorecia essa forma de governo” (The Historic Episcopate, Philadelphia: The Westminster Press, 1910, p. 76).
Historiador protestante Philip Schaff concorda:
A Recenssão grega maior de sete epístolas com oito outras adicionais. Quatro delas foram publicadas em latim em Paris, em 1495, como um apêndice de outro livro; mais onze por Faber Stapulensis, também em latim, em Paris, em 1498; em seguida, todas as quinze em grego por Valentine Hartung (chamado Paceus ou Irineu) em Dillingen, 1557; e doze por Andreas Gesner em Zurique, em 1560. Os católicos no início aceitaram como verdadeiros todos os trabalhos de Inácio; e Hartung, Baronius, Bellarmin defendiam pelo menos doze; mas Calvino e os centuriões de Magdeburgo rejeitaram todas elas, e os católicos mais tarde reconheceram pelo menos oito como absolutamente insustentáveis.” (History of the Christian Church, Vol. II: Ante-Nicene Christianity: A.D. 100-325, chapter 13, § 165. The Ignatian Controversy)
William Cureton, um estudioso inaciano importante e fundamental, também confirma essa avaliação:
...outros, com J. Calvino, não hesitaram em denunciar o todo como uma falsificação descarada e estúpida.” .(Corpus Ignatianum: A Complete Collection of the Ignatian Epistles, London: Francis & John Rivington, 1849, p. xvii)
Um recente livro sobre os Padres Apostólicos reitera não só de a posição de Calvino, mas a oposição protestante geral sobre a autenticidade das sete cartas inacianas, agora geralmente aceitas:
Estudiosos católicos geralmente defenderam a autenticidade das cartas por causa do valor polêmico óbvio da data de início de Inácio e a ênfase na forma monopiscopal da estrutura da igreja, enquanto os protestantes geralmente negaram a sua autenticidade, por razões semelhante...  Não até que o trabalho independente de Theodor Zahn (1873) e J.B Lightfoot (1885) reconheceu mundialmente a autenticidade das sete cartas contidas na recensão média alcançada. Desafios recentes ao consenso atual, não alteraram a situação.(Os Padres Apostólicos, segunda edição, traduzida por JB Lightfoot e JR Harmer, editado e revisado por Michael W. Holmes, Grand Rapids, MI:. Baker Book House, 1989, p 83)
Assim, Calvino não só aceitou o que Santo Inácio ensinou em suas epístolas; ele nem sequer aceitou as como genuínas. Assim, ele dificilmente pode ter incorporado os dados dele em sua apologética anti-católica. Para ele, o corpus inaciano era completamente fora da equação da disputa entre protestantes e católicos.
A questão que surge é: Se Calvino inventor do Calvinismo e pai da “reforma” protestante, via que as Epístolas de Santo Inácio não eram compatíveis com a teologia calvinista, como podem hoje os calvinistas e outros protestantes, quererem fazer uso destas epístolas para justificarem suas posições? Como pode o próprio Calvino rejeitar as epistolas como contrárias a doutrina cavinista e os calvinistas quererem utiliza-las para justificar as posições calvinistas e outras doutrinas protestantes? Há alguma coerência nisto?
Por fim, como diria o teólogo protestante alemão Adolf Harnack: “Quem considera as cartas inacianas como espúria, não estudou-as bem”.
PARA CITAR

ARMSTRONG, Dave. A rejeição de Calvino as Epistolas de Santo Inácio de Antioquia (110 d.C).  Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/controversias/778-a-rejeicao-de-calvino-as-epistolas-de-santo-inacio-de-antioquia-110-d-c>. Desde: 04/03/2015. Traduzido por: Rafael Rodrigues